Caracterização das funções do coordenador técnico em basquetebol: estudo
realizado com os clubes da associação de basquetebol de Aveiro
INTRODUÇÃO
O Basquetebol é actualmente uma modalidade praticada em todo o mundo e a que as
associações dão uma especial atenção, promovendo-o e gerindo-o recorrendo a
técnicos cada vez mais especializados.
O papel do coordenador técnico tem sido objecto de uma insuficiente reflexão, o
que em nosso entender comporta alguns factores negativos, já que este é
essencial no plano do desenvolvimento do Desporto.
Nas organizações de Basquetebol profissional e não profissional em Portugal, os
coordenadores técnicos enquanto gestores desportivos têm necessidade de
formação e requalificação especializada.
Não podemos ignorar o quadro, por vezes difícil e complexo, em que muitos
coordenadores técnicos exercem na grande maioria dos casos benevolamente, a sua
acção. Por estas razões, a realização deste trabalho, surge como contributo ao
entendimento da função do coordenador técnico, e decorrente desta, a
necessidade da respectiva formação.
Objectivos
O modelo de análise teve por base os seguintes objectivos: i) caracterizar os
recursos humanos/coordenador (es) técnico (s) nos clubes da Associação de
Basquetebol do distrito de Aveiro (ABA); ii) descrever e comparar os dados
biográficos, nomeadamente os referentes à formação e experiência profissional
dos coordenadores técnicos nos clubes da ABA; iii) descrever e comparar a
natureza e duração das actividades de gestão desenvolvidas pelos coordenadores
técnicos em cargos de direcção e de treino, nos clubes da ABA; iv) caracterizar
as funções desenvolvidas pelos coordenadores técnicos nos clubes da ABA; e, por
último, v) conhecer de que forma o Director Técnico Regional (DTR) coopera com
os coordenadores técnicos dos clubes da ABA.
MATERIAL E MÉTODOS
Participantes
A população deste estudo é constituída por todos os coordenadores técnicos das
vinte e uma [21] secções de Basquetebol dos clubes pertencentes à Associação de
Basquetebol de Aveiro.
Instrumentos
O instrumento utilizado para o estudo foi um questionário, necessário para
analisar a existência de coordenadores técnicos de Basquetebol nos clubes,
conhecer os seus dados biográficos, nomeadamente nível de formação e
experiência profissional, a natureza e duração das actividades desenvolvidas
por estes, as funções da sua responsabilidade dentro da secção de Basquetebol,
e ainda, conhecer de que forma os DTR cooperam com os clubes.
O questionário apresenta-se dividido em seis partes distintas: (i)
identificação do coordenador técnico; (ii) nível de formação e experiência
profissional; (iii) funções; (iv) processo de recrutamento e formação de
treinadores; (v) processo de captação, selecção e formação de jogadores; (vi)
interacção com o exterior.
Procedimentos
Ao longo do estudo os procedimentos metodológicos foram desenvolvidos em várias
etapas, aqui descritas de uma forma genérica:
Etapa I- O conhecimento empírico e a análise documental permitiu-nos concluir
que das 21 associações de Basquetebol existentes a nível nacional, a ABA
apresenta um peso relevante na panorâmica do Basquetebol nacional, contendo,
uma grande maioria dos clubes, equipas nas competições nacionais, a nível
masculino e feminino. Pelo que, pensámos centrar o nosso estudo nas funções do
coordenador técnico, inquirindo desta forma todos os clubes desta associação.
Etapa II- A partir da revisão da literatura, procedemos à construção do
questionário, que foi analisado, reformulado e validado por especialistas, para
posteriormente se proceder à sua aplicação para recolha de dados.
Etapa III -Efectuado um levantamento dos clubes inscritos na ABA na presente
época desportiva 2006/2007, no decurso do mês de Maio de 2007 procedeu-se à
recolha de dados através do questionário. Na presença do inquiridor os
coordenadores técnicos responderam ao questionário e sempre que surgia alguma
dúvida, esta era devidamente esclarecida.
Tratamento estatístico
Etapa IV -Depois de recolhida a informação procedeu-se ao seu registo e
codificação, sendo todos os cálculos estatísticos necessários realizados no
SPSS 14.0. De uma forma genérica, foi utilizada a análise estatística
descritiva, através da distribuição de frequências e percentagens. A partir daí
recorreu-se a representações gráficas que traduzem a distribuição dos valores
das variáveis. A pesquisa documental completou os dados obtidos através dos
questionários.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A discussão dos resultados foi orientada de acordo com os cinco objectivos
formulados e feita tendo por base a apresentação detalhada e exaustiva dos
resultados do estudo, procedendo à discussão dos elementos mais significativos,
apresentando algumas reflexões pessoais alicerçadas na opinião de diferentes
autores.
1) Os 21 clubes inquiridos representam 100% da população estudada e apenas dois
(8,7%) não apresentam coordenador técnico referindo como motivo, o apresentarem
apenas uma equipa na secção, não considerando necessária a função do
coordenador técnico. Dos clubes que possuem este elemento, é importante
referir, que alguns apresentam mais do que um, cabendo a cada um deles a
responsabilidade de um grupo de equipas ou escalões, de acordo com os
objectivos globais traçados no plano estratégico do clube. Nos clubes da ABA
existem assimetrias consideráveis quanto à existência de coordenadores
técnicos, o que não se pode explicar, apenas pela natureza desportiva, na
medida em que esta está dependente da inter-relação de factores sociais,
culturais, económicos e políticos traçados pelos clubes, geralmente a longo
prazo, pois alguns são muito menos ambiciosos, o que logo à partida condiciona
os resultados que possam vir a alcançar. O papel do coordenador técnico como
motor dinamizador das políticas a implementar, começa actualmente a ser
reconhecido pelas associações como fulcral para atingir metas e objectivos
traçados.
2) Verificou-se que 90,5% dos coordenadores técnicos são do género masculino,
situando-se a maioria na faixa etária compreendida entre os 21-30 e os 31-40
anos de idade, existindo apenas um coordenador com mais de 50 anos. Estes
resultados eram previsíveis pois a gestão estratégica nos clubes desportivos
é uma prática recente, e a coordenação técnica passou simultaneamente a ser
considerada importante pelos clubes, sendo actualmente uma função com exigência
técnica e que exige uma formação académica e específica considerável. Os
coordenadores técnicos mais jovens têm na generalidade um grau de formação mais
elevado, o que não é díspar do que se verifica a nível da população portuguesa,
sendo-o no entanto em relação à maioria dos técnicos e directores desportivos
que têm um grau de formação relativamente baixo. Dos inquiridos 66,6% têm curso
superior e 19% destes possuem cursos de pós-graduação. Verifica-se ainda que
estes cursos são em 92,86% dos casos em áreas ligadas ao desporto e apenas um
na área de gestão, o que é demonstrativo da exigência técnica desta função,
sendo ainda evidenciado, pelo facto, de os inquiridos possuírem em 95,2% dos
casos um nível de formação em Basquetebol, sendo a maioria (55,0%) de nível
III.
3) A maioria dos coordenadores técnicos estão ligados à modalidade de
Basquetebol há mais de 11 anos, tendo 90,5% dos mesmos sido praticantes.
Podemos no entanto constatar que destes, a maioria só exerce a função de
coordenador técnico há menos de 3 anos, possivelmente por ser um papel a que só
na actualidade se começou a dar a relevância que esta tarefa tem realmente, na
gestão global e na planificação estratégica dos clubes.
4) A generalidade dos coordenadores técnicos fazem trabalho de coordenação
entre diversos escalões, com responsabilidade na coordenação de aproximadamente
6 equipas (5,76), sendo importante mencionar que 71,43% destes referem ser
autónomos em relação à sua actuação enquanto coordenadores técnicos, os
restantes 28,57% dizem ser coadjuvados nessa função pelos dirigentes do clube.
Na vida colectiva das secções, o sucesso e a eficácia exigem que quem dirige
tenha capacidade de liderança e que seja autónomo nas suas decisões, devendo
também ter colaboradores autónomos e responsáveis, capazes de se auto-
disciplinarem, motivarem e prepararem. De acordo com Brito
(2)
para o caso concreto do Clube Desportivo da Póvoa e com Moutinho
(8)
para o Anadia Futebol Clube, os dados recolhidos vieram demonstrar que são da
responsabilidade da generalidade dos coordenadores técnicos de Aveiro as
seguintes funções, expostas ordenadamente pelo grau de importância atribuído:
a) definir os objectivos gerais e as metas a atingir em cada escalão; b)
definir os conteúdos técnicos a serem abordados em cada escalão; c) coordenar,
supervisionar e avaliar o trabalho desenvolvido na formação; d) especificar e
coordenar actividades da formação; e) definir metas desportivas a alcançar; f)
definir o modelo de jogo para as equipas de formação; g) definir um perfil de
treinador para cada escalão; h) definir a política desportiva da secção de
Basquetebol; i) analisar e gerir os recursos humanos da secção; j) analisar e
gerir os recursos materiais da secção; k) definir o modelo de treino para as
equipas de formação. Para além destas funções, também é da responsabilidade de
93,8% dos coordenadores técnicos a elaboração do documento orientador do
trabalho a realizar na secção.
É importante que para além da planificação estratégica a longo prazo, existam
planos a curto prazo e documentos orientadores específicos do trabalho a
realizar pelas diferentes equipas e escalões do clube, que permitam cumprir os
objectivos globais traçados. Esta relação, está de acordo com a definição de
planeamento estratégico proposta por Sampedro
(11)
, quando refere que o planeamento estratégico é um planeamento estruturante,
que define a direcção das organizações em sentido mais lato, e no longo prazo
estabelece objectivos abrangentes e posiciona a organização no ambiente em que
opera.
Em 85,7% das secções de Basquetebol dos clubes da ABA, é da responsabilidade
dos coordenadores técnicos a preparação e organização das reuniões, geralmente
mensais, de coordenação técnica, em que se encontram presentes todos os
treinadores, e por vezes, elementos da direcção, o que nos leva a concluir que
existe uma preocupação em acompanhar as equipas da secção e transmitir-lhes o
caminho a seguir, de acordo com os objectivos gerais e específicos traçados. A
maioria dos coordenadores técnicos (81%), são ainda responsáveis pelo processo
de recrutamento e formação dos treinadores nas suas escolas de Basquetebol,
devido à importância estratégica atribuída pelo clube ao desenvolvimento do
património humano, para assim, conseguir obter um grupo de treinadores e
técnicos emersos na ideologia desportiva do clube, que sintam realmente as
cores e que saibam que podem contar com a confiança dos dirigentes do clube.
Desta forma, o clube terá dado um grande passo para criar uma estrutura técnica
sólida. Neste processo de recrutamento de treinadores, o parâmetro considerado
mais relevante pelos coordenadores técnicos é o nível de formação do treinador,
o que era de esperar, pois estamos num universo de técnicos, com elevado nível
de formação na modalidade, e que muitas vezes, são simultaneamente eles os
próprios treinadores de alguns escalões. Para além, do nível de formação, são
também parâmetros considerados importantes no recrutamento de treinadores, os
seguintes: a) experiência em escalões de formação; b) perfil e filosofia do
treinador; c) anos de experiência; d) perfil técnico.
É ainda preocupação dos coordenadores técnicos a formação contínua dos seus
treinadores, contribuindo através, da divulgação da existência de acções e
cursos de formação, havendo mesmo 50% das secções que organizam essas acções e
25% que as financiam, o que é demonstrativo do interesse em existirem técnicos
permanentemente actualizados e eficientes. Segundo Araújo
(1)
a actividade coaching de qualquer coordenador técnico pressupõe informação e
formação contínua, ensinar o esperado e gerir o inesperado, contidos no
funcionamento de qualquer equipa de trabalho, tendo de ser realizado por quem
seja capaz de, mais do que invocar o seu estatuto de autoridade, provocar nos
componentes da equipa que lidera o reconhecimento dessa autoridade, de forma a
que se consigam criar ambientes de trabalho onde, a competência seja
reconhecida e incentivada.
Em 73,7% das secções de Basquetebol dos clubes da ABA, cabe ao coordenador
técnico o processo de captação e formação de jogadores, desempenhando esta
função individual ou conjuntamente com os treinadores e os dirigentes. De
acordo com Ferreira
(6)
, também os clubes do distrito de Aveiro têm vindo a investir fortemente na
formação, embora algumas decisões só no longo prazo apresentam resultados
positivos, o que pode ser exemplificado com o que nos diz Comas
(4)
, que apresenta como uma das soluções para obter bons resultados a longo prazo,
assumida actualmente por alguns clubes que se centram no desenvolvimento de
programas de formação de jogadores na forma de escolas desportivas, conseguindo
promover dentro dos clubes jogadores de qualidade, o que implica uma menor
necessidade de fixar jogadores externos ao clube, conseguindo desta forma uma
poupança em dinheiro e esforços. Também, desta forma, nos clubes da ABA têm
vindo a dedicar-se à Preparação Desportiva a Longo Prazo, procurando
desenvolver bases que permitam aos jogadores alcançar os objectivos finais(6).
A incorporação nas equipas dos jogadores melhor dotados
(3, 9)
, deve seguir um processo desenvolvido em três grandes fases: (i) detecção;
(ii) selecção; e (iii) desenvolvimento dos talentos.
A segunda fase do processo acima descrito ' selecção de jogadores, na opinião
dos coordenadores técnicos dos clubes da ABA, apenas deve existir a partir do
escalão de juniores ou até mesmo só no escalão de seniores. Desta forma, a
maioria referiu que quando tinha muitos jogadores num dado escalão, construía
equipa(s) A e B, de forma a que todos os jogadores do clube competissem.
Neste caso, consideram que a idade é o factor preponderante na decisão da ida
de um jogador para a equipa A ou B de um determinado escalão. Os que
coordenam para além de outros escalões, o escalão de juniores e/ou seniores, os
aspectos fundamentais na selecção de jogadores são, ordenadamente pelo grau de
importância, os seguintes: 1) Constituição física do jogador; 2) Fundamentos
individuais ofensivos; 3) Fundamentos individuais defensivos; 4) Fundamentos
tácticos ofensivos; 5) Fundamentos tácticos defensivos; 6) Anos de experiência
como jogador; 7) Resultados obtidos noutros clubes; 8) Perfil do jogador; 9)
Capacidades volitivas; 10) Idade.
As funções de coordenação técnica nas secções dos clubes, não são exercidas por
profissionais em exclusividade, como seria desejável, mas sim cumulativamente
com outras actividades profissionais, já que 57,2% são professores e 14,3% são
técnicos ou gestores desportivos. A quase totalidade dos coordenadores técnicos
ainda exerce no clube pelo menos mais uma actividade para além da coordenação
técnica, sendo que, a maioria são simultaneamente treinadores de pelo menos um
escalão. Cada vez mais se constata que a coordenação técnica deve ser um papel
desenvolvido em exclusividade e assumido como profissão, para evitar uma
sobrecarga psicológica e física que actualmente é imposta aos técnicos que têm
de exercer além da sua profissão todo um conjunto de funções dentro do clube,
muitas vezes com carácter de voluntariado, o que não é compatível com o
profissionalismo que a função de coordenador técnico exige.
5) Ao nível da coordenação da secção os coordenadores técnicos estabelecem
diversos contactos com o exterior, um destes é estabelecido em 81% dos casos
com a ABA, particularmente, com o DTR (66,7%). Estes contactos são geralmente
informais, e as poucas reuniões efectuadas são geralmente esporádicas,
existindo ainda, algumas reuniões periódicas e alguns ofícios circulares que
são enviados pelo DTR. Esta situação é preocupante face ao estatuto e às
funções que este apresenta, ou deveria apresentar a nível do desenvolvimento do
Basquetebol da região de Aveiro, pois o DTR é um técnico a quem se reconhece
autoridade no domínio técnico-pedagógico da modalidade, cujas referências se
associam à competência, conhecimento e prestígio na área, que deveria coordenar
as actividades e solucionar problemas de fundo da modalidade, particularmente
aqueles que se relacionam com o desenvolvimento desportivo, e ainda, apoiar as
iniciativas que se inserem nos planos de desenvolvimento da modalidade
(5, 7, 10)
. No longo prazo a cooperação entre estas entidades e os clubes,
particularmente com o coordenador técnico, deve ser mais efectiva para que a
modalidade se desenvolva a nível nacional.
CONCLUSÕES
Nos clubes há heterogeneidade em termos da existência de coordenadores
técnicos, de acordo com os objectivos globais traçados no plano estratégico, se
na maioria existe um que coordena todos os escalões, há outros que apresentam
mais do que um coordenador técnico, sendo cada um deles responsável por um
grupo de equipas ou escalões, e alguns clubes não apresentam este elemento por
apenas possuírem uma equipa.
Os coordenadores técnicos são maioritariamente do género masculino e situam-se
na faixa etária dos 21 aos 40 anos de idade, possuindo um elevado grau de
formação académico em áreas ligadas ao desporto e quase todos apresentam um
nível de formação em Basquetebol, maioritariamente nível III.
A maioria dos coordenadores técnicos estão ligados à modalidade de Basquetebol
há mais de 11 anos, tendo sido praticantes da modalidade, mas só exercem a
função de coordenador técnico há menos de 3 anos.
De acordo com as crenças e filosofia dos clubes, são da responsabilidade da
generalidade dos coordenadores técnicos de Aveiro um conjunto alargado de
funções das quais se destacam a definição dos objectivos gerais e as metas a
atingir em cada escalão, a definição dos conteúdos técnicos a serem abordados
em cada escalão ou a coordenação, supervisão e avaliação do trabalho
desenvolvido na formação. Face ao rol de funções apresentadas, constata-se que
a coordenação técnica deveria ser exercida de uma forma profissional e em
exclusividade, para que os clubes possam vir a atingir as metas a que se
propõem.
Finalmente,ao nível da coordenação externa das secções de Basquetebol dos
clubes, a maioria dos coordenadores técnicos apenas estabelece contactos
informais com o DTR e as poucas reuniões realizadas entre estes são geralmente
esporádicas, não existindo cooperação efectiva.