Caracterização dos níveis de negativismo, activação, autoconfiança e
orientações motivacionais de alpinistas
Caracterização dos níveis de negativismo, activação, autoconfiança e
orientações motivacionais de alpinistas
A.D. Rodrigues1, J.P. Lázaro2, H.M. Fernandes2, J. Vasconcelos-Raposo
2
O presente estudo pretende caracterizar os níveis de negativismo, activação,
autoconfiança e orientações motivacionais de diversos praticantes de desportos
de montanha, tendo em conta diversas variáveis diferenciadoras (sexo, idade,
anos de experiência, nacionalidade, formação e modalidade específica). A
amostra foi constituída por 45 indivíduos (40 masculinos e 5 femininos) com
idades compreendidas entre os 20 e os 61 anos de idade (M=33,91; DP=8,97),
tendo preenchido as versões Portuguesa ou Inglesa dos questionários CSAI-2 e
TEOSQ, consoante a sua proficiência linguística. Os principais resultados
demonstraram que a variável anos de experiência (e não a idade) se
correlacionou positivamente com os níveis de autoconfiança e orientação para a
tarefa. Por outro lado, e consonante com os postulados teóricos, verificou-se
uma associação positiva entre os níveis de negativismo e orientação para o ego.
Dados os raros estudos realizados até à data sobre esta temática neste tipo de
amostra, os resultados foram interpretados à luz dos respectivos modelos
teóricos e especificidades desta actividade desportiva.
Palavras-chave: negativismo, activação, autoconfiança, orientações
motivacionais, alpinismo
Characterization of the negativism, activation, self-confidence and cognitive
orientations levels of alpinists
The present study aims to characterize the levels of negativism, activation,
self-confidence and cognitive orientation of different mountain sports'
participants, taking into account various variables (i.e. gender; age; years of
experience; nationality; training and, specific sport). The sample was composed
of 45 participants (40 male and 5 female) with an age range between 20 and 61
years of age (M=33,91; SD=8,97), who completed the Portuguese or English
version of the CSAI-2 and TEOSQ questionnaires, according to their linguistic
proficiency. The main results revealed that the variable years of experience'
(and not age) correlated positively with the levels of self-confidence and task
orientation. On the other hand, but in accordance with postulated theories, it
was verified a positive association between the levels of negativism and ego
orientation. Due to the relatively few studies done until today on this
thematic and this type of samples, the results were discussed in relation to
the respective theoretical models and specificities of this sport.
Key words: negativism, activation, self-confidence, motivational orientations,
alpinism
O Alpinismo é uma modalidade desportiva que facilmente deslumbra aqueles que o
praticam, bem como outros que ouvem ou lêem as histórias protagonizadas por
outrem. Esta modalidade apresenta características comuns ao montanhismo, e à
escalada, sendo frequente a prática de alpinismo por parte de montanheiros e
escaladores. Praticado por vezes em ambientes hostis à existência permanente do
ser humano, devido à rarefacção do oxigénio e às baixas temperaturas em locais
de moderada e elevada altitude, requer um vasto conjunto de conhecimentos sobre
o manuseamento de equipamentos, realização de práticas e técnicas que deverão
ser realizadas em curtos períodos de tempo (Magalhães, Duarte, Ascensão,
Oliveira & Soares, 2002; Pereira, 2005) com vista a minimizar os efeitos
adversos que possam advir da exposição a estes meios frequentemente instáveis a
nível físico, químico, meteorológico e, geográfico. Assim, é pois comum em
alpinismo ocorrerem situações de alteração de comportamentos ditos normais ou
simplesmente normais num determinado indivíduo. Trata-se de uma modalidade que
envolve inúmeros factores psicológicos, fisiológicos, sociais, económicos e
meteorológicos, os quais em presença de desequilíbrios ou de um descuido, dadas
as características geográficas e geológicas dos locais em que se pratica, pode
levar à lesão ou até à morte do seu praticante. Assim sendo, é essencial
conhecer o contexto e a situação desportiva específica em que os praticantes se
encontram de forma a compreender os seus comportamentos subjectivos.
Embora o alpinismo não tenha um quadro competitivo específico e organizado,
esta prática apresenta características semelhantes às de auto-superação ou
auto-realização. Em contexto competitivo é frequente os atletas manifestarem
alterações do foro fisiológico (somático) e psicológico (cognitivo) as quais
poderão afectar negativamente o seu desempenho, razão que fundamenta a grande
atenção dedicada ao estudo da análise ansiedade-rendimento, para a qual é
frequentemente usado o questionário Competitive State Anxiety Inventory-2
(CSAI-2) que explora as relações entre os três construtos (ansiedade cognitiva,
ansiedade somática e autoconfiança) referentes à teoria multidimensional da
ansiedade (Martens, Vealey & Burton, 1990).
Segundo Woodman e Hardy (2001), o arousal (activação) é um estado intensivo e
um construto unitário que envolve ambos os aspectos psicológicos e fisiológicos
do comportamento, enquanto Martens et al. (1990) definem stress como um
processo que envolve a percepção de um desequilíbrio substancial entre as
exigências do meio e as capacidades de resposta, sob condições nas quais a
falha da capacidade de resposta é percebida como tendo importantes
consequências e, é também respondida com o aumento dos níveis de ansiedade-
estado cognitiva e somática. Neste âmbito, a ansiedade é usualmente definida
como um estado emocional ou reacção frequentemente caracterizada por
sentimentos desagradáveis de intensidade, preocupação, distúrbio e, apreensão
(Arent & Landers, 2003; Spielberger, 1975), constituindo uma reacção
emocional a uma variedade de estímulos stressantes (Nordell & Sime, 1993),
podendo na sua génese ser restringida ao síndrome de luta ou fuga (fight or
flight). Esta surge quando um indivíduo duvida das suas capacidades para lidar
com a situação em que se encontra, factor este gerador de alterações nos
domínios cognitivos, fisiológicos e comportamentais (Hardy, Jones & Gould,
1996; Humara, 1999).
Estudos realizados por Vasconcelos-Raposo (1995, 2000) têm alertado para as
limitações do uso do termo ansiedade para exprimir os sentimentos vivenciados
pelos atletas nos momentos antecedentes ao seu desempenho. Assim, dada a
conotação inadequada/inapropriada do termo, para os efeitos deste estudo,
optámos pela substituição do termo ansiedade cognitiva por negativismo e
ansiedade somática por activação (fisiológica), dado julgarmos mais adequado o
uso dos mesmos para descrever a natureza e frequência de pensamentos negativos
e alterações fisiológicas com o aproximar do momento de prova (ascensão).
De acordo com vários autores (Humara, 1999; Simon & Martens, 1977) existe
evidência empírica que o negativismo-estado competitivo em indivíduos
inexperientes, é mais elevada nos praticantes de desportos individuais, do que
em praticantes de desportos colectivos. Lowe e McGrath (1971) também concluíram
que atletas de desportos sem contacto revelam menores níveis de negativismo-
estado do que aqueles que praticam desportos com contacto físico. Por sua vez,
Zeng (2003) verificou que os praticantes de desportos colectivos apresentam
maiores níveis de autoconfiança, confiança desportiva e traço de confiança
desportiva comparativamente aos indivíduos de desportos individuais.
Num outro estudo, observou-se que os árbitros intervenientes no campeonato
Português masculino da Federação Portuguesa de Voleibol apresentaram valores
inferiores de negativismo e activação, enquanto valores superiores de
autoconfiança foram verificados comparativamente ao grupo geral de nível
competitivo menos elevado (Vasconcelos-Raposo & Carvalho, 2000). Neste
âmbito, Martens (1977) propõe que os anos de experiência possam ser entendidos
como factor explicativo para estas diferenças verificadas, dada a maior
familiaridade e segurança dos mesmos nas suas acções/intervenções. Grosso modo,
estes resultados corroboram os de um estudo anteriormente desenvolvido por
Gould, Petrchlikoff e Weinberg (1984), que concluiu serem os anos de
experiência o preditor mais forte para a negativismo.
Relativamente à análise da dimensão motivação, este é um termo complexo que tem
suscitado a curiosidade de diversos estudiosos ao longo dos tempos. De acordo
com Hayashi e Weiss (1994), esta é talvez uma das temáticas mais comuns nas
literaturas de psicologia e de psicologia do desporto. Estas áreas têm dedicado
grande atenção ao estudo dos factores que exercem alguma influência sobre a
motivação dos indivíduos para prática de uma modalidade ou simples realização
ou abandono de actividades físico-desportivas. Assim, é importante ter em
consideração as diferenças individuais que podem influenciar a eficiência das
diferentes estratégias de objectivos estabelecidos que visam o melhoramento do
desempenho (Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2005; Hayashi & Weiss,
1994), sendo os construtos subjugados à compreensão deste processo usualmente
denominados de objectivos de realização/orientações motivacionais (Ames, 1992;
Duda, 1992; Dweck, 1986; Kudar, Weinberg & Barak, 1997).
Neste âmbito, a teoria dos objectivos de realização tem tido grande importância
no aumento de estudos realizados sobre a motivação no desporto. Proveniente de
investigações em psicologia educacional e contribuições teóricas de Nicholls
(1984, 1989), Dweck (Dweck, 1986; Dweck & Leggett, 1988; Elliott &
Dweck, 1988), e Ames (1984, 1992), a teoria dos objectivos de realização tem
vindo a ser testada como forma de prever respostas cognitivas, afectivas, e
comportamentais no contexto desportivo (Duda, Chi, Newton, Walling &
Catley, 1995). Esta teoria caracteriza-se por procurar explicar/compreender a
influência dos objectivos pessoais sob o modo de pensar, sentir, e agir do
indivíduo em determinadas circunstâncias de realização, como sejam as práticas
desportivas. Em teoria, os objectivos de realização são responsáveis pelas
acções realizadas, e por proporcionar coerência racional às interpretações do
contexto desportivo e subsequente ao comportamento do indivíduo durante a
actividade no mesmo (Duda et al., 1995). Assim, indivíduos quando muito
envolvidos em contextos de realização pretendem demonstrar competência, sendo a
percepção de habilidade, uma característica de realização (Duda &
Whitehead, 1998).
Maehr e Nicholls (1980) propuseram que os indivíduos diferem nas suas
definições pessoais de sucesso/fracasso, as quais se baseiam nas percepções que
cada qual entende como um atributo pessoal significativo. Estes autores
alteraram significativamente a persistente tendência dos estudos para definir
experiências de sucesso e fracasso com respeito ao critério dos objectivos,
tais como vencer/perder ou a obtenção de marcas elevadas versus baixas, tendo
sugerido que as perspectivas de realização (habilidade, mestria, e aceitação
social) poderão ser reconhecidas transculturalmente, não obstante com algumas
diferenças em certas nacionalidades e grupos étnicos. Nicholls (1984, 1989),
estendeu esta posição, referindo que: a) as percepções de sucesso/fracasso
estão associadas às percepções interpretadas como sendo demonstrativas de
habilidade superior/inferior; b) as variações em definições subjectivas de
sucesso/fracasso emanam da concepção de habilidade/competência que é adoptada,
a qual trata se a habilidade é concebida numa envolvência para a tarefa ou para
o ego; c) o conceito de habilidade invocada exerce impacto pelas mudanças de
evolução, assim como, por factores disposicionais e condicionais; e, d) a
concepção e percepção individual das capacidades são relevantes para a previsão
dos padrões comportamentais de realização. Desta forma, a literatura tende a
retratar consistentemente dois tipos de objectivos de realização no desporto:
a) quando orientados para a tarefa (mestria), os indivíduos preocupam-se em
demonstrar mestria na realização da tarefa e as suas percepções de grande
habilidade e de sucesso subjectivo são baseadas nas experiências aprendidas e,
nas melhorias pessoais; e, b) quando orientados para o ego (resultado), os
indivíduos dão mais importância à competição como factor de reconhecimento, já
que comparam os seus desempenhos com os demais praticantes (Duda, 1992
Nicholls, 1984). Neste âmbito, um dos questionários mais frequentemente
aplicados que visa representar estas duas dimensões é o TEOSQ (Duda, 1989).
De um modo geral, os atletas de hoje tendem a ser cada vez mais fortes, mais
rápidos e, mais eficientes. De acordo com O'Block e Evans (1984), este facto
deve-se, em boa parte, ao aumento e melhoria das técnicas de treino, inovação
das técnicas dos treinadores, à alimentação, melhores equipamentos, tal como
uma maior preocupação respeitante aos aspectos mentais e motivacionais. O
estabelecimento de objectivos, por parte dos atletas, é por vezes demasiado
elevado e desproporcional às reais capacidades dos mesmos, causando frustração
e instabilidade emocional. Contrariamente, quando estipulados objectivos
realistas aumentam as probabilidades de sucesso e, previne-se o descontrolo da
situação que poderá levar ao esgotamento.
Grosso modo, a pertinência deste trabalho reside no facto de se tratar de um
estudo pioneiro, quanto às temáticas específicas abordadas com a população em
questão, pelo que pretendemos caracterizar os respectivos níveis de
negativismo, activação, autoconfiança e objectivos de realização de praticantes
de alpinismo. Para além disto, visamos caracterizar a dinâmica destes
construtos tendo por base de interpretação as variáveis independentes definidas
(sexo, idade, anos de experiência, nacionalidade, formação e modalidade
específica).
Metodologia
Este estudo assume uma natureza retrospectiva do tipo causal-comparativo, uma
vez que não foi exercida qualquer tipo de influência sobre os níveis das
variáveis independentes. É ainda um estudo do tipo transversal (cross-
sectional), na medida em que as variáveis foram medidas num único momento
temporal.
Amostra
A amostra foi constituída por quarenta e cinco indivíduos, dos quais quarenta
do sexo masculino e cinco do sexo feminino. Vinte e seis eram de nacionalidade
Portuguesa e 19 de outra nacionalidade, tendo idades compreendidas entre os 20
e os 61 anos de idade (M=33,91; DP=8,97). Quanto à formação específica dos
indivíduos em alpinismo, 30 afirmaram ter formação, enquanto 15 responderam
negativamente.
Para os objectivos deste estudo foi determinado como parâmetro de selecção dos
indivíduos que a sua actividade alpina fosse de Altitude Elevada ou superior.
O quadro 1 representa a classificação do American Alpine Club Journal' AACJ
(ver Pereira, 2005) e respectivas referências percentuais.
Quadro 1. Classificação da AACJ e respectivas frequências
Altitude Classificação AACJ n %
1500 - 2440m Altitude Intermédia
2440 - 4270m Altitude Elevada 17 37,8
4270 - 5490m Altitude Muito Elevada 9 20,0
5490 - 8848m Extrema Altitude 19 42,2
Quanto à identificação dos 3 cumes mais altos que haviam ascendido e, se haviam
ou não alcançado os seus cumes, apresentamos no quadro 2, o nome do cume mais
alto alcançado por cada indivíduo, bem como a sua respectiva classificação de
acordo com a classificação do AACJ.
Quadro 2. Caracterização da amostra segundo o cume de montanha alcançado com
maior altitude
Melhor Cume Altitude Classificação AACJ n %
Evarest 8850m Extrema Altitude 1 2,2
Kanchenjunga 8586m Extrema Altitude 1 2,2
Cho Oyo 8201m Extrema Altitude 3 6,7
Shishapangmo 8000m Extrema Altitude 1 2,2
Pico Lenin 7134m Extrema Altitude 1 2,2
Aconcagua 6962m Extrema Altitude 7 15,6
Ama Da Blam 6859m Extrema Altitude 2 4,5
Mt. McKinley 6195m Extrema Altitude 1 2,2
Kilimanjaro 5895m Extrema Altitude 2 4,5
Mont Blanc 4807m Altitude Muito Elevada 6 13,3
Matterhorn 4478m Altitude Muito Elevada 2 4,5
Mount Rainier 4392m Altitude Muito Elevada 1 2,2
Toubkal 4169m Altitude Elevada 8 17,8
Mount Nebo 3636m Altitude Elevada 1 2,2
Mulhacen 3467m Altitude Elevada 4 8,9
Mt. Victoria 3465m Altitude Elevada 1 2,2
Monte Perdido 3445m Altitude Elevada 1 2,2
Aneto 3404m Altitude Elevada 1 2,2
Cabane de Botol 3300m Altitude Elevada 1 2,2
O quadro 2 também apresenta o número de indivíduos da amostra que alcançou esse
pico como o seu Melhor Cume e respectiva representação percentual.
Relativamente aos hábitos dos indivíduos quanto à realização das suas
expedições sempre com o mesmo grupo, 10 indivíduos afirmaram que o fazem,
enquanto os restantes 35 não o fazem. Quanto aos anos de prática, das 43
respostas obtidas, estas oscilaram entre um mínimo de 1 ano e, um máximo de 30
anos de prática (M=10,12; DP=7,53).
Instrumentos
Para efectuar a recolha de dados, foram utilizados 2 questionários, nas suas
versões originais em Inglês e, nas suas versões traduzidas e adaptadas em
Português. A selecção da sua aplicação dependeu da proficiência linguística dos
inquiridos. O questionário CSAI-2 foi desenvolvido por Martens et al. (1990),
tendo sido, posteriormente, traduzido para Português por Vasconcelos-Raposo
(1995), e recentemente validado por Coelho, Vasconcelos-Raposo e Fernandes
(2007). Este instrumento de medida multidimensional composto por 27 afirmações,
tem como objectivo diagnosticar e quantificar 3 variáveis psicológicas:
ansiedade cognitiva (9 itens), ansiedade somática (9 itens) e autoconfiança (9
itens).
O outro questionário utilizado foi o TEOSQ, desenvolvido por John Nicholls para
o contexto educacional e posteriormente adaptado por Duda (1989) para o
contexto desportivo. A sua adaptação e tradução para Português foram efectuadas
por Fonseca e Biddle (1995), tendo sido recentemente validado por Fernandes e
Vasconcelos-Raposo (no prelo). O questionário é composto por 13 questões
respondidas através de uma escala tipo Likert.
Em ambos os questionários efectuámos pequenas alterações quanto à sua
terminologia. No caso do CSAI-2, uma vez que este se encontra orientado para a
competição, o que não se adequa a este estudo, procedemos à utilização, em
substituição, de uma terminologia relativa à modalidade de alpinismo. Deste
modo, procedemos à substituição de palavras como prova ou competição, para
ascensão ou cume. O mesmo procedimento foi efectuado quanto ao questionário
TEOSQ.
Procedimentos
Após a aceitação por parte dos indivíduos em participar e obtenção do
respectivo consentimento informado, procedemos ao envio dos questionários para
um alpinista, acompanhados dos respectivos critérios de aplicação.
O preenchimento do questionário CSAI-2 decorreu durante o período máximo de 24h
antes e os momentos antecedentes à sua ascensão, pelo que foi enfatizado que
quanto mais próximo do momento da ascensão, melhor. Para o preenchimento do
TEOSQ, não houve um período temporal definido. A ascensão teria que ser
realizada a um cume igual ou superior a 2500m, altura a partir da qual se
considera altitude elevada (AAPJ).
Os questionários foram aplicados em ascensões a cumes na América do Norte,
Kilimanjaro, Península Ibérica, Alpes e Himalaias.
Análise estatística
Inicialmente, procedeu-se ao cálculo das médias e desvios padrão das variáveis
analisadas, assim como, ao valor de consistência interna (α de Cronbach).
Tendo em conta a reduzida dimensão da amostra e os elevados valores de alguns
dos coeficientes de análise da normalidade univariada (simetria e curtose),
optámos por efectuar uma análise estatística do tipo não paramétrico.
Procedemos à realização do teste de Mann-Whitney quando pretendíamos comparar
dois grupos (sexo, nacionalidade e formação específica) e aplicámos o teste de
Kruskal-Wallis, para comparações entre mais que três grupos, de forma a
observar os resultados entre os indivíduos que praticam as modalidades de
alpinismo, montanhismo e escalada.
Por último, foi efectuada uma correlação de Spearman entre a idade, anos de
experiência e as dimensões psicológicas.
Em todos os tratamentos que realizámos, o nível de significância tido em
consideração foi de p<0,05. O software estatístico utilizado foi o SPSS
(Statistical Package for Social Sciences) versão 16.0.
Resultados
Nesta secção são apresentados os resultados obtidos, pela seguinte ordem.
Primeiramente, apresentamos a estatística descritiva das escalas dos construtos
em análise; seguidamente as análises comparativas das mesmas escalas em função
do sexo, nacionalidade, formação específica e modalidade; e, por fim,
apresentamos a matriz de correlação dos construtos.
No quadro 3 podemos verificar que o construto para a autoconfiança apresentou
média superior, tendo-se registado um elevado valor de desvio padrão
(26,64±5,48). Relativamente à orientação cognitiva, observou-se um elevado
valor médio para a tarefa (4,21±0,66), estando este próximo do valor máximo. Os
valores de consistência interna foram considerados satisfatórios (α > 0,70).
Quadro 3. Estatística descritiva das escalas do CSAI-2 e TEOSQ
Negativismo 16,51±4,079 27 0,73
Activação 15,00±3,569 24 0,73
Autoconfiança 26,64±5,4812 36 0,86
TEOSQ
Orientação para o e2,30±0,78 1 4 0,74
Relativamente à análise comparativa entre sexos, verificou-se que o sexo
feminino apresentou valores médios mais elevados nas variáveis negativismo e
activação do que os apresentados pelo sexo masculino, enquanto o sexo masculino
registou valores médios superiores para ambas as variáveis de orientação
cognitiva.
Quadro 4. Análise comparativa das escalas do CSAI-2 e TEOSQ, por sexo
Negativismo 16,38±4,2317,60±2,51-0,779 0,436
Activação 14,68±3,5017,60±3,21-1,852 0,064
Autoconfiança 26,73±5,4626,00±6,20-0,326 0,744
TEOSQ
Orientação para o e2,33±0,82 2,03±0,40 -0,887 0,375
Não foi possível observar diferenças estatisticamente significativas, contudo é
de salientar que o valor de significância para a activação se registou próximo
do valor determinado (p=0,064).
No que concerne a análise comparativa quanto à nacionalidade dos elementos da
amostra, os valores médios reportados pelos alpinistas portugueses ou de outra
nacionalidade são apresentados no quadro 5. Nesta análise identificou-se apenas
uma diferença significativa para a variável autoconfiança (p=0,008).
Quadro 5. Análise comparativa das escalas do CSAI-2 e TEOSQ, por nacionalidade
Negativismo 16,50±5,2016,52±3,40-0,369 0,712
Activação 15,31±3,3814,83±3,70-0,441 0,659
Autoconfiança 29,56±5,3225,03±4,95-2,667 0,008
TEOSQ
Orientação para o e2,33±0,84 2,29±0,76 -0,131 0,896
Os alpinistas de nacionalidade portuguesa registaram níveis superiores de
autoconfiança (29,56±5,32). Estes sujeitos também apresentaram valores médios
superiores para as variáveis de orientação cognitiva, contudo muito próximos
dos valores reportados pelos sujeitos de outras nacionalidades.
Quanto à análise relativa à formação específica, não se observaram diferenças
significativas. Verificou-se que os alpinistas que afirmaram ter tido formação
específica apresentaram um valor médio inferior para a activação fisiológica
(14,83±3,51), ao mesmo tempo que registaram valores inferiores para ambas as
variáveis de orientação cognitiva.
Quadro 6. Análise comparativa das escalas do CSAI-2 e TEOSQ, por formação
específica
Negativismo 16,57±4,0716,40±4,22-0,326 0,744
Activação 14,83±3,5115,33±3,75-0,387 0,698
Autoconfiança 26,90±5,1626,13±6,23-0,085 0,933
TEOSQ
Orientação para o e2,22±0,73 2,47±0,88 -0,881 0,378
O quadro 7 apresenta os resultados da aplicação do teste Kruskal-Wallis entre 3
grupos de indivíduos, tendo em conta a modalidade desportiva específica que
habitualmente praticam (montanhismo, alpinismo e escalada).
Quadro 7. Análise comparativa das escalas do CSAI-2 e TEOSQ, por modalidade
Negativismo 16,00±4,0416,00±3,6516,96±4,310,305 0,858
Activação 14,00±2,5414,00±2,8915,88±4,092,400 0,301
Autoconfiança 25,57±6,2227,86±3,7226,92±5,540,827 0,661
TEOSQ
Orientação para o e2,30±0,76 2,36±0,77 2,29±0,83 0,144 0,930
Relativamente ao construto da activação, verificámos que o grupo de alpinismo
registou uma média superior (15,88±4,09). Os montanheiros apresentaram uma
média inferior para a autoconfiança (25,57±6,22). Os escaladores registaram
valor médio superior para as variáveis do TEOSQ ' orientação para o ego
(2,36±0,77) e orientação para a tarefa (4,37±0,77). Por sua vez, os alpinistas
apresentaram o valor médio inferior para ambos os construtos do ego (2,29±0,83)
e tarefa (4,09±0,74). Todavia, não se observaram diferenças estatisticamente
significativas.
Por último, procedeu-se à análise das correlações entre os construtos, da qual
resultaram os valores que apresentamos no quadro 8
Quadro 8. Matriz de correlação dos construtos
Anos de experiência0,048 -0,119 0,321* -0,011 0,351*
*
p<0,05
Relativamente às associações significativas (p<0,05) observou-se que os anos de
experiência se correlacionou positivamente com a autoconfiança (r=0,321) e a
orientação para a tarefa (r=0,351), enquanto o negativismo se correlacionou
positivamente com a orientação para o ego (r=0,326).
Discussão
No presente estudo tivemos como objectivo caracterizar os níveis de
negativismo, activação e autoconfiança, e objectivos de realização em
alpinistas, assim como, averiguar possíveis diferenças existentes entre
alpinistas cuja modalidade habitualmente praticada é o alpinismo, o
montanhismo, ou a escalada. Por fim, pretendeu-se verificar correlações entre
as dimensões psicológicas, a idade dos indivíduos e os anos de experiência dos
mesmos. A discussão dos resultados obtidos será sequencial pela ordem de
análises realizadas.
Os resultados indicaram que as mulheres foram as que registaram maiores níveis
de negativismo e activação, e menores níveis de autoconfiança comparativamente
aos alpinistas do sexo masculino. Este perfil de resultados também foi
observado por Seeley, Storey, Wagner, Walker e Watts (2000) num estudo
realizado com jogadores de voleibol. Seeley et al. (2000) previam que os níveis
de negativismo e activação fossem superiores nas mulheres nos momentos
antecedentes à competição, e que estas registassem níveis de autoconfiança
inferiores aos dos homens. Embora os valores obtidos mostrem uma tendência
observada noutros estudos, apenas registámos um valor próximo da significância
para o construto da activação (p=0,064), pelo que estes resultados contrariam
as diferenças significativas tendencialmente verificadas em estudos anteriores
(Krane & Williams, 1994; Madden & Kirby, 1995; Martens et al., 1990;
Sewell & Edmondson, 1996). Um aspecto que julgamos ser responsável por este
facto prende-se com o facto de socialmente as mulheres serem submetidas a uma
maior pressão comparativamente àquela a que os homens são sujeitos, pelo que os
níveis superiores de negativismo e activação, e inferiores de autoconfiança se
poderão dever a este factor social, muito embora no presente estudo não tenham
havido diferenças estatisticamente significativas entre os sexos. De Rose
Júnior e Vasconcellos (1997) fizeram essa mesma constatação num estudo
realizado com 164 atletas dos 10 aos 16 anos, tendo verificado que diversos
autores (Brustad, 1988; Finkenberg, Dinucci, McCune & McCune, 1992;
Stefanello, 1990) afirmam haver uma tendência para os indivíduos do sexo
feminino apresentarem níveis superiores de negativismo, independentemente da
sua idade. Este facto tende-se a dever à enfatização dada para os indivíduos
masculinos, sendo a mulher muito pressionada em situação de competição e
constantemente comparada aos homens, havendo mesmo um certo preconceito quanto
à sua participação no desporto competitivo (Csizma, Witting, & Schurr,
1988). Deste modo e pese embora a especificidade do alpinismo, denota-se que
embora não disponha de quadros competitivos, este desporto ainda é
maioritariamente praticado por homens.
Conforme os resultados assim o indicam, não se verificaram diferenças
estatisticamente significativas entre os sexos quanto à orientação cognitiva.
No entanto, vários estudos anteriores (Duda 1985, 1986; Hayashi & Weiss,
1994) evidenciaram que os indivíduos anglo-americanos do sexo masculino se
apresentavam cognitivamente orientados para o ego, tendo estes definido o
sucesso com base na habilidade atribuída à competência e, o insucesso à falta
de esforço. Contudo, estes mesmos estudos verificaram que indivíduos navajos
(índios da América do Norte) de ambos os sexos não revelaram diferenças quanto
à orientação cognitiva, estando tanto os homens como as mulheres orientados
para a tarefa. Os resultados verificados por nós tendem a corroborar os estudos
anteriormente enunciados, embora contrariem parcialmente a teoria de Nicholls
(1984, 1989).
Relativamente à nacionalidade dos indivíduos, não se observaram diferenças
significativas para o negativismo e activação, embora se tenham verificado
diferenças significativas para o construto da autoconfiança (p=0,008). Os
indivíduos de nacionalidade Portuguesa apresentaram um valor médio superior aos
dos indivíduos de outra nacionalidade, pelo que estes resultados vão ao
encontro dos evidenciados por Cruz (1994, 1996) que referiu que os atletas
portugueses de elite (bem sucedidos) se caracterizam e distinguem dos restantes
atletas de alta competição por apresentarem maiores níveis de autoconfiança e
de motivação.
Dada a necessidade de grandes deslocações dos alpinistas para os locais de
montanha onde se pratica a modalidade, pensamos que tão específicas
particularidades da mesma situação levem a que não haja na realidade uma
diferença entre nacionalidades mas, sim uma semelhança entre indivíduos. Ou
seja, que os aspectos relacionados com a forma, com os processos de
aculturação, o modo como estes interagem e encaram a montanha, dependerão mais
da personalidade do próprio indivíduo do que propriamente do local de onde este
provém, ou até dos anos de experiência dos sujeitos, os quais não diferiram na
presente amostra (Mportuguesa=10,16 anos vs Moutra=10,15 anos; p>0,05), embora
esta variável esteja positivamente associada à autoconfiança.
Também podemos observar que dadas as características do meio natural em que se
pratica o alpinismo, assim como das especificidades técnicas que exige, esta
actividade apresenta elevados riscos para os praticantes (Pereira, 2005), que
cientes dos mesmos poderão resultar num incremento quanto aos níveis de
negativismo e activação e, num decréscimo dos níveis de autoconfiança do mesmo.
Deste modo, consideramos que a prática duma modalidade num local desconhecido
ou poucas vezes frequentado causarão maiores inseguranças e incertezas, pelo
que a superior autoconfiança demonstrada pelos alpinistas portugueses reveste-
se de extrema importância para a obtenção de níveis superiores de desempenho e
sucesso desportivo.
Na análise dos construtos da orientação cognitiva não foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas entre as nacionalidades. Observámos
ainda que tanto na orientação para o ego, como para a tarefa, os indivíduos
portugueses registaram valores superiores quando comparados aos de outra
nacionalidade. De acordo com Hayashi e Weiss (1994) existem diferenças
culturais entre os anglo-americanos e os japoneses quanto à motivação para a
prática desportiva, embora não se verifiquem diferenças estatisticamente
significativas quanto à orientação cognitiva, tendo, contudo, os corredores
anglo-americanos apresentado elevados níveis competitivos, enquanto os
japoneses registaram níveis mais elevados de orientação para a vitória
(sucesso). Esta evidência está de acordo com os estudos de Duda (1985, 1986),
nos quais foi observado que indivíduos navajos de ambos os sexos revelaram
diferenças quanto à orientação cognitiva, comparativamente aos homens anglo-
americanos, estando os navajos mais orientados para a tarefa e os homens anglo-
americanos mais orientados para o ego. Para o presente estudo, convém, porém,
salientar que o espectro da amostra que compõe a subcategoria da outra
nacionalidade foi constituído por indivíduos de países de três continentes
distintos, sendo por isso necessária precaução na generalização desta
interpretação e análise. Alguns autores (Hayashi & Weiss, 1994; Markus
& Kitayana, 1991) observaram que a sociedade Ocidental (usualmente
representada por indivíduos anglo-americanos) se caracteriza por indivíduos que
necessitam de se apresentar como sendo únicos, para a elevação e protecção da
sua auto-estima, assim como para o alcance de resultados (superar os outros).
Em contrapartida, a sociedade Oriental tende a revelar forte dependência entre
os indivíduos, os quais necessitam de pertencer a um grupo, realizando os seus
objectivos visando o fortalecimento dos laços grupais, pelo que este facto
exerce forte influência na motivação dos indivíduos. No âmbito da psicologia
cultural, esta dicotomização ocidente vs oriente, evoluiu no sentido de
(melhor) expressar certas orientações/síndromes culturais, denominadas de
individualismo e colectivismo (Triandis, 1989, 1995).
Apesar da dificuldade em encontrar estudos semelhantes ao nosso, no qual tenham
sido comparados indivíduos de nacionalidade Portuguesa e outra, foi possível
constatar no estudo realizado por Pereira (2005) com vinte alpinistas, cinco
dos quais de nacionalidade espanhola, que os alpinistas tendem a realizar as
suas ascensões por motivos de auto-realização, estando estes mais orientados
para a tarefa. Entre as motivações para a prática do alpinismo foram
referenciadas mais frequentemente: o desfrutar do ambiente da montanha; a
superação de dificuldade técnica/logística; e, a realização pessoal/
conhecimento de outros locais. Contudo, é também de salientar que 60% dos
alpinistas referiu o reconhecimento como um dos objectivos para a prática da
modalidade, sendo esta uma característica fulcral e central da orientação para
o ego.
Quanto à formação específica dos indivíduos, verificámos não existirem
diferenças significativas nas dimensões do CSAI-2. Da literatura consultada,
não nos foi possível encontrar um estudo no qual tenham sido analisadas as
relações existentes entre os estados de negativismo, activação e de
autoconfiança em relação à formação específica e sua potencial influência no
desempenho dos atletas. Contudo, parece-nos importante referir que existem
outros tipos de formações destinadas ao benefício e melhoramento dos
desempenhos, como sendo através da aplicação de um programa de treino mental
(PTM), que ajude os atletas a lidar com os problemas psicológicos com que se
confrontam durante as suas actividades. Numa investigação realizada por
Mamassis e Doganis (2004), na qual se pretendeu verificar o impacto de um PTM
ao longo da época, foi concluído que o grupo submetido ao programa apresentou
no pós-teste um aumento das dimensões de controlo do negativismo, activação e,
autoconfiança, assim como, registou superioridade em todo o seu desempenho,
comprovando claramente a eficácia do PTM na redução/eliminação de problemas
específicos relativos à performance. Outros estudos comprovaram que atletas e
árbitros bem sucedidos apresentam melhorias no controlo do negativismo,
reflectindo progressos no desempenho durante os treinos e competições (Nordell
& Sime, 1993; Vasconcelos-Raposo & Carvalho, 2000).
Não se tratando os anos de experiência um tipo de formação específica, a
formação específica é contudo uma forma de experiência que proporciona um
suporte de conhecimentos úteis para o tipo de actividades realizadas. De Rose
Junior e Vasconcellos (1997) observaram que ambos os grupos masculino e,
feminino com menor experiência em momentos competitivos, apresentaram os níveis
mais elevados de negativismo, podendo os resultados dever-se ao facto da
inexperiência ser um possível factor responsável pela insegurança sentida, o
que reflectiria o seu maior negativismo em relação aos demais grupos.
No que respeita à orientação cognitiva, não foram registadas diferenças
significativas entre a formação específica dos alpinistas. No entanto,
verificámos que os alpinistas sem formação específica apresentaram
simultaneamente valores ligeiramente superiores de orientação para o ego e para
a tarefa. Em termos gerais, muito embora nem sempre verificado, habitualmente a
experiência está associada a um maior sucesso. Em particular, sendo o alpinismo
uma modalidade tão específica, que requer um elevado conhecimento técnico e de
preparação física e mental, poderia antever-se que os seus praticantes com
formação específica revelariam uma superior orientação para a tarefa,
comparativamente àqueles sem formação. Neste âmbito, o estudo realizado por
Kreiner-Phillips e Orlick (1993) com 17 atletas de elite campeões do mundo e/ou
olímpicos de sete modalidades, pertencentes a quatro países, evidenciou que o
grupo com maior rendimento (sucesso contínuo) apresentava determinadas
características quanto à fórmula mental utilizada. Dessa fórmula constava,
uma preocupação em ter um plano de prova bem delineado, permanecer concentrado
na tarefa, manter as coisas em perspectiva, divertir-se com o desporto e
gostar de novos desafios e manter uma boa preparação física, conjuntamente com
um pensamento positivo.
Relativamente às três diferentes modalidades mencionadas pelos indivíduos da
nossa amostra (alpinismo, montanhismo e escalada), não se registaram diferenças
significativas para os construtos do CSAI-2, tendo sido os indivíduos
habitualmente praticantes de alpinismo, aqueles que registaram valores médios
superiores de negativismo e activação, enquanto indivíduos habitualmente
praticantes de escalada foram aqueles que se mostraram mais autoconfiantes.
Estes perfis diferenciados tendem a confirmar hipóteses formuladas em estudos
anteriores. De acordo com Cruz (1989) parecem existir diferenças entre
indivíduos no que respeita aos efeitos do negativismo sobre os níveis óptimos
deste, que conduzem a um melhor desempenho, pelo que diferentes modalidades
parecem exigir diferentes níveis óptimos de ansiedade. Outros autores (Lázaro
& Vasconcelos-Raposo, 1998; Martens, 1987) alertam para o facto dos níveis
de negativismo, activação e autoconfiança divergirem em função dos atletas e do
tipo de modalidade praticada, prevendo-se que praticantes de modalidades
individuais apresentem níveis mais elevados de negativismo, do que os
praticantes de modalidades colectivas. Sabe-se pois que a pressão a que os
indivíduos das modalidades individuais são sujeitos é superior àquela
experienciada por indivíduos de modalidades colectivas. Não só o facto do
indivíduo sentir a atenção do público centrada em si ser um factor indutor de
maior apreensão, também sabemos que o receio de cometer erros e ser-se julgado
por eles constitui, muitas vezes, uma importante causa indutora de receios/
medos que, em alguns casos se poderá reflectir num aumento do estado de
negativismo, o qual poderá indiciar a diminuição da autoconfiança.
Observamos ainda não existirem diferenças significativas entre as modalidades
para a orientação para o ego e para a tarefa. Neste estudo procurámos analisar
as diferenças entre três modalidades, das quais apenas a escalada possui
quadros competitivos. Este factor poderá, em parte, justificar o porquê dos
escaladores terem sido aqueles que se mostraram mais orientados tanto para o
ego, como para a tarefa. Num estudo realizado por Freixanet e Grau (1991) sobre
a personalidade de alpinistas, montanheiros (escaladores e esquiadores de
montanha) e de um grupo controlo, verificou-se não existirem diferenças entre
alpinistas e montanheiros para as variáveis de procura de perigo e aventura,
procura de experiências, bem como de extroversão. Estes resultados apesar
de não referirem as temáticas por nós aqui abordadas, revelam-se importantes na
medida em que salientam haver similaridades de traço de personalidade dos
indivíduos praticantes destas actividades desportivas. Pereira e Felix (2004)
também observaram a mesma tendência de procura do risco e da aventura por parte
dos alpinistas, estando por vezes esta relacionada com a inexperiência, pois
quando se é mais jovem, fazem-se imprudências. ( ) com dezoito anos, sem nunca
ter feito um curso de escalada, fazia vias que não sabia que grau eram..
Em relação aos anos de experiência verificámos existirem correlações positivas
com a autoconfiança (r=0,321) e a orientação para a tarefa (r=0,351), embora
não se tenham obtido correlações significativas com a variável idade. Estes
valores são concordantes com os de um estudo com jogadores de futebol
apresentado por Mahl e Vasconcelos-Raposo (2005), no qual se constatou que o
tempo de experiência se correlacionou positivamente com a autoconfiança e
motivação dos praticantes. Também estes autores observaram uma correlação entre
a experiência e os níveis de negativismo, algo não constatado no presente
estudo.
Por outro lado, observámos que o negativismo se correlacionou positivamente com
a orientação para o ego (r=0,326), pelo que podemos deduzir que os alpinistas
mais orientados para o ego são aqueles que apresentam valores mais elevados de
negativismo nos momentos antecedentes ao início da sua ascensão, ou vice-versa.
Esta relação poderá dever-se à importância depositada no sucesso das
actividades a realizar, factor que naturalmente acrescenta maior pressão no
alpinista e, que denota a relevância que este deposita nas opiniões de outrem.
De referir ainda, que embora não tenha atingido significância estatística,
verificaram-se correlações negativas do negativismo com a autoconfiança e
orientação para a tarefa. Concomitantemente, os valores de negativismo e
activação se correlacionaram negativamente com a autoconfiança, pelo que embora
não se tenham registado valores significativos nesta pesquisa, tal foi
verificado em outros estudos (Lázaro & Vasconcelos-Raposo, 1998;
Vasconcelos-Raposo, Lázaro, Teixeira, Mota, & Fernandes, 2007). Deste modo,
pressupõe-se que a elevação dos níveis de activação e negativismo reflectem uma
diminuição do nível de autoconfiança, o que está de acordo com alguns dos
postulados da teoria multidimensional da ansiedade competitiva, uma vez que o
negativismo se relaciona negativa e linearmente com o rendimento, enquanto pelo
contrário, a autoconfiança tem uma relação linear positiva com o mesmo (Martens
et al., 1990; McNally, 2002).
De um modo geral, o negativismo parece exercer forte afectação na atenção do
indivíduo, já que este realiza desempenhos inferiores comparativamente aos
indivíduos que apresentam inferiores níveis de negativismo (Yoo, 1996). Por sua
vez, os efeitos da activação nos processos atencionais variam consoante os
níveis de negativismo. Baixos níveis de negativismo e activação poderão exercer
efeitos facilitadores, no entanto, sob níveis elevados parece exercer uma
afectação debilitadora. Este mesmo autor referiu, ainda, que os indivíduos
muito negativistas dividem a sua atenção com os elementos da tarefa e eles
próprios, realizando desempenhos inferiores. Por outro lado, indivíduos pouco
negativistas concentram-se somente nos aspectos relevantes da tarefa. Segundo
Hall, Kerr e Matthews (1998), a orientação para a tarefa trata-se de uma forma
para prevenir que os indivíduos experienciem cognições mal adaptativas, bem
como respostas afectivas negativas. Assim, Cruz (1996) defende que a
diferenciação entre os melhores atletas e os menos bem sucedidos é determinada
por algumas competências psicológicas como o controlo do negativismo, a
concentração, a autoconfiança, a preparação mental e a motivação.
Conclusões
Em suma, o presente estudo demonstrou que as variáveis sexo, formação
específica e modalidade específica de prática não contribuíram para a
diferenciação dos níveis de negativismo, activação, autoconfiança e orientações
motivacionais (ego e tarefa) de alpinistas, enquanto se verificou que os
atletas de nacionalidade portuguesa reportaram níveis superiores de
autoconfiança, em comparação com as restantes nacionalidades. Ao nível
correlacional constataram-se associações positivas e significativas entre os
anos de experiência e os domínios psicológicos da autoconfiança e orientação
motivacional para a tarefa, o que sustenta que a experiência desportiva (e não
a idade do praticante) desempenha um papel central e fulcral no desenvolvimento
de um perfil psicológico associado ao sucesso desportivo em alpinismo.
Dada a especificidade das temáticas abordadas com a população em estudo,
propomos que no futuro sejam efectuados novas investigações neste âmbito que
complementem os resultados por nós obtidos, para que se consiga caracterizar
mais fielmente as características de negativismo e dos objectivos de realização
dos alpinistas. Julgamos ser oportuno relembrar que a nossa amostra foi
composta por alpinistas de diversas nacionalidades residentes em três
continentes, os quais tinham anos de experiência e vivências distintas quanto
aos cumes ascendidos, bem como, diferentes hábitos no que respeita à realização
das ascensões com o mesmo grupo.
Para além disto, consideramos que a pesquisa de carácter qualitativo deverá ser
ampliada no âmbito do alpinismo, de forma a conhecer-se melhor a reflexão dos
alpinistas sobre as vivências de preparação, ascensão ao cume e descida de
regresso, providenciando conhecimento não só sobre as possíveis dissonâncias
cognitivas associadas às expectativas e realidades da ascensão (Burke, Sparkes
& Allen-Collison, 2008), como também, sobre os diversos mecanismos de
adaptação e estratégias de coping utilizadas, no sentido de lidar
satisfatoriamente com as adversidades inerentes ao alpinismo.