Impacto da prática regular de exercício físico no equilíbrio, mobilidade
funcional e risco de queda em idosos institucionalizados
INTRODUÇÃO
O envelhecimento é acompanhado pelo marcado declínio das capacidades
funcionais. Sendo um processo complexo, o envelhecimento resulta da interacção
de diversos factores (p.e. factores genéticos, estilo de vida, doenças
crónicas) determinando o declínio da capacidade funcional. No entanto, a
manutenção de um estilo de vida activo através da realização regular de
exercício físico (p.e. exercício aeróbio e/ou exercício de força) contribui
para um envelhecimento mais saudável, que se caracteriza entre outros aspectos
por níveis de aptidão que se relacionam com menor risco de morbilidade e
mortalidade(1).
O declínio da capacidade funcional resulta, em parte, de alterações
neuromusculares tais como a desnervação muscular, a atrofia e perda selectiva
de fibras musculares (especialmente das fibras tipo II) com redução da massa
muscular total e a diminuição da força e da potência muscular. Estas alterações
repercutem-se negativamente no equilíbrio e na mobilidade funcional dos
sujeitos idosos pela redução da eficácia dos mecanismos de ajustamento postural
e do controlo motor(2), contribuindo para o aumento do risco de quedas e
fracturas na população idosa(3). Risco esse que é particularmente elevado em
idosos institucionalizados, uma vez que, entre outros factores, os níveis de
aptidão funcional são inferiores aos de idosos não institucionalizados o que
poderá explicar parcialmente a maior prevalência de quedas com fractura do colo
do fémur que se tem observado neste segmento populacional(4, 5).
O padrão de declínio da força muscular não é uniforme em todas as regiões
corporais e grupos musculares. A força dos membros inferiores diminui mais
rapidamente com a idade do que a dos membros superiores. À diminuição da força
dos membros inferiores associa-se menor capacidade de realização de certas
acções e actividades da vida diária, tais como: levantar de uma cadeira,
apanhar um objecto do chão, caminhar e subir escadas(1). Contudo, vários
autores sugerem que independentemente do sexo, a participação de idosos em
programas de exercício físico promove aumento da massa muscular, da força
muscular(1, 2, 6) e do equilíbrio(1), reduzindo o risco de quedas(1, 7, 8) e
consequentemente de fracturas(1).
O aumento da população idosa e os elevados níveis de inactividade física que em
diversos países se registam nesta população, níveis esses que são mais
acentuados nos idosos institucionalizados(9), fazem prever o aumento da
prevalência e incidência de quedas nesta faixa populacional. Deste modo, o
exercício físico poderá desempenhar um papel chave na manutenção do equilíbrio,
da mobilidade funcional e consequentemente na prevenção de quedas em idosos.
Tendo em consideração o anteriormente exposto constituiu-se como objectivo
deste estudo a comparação do equilíbrio, da mobilidade funcional e da proporção
de sujeitos em categorias de risco de queda em função do desempenho nos testes
de aptidão funcional, entre idosos institucionalizados treinados e não
treinados. Adicionalmente, procurou-se determinar o risco de queda (odds ratio)
em função de os idosos serem ou não praticantes de exercício.
MATERIAL E MÉTODOS
Recrutamento e selecção dos participantes
A amostra foi recrutada em Lares de 3ª Idade, da área metropolitana da cidade
do Porto, que ofereciam aos seus residentes programas de exercício físico. Os
responsáveis dos Lares de 3ª Idade foram contactados telefonicamente e
convidados a aderirem ao estudo. Posteriormente, após obtida adesão dos
responsáveis dos lares, foi efectuado convite aos residentes para participarem
no estudo. Todos os que concordaram em participar no estudo foram entrevistados
para recolher a história médica e determinar a sua elegibilidade para
participar no estudo. Para ser incluído no estudo os sujeitos deveriam ser
institucionalizados, com idade igual ou superior a 65 anos e não ter nenhum dos
seguintes critérios de exclusão: lesões osteo-articulares ou músculo-tendinosas
recentes envolvendo os membros inferiores; patologia vestibular e/ou do sistema
nervoso central; hipotensão postural; patologia impeditiva da prática de
exercício físico; e, estar a tomar medicação com influência no equilíbrio.
Adicionalmente, a todos os voluntários foi aplicado um questionário para a
determinação daqueles que praticavam regularmente exercício físico estruturado
nos 12 meses anteriores ao inicio do estudo (sessões de 60 minutos pelo menos 3
vezes por semana) e daqueles que não praticavam. As informações referentes à
organização e estrutura das sessões de exercício foram obtidas junto dos
responsáveis pela sua supervisão, recolhendo-se informação respeitante ao tipo
de exercício, frequência semanal e duração das sessões. De acordo com as
informações prestadas, as sessões dividiam-se em 3 fases, uma fase inicial de
aquecimento, uma fase principal e uma fase final de retorno à calma. A parte
principal das sessões era fundamentalmente composta por exercícios dirigidos
para o desenvolvimento da aptidão cardiorespiratória, do equilíbrio, da
coordenação, da força muscular e da flexibilidade.
Amostra
A amostra final foi constituída por 144 idosos institucionalizados, com idade
compreendida entre 65 e 96 anos. Os sujeitos foram divididos em dois grupos:
exercício (n=65, 51 sujeitos do sexo feminino; idade: 76.7 ± 8.1 anos; peso:
73.9 ± 15.2 kg; altura: 159.6 ± 7.8 cm) e sem exercício (n=79, 51 sujeitos do
sexo feminino, idade:78.9 ± 8.4 anos; peso: 70.1 ± 12.8 kg; altura: 158.2 ± 8.5
cm).
Todos os sujeitos deram o seu consentimento informado por escrito e todos os
procedimentos foram efectuados de acordo com a declaração de Helsínquia.
Avaliação do equilíbrio e da mobilidade funcional
Todos os sujeitos completaram a recolha de dados numa única sessão matinal,
após familiarização com o protocolo experimental e com os instrumentos de
avaliação.
A avaliação do equilíbrio foi efectuada com recurso ao Functional Reach Test
(FRT) e a mobilidade funcional ao Timed Up & Go Test (TUG). Durante a
realização dos testes todos os sujeitos foram instruídos a usar o mesmo tipo de
calçado. Antes da avaliação, o examinador familiarizava o sujeito com os
procedimentos através da explicação, demonstração e da realização de uma ou
mais repetições práticas. Para cada teste, cada sujeito executou três
repetições retirando-se a melhor das três para análise.
O FRT é um teste de performance que mede a distância máxima que um sujeito, na
posição de pé, pode alcançar anteriormente mantendo os pés fixos. Na posição
inicial, o sujeito encontra-se de pé com o membro superior dominante numa
posição de flexão do ombro a 90º, cotovelo em extensão e segurando um pequeno
objecto cilíndrico na mão. Em seguida, é-lhe pedido que, com base de
sustentação fixa, faça flexão do tronco projectando anteriormente o membro
superior sem que os calcanhares deixem de estar em contacto com o solo. O valor
do teste é definido pela distância percorrida pela mão ao deslocar-se
horizontalmente à altura dos ombros. A distância foi medida numa fita métrica
fixada na parede e colocada ao nível do acrómio. O ponto de referência para a
medição inicial e final foi a extremidade distal do terceiro metacarpo(10).
Mobilidade funcional é um termo usado para descrever o equilíbrio e a marcha
usadas nas actividades da vida diária (p.e. sentar e levantar de uma cadeira,
marcha, mudança de direcção). Para avaliar a mobilidade funcional com recurso
ao TUG, foi dada instrução oral aos sujeitos para se levantarem de uma cadeira,
caminhar três metros de forma segura e o mais rapidamente possível, atravessar
uma linha marcada no chão, dar a volta, fazer o caminho inverso e voltar a
sentar-se. Mede-se em segundos(11).
Análise Estatística
A análise estatística foi realizada utilizando o programa estatístico SPSS
versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA). Para a descrição dos dados foram
usados os valores da média e desvio padrão. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi
utilizado para testar a normalidade de distribuição. Para comparação de médias
entre grupos foi utilizado o teste t independente. Numa segunda fase foram
computadas: (i) uma variável binária com os valores de TUG, considerando os
valores acima e abaixo de 16 segundos, e (ii) uma variável de FRT com 4
categorias, considerando os valores acima de 24.4 cm, entre 15.24 e 25.40 cm,
abaixo de 15.24 cm e incapacidade de realizar o teste (0 cm). O valor de
referência do TUG foi determinado tendo em consideração que um valor superior a
16 segundos é preditor de elevado risco de quedas num período de 5 anos (12).
Relativamente aos valores de FRT, foi demonstrado que a capacidade de alcance
superior a 24.4 cm, entre 15.24-25.40 cm e inferior a 15.24 cm, assim como a
incapacidade de realizar o teste, correspondem a baixo, moderado, elevado e
muito elevado risco de quedas(10). O Teste do Chi-quadrado foi utilizado para
analisar a proporção de idosos em cada categoria do FRT e do TUG, e a
associação entre a prática de exercício e os valores de desempenho no FRT e no
TUG. A probabilidade de ocorrência de quedas (em função da distribuição dos
idosos pelas categorias acima descritas) associada à prática ou ausência de
prática de exercício físico foi analisada através da regressão logística
binária e da regressão logística multinomial. O nível de significância foi
estabelecido em 5%.
RESULTADOS
Os grupos não apresentam diferenças relativamente à idade, peso e altura.
Idosos institucionalizados a realizar exercício físico estruturado nos 12 meses
anteriores à realização do estudo apresentaram melhor equilíbrio, expresso nos
valores do FRT (19.3 ± 9.6 cm vs. 14.6 ± 5.3 cm; p <0.001) (Figura 1), e melhor
mobilidade funcional, expressa nos valores do TUG (13.0 ± 4.2 s vs. 17.6 ± 7.5
s; p <0.001) (Figura 2), do que idosos que não realizaram exercício físico
estruturado durante o mesmo período de tempo. A leitura dos valores médios
obtidos no FRT e no TUG permitem verificar que, em média, os idosos que
realizaram exercício físico obtiveram 25% melhor performance no FRT e 35%
melhor performance no TUG do que idosos que não participaram em programas de
exercício.
Figura 1. Comparação da medida de equilíbrio (FRT) entre os grupos de exercício
vs. sem exercício
Figura 2. Comparação da medida de mobilidade funcional (TUG) entre os grupos de
exercício vs. sem exercício
O número de idosos que apresenta risco de queda nos próximos 5 anos em função
do desempenho no TUG é significativamente superior no grupo que não pratica
exercício comparativamente ao grupo de exercício (12 vs. 36; c2=12.0, df=1,
p=0.001). A comparação dos grupos por categorias de risco, em função do
desempenho no FRT, revelou que o grupo de exercício apresenta um maior número
de sujeitos em baixo risco de queda (14 vs. 5; c2=4.26, df=1, p=0.039) e um
menor número de sujeitos em elevado risco de queda (30 vs. 52; c2=5.9, df=1,
p=0.015) (Tabela 1). A prática de exercício apresenta uma associação
significativa com o equilíbrio (FRT, c2=8,91; df=2; p=0.012; f2=0.06
representado um efeito médio) e com a mobilidade funcional (TUG, c2=11.8; df=1;
p=0.001; f2=0.07 representado um efeito médio).
Tabela 1.Frequência absoluta e relativa (%) de sujeitos dos dois grupos para
cada categoria do risco de queda em função dos valores de desempenho no FRT e
TUG
Os idosos que praticam exercício apresentam uma diminuição significativa do
risco queda nos próximos 5 anos comparativamente aos idosos sem exercício (odds
ratio, 0.27, 95% IC 0.126-0.582, p=0.001). A prática de exercício diminui a
probabilidade de estar em risco de queda nos próximos 5 anos em 63%. Da mesma
forma, a prática regular de exercício diminui em 79% a probabilidade de
apresentar risco elevado de queda, em função do desempenho no FRT (odds ratio,
0.21, 95% IC 0.068-0.629, p=0.006).
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo revelaram que idosos institucionalizados a
participar regularmente em sessões de exercício físico supervisionado
apresentam melhor equilíbrio e mobilidade funcional do que idosos não
treinados, apresentando consequentemente menor risco de queda.
Os problemas de mobilidade em idosos estão geralmente associados a uma
combinação de défices de equilíbrio, marcha e força muscular dos membros
inferiores, défices esses que são também factor de risco de queda e de perda de
autonomia para a realização das actividades da vida diária(13-15). De facto, as
alterações associadas ao envelhecimento tais como o declínio da massa muscular
e a diminuição da acuidade do sistema sensoriomotor são factores importantes
associados à diminuição do equilíbrio e da mobilidade funcional que se observa
em idosos(16-18). Especialmente em idosos institucionalizados, que por estarem
menos envolvidos nas rotinas das actividades diárias ou porque à partida
apresentam patologias crónico-degenerativas que condicionam uma vida autónoma e
independente, a força muscular pode-se deteriorar até um ponto em que se torna
difícil ser independente na marcha e nas actividades da vida diária(19). No
entanto, a participação regular em programas de exercício revela-se uma
intervenção efectiva na redução/prevenção do declínio funcional associado ao
envelhecimento(1), existindo evidência de que programas de exercício físico que
incluam o fortalecimento muscular dos membros inferiores e o treino de
equilíbrio melhoram a função física, o equilíbrio, a mobilidade funcional (p.e.
velocidade da marcha, transferências, subir escadas e levantar-se a partir da
posição de sentado) e reduzem o risco de quedas(7, 20-23).
È expectável que melhor equilíbrio e mobilidade funcional se repercuta no risco
de queda. De facto, a interpretação em categorias dos valores de equilíbrio e
mobilidade funcional, segundo os pontos de corte propostos Duncan et al.(10) e
Okumiya et al.(12) respectivamente, suportar esta concepção. Os idosos do grupo
de exercício apresentaram menor probabilidade de serem classificados como
apresentando risco elevado de queda e de estarem em risco de sofrer uma queda
nos próximos 5 anos do que os idosos do grupo sem exercício. Estes dados
revestem-se de particular importância pelo facto das quedas serem um grave
problema de saúde pública que se estima afectar uma em cada três pessoas com
mais de 65 anos(24). A queda apresenta numerosas consequências directas e
indirectas, que vão desde fracturas e contusões, até à incapacidade física a
longo termo requerendo longos períodos de reabilitação, dependência e
institucionalização. O risco aumentado de queda associa-se positivamente a
várias alterações decorrentes do processo de envelhecimento, tais como
diminuição da força muscular, flexibilidade, input sensorial, coordenação e
equilíbrio(25, 26). Estima-se que 10% a 25% das quedas estejam associadas a
défices de equilíbrio e anomalias no padrão de marcha(21). Contudo, é
importante observar que estes factores de risco de queda são influenciados pela
ausência de hábitos regulares de exercício físico(27, 28). De facto, vários
estudos têm demonstrado a eficácia de programas de exercício não só na redução
do risco de queda (29-31), como também na redução do medo de cair(32, 33). Este
aspecto também se reveste de extrema importância uma vez que o medo de cair
pode levar à restrição da actividade, ao isolamento social, à diminuição da
função física e da qualidade de vida, podendo o exercício físico desta forma
fraccionar o ciclo vicioso negativo existente entre o medo de cair, a
inactividade física e o risco aumentado de quedas(34).
No contexto da população idosa institucionalizada, a deterioração da aptidão
funcional e o risco de queda são especialmente elevados(4, 5, 19), pelo que os
resultados deste estudo são particularmente encorajadores na exacta medida em
que aqueles que realizam regularmente exercício físico têm menor risco de queda
muito provavelmente pelo facto de serem funcionalmente mais aptos.
Uma das limitações do presente estudo advém do facto de não se ter avaliado a
experiência anterior de queda e o medo de cair, tentando estabelecer uma
associação entre os níveis de aptidão nos itens avaliados e a experiência de
queda e o medo de cair nos idosos de ambos os grupos. Limitação esta que deverá
ser tida em consideração na realização de futuros estudos. Da mesma forma,
futuros estudos nesta área específica de conhecimento devem avaliar o efeito de
diferentes programas de exercício, procurando estabelecer o tipo de exercício
mais benéfico a curto e longo prazo.
Em conclusão, este estudo apresenta resultados complementares à evidência que
suporta a efectividade de programas de exercício físico como estratégia
terapêutica na prevenção de quedas, uma vez que demonstra que idosos
institucionalizados a participar regularmente em programas estruturados de
exercício físico, apresentam melhor mobilidade funcional, melhor equilíbrio e
menor risco de queda do que idosos não treinados.