Cultura e imagem corporal
O presente artigo tem como objectivo tratar a relação existente entre cultura e
imagem corporal. Pretendemos saber de que forma é que os factores
socioculturais influenciam a maior ou menor satisfação com a imagem física. A
ênfase é dada à cultura ocidental, cujos principais representantes são os
Estados Unidos da América e a Europa, uma vez que, principalmente através dos
media, os seus valores chegam a toda a parte do mundo, influenciando, mesmo, as
demais culturas. Nesta perspectiva, ao longo do artigo, é retratada uma
verdadeira cultura do magro que, atendendo às investigações até agora
realizadas, apontam o sexo feminino como a principal vítima. Todavia, é cada
vez mais evidente que a insatisfação corporal é uma realidade para ambos os
sexos e um resultado directo do não enquadramento em padrões estético-
culturais.
Palavras-chave: Cultura, cultura ocidental, padrões culturais, imagem corporal,
ideais de beleza, diferenças entre sexos
Culture and body image
The present study aims to investigate the relationship between culture and body
image. We intend to know how socio-cultural factors influence the levels of
satisfaction with body image. The emphasis is given to the cultural values as
represented by the sociocultural norms of societies such as the United States
of America and Europe. It is argued that through the media, the values of these
industrialized societies are dissipated throughout the world provoking cultural
changes and uniformization of behavioural standards. From the literature
review, it is possible to conclude that body dissatisfaction is a reality to
both sexes and a direct result of the non-conformity to cultural-esthetical
patterns promoted by the profit-oriented societies.
Key words: Culture, occidental culture, cultural patterns, body image, beauty
ideals, differences between sexes
Ao longo da História, foi sempre evidente a importância decisiva da cultura
enquanto reguladora do comportamento humano. Com efeito, dado que o indivíduo é
socializado no seio de uma cultura determinada, é inevitável e perfeitamente
compreensível que o mesmo partilhe e interiorize um conjunto de atitudes,
crenças, valores e comportamentos, que são transmitidos de geração em geração e
comuns a todos os indivíduos dessa sociedade (cultura). Consequentemente, o
indivíduo molda as suas acções em função daquilo que é normal e aceitável no
seu meio social, na procura incessante de preencher os requisitos exigidos pela
cultura à qual pertence.
Atendendo ao facto de, na actualidade, sobretudo nas sociedades ocidentais,
estarmos a assistir a uma verdadeira divinização do corpo beloe, partindo da
evidência de que a concepção de beleza difere de acordo com a etnia/sociedade
de pertença, é nosso objectivo descobrir de que forma é que os factores
socioculturais influenciam a imagem que os indivíduos têm do próprio corpo. De
facto, Frost (2005) concluiu que construir a aparência é uma parte inevitável
da produção de uma identidade a sociedade capitalista insinua sonhos e desejos
de corpos perfeitos e de beleza perfeita.
Segundo Adami, Fernandes, Frainer e Oliveira (2005), a imagem corporal é um
complexo fenómeno humano que envolve aspectos cognitivos, afectivos, sociais/
culturais e motores. Está intrinsecamente associada com o conceito de si
próprio e é influenciável pelas dinâmicas interacções entre o ser e o meio em
que vive. O seu processo de construção/desenvolvimento está associado às
concepções determinantes da cultura e sociedade. Efectivamente, o ideal de
estética corporal foi sofrendo alterações à medida que os valores, normas e
comportamentos foram mudando. É compreensível que, no seio de uma cultura que
valoriza, acerrimamente, a magreza, uma verdadeira cultura do magro
(nomeadamente a cultura ocidental), se procure atingir esse ideal de beleza.
Quando tal não acontece, entra-se em situação de insatisfação corporal, a qual,
segundo Warren, Gleaves, Benito, Fernandez e Ruiz (2005) consiste numa
avaliação subjectiva negativa da aparência física, o que terá,
inevitavelmente, repercussões a nível psicológico.
Com vista a alcançar uma efectiva satisfação com a imagem do corpo, isto é,
corresponder aos ideais estéticos da cultura de pertença, recorre-se a dietas,
ao exercício físico exagerado, ao uso de diuréticos, laxantes, entre outros. De
acordo com Morgan, Vecchiatti e Negrão (2002), tais comportamentos redundam,
cada vez em maior número, no desenvolvimento de transtornos alimentares, como a
anorexia e bulimia nervosas, as verdadeiras doenças dos países industrializados
e, cada vez mais, dos países em desenvolvimento, dado o fenómeno contemporâneo
da globalização, urbanização e o papel central dos media. Com efeito, os mesmos
autores referem que a urbanização levaria a uma maior exposição ao ideal de
magreza através dos media, além de propiciar mudanças de hábitos alimentares
(ex., fast-food), sedentarismo e um maior número de pessoas com sobrepeso e
obesidade (p. 21).
Segundo Vilela, Lamounier, Filho, Neto e Horta (2004), a anorexia nervosa
consiste numa distorção da imagem corporal onde os indivíduos não se percebem
magros mas sempre gordos, continuando a restringir as suas refeições de uma
maneira ritualizada, apesar da magreza extrema. Na bulimia, os doentes mantêm
o peso próximo do normal, alternando crises de hiperfagia com vómitos auto-
induzidos.
Todavia, numa sociedade onde vigoram hábitos alimentares muito pouco saudáveis
(cujo exemplo principal são os Estados Unidos da América, com a fast food, que
se espalhou por todo o mundo), é evidente a falta de vontade de muitos para se
submeter a tais ideais de magreza, entregando-se ao prazer de comer, sem
quaisquer regras ou limites. Consequentemente, desenvolve-se a obesidade, a
qual é considerada uma doença, caracterizada por um excesso de tecido corporal
gorduroso, que provoca ou acelera o desenvolvimento de várias doenças,
principalmente cardiovasculares (hipertensão alta, colesterol, ) e que causa a
morte precoce (Ballone, 2003). Nesta perspectiva, podemos considerar que na
sociedade capitalista subsistem duas situações antagónicas: por um lado, a
anorexia, caracterizada pela negação excessiva da satisfação da necessidade
biológica da ingestão de alimentos e, por outro lado, a obesidade, cuja
característica principal é a aceitação da satisfação dessa mesma necessidade,
de uma forma contínua e abusiva. Com efeito, segundo Bordo (1993), uma
disciplina excessiva pode resultar em anorexia e o desejo excessivo reflecte-se
em obesidade. No caso da bulimia, experienciam-se as duas formas de excesso.
Assim, ao mesmo tempo que os consumidores têm à sua disposição a fast food, é
cada vez mais evidente a invasão dos mercados pelos produtos light,os quais são
vistos como verdadeiros salvadores da estética corporal, uma forma segura e
credível de alcançar um corpo magro. Pode, então, dizer-se que esses produtos
estão ao serviço da cultura ocidental, aparecendo no mercado como
consequência directa dos valores economicistas promovidos pela mesma.
De facto, no ocidente, ser magra significa ter competência, sucesso e ser
atraente sexualmente. Vive-se uma verdadeira sobrevalorização das qualidades
físicas em detrimento das psicológicas/cognitivas. Vindo ao encontro destes
valores, as dietas restritivas e cirurgias plásticas transmitem a ilusão de que
o corpo é infinitamente maleável. [Todavia,] uma vez que o ideal de beleza
proposto é uma impossibilidade biológica [e mesmo psicológica] para a maioria
das mulheres, a insatisfação corporal tem-se tornado cada vez mais comum
(Morgan et al., 2002, p. 20).
Por sua vez, Labre (2002) investigou o ideal de beleza nos homens e concluiu
que existe uma tendência para o padrão cultural musculoso com elevado grau de
hipertrofia e níveis baixíssimos de gordura, o que hoje é chamado de definição
muscular.
De acordo com Novaes (2005), ( ) o novo paradigma cultural da contem-
poraneidade [consiste no] dever moral de ser bela [/belo] como um adicional aos
padrões estéticos de beleza que sempre existiram ao longo da história (p. 1).
Todavia, os padrões de beleza desejados são modificados a cada época. No
passado, durante muito tempo, mulheres bonitas tinham formas arredondadas.
Contrariamente, na actualidade e nomeadamente na cultura ocidental, o conceito
de beleza está associado à juventude, corpo magro e atractivo para as mulheres;
e, corpo volumoso e musculado para os homens.
A fim de alcançar os ideais de beleza, que não podem ser conseguidos apenas por
redução de peso, as mulheres têm recorrido, cada vez mais, a formas mais
radicais de modificação corporal, nomeadamente cirurgia estética. O crescimento
deste tipo de cirurgia reflecte a crença popular na sua habilidade, não só para
corrigir a deformação ou desviância corporal, mas também para curar e
restabelecer a mente afectada pela estigmatização corporal. De facto, segundo
Gilman (1998), a cirurgia estética é uma verdadeira psicoterapia.
Nesta perspectiva, objectivamos caracterizar a relação entre cultura e imagem
corporal, à luz da revisão da literatura, com vista à obtenção de uma
compreensão mais holística dessa relação, a qual, actualmente, assume maior
evidência, devido ao desenvolvimento crescente de transtornos alimentares.
Os objectivos do presente trabalho são apresentar uma revisão da literatura
sobre a relação entre cultura e imagem corporal. Para o efeito a apresentação
de informação recolhida será feita nos moldes semelhantes, mas não exactos do
que se pretende verificar na bibliografia anotada. Julgamos que esta estratégia
dos estudos nos permitirá apresentar de forma mais clara uma síntese conclusiva
do que está expresso na literatura da especialidade.
Metodologia
O nosso trabalho baseou-se na leitura e análise de trinta e quatro artigos
científicos, subordinados ao tema satisfação corporal e cultura, publicados a
partir do ano 2000.
A nossa pesquisa foi feita em contexto de biblioteca, nomeadamente na Internet,
com recurso aos seguintes motores de busca: www.b-on.pt; www.scielo.br;
www.google.pt (scholar). Utilizámos diferentes expressões, tais como, factores
socioculturais e imagem corporal, cultura e satisfação corporal, body image
and culture ( ) para aceder aos artigos.
Apesar de ser um tema muito actual, tivemos dificuldade em encontrar artigos em
português de Portugal. Com efeito, a grande maioria está em inglês ou em
português do Brasil. Consequentemente, a principal dificuldade com que nos
deparámos foi, efectivamente, a compreensão dos artigos em língua inglesa, dada
a grande extensão de quase todos, assim como o nosso pouco à vontade para
traduzir informação de teor científico, com grande grau de certeza.
Infelizmente, estamos de acordo com Vasconcelos Raposo (comunicação pessoal) ao
afirmar que a academia portuguesa tende a promover a produção científica em
língua inglesa negligenciando a necessidade de formação dos alunos que
frequentam, actualmente, o ensino superior em Portugal.
Resultados
Vilela et al. (2004) elaboraram um estudo intitulado Transtornos alimentares
em escolares, com o objectivo de investigar a frequência de possíveis
transtornos alimentares em 1807 estudantes (887 do sexo masculino e 920 do sexo
feminino), com idades compreendidas entre os 7 e 19 anos, de seis cidades do
interior de Minas Gerais (Brasil). Concluíram que mais de metade da amostra
estava insatisfeita com a sua imagem corporal (59% dos estudantes) e praticavam
actividade física com o objectivo de perder peso (56%). Apesar da presença dos
transtornos ter sido significativamente maior no sexo feminino, foi evidente
uma alta prevalência também no sexo masculino, o que os levou a constatar que
esses têm aumentado nos homens, nos últimos anos. Do mesmo modo, o maior número
de desordens alimentares situa-se na faixa etária entre os 11-16 anos. Assim,
este estudo revela uma alta prevalência de possíveis transtornos alimentares na
população estudada (adolescentes), assim como, comportamentos alimentares
inadequados, principalmente no sexo feminino.
Conti, Frutuoso e Gambardella (2005) elaboraram um estudo denominado Excesso
de Peso e Insatisfação Corporal em Adolescentes, objectivando investigar a
associação entre excesso de peso e insatisfação com a imagem do corpo.
Utilizaram uma amostra de 147 adolescentes de ambos os sexos, com idades
compreendidas entre os 10 e 14 anos. Através da aplicação do teste qui-quadrado
constataram que, efectivamente, havia uma associação entre excesso de peso e
insatisfação corporal, uma vez que os adolescentes com baixo peso apresentavam
uma satisfação corporal média, enquanto os de peso normal apresentavam alta
satisfação e os de sobrepeso estão insatisfeitos com o seu corpo. Concluíram,
ainda, que havia maior nível de insatisfação no sexo feminino relativamente ao
masculino.
Russo (2005), com o objectivo de identificar distorções da imagem corporal em
estudantes de Educação Física, realizou um estudo intitulado Imagem corporal:
Construção através da cultura do belo, utilizando uma amostra de 102
estudantes (55 do sexo masculino e 47 do sexo feminino), com idades
compreendidas entre os 18 e os 32 anos. Concluiu que existem determinados
padrões de estética corporal aos quais os indivíduos pretendem corresponder e a
não correspondência a esses padrões leva a excessivas preocupações quanto ao
modo como irão atingi-los. No caso do sexo feminino, a visão distorcida do
tamanho do corpo leva a comportamentos também distorcidos, tais como, jejum,
provocação de vómitos, uso de laxantes e diuréticos, assim como, ao sentimento
de vergonha da exposição do seu corpo, abstendo-se de práticas de lazer, como
por exemplo, ir à piscina. No caso do sexo masculino, apresentam uma
preocupação exagerada em ficarem fortes e, apesar de em muitos casos possuírem
já um corpo musculado, continuam a ter uma visão distorcida da sua imagem,
considerando-se fracos e esqueléticos, passando horas no ginásio: vigorexia '
patologia emocional, mais comum em homens, que se caracteriza por uma
preocupação excessiva em ficar forte a todo o custo (Ballone, 2004). A vergonha
do próprio corpo leva-os, muitas vezes, a recorrer a fórmulas mágicas, tais
como, anabolizantes. Assim, verificou que, efectivamente, a insatisfação
corporal é uma realidade para ambos os sexos e que essa insatisfação deriva de
perspectivas/ideais diferentes, de acordo com o género.
Dohnt e Tiggemann (2006), num trabalho de investigação denominado Body image
concerns in young girls: The role of peers and media prior to adolescence (A
imagem corporal em crianças do sexo feminino: o papel dos pares e dos media),
objectivaram investigar a influência dos pares e dos media na percepção da
imagem corporal, utilizando uma amostra de 128 meninas, entre os 5 e os 8 anos.
Concluíram que, por volta dos seis anos, um grande número de meninas já deseja
aceder a um ideal de magreza. O grupo de pares e os media desempenham um papel
preponderante na imagem que desejam obter, bem como no conhecimento que dispõem
acerca de práticas de dieta. Com efeito, constataram que a imagem que os pares
têm do seu corpo induz a imagem que as meninas têm de si mesmas e que a
televisão e revistas funcionam como meios de aprender técnicas de
emagrecimento. Do mesmo modo, as mulheres esculturais que nelas aparecem,
suscitam maior insatisfação com o próprio corpo.
Pelican et al. (2005) realizaram um estudo intitulado The power of others to
shape our identity: Body image, physical abilities and body weight (O poder
dos outros para moldar a nossa identidade: imagem do corpo, habilidades físicas
e peso corporal), com o objectivo de investigar esse mesmo efeito. Utilizaram
uma amostra de 103 adultos (57 homens e 46 mulheres). Os resultados do estudo
evidenciaram que alguns adultos sentiam-se fortalecidos pelos outros, devido
ao facto destes os ajudarem a alcançar uma imagem corporal satisfatória (por
exemplo, um treinador desportivo) e outros sentiam-se embaraçados
relativamente a comentários que outras pessoas teciam em relação ao seu corpo.
Assim, constataram que a forma como os outros percepcionam e fazem reparos
sobre o seu corpo, influencia a imagem que têm de si próprios, a sua auto-
estima, e ainda, a procura (ou não) de estilos de vida mais saudáveis, o que,
consequentemente, redundará num peso corporal mais satisfatório a nível pessoal
e social.
Casanova (2004) elaborou um estudo intitulado No ugly women ' Concepts of
race and beauty among adolescent women in Ecuador (Não há mulheres feias '
Conceitos de raça e beleza em adolescentes Equatorianas do sexo feminino), com
o objectivo de investigar a relação entre raça/classe de pertença, corpo e
beleza como motivo de conflito e negociação diária entre as mulheres de
descendência latina. Utilizou como amostra 81 adolescentes do sexo feminino,
com idades compreendidas entre os 11 e os 18 anos, recrutadas de dois colégios
de níveis socio-económicos diferentes, um de classe baixa e outro de classe
média. Concluiu que a classe de pertença é um factor determinante para o auto-
conceito, mas não tem um efeito significativo nos ideais pessoais de beleza.
Com efeito, devido à condição de pobreza em que vivem e à sua aparência não
branca, as estudantes do colégio de classe baixa sentiam-se inferiorizadas.
Todavia, uma das estudantes afirmou aquilo que o autor concluiu ser a realidade
do Equador: No hay mujer fea, sino mujer sin plata (p. 302) ' Não há mulher
feia, somente mulher sem dinheiro, ou seja, há uma sobrevalorização dos
aspectos económicos em detrimento de aspectos corporais/estéticos.
Dyl, Kittler, Phillips e Hunt (2006) elaboraram um estudo intitulado Body
dysmorphic disorder and other clinically significant body image concerns in
adolescent psychiatric inpatients: Prevalence and clinical characteristics
(Desordem do corpo dismorfo e outras preocupações clinicamente significativas
com a imagem corporal, em doentes psiquiátricos adolescentes: Prevalência e
características clínicas). Objectivaram avaliar a prevalência da desordem do
corpo dismorfo (BDD ' Body Dismorphic Disorder, a DSM-IV somatoform disorder,
caracterizada por uma preocupação excessiva e amargurante, subsequente a
defeitos imaginados ou insignificantes na aparência (p. 2), assim como, de
desordens/transtornos alimentares (ED ' Eating Disorders) e de outras
preocupações clinicamente significativas, relativas à imagem corporal, em
adolescentes portadores de doença psiquiátrica. Os autores visaram, ainda,
comparar determinadas características clínicas, nomeadamente, comportamentos/
pensa-mentos suicidas, depressão, ansiedade, stress pós-traumático (PTSD '
post-traumatic stress disorder), dissociação e preocupações sexuais, em
pacientes com BDD, com desordens alimentares ou outra preocupação com a imagem
corporal, relativamente a outros doentes que não apresentavam preocupações
significativas com a auto-imagem. Utilizaram como amostra 208 adolescentes (130
raparigas e 78 rapazes), com idades compreendidas entre os 12-17 anos, cuja
média foi de 14,8 anos, recrutados de um hospital regional de psiquiatria para
crianças. Neste estudo os autores apuraram que 6,7% dos participantes
apresentavam a desordem do corpo dismorfo (BDD), 3,8% revelaram sintomas de
transtornos alimentares (ET) e 22,1% apresentaram preocupações clinicamente
significativas com a forma/peso corporal (SWC' significant shape/weight
concerns). Os grupos com BDD e SWC apresentaram níveis de ansiedade e de
pensamentos suicidas superiores relativamente ao grupo de doentes que não
apresentava qualquer preocupação com a sua imagem corporal (no BDD,
ET,SWCgroup). Da mesma forma, os grupos com BDD, ET e SWC apresentaram níveis
de depressão superiores. O grupo SWC apresentou valores mais elevados de stress
pós-traumático (PTSD), de dissociação e preocupações sexuais do que os
restantes grupos. Os resultados encontrados permitiram concluir que uma grande
fracção dos participantes apresentava preocupações clinicamente significativas
com a imagem corporal. Tais preocupações/desordens estiveram associadas,
sobretudo, a altos níveis de depressão, ansiedade e pensamentos suicidas.
Veggi, Lopes, Faerstein e Sichieri (2004) elaboraram um estudo intitulado
Índice de Massa Corporal, Percepção do Peso Corporal e Transtornos Mentais
Comuns entre Funcionários de uma Universidade no Rio de Janeiro, com o
objectivo de investigar a relação entre o índice de massa corporal (IMC) e a
auto-percepção distorcida do peso corporal com a ocorrência de transtornos
mentais comuns (TMC, como por exemplo, sofrimento psicológico, depressão e
outros transtornos psiquiátricos), em funcionários de uma Universidade do Rio
de Janeiro. A amostra utilizada englobou 3526 funcionários universitários, com
idades compreendidas entre os 22 e os 59 anos. Os resultados mostraram que
34,5% das mulheres e 22,3% dos homens apresentaram transtornos mentais comuns
(TMCs). O maior predomínio de TMCs foi encontrado entre as mulheres com baixa
escolaridade e rendimentos. Os problemas de saúde auto-relatados estavam
presentes nos dois sexos, nomeadamente nos participantes que apresentavam TMCs.
O índice de massa corporal (IMC) aumentou com o aumento da idade, em ambos os
sexos, e diminuiu com a maior escolaridade e rendimentos, no caso das mulheres,
assumindo os seus valores mais baixos entre os participantes que nunca se
tinham casado. Do mesmo modo, 14,1% dos homens e 7,2% das mulheres auto-
percepcionaram-se como tendo um peso corporal inferior ao ideal, enquanto 56,7%
e 70,9%, respectivamente, percepcionaram o seu peso corporal como sendo
superior ao aspirado. Nesta perspectiva, os autores concluíram que a auto-
percepção distorcida do peso corporal, a qual se revelou independente do IMC,
esteve relacionada com a presença de TMCs, no caso do sexo feminino, mas não do
masculino. Tal facto poderá estar associado à maior pressão sociocultural a que
as mulheres estão sujeitas, numa sociedade onde vigora uma verdadeira cultura
do magro.
Klomsten, Skaalvik e Espnes (2004) realizaram um estudo denominado Physical
self-concept and sports: Do gender differences still exist? (Auto-conceito
físico e desportos: Será que ainda existem diferenças de género?), com o
objectivo de investigar as diferenças entre os géneros ' masculino e feminino
', em múltiplas dimensões inerentes ao auto-conceito físico, nomeadamente,
aspecto físico global, aparência, saúde, gordura corporal, competência para a
prática desportiva, consistência, vigor, flexibilidade, coordenação, prática de
actividade física e auto-estima, em adolescentes. Utilizaram como amostra dois
grupos com idades diferentes: um grupo de 591 estudantes do ensino básico (317
raparigas e 274 rapazes) e um grupo de 507 estudantes do ensino secundário (267
raparigas e 240 rapazes), com uma média de idades de 10,95 e 13,74 anos,
respectivamente. Os participantes foram recrutados de 11 escolas públicas, em
Trondheim, Noruega. Os resultados apurados indicaram que os rapazes possuíam um
auto-conceito físico significativamente superior às raparigas, ao nível de
todas as dimensões avaliadas supra-citadas. As diferenças entre géneros foram
maiores nas dimensões: aspecto físico global, consistência, vigor, aparência e
gordura corporal. Ao nível das dimensões saúde, flexibilidade e coordenação, as
diferenças revelaram-se significativamente menores. Apuraram, ainda, que o
auto-conceito físico decrescia com o aumento da idade (estudantes das escolas
básicas apresentaram níveis superiores aos estudantes das escolas secundárias)
e que a aparência foi a dimensão que mais fortemente influenciou a auto-estima
global. Estes resultados permitiram concluir que, efectivamente, existem
diferenças de género em múltiplas dimensões do auto-conceito físico, sendo que
os rapazes possuem os níveis mais elevados em todas as dimensões. Possuem,
portanto, um auto-conceito físico superior.
Warren et al. (2005) elaboraram um estudo denominado Ethnicity as a protective
factor against internalization of a thin ideal and body dissatisfaction
(Afiliação étnica como factor protector relativamente à interiorização do
ideal de magreza e à insatisfação corporal), com o objectivo de investigar o
potencial da afiliação étnica enquanto reguladora das relações entre
conhecimento/interiorização dos ideais socioculturais, nomeadamente ocidentais,
da aparência e entre essa interiorização e insatisfação corporal.Para o efeito,
estudaram uma amostra de 103 Americanas-Mexicanas, 101 Americanas-Europeias e
115 de origem hispânica, todas estudantes do sexo feminino, a frequentar
universidades dos Estados Unidos da América e da Espanha, respectivamente.
Recorrendo à pathway analysis concluíram que ambas as relações são mais
significativas para as Americanas-Europeias do que para as Americanas-Mexicanas
ou Espanholas. Constataram, portanto, que a interiorização dos ideais
ocidentais e a pressão social para se ser magro são determinantes no
desenvolvimento de transtornos alimentares e de maiores níveis de insatisfação
corporal. Nesta perspectiva, a afiliação étnica pode proteger o indivíduo
contra o desenvolvimento de insatisfação com a auto-imagem e de transtornos
alimentares e sugerir que a prevenção dos mesmos pode abranger a delação do
ideal de magreza e o enfatizar de outras características para além da aparência
física, tais como, a competência e o esforço, como dignos de valor.
Damasceno, Lima, Vianna, Vianna e Novaes (2005) realizaram um estudo intitulado
Tipo físico ideal e satisfação corporal de praticantes de caminhada, com o
objectivo de quantificar o tipo físico ideal e também verificar o nível de
insatisfação com a imagem corporal de um grupo de praticantes de caminhada.
Utilizaram como amostra 186 indivíduos (87 do sexo feminino e 98 do sexo
masculino). O estudo concluiu que os homens preferiram corpos mais fortes e
volumosos e com baixo percentual de gordura. Já as mulheres desejavam um corpo
mais magro e menos volumoso. Constataram, portanto, que poucos são os que têm o
corpo que idealizam e, por isso, estão insatisfeitos com a auto-imagem, não
havendo diferenças entre géneros.
Raich et al. (2001) elaboraram uma pesquisa intitulada A cross-cultural study
on eating attitudes and behaviors in two spanish-speaking countries: Spain and
Mexico (Um estudo cross-cultural sobre as atitudes e os comportamentos
alimentares em dois países hispânicos: Espanha e México), com o objectivo de
identificar a relação entre distúrbios alimentares e sintomas de insatisfação
corporal e os factores que os influenciam. Utilizaram como amostra 826
estudantes do sexo feminino (334 da Universidad Autónoma de Barcelona e 492 da
Universidad Nacional Autónoma de México). O estudo evidenciou que as estudantes
espanholas apresentaram mais sintomas de transtornos alimentares e insatisfação
corporal do que as mexicanas, sendo a imagem corporal mais valorizada na
Espanha.
Jung e Lennon (2003) elaboraram um estudo denominado Body image, appearence
self-schema, and media images (Imagem corporal, auto-percepção da aparência,
e imagens dos media), visando examinar os efeitos da percepção da auto-
aparência e da exposição de imagens atractivas pelos media na auto-estima e
estado de espírito da mulher. O estudo foi realizado recorrendo a uma amostra
de 168 mulheres estudantes, com média de idades de 21 anos. Este trabalho
demonstrou que as participantes consideraram a aparência importante, auto-
avaliando-se negativamente, resultando daí insatisfação corporal. Concluíram,
também, que as mulheres jovens, uma vez que se definem em termos de valores
estéticos, podem experienciar mais humor negativo e uma baixa auto-estima,
devido à insatisfação com a sua aparência. As imagens expostas pelos media
afectam a percepção da imagem corporal, a auto-estima e o humor.
Consequentemente, é necessário advertir para a educação das crianças em relação
a estas imagens, de modo a que estas percebam que muitas são manipuladas e
artificiais, para assim não desejarem identificar-se com elas.
Davis e Vernon (2002) elaboraram um estudo denominado Sculpting the body
beautiful: Attachement style, neuroticism, and use of cosmetic surgeries
(Esculpindo o corpo belo: ligação de estilo, neuroticismo, e o uso de cirurgias
cosméticas), com o objectivo de investigar a relação da personalidade com o uso
de procedimentos estéticos de vários tipos. Como amostra deste estudo, foram
inquiridos voluntariamente, 681 homens e 1157 mulheres, com idade entre os 15 e
os 71 anos. Os resultados apuraram que as mulheres estavam significativamente
mais aptas a fazer ou tencionavam fazer procedimentos à cara e ao corpo; os
homens, estavam mais aptos que as mulheres para fazer procedimentos ao seu
cabelo. Os homens geralmente não fazem lipoaspiração, aumento de seios e
remoção do tecido adiposo da barriga. Usam mais frequentemente esteróides para
aumentar os músculos ou moldar o corpo. As mulheres estão menos necessitadas de
implantes de cabelo, e, quando necessitam disso é, em média, quando têm idades
superiores aos homens. A ligação à ansiedade pode estar associada com grande
tendência para o emprego de cirurgias cosméticas de vários tipos (aqueles que
usam ou tencionam usar têm ligações à ansiedade mais altas do que aqueles que
não). A idade faz a diferença no relacionamento entre personalidade e uso de
procedimentos cosméticos. Inesperadamente, aqueles que tinham ou planeavam
fazer procedimentos faciais têm valores mais elevados na ligação à ansiedade
que aqueles que não estavam, mas em relação à ligação à fuga, tinham essas
ligações mais altas. Notaram-se mais estas diferenças para os inquiridos com
mais de 30 anos de idade. Os resultados diferem mais uma vez quanto ao género,
pois nos homens, a ansiedade prediz o uso de procedimentos no cabelo e de
esteróides, mas apenas naqueles com idade superior a 30 anos. O neuroticismo
prediz o uso de pelo menos um procedimento no corpo. Nas mulheres, a idade e a
ligação à fuga predizem o uso de procedimentos faciais. A ligação à ansiedade
prediz o uso de procedimentos corporais, particularmente entre os inquiridos
mais velhos, e todos aqueles que usaram pelo menos um procedimento. O
neuroticismo, por outro lado, não prediz algum procedimento entre as mulheres.
Assim, é a ligação à ansiedade que guia o uso de cirurgias/procedimentos
cosméticos. Concluíram que existem muitos motivos para melhorar a aparência: o
medo de rejeição ou a perda do actual esposo ou amante são claramente os mais
notáveis. A primeira demonstração da ligação à ansiedade é um motivo para o
tratamento do corpo através da cirurgia ou esteróides. Há alguns homens, mas
raros, a realizar implantes para os peitorais e outros músculos, bem como
outros procedimentos não tratados nesta investigação. As ligações à ansiedade
surgem, portanto, através do medo de avaliações negativas, das normas
socioculturais de magreza e atractividade, da importância dada à aparência
física, do baixo conforto que se sente quando se olham ao espelho, da
insatisfação com toda a sua aparência física e com as desordens alimentares.
Estas aparecem mais frequentemente nas mulheres que nos homens, devido à
ligação entre a aparência física e valor social femininos, e a maneira como
estas se valorizam. Relativamente às ligações à fuga, o único tratamento
cosmético falado é a redução de rugas, pois é aquela que aparece mais associada
ao envelhecimento, e talvez por esta razão, os autores concluem que os
procedimentos faciais são prognosticados pela idade ou fuga. O presente estudo
aponta para que, o uso de cirurgias cosméticas pode estar mais associado a
diferenças individuais dirigidas essencialmente para a aparência.
Oliveira, Bosi, Vigário e Vieira (2003) realizaram um estudo intitulado
Comportamento alimentar e imagem corporal em atletas, com o objectivo de
investigar a presença de comportamentos sugestivos de transtornos alimentares,
de distorções da imagem corporal e de disfunções menstruais em atletas da EEFD
' UFRJ (Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de
Janeiro). Utilizaram como amostra 12 atletas do sexo feminino (entre os 20 e os
22 anos, com 4 a 7 anos de treino). A fim de fazer o tratamento estatístico dos
dados, recorreram ao teste t de Student para amostras independentes. Os
resultados encontrados sugerem a presença de sintomas, (tais como, uma
distorção da imagem corporal, dado que, embora os valores da gordura corporal
estivessem dentro dos padrões esperados para idade e sexo das inquiridas, elas
sentiam-se insatisfeitas) que, apesar de não caracterizarem, precisamente, a
bulimia nervosa ou anorexia nervosa, sugerem a necessidade de avaliação e a
vigilância mais criteriosa do ambiente desportivo, sobretudo no que diz
respeito às práticas alimentares, como forma de prevenção.
Almeida, Loureiro e Santos (2002), elaboraram um estudo intitulado A imagem
corporal de mulheres morbidamente obesas avaliada através do desenho da figura
humana, cujo objectivo foi avaliar a auto ' imagem de 30 mulheres com
obesidade mórbida comparativamente a 30 mulheres não obesas. Através da
avaliação dos desenhos, concluíram que os grupos diferiam significativamente em
relação aos índices qualidade de grafismo, localização na páginaetemática,
revelando um predomínio de sentimentos de inadequação por parte das obesas.
Quanto aos índices relativos ao tamanho do desenho, proporção, representação do
troncoetamanho de diferentes partes do corpo, os grupos também diferiam entre
si, sugerindo presença de indicadores de depreciação e distorção da imagem
corporal entre as obesas (por exemplo, as mulheres obesas fizeram desenhos mais
desproporcionais do que as não obesas). Observa-se que as primeiras apresentam
dificuldade de expressar, simbolicamente, a sua vivência corporal, o que sugere
a presença de sentimentos de inferioridade, descontentamento e preocupação com
o corpo e a beleza.
Vaughan e Founts (2003) no estudo intitulado Changes in television and
magazine exposure and eating disorder simptomatology (Mudanças na exposição
em revistas e em televisão e sintomatologia de desordens alimentares), tinham
como objectivo estudar a média de horas que as raparigas despendem no
visionamento de televisão e revistas, principalmente revistas de moda, e o
desenvolvimento de sintomatologias de desordens alimentares. Para a realização
do estudo utilizaram uma amostra de 479 pessoas somente constituída por
elementos do sexo feminino. O tratamento estatístico utilizado foi MANOVA e as
principais conclusões do estudo foram, que nas raparigas com um aumento de
sintomatologia houve um aumento de exposição a revistas de moda, mas, contudo,
uma diminuição de horas de visionamento de televisão. Nas raparigas nas quis
houve uma diminuição de sintomatologia verificou-se uma diminuição à exposição
a ambos os meios dos media, televisão e revistas.
Roberts e Gettman (2004) com o objectivo de testar se o estado de auto-
objectificação pode ser automaticamente activado por subtis exposições a
palavras de objectificação e tendo como base a teoria da objectificação
realizaram um estudo denominado Mere exposure-gender difference in the
negative effetcs of priming a state of self-objectification (Pura exposição '
Diferenças entre géneros nos aspectos negativos ao impor um estado de auto-
objectivação). Para tal, utilizaram uma amostra de 160 estudantes não
graduados, 70 do sexo masculino e 90 do sexo feminino. As conclusões tiradas
deste estudo foram que uma exposição à objectificação dos media pode
desempenhar um papel significativo no desenrolar da auto-objectificação, assim
como no desenrolar de consequências psicológicas nas mulheres.
Cavalcanti, Dias e Cavalcanti (2004) elaboraram um artigo intitulado
Obesidade, cultura e desigualdade social: Dietas médicas para emagrecer obesos
pobres, utilizando uma amostra de 41 pacientes obesos, entrevistados à saída
da sala de atendimento público em Nutrição, em Paraíba. Os autores objectivaram
esclarecer as crenças positivas e negativas, bem como as pessoas de opinião
mais influente, identificadas pela amostra, quando receberam dietas de
emagrecimento. Pretenderam, portanto, encontrar as relações existentes entre o
comportamento de seguir dieta médica e as crenças culturais sobre saúde.
Concluíram que incentivar os obesos pobres a comer menos e melhor, a fim de
alcançar um corpo que se enquadre nos padrões transmitidos pelos media, não é a
táctica mais eficiente. Com efeito, apesar de reconhecer a importância e mesmo
a necessidade de emagrecer, o obeso não se sente preparado o suficiente para
conseguir resistir às tentações. Ajudar os obesos desta camada social a
encontrar estratégias de comportamento que aumentem a persistência nos regimes
de emagrecimento será mais útil e eficaz para evitar as doenças correlatas. Do
mesmo modo, constataram que as pessoas que lidam diariamente com os obesos, ou
seja, as pessoas de opinião mais influente (familiares, amigos e até
desconhecidos) são os principais responsáveis pela pressão social a que esses
estão sujeitos, acarretando, inevitavelmente, sinais de depressão e auto-
percepção negativa nas suas vidas.
O artigo Transgressão e corpo: Um caso de anorexiafoi elaborado por Ramirez,
Gordon e Assadi (sd). O objectivo deste trabalho foi ampliar as causas da
anorexia nervosa em direcção ao inconsciente e associar a psicanálise ao vector
de tratamento. O método utilizado nesta pesquisa foi a entrevista clínica de
uma adolescente de 15 anos, que vivia numa família onde era evidente uma
sobrevalorização dos valores estéticos culturais e de hábitos de alimentação e
vida saudáveis. Concluíram que a adolescente restringia, ao máximo, as suas
refeições (tornando-se, consequentemente, anoréctica), com o objectivo de
corresponder aos ideais valorizados no meio familiar, visando estabelecer laços
seguros de afiliação.
O artigo intitulado Influência da percepção do peso e do índice de massa
corporal nos comportamentos alimentares anormais foi elaborado por Nunes,
Olimpo, Barros e Camey (2001). Utilizando como amostra mulheres com idades
compreendidas entre os 12 e 29 anos, da zona de Porto Alegre (Brasil), teve
como objectivo estudar a associação entre a percepção do peso corporal, o
índice de massa corporal e os comportamentos alimentares anormais. Os
resultados levaram a concluir que a percepção do peso corporal ' sentir-se
gorda ' assume um papel mais importante na determinação dos comportamentos
alimentares anormais do que o índice de massa corporal, uma vez que as mulheres
que se achavam gordas (60% da amostra) apresentavam um IMC (índice de massa
corporal) normal, mas 47,2% tinha um comportamento alimentar de risco.
Grabhorn, Stenner, Stangier e Kaufhold (2006) elaboraram um artigo denominado
Social anxiety in anorexia and bulimia nervosa: The mediating role of shame.
(Ansiedade social na anorexia e bulimia nervosa: O papel intermédio da
vergonha). O objectivo desta investigação foi determinar a influência da
vergonha e da ansiedade social em psicopatologias como a anorexia nervosa e
bulimia nervosa, através da comparação de diferentes grupos clínicos. A amostra
utilizada consistiu em 120 mulheres doentes, divididas em quatro grupos (de
trinta mulheres cada), de acordo com os diagnósticos individuais: anorexia
nervosa (A.N.), bulimia nervosa (B.N.), perturbações de ansiedade e depressão.
Para o tratamento estatístico dos dados foi utilizado o teste ANOVA. A
principal conclusão do presente estudo foi o facto de ter sido confirmada a
hipótese de valores mais elevados para a vergonha nos grupos AN e BN
relativamente aos outros dois grupos. O grupo com bulimia apresentou, ainda, os
valores mais elevados de ansiedade social. Assim, a vergonha e a ansiedade
revelaram-se factores negativos centrais dos distúrbios alimentares,
apresentando-se a primeira como explicação da segunda, uma vez que quando a
vergonha não era considerada, as diferenças entre os quatro grupos, ao nível da
ansiedade tendiam a desaparecer.
Baranowsky, Jorga, Djordjevic, Marinkovic e Hetherington (2003) realizaram um
artigo intitulado Evaluation of adolescent body satisfaction and associated
eating disorder pathology in two communities (Avaliação da satisfação
corporal do adolescente e dos transtornos alimentares associados, em duas
comunidades), com o objectivo de comparar os ideais de imagem corporal de
adolescentes do sexo masculino e feminino, em escolas urbanas de dois países
diferentes (Escócia e Jugoslávia). Usaram como amostra 625 adolescentes e
recorreram a testes comparativos e correlacionais para o tratamento estatístico
dos dados. Concluíram que as patologias alimentares, a depressão e a ansiedade
apresentaram níveis mais elevados nos escoceses, principalmente no sexo
feminino. Do mesmo modo, a auto-estima era mais baixa nos escoceses em geral e,
em particular, nas raparigas. Os autores constataram, ainda, que a insatisfação
corporal é uma realidade para as raparigas de ambos os países, sendo maiores os
riscos de desenvolvimento de transtornos alimentares no grupo do país ocidental
(Escócia).
Carvalho e Carquejo (2004) são os autores de um artigo denominado Satisfaction
with body image and the expression of self-esteem in teenagers aged 14 to 17
(Satisfação com a imagem corporal e expressão da auto-estima em adolescentes
com idades compreendidas entre os 14 e os 17), que visou investigar a possível
relação entre imagem corporal e auto-estima, em adolescentes pertencentes a
essa faixa etária. Utilizaram uma amostra de 50 pessoas (23 rapazes e 27
raparigas), recrutadas de uma escola de ensino básico, em Bragança, das quais
25 eram praticantes de desporto regulares e as outras 25 apenas frequentavam a
disciplina de Educação Física. Os resultados permitiram concluir que os rapazes
têm níveis mais altos de satisfação corporal e expressão da auto-estima do que
as raparigas. Os níveis também são mais elevados nos praticantes de desporto
relativamente aos não praticantes.
Assis, Avanci, Silva, Malaquias, Santos e Oliveira (2003) elaboraram um estudo
intituladoA representação social do ser adolescente: um passo decisivo na
promoção da saúde, com o objectivo de avaliar o auto-conceito e a auto-estima
de estudantes das escolas de um município do Estado do Rio de Janeiro, São
Gonçalo e, ainda, conhecer a representação social que esses adolescentes fazem
de si próprios. Utilizaram como amostra 1.685 alunos (938 raparigas e 747
rapazes) havendo um predomínio de jovens (50,3%) na faixa etária dos 11 aos 14
anos. Foram visitadas 44 turmas, constituindo 38 escolas do município. Apuraram
que os adolescentes no geral estão satisfeitos com o seu corpo, pois revelam um
auto-conceito positivo e uma auto-estima elevada, a despeito da ideia que os
adultos e a sociedade têm em geral acerca deles. Concluiu-se, portanto, que a
visão optimista que o adolescente tem de si, precisa de ser reconhecida e
implementada nas estratégias de promoção, prevenção e atenção dos agravos à sua
saúde. Sendo assim, é importante a aprovação social dos adolescentes em várias
dimensões, tais como a sua imagem física. Pois, os adolescentes com auto-estima
elevada acreditam na sua competência, valor e em si mesmos, por outro lado,
aqueles com auto-estima baixa sentem-se inferiorizados, desvalorizam-se e
sentem-se inseguros, tornando-se assim mais vulneráveis.
Discussão/Conclusões
No final da nossa pesquisa, verificámos que os resultados apurados confirmam a
informação exposta na introdução. Com efeito, podemos constatar que a maior ou
menor satisfação com a imagem do corpo está intimamente relacionada com a maior
ou menor correspondência aos ideais de beleza, incutidos culturalmente.
De facto, enquanto membros da cultura ocidental, somos diariamente
confrontados, através dos meios de comunicação social, com verdadeiros modelos
estéticos, que nos impõem ou criam o desejo da procura de um enquadramento
nesses padrões. Assim, de acordo com a nossa opinião, o ideal de magreza é
cobiçado por todos, dado ser o mais valorizado, daí serem culturalmente
compreensíveis os sentimentos de inferioridade e de baixa auto-estima,
característicos de pessoas obesas.
Ao longo da nossa investigação, foi evidente uma maior preocupação com a imagem
e manutenção da beleza corporal por parte do sexo feminino. Na nossa
perspectiva, tal evidência deriva do facto de existirem maior número de estudos
relativamente a este género, no que concerne a transtornos alimentares e
distorção da imagem corporal. Com efeito, foi-nos possível constatar que a
insatisfação corporal é uma realidade também no sexo masculino e que o número
de transtornos alimentares nos homens tem vindo a aumentar. Todavia, segundo a
nossa opinião, essa discrepância no número de estudos relativos aos sexos,
deriva da maior pressão social de que o sexo feminino é, indiscutivelmente,
alvo.
Da mesma forma, hoje em dia, é evidente uma adopção dos ideais estéticos
corporais vigentes na cultura ocidental por parte de outras culturas, sobretudo
devido à influência decisiva dos media e das multinacionais e dada a hegemonia
mundial dos Estados Unidos da América. Todavia, constatámos que, mesmo assim,
nos países onde vigoram hábitos culturais muito distintos dos ocidentais (como
é o caso do México, com a sua cultura de cariz latino), os sintomas de
transtornos alimentares e os níveis de insatisfação corporal são inferiores,
quando comparados com países com culturas marcadamente ocidentais (por exemplo,
a Espanha), permitindo-nos afirmar que a cultura se revela como um dos factores
principais na auto-avaliação da imagem corporal.
Ficámos particularmente surpreendidos com o facto de meninas de 6 anos já
demonstrarem preocupações com a imagem corporal e sintomas de distúrbios
alimentares. Na nossa perspectiva, trata-se de preocupações excessivamente
precoces pois, se o desenvolvimento de transtornos alimentares é problemático
em qualquer faixa etária, consideramos que, nestas idades, o problema assume,
indiscutivelmente, uma maior proporção e gravidade.
Do mesmo modo, consideramos que é necessário alertar, sobretudo as crianças e
adolescentes, para o facto de que, muitas vezes, os corpos perfeitos difundidos
pelos media, não passam de imagens manipuladas e artificiais, assim como
alertar os profissionais de saúde para a necessidade de uma intervenção a nível
da informação mediática/publicitária que, grande parte das vezes, apresenta
soluções, para a insatisfação com o corpo, pouco saudáveis, e até lesivas.
Na nossa perspectiva, cada cultura constrói a sua imagem de corpo ideal. Assim,
se a imagem valorizada socialmente for a de uma pessoa magra (como,
efectivamente, é), emagrecer será o ideal de todos. Aqueles que não conseguem
chegar a esse padrão corporal, sofrem muito, ocorrendo, quase inevitavelmente,
o desenvolvimento de transtornos alimentares, de baixa auto-estima e depressão,
entre outras psicopatologias.
Na cultura ocidental e, como já referimos, um pouco por todo o mundo, as
mulheres anseiam alcançar um ideal de magreza, enquanto os homens visam corpos
musculados e bem definidos, entrando, muitas vezes, em situações de vigorexia.
Todavia, consideramos que tais ideais de magreza são mais fictícios do que
reais. Com efeito, ainda que gostemos de ver desfiles de moda e achemos as
modelos bonitas e extremamente elegantes, a verdade é que a grande maioria das
pessoas as acha excessivamente magras. Mulheres com formas mais arredondadas
revelam-se mais atractivas, principalmente para o sexo oposto. Assim, prevemos
que a actual cultura do magro, a médio/longo prazo, dará lugar a uma cultura
mais equilibrada, cujo ideal será um corpo fortalecido e saudável, que se
afaste quer da anorexia, por um lado, quer da obesidade, por outro, ou seja, um
corpo livre das actuais formas de excesso.
Assim, concluímos que a prevenção das psicopatologias envolvem, certamente, o
denunciar do ideal de magreza, o minimizar da aparência como a principal
merecedora de admiração, o enfatizar outras características, tais como, a
competência e o esforço, para além da aparência, como dignos de valor.
Por fim, concluímos que a cultura desempenha um papel fundamental na maneira
como o indivíduo percepciona e deseja a sua imagem corporal.
No futuro, é nossa opinião que poderão ser feitos estudos e com amostras dos
países de língua portuguesa de modo a se atender às variações regionais a nível
cultural, seria interessante fazer uma investigação acerca das preferências e
ideais estéticos dos povos de língua portuguesa, face a membros do mesmo sexo e
do sexo oposto.