Conservação de vacina em unidades públicas de saúde: uma revisão integrativa
Introdução
O êxito dos programas de imunização está relacionado com a qualidade dos
imunobiológicos que podem sofrer alterações durante o transporte, o
armazenamento e o manuseio. A conservação constitui uma medida estratégica,
para a manutenção da eficácia das vacinas, e faz parte das atividades do
Programa Nacional de Imunização (PNI) (Brasil. Ministério Saúde. Fundação
Nacional de Saúde, 2001).
No início da implantação dos Programas de Imunização a conservação dos
imunobiológicos não se destacava como um requisito importante. No Brasil, a
partir de 1977, a Rede de Frio - conservação dos imunobiológicos, desde a
produção até o momento da administração - passou a ser uma preocupação do PNI.
No ano de 1979 foi publicado pela Fundação Serviços de Saúde Pública (FSESP) o
primeiro Manual Técnico de Rede de Frio: O refrigerador na conservação de
vacinas. Em 1981 aconteceu o 1º Encontro de Gerentes do Programa Ampliado de
Imunização/Organização Panamericana de Saúde e o 1º Curso sobre Rede de Frio
das Américas. A seguir, em 1984 foi realizado o 1º Curso Nacional de
Procedimentos e Manutenção de Rede de Frio. Em 1988 publicou-se um manual mais
completo: Manual de Noções Básicas de Refrigeração e Procedimentos para
Conservação de Imunobiológicos (Brasil. Ministério Saúde. Fundação Nacional de
Saúde, 1988).
Desta forma, o PNI define como rede de frio o complexo de ligação entre os
níveis nacional, estadual, regional e municipal ou local, incluindo o
armazenamento, o transporte e a manipulação dos imunobiológicos em condições
adequadas (Brasil. Ministério Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2001). Por
serem produtos termolábeis isto é, se deteriorarem depois de determinado tempo,
quando expostos às variações de temperaturas inadequadas à sua conservação, os
imunobiológicos necessitam de conservação adequada, utilizando-se instalações,
equipamentos e procedimentos de manipulação apropriados (Brasil. Ministério
Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2001).
O PNI recomenda que as atividades em sala de vacina sejam realizadas por uma
equipe de enfermagem, capacitada para o manuseio, a conservação e a
administração dos imunobiológicos. A equipe é composta, preferencialmente, por
dois técnicos ou auxiliares de enfermagem, para cada turno de trabalho, sendo
os serviços de supervisão e treinamento realizados por um enfermeiro (Brasil.
Ministério Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2001).
Em pesquisa realizada em Pernambuco foi detetado que a equipe de enfermagem é a
principal responsável pelo processo de conservação dos Imunobiológicos (Brandão
et al., 2012).
Também em outros países como Portugal a vacinação é uma das principais
atividades de responsabilidade dos enfermeiros que trabalham em cuidados de
saúde primários (Subtil e Vieira, 2011).
A conservação de imunobiológicos no nível local, apesar de incontestável
relevância, apresenta falhas significativas que podem colocar em risco a
efetividade da imunização. Em avaliações realizadas de 2002 a 2005, em várias
partes do mundo, foram detectadas falhas que comprometem a qualidade das
vacinas como: falta de observação dos equipamentos na faixa de temperatura
recomendada para conservação de vacinas; carência de dispositivos para
monitorização desta temperatura; procedimentos insuficientes no recebimento
devacinas, visando o controle da temperatura no momento da chegada da vacina
nos diversos níveis da cadeia de frio; equipamentos desgastados e com
necessidade de substituição; o transporte de vacinas como uma das práticas de
maior risco para a qualidade da vacina visto que são usadas bobinas de gelo
reutilizável e/ou sacos de gelo ambientados, impropriamente, pondo em risco a
exposição das vacinas a temperaturas de congelamento e a falta de conformidade
da ambientação própria das bobinas de gelo (World Health Organization, 2006).
Também, uma investigação recente nos Estados Unidos levanta a hipótese de que
falhas no armazenamento de vacinas em unidades de saúde locais pode estar a
contribuir para um recente aumento nas taxas de morbidade da coqueluche no país
(Mccolloster e Vallbona, 2011).
Assim, procuramos, com este artigo, identificar os entraves apontados na
literatura, na rede de frio de conservação de vacinas, nas unidades públicas do
sistema de saúde brasileiro.
Metodologia
Trata-se de uma revisão integrativa que é uma abordagem metodológica ampla que
permite a inclusão de estudos experimentais e não-experimentais além de dados
da literatura teórica e empírica. Tem como propósitos a definição de conceitos,
a revisão de teorias e evidências, e a análise de problemas metodológicos de um
tópico particular. Este método de pesquisa permite a síntese de múltiplos
estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma particular
área de estudo (Whittemore e Knafl, 2005).
A revisão seguiu as seguintes etapas: formulação da questão norteadora e dos
objetivos da revisão; estabelecimento de critérios para seleção dos artigos;
categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão
integrativa; análise dos dados e apresentação dos resultados. Ressalta-se que
estas etapas são típicas dos estudos de revisão integrativa (Whittemore e
Knafl, 2005).
A presente revisão teve como questão norteadora: Quais são os entraves
apontados na literatura, sobre a rede de frio de conservação de vacinas, nas
unidades públicas do sistema de saúde brasileiro?
O levantamento bibliográfico foi realizado por meio de uma procura nas bases de
dados LILACS, SCIELO, MEDLINE e na base de dados BDENF. Para o levantamento do
estudo foram utilizadas as palavras-chaves vacinas, rede de frio, refrigeração,
avaliação, centro de saúde e armazenagem de medicamentos que foram combinadas
da seguinte forma: vacina e rede de frio; vacina e refrigeração; avaliação e
vacina; vacinas e centro de saúde; vacina e armazenagem de medicamentos. Para a
procura na base de dados Medline, ademais da utilização dos mesmos descritores
citados anteriormente (com os mesmos agrupamentos), os resultados foram
combinados com o término Brasil (OR Brazil OR Brazilian), no campo afiliação e
em texto livre.
Foram incluídos artigos publicados no período de 1988 a 2011 que abordassem a
temática da conservação de vacina no Brasil e que pela pesquisa e/ou inspeção
das salas de vacina apontassem dados sobre os recursos materiais, procedimentos
e/ou nível de conhecimento necessário aos profissionais, para garantir uma
adequada conservação de vacinas. O ano de início da pesquisa é justificado por
coincidir com a publicação do Manual de Noções Básicas de Refrigeração e
Procedimentos para Conservação de Imunobiológicos (Brasil. Ministério Saúde.
Fundação Nacional de Saúde, 1988). Foram definidos como critérios de exclusão
os manuais de rede de frio, manuais de capacitação em sala de vacina, capítulos
de livros e artigos que abordassem a temática da conservação de vacinas em
outros países.
Para ampliar a procura de estudos foi realizada a análise de referências dos
estudos encontrados nas bases de dados selecionadas, com o propósito de
identificar outros estudos que contemplavam o objetivo da pesquisa.
A análise do material foi realizada no período de abril a maio de 2011. Num
primeiro refinamento da pesquisa foram identificados 53 artigos. No sentido de
identificar os estudos relevantes para os critérios da nossa revisão foram
analisados todos os resumos encontrados. Foram excluídos 36 artigos repetidos.
Também excluímos uma tese e uma dissertação pois os artigos referentes às
mesmas já haviam sido incluídos na amostra. Dos 15 artigos restantes realizou-
se a procura na íntegra pelo site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior, pelo Sistema de Comutação Bibliográfica da Universidade
Federal de São João Del Rei e um artigo pela pesquisa direta na Biblioteca da
Universidade Federal de Minas Gerais. Após a análise dos 15 artigos foram
excluídos 3 artigos da Medline, dois por se tratar de revisão sistemática sobre
conservação de vacinas que não incluía o Brasil e um artigo que avaliou o
armazenamento de vacina nas unidades de cuidados primários dos Estados Unidos.
Na base de dados BDENF foi excluído um artigo por se tratar de análise
reflexiva da prática do enfermeiro em sala de vacina não abordando a temática
do estudo. Um artigo do LILACS que abordava avaliação específica da conservação
da vacina de sarampo não atendendo aos objetivos da pesquisa também foi
eliminado. Para a análise final do estudo fizeram parte da amostra 10 artigos
como mostra a figura_1.
Foi realizada a análise bibliométrica dos dados com a construção de um
formulário de coleta de dados, que foi preenchido para cada artigo da amostra
final do estudo contendo: autor principal, localização do artigo, ano e
periódico de publicação, autoria e categoria profissional do autor principal. A
análise temática dos dados foi elaborada a partir de um processo de leitura na
íntegra e síntese dos estudos, com o propósito de verificar a contribuição de
cada estudo para a elucidação da questão norteadora, de forma a atingir o
objetivo proposto.
Resultados
Analisando o número de publicações, entre 1988 e 1999 não há nenhum artigo
publicado, somente no ano de 2000 é identificado um artigo e depois somente em
2006 uma nova produção. Percebe-se também um aumento significativo de
publicação no ano de 2009, 5 artigos publicados, ainda que não se conheça os
possíveis motivos para esse comportamento. Na sequencia teremos 2 artigos
publicados em 2010 e um artigo publicado em 2011.
Com relação à categoria profissional do autor principal, nove eram enfermeiros
e um médico. Dos dez artigos avaliados, quatro artigos foram provenientes de
trabalho de conclusão de curso de graduação, um artigo de monografia de pós
graduação, dois artigos originários de tese de doutorado e um de dissertação de
mestrado. Consequentemente, somente dois artigos apresentam como instituição
sede do autor principal, instituições de saúde, os restantes eram provenientes
de universidades.
Dentre os estudos, seis artigos foram publicados em revistas de enfermagem,
três em revistas de saúde coletiva/epidemiologia e uma publicação na área das
ciências da saúde. Ao analisar a origem da produção, de acordo com as regiões
geográficas brasileiras, percebe-se a predominância de estudos desenvolvidos na
Região Sudeste 5 (50,0%), seguida da Região Nordeste 4 (40,0%) e contra apenas
1 (10,0%) desenvolvido na Região Sul.
Em relação ao delineamento da pesquisa todos os estudos eram quantitativos
descritivos e os artigos que atenderam aos critérios de inclusão definidos no
estudo estão relacionados no quadro_1.
Quadro_1
Frequentemente, um mesmo estudo apresentou diferentes entraves, visto que os
autores analisaram o contexto geral da conservação de vacinas. Os dez estudos
analisados permitiram agrupar os resultados por similaridade de conteúdo, sendo
constituídas três categorias de análise referentes à conservação de vacinas.
São elas: falhas no armazenamento de vacina nas unidades de saúde; ausência de
supervisão da sala de vacina pelo enfermeiro; falta de capacitação da equipe de
enfermagem. Na categoria, falhas no armazenamento de vacina nas unidades de
saúde, foram avaliadas as falhas que foram comuns nas diversas publicações.
Discussão
Observa-se que a produção científica de artigos publicados sobre conservação de
vacina é bastante escassa, somente 10 artigos nos últimos 23 anos. É esperado
que a maioria dos autores sejam enfermeiros, visto que a atividade de
imunização nos serviços públicos de saúde normalmente é exercida pela equipe de
enfermagem.
A vacinação tem ocupado lugar de destaque entre as políticas públicas de saúde
no Brasil. Essa estratégia tem alcançado altos índices de eficiência e servido
de parâmetro para iniciativas semelhantes em outros países (Porto e Ponte,
2003). O PNI brasileiro tem-se destacado no cenário internacional devido aos
seus notáveis avanços na prevenção, controle e eliminação de doenças
imunopreveníveis, além do acelerado processo de introdução de novas vacinas no
calendário. Entretanto, para que esta iniciativa continue a ter êxito é
necessário que as vacinas cheguem à população em estado de máxima potência e
para isso é necessário respeitar as normas de conservação das vacinas.
Falhas no armazenamento de vacina nas unidades de saúde
Os estudos analisados apontam para inúmeras deficiências no armazenamento de
vacinas nas unidades de saúde que podem comprometer a qualidade da
imunogenicidade, além de um aumento considerável nos custos do PNI, com perdas
desnecessárias de vacinas por erros de manutenção da cadeia de frio.
Foram encontrados, nas publicações, vários entraves relacionados com a
organização do refrigerador como: o posicionamento incorreto das vacinas no
interior do refrigerador; a não exclusividade do refrigerador; degelo e limpeza
fora das normas preconizadas pelo PNI (Oliveira et al., 2009a; Oliveira et al.,
2009b; Melo, Oliveira e Andrade, 2010; Ribeiro et al., 2010).
As vacinas no nível local são conservadas em temperatura entre +2º C e +8º C, e
são distribuídas no refrigerador de acordo com a termoestabilidade, ou seja, as
vacinas que contêm adjuvantes não podem ser submetidas a congelamento e assim
são dispostas na segunda prateleira.
É importante mencionar que achados incongruentes sobre a disposição dos
imunobiológicos no interior do refrigerador foram citados nos diversos estudos
brasileiros (Oliveira et al., 2009a; Oliveira et al., 2009b; Melo, Oliveira e
Andrade, 2010; Queiroz et al., 2009; Araújo, Silva e Frias, 2009).
Durante muitos anos o PNI disponibilizou apenas uma cesta mínima de vacinas
contra a tuberculose, a poliomielite, a difteria, tétano e coqueluche e o
sarampo o que facilitava a disposição das vacinas no refrigerador. Era
orientado o acondicionamento das vacinas virais (poliomielite e sarampo) na
primeira prateleira e as vacinas bacterianas (BCG e DTP e TT) na segunda
prateleira. Atualmente, com a expansão do PNI e, consequentemente, o aumento do
número de vacinas disponibilizadas à população, esse conceito não é mais
verdadeiro. Hoje temos várias vacinas virais que não podem ser congeladas que
ficam armazenadas na segunda prateleira. Talvez isso possa estar a provocar uma
maior dificuldade na organização do refrigerador.
Outra consideração, é que até recentemente a ênfase da rede de frio era dada à
prevenção da exposição das vacinas a altas temperaturas, principalmente durante
o transporte. Atualmente os estudos apontam o congelamento de vacinas nas
diversas fases da rede de frio o que resulta na perda de potência,
comprometendo a imunogenicidade ( Nelson et al., 2007).
Os estudos de Aranda e Moraes (2006) e Oliveira et al. (2009b) demonstraram um
desconhecimento dos profissionais sobre a inativação das vacinas quando
submetidas a temperaturas de congelamento. Porém, para Aranda e Moraes (2006),
o baixo índice de conhecimento sobre o efeito do congelamento na eficácia da
vacina não coloca em risco a efetividade do PNI, pois nas unidades de saúde é
utilizado o refrigerador, não se armazenam vacinas no congelador e todos os
profissionais conhecem os limites de temperatura recomendados para a
conservação de vacinas no nível local.
Alguns estudos, contraditoriamente, verificaram desconhecimento do intervalo de
temperatura recomendado para armazenamento das vacinas no nível local pelos
profissionais de enfermagem (Oliveira et al., 2009a; Oliveira et al., 2009b;
Luna et al., 2011). A ssim, consideramos que existem falhas de conservação no
quotidiano do trabalho da enfermagem em sala de vacinas, relacionadas com a
temperatura da geladeira, reforçando a necessidade de investir na educação
permanente dos trabalhadores em sala de vacina no contexto do PNI.
Também no Município de Olinda ' Pernambuco foi feito um estudo avaliativo do
grau de implantação do Programa de imunização. Os resultados demonstraram que
22,5% das equipes de saúde da família não mantinham as vacinas em condições
adequadas de conservação. A falha mais encontrada foi o mau funcionamento de
geladeiras e termômetros (Santos et al., 2006).
Outros entraves citados são referentes à monitorização da temperatura que está
relacionada com o registo correto no mapa de controle diário das temperaturas,
no início e no final da jornada de trabalho; ambientação das bobinas de gelo
reciclável na organização da caixa térmica; monitorização da temperatura da
caixa térmica ou do equipamento de uso diário (Oliveira et al., 2009a; Oliveira
et al., 2009b; Melo, Oliveira e Andrade, 2010; Araújo, Silva e Frias, 2009;
Luna et al., 2011).
É preciso considerar que o mapa de controle diário da temperatura oferece
informações sobre a variação da temperatura do refrigerador além de ser
considerado um documento que valida a qualidade da refrigeração dos
imunobiológicos.
No mesmo raciocínio, para caracterizar a experiência e o conhecimento da equipe
de enfermagem sobre imunização, o estudo de Luna et al. (2011) identificaram
que, em várias unidades de saúde, o mapa de registo diário da temperatura do
refrigerador continha valores inferiores e superiores recomendados, que são
contestados pelo PNI.
Estudos em outros países também detetaram falhas semelhantes, como em Madrid,
uma investigação realizada para avaliar a cadeia de frio encontrou 23,3% de
unidades públicas de saúde que não realizavam controle diário da temperatura
(Molina et al., 2002).
Estudo semelhante em Valência detetou número ainda maior, 75% dos centros de
saúde não preenchiam diariamente o gráfico de controle da temperatura e ainda
em 33,8% geladeiras havia presença de alimentos e em 39,7% dos refrigeradores
as vacinas não estavam dispostas corretamente (Barber-Hueso et al., 2009).
Em Kalasin na Tailândia, numa pesquisa realizada para avaliar o conhecimento do
programa de imunização e do sistema de cadeia de frio, detectou-se que em
apenas 61,1% das unidades verificavam a temperatura do refrigerador duas vezes
ao dia e cerca de 13% dos refrigeradores apresentavam temperatura fora do
recomendado de 2ºC a 8ºC (Widsanugorn et al., 2011).
Considerando a sensibilidade dos imunobiológicos às alterações de temperatura e
à utilização do refrigerador doméstico, que não é o equipamento ideal para
armazenamento das vacinas, o controle e o registro adequados da temperatura
fazem-se necessários para assegurar a qualidade da conservação das vacinas.
No tocante à ambientação da bobina de gelo reciclável e a monitorização da
caixa térmica com termômetro, foi verificado nos estudos que essas atividades
nem sempre são realizadas (Oliveira et al., 2009b; Melo,Oliveira e Andrade,
2010; Araújo, Silva e Frias, 2009). A causa mais comum de congelamento de
vacina pode estar associada ao fato da não ambientalização da bobina de gelo.
Em virtude da prática de se colocar de forma imediata as bobinas de gelo
reciclável, retiradas do congelador, aproximadamente a -20ºC, o que pode levar
as vacinas, sensíveis ao congelamento, a um grande risco.
Com a crescente introdução de vacinas nos calendários atuais e,
consequentemente, com um custo elevado de algumas destas vacinas, faz-se
necessária uma maior supervisão das atividades de conservação, visando a
qualidade dos imunobiológicos disponibilizados à população.
A ausência de supervisão do enfermeiro em sala de vacina
A supervisão em enfermagem é um instrumento viável para a avaliação da
qualidade da assistência prestada à população, e o enfermeiro tem papel
fundamental no processo de conservação de vacinas, assegurando que os
imunobiológicos dispensados à população mantenham as suas características
iniciais, para conferir imunidade.
A supervisão das atividades em sala de vacina é essencial para a monitorização
e a avaliação de processos, na medida em que procura estabelecer o alcance dos
objetivos e metas cumpridos. Consiste no acompanhamento e na orientação do
trabalho da equipe, constituindo uma prática onde estão embutidos os atos de
verificar e avaliar se as ações, desenvolvidas em sala de vacina, estão em
consonância com as normas técnicas do PNI (Brasil. Ministério Saúde. Fundação
Nacional de Saúde, 2001).
Para cumprir os preceitos legais da responsabilidade técnica da sala de
vacinação é necessária a presença diária do enfermeiro, que deve atuar na
vacinação, supervisão contínua e capacitação da equipe de enfermagem. No
entanto, cabe ao serviço municipal de saúde oferecer condições para que o
enfermeiro assuma, de fato, a responsabilidade técnica por essa área do
cuidado, sob pena de ter a qualidade dos serviços de vacinação comprometida
(Queiroz et al., 2009; Escobar e Adami, 2002).
Porém, nos estudos avaliados, observou-se que a atividade de supervisão pelo
enfermeiro não é realizada nas salas de vacina o que pode comprometer a
qualidade da assistência (Queiroz et al., 2009; Escobar e Adami, 2002; Neres et
al., 2009).
Estudo com objetivo de conhecer a atuação da equipe de enfermagem na sala de
vacinação assinalamos que em algumas unidades avaliadas, o enfermeiro
comparecia tão somente para recolher os mapas de administração dos
imunobiológicos, situação que descaracteriza o papel esperado do enfermeiro,
responsável técnico pela sala de vacina (Queiroz et al., 2009).
Esta revisão mostrou inúmeras deficiências na conservação de vacinas em
diversas regiões do país. No intuito de minimizar estas deficiências, o
enfermeiro precisa supervisionar as atividades desenvolvidas na sala de vacina
como parte do processo do assistir e do processo educativo, pois engloba o
acompanhamento do fazer dos trabalhadores de enfermagem na sala de vacina,
quando a supervisão acontece.
A falta de capacitação da equipe de enfermagem em sala de vacina
A equipe de enfermagem tem efetiva participação no processo de conservação dos
imunobiológicos, todavia o que se observou, nas pesquisas, foi a ausência de
capacitação dos recursos humanos, as atualizações não têm vindo a ser
realizadas sistematicamente para os profissionais (Oliveira et al., 2009b;
Melo, Oliveira e Andrade, 2010; Luna et al., 2011). Em virtude do amplo
desenvolvimento do Programa Nacional de Imunização, do acelerado processo de
introdução de novas vacinas no calendário e do zelo pela qualidade de
assistência à população, atualizações sistemáticas são necessárias para todos
aqueles que trabalham nas salas de vacinas.
Dos quatro estudos que avaliaram a capacitação dos trabalhadores em salas de
vacina, somente o estudo de Aranda e Moraes (2006) realizado na cidade de São
Paulo, apontou uma capacitação abrangente destes profissionais.
Estudo realizado com o objetivo de analisar conhecimentos e práticas do
auxiliar de enfermagem em salas de imunização identificou, nos dos dez
auxiliares de enfermagem entrevistados, apenas duas informantes que disseram já
ter participado de atualizações na área de imunização. Realmente, são
observadas poucas iniciativas de cursos de atualização, o que pode ser um
importante entrave para modificação de práticas e rotinas instituídas, além de
prejudicar a qualidade da assistência prestada ao paciente já que os auxiliares
são os responsáveis diretos pela prestação serviço em sala de vacina (Feitosa,
Feitosa e Coriolano, 2010).
Numa investigação recente, para identificar o conhecimento técnico dos
vacinadores e os aspectos relacionados ao processo de conservação dos
imunobiológicos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) em Petrolina ' PE,
verificou-se que a última capacitação realizada no município ocorreu em 1996.
Dos 16,2% profissionais que relataram capacitação em salas de vacina,
realizaram essa capacitação há mais de três anos (Brandão et al., 2012).
A qualidade do trabalho e o alcance das metas propostas não dependem somente do
quantitativo de trabalhadores em salas de vacina, mas da realização de
capacitações que favoreçam a aquisição de habilidades técnicas e o
desenvolvimento de atitudes (Brasil. Ministério Saúde. Fundação Nacional de
Saúde, 2001).
O Ministério da Saúde orienta que o processo de capacitação deve ser
continuado, realizado no próprio local de trabalho. No entanto, a participação
de profissionais de outros municípios, da instância regional ou estadual,
possibilita o intercâmbio e a atualização de conhecimentos. Devem-se priorizar
metodologias ativas enfocando a prática e a experiência dos trabalhadores,
evitando formas tradicionais, baseadas na simples transferência de
conhecimentos, habilidades e destrezas. O manual de procedimentos para a
vacinação dispõe de instrumentos de capacitação, tais como o treinamento em
salas de vacinas e o gerenciamento em rede de frio, sistema de informação e
vigilância de eventos adversos (Brasil. Ministério Saúde. Fundação Nacional de
Saúde, 2001).
As capacitações em salas de vacina, em geral, destinam-se mais à atualização
técnico-científica e quase sempre são realizadas pelo nível central das
secretarias municipais de saúde ou pela própria regional de saúde. Essa lógica
de atualização do conhecimento normalmente acontece fora do quotidiano das
salas de vacina, de forma descontextualizada, sem o envolvimento integral da
equipe multiprofissional. Isto, consequentemente, não resulta em mudanças nas
práticas de imunização, resumindo-se em aprendizagens individuais e pontuais.
Os organizadores das capacitações, normalmente, solicitam aos participantes que
repassem as informações aos que não participaram, o que implica repasses
parciais ou descontextualizados (Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação
em Saúde, 2009).
Capacitações, envolvendo todos os profissionais de enfermagem, organizadas pelo
nível central das secretarias municipais de saúde, ou pelas gerências regionais
de saúde, são inviabilizadas pela logística necessária devido ao grande
quantitativo de pessoal, ao acesso, à efetividade metodológica e à velocidade
do conhecimento na área da saúde.
Desta maneira, a educação no trabalho, é uma alternativa para melhorar o
desempenho técnico, minimizando a ocorrência de falhas nos procedimentos e,
consequentemente,acarretando reflexo na qualidade da assistência. É importante
destacar que os processos educativos devem ser contínuos, pois o caráter
permanente dessas ações é estratégico,para que o profissional não crie vícios
na execução do seu trabalho, ou seja, automatize as ações de cuidado (Montanha
e Peduzzi, 2010).
Neste sentido é imprescindível que os municípios invistam na manutenção de
recursos humanos e equipamentos para armazenamento e transporte dos insumos
necessários para a efetivação da rede de frio do PNI.
Conclusão
O cuidado com a conservação de vacinas, que perpassa por uma série de
atividades, presente na práxis da enfermagem, aponta para a necessidade de
capacitação dos recursos humanos, de monitoramento e avaliação do processo de
trabalho e de novos estudos na área.
A leitura crítica e aprofundada dos artigos permitiu sinalizar que a produção
científica sobre conservação de vacinas é bastante irregular ao longo dos anos
e pouca expressiva frente ao avanço do PNI. Também foi possível observar que
todos os estudos avaliados são quantitativos e descritivos. Frente às falhas
detetadas nos artigos incluídos na amostra, é importante compreender os fatores
que interferem no processo de conservação de vacina, dificultando o cumprimento
das normas do Programa Nacional de Imunização.
É necessário, também, a realização de pesquisas para identificar a qualidade
das vacinas administradas nas unidades de saúde, visto que o processo de
conservação de vacina é indispensável para a manutenção da imunogenicidade dos
imunobiológicos dispensados à população.
Para além disso, o enfermeiro, como responsável técnico pela equipe de
enfermagem, necessita participar no quotidiano da sala de vacina, aproximando
das demandas, dificuldades e necessidades dos técnicos/auxiliares de
enfermagem, propiciando a educação permanente dos trabalhadores em salas de
vacina.