Relações entre actividade física, aptidão física, morfológica e coordenativa na
infância e adolescência
Crescimento e morfologia, aptidão física e coordenativa e envolvimento em
actividades físicas serão sem dúvida alguns dos mais estudados assuntos no
desenvolvimento motor infanto-juvenil. A forma como os investigadores os têm
abordado configura uma multiplicidade de factores e variáveis de medida que,
por parcimónia, convém interpretar de forma conjunta. A Aptidão Morfológica
(ApM), entendida como as características morfológicas associadas ao nível de
prontidão motora e robustez músculo-esquelética do indivíduo, tem sido
observada através de indicadores dimensionais simples (estatura, peso,
perímetros musculares, e pregas adiposas) e complexos [índice de massa corporal
(IMC), percentagem de massa gorda (%MG), somatótipo, etc.], levando-nos a
conhecer bem os valores normativos destes indicadores ao longo do ciclo de vida
e a sua influência na determinação de uma vida saudável (e.g. Carter, 1988;
Cole, Bellizzi, Flegal, & Dietz, 2000; McDowell, Fryar, Hirsch, &
Ogden, 2005; Padez, Fernandes, Mourão, Moreira, & Rosado, 2004; Rodrigues,
Sá, Bezerra, & Saraiva, 2006). O conceito de Aptidão Física (ApF) dispensa
apresentações e tem sido largamente monitorizado ao longo do último século
(e.g. Reiff et al., 1986; Simon et al., 1990), parecendo representar um
elemento fundamental para o sucesso motor, propiciando êxito na actividade e
criando expectativas de manutenção futura de estilos de vida activos (Andersen,
Hasseltrom, Gronfeldt, Hansen, & Karsten, 2004; Janz, Dawson, &
Mahoney, 2000; Malina, 2001). A preocupação com a Aptidão Coordenativa (ApC),
marcadora da proeficiência motora, tem vindo a evidenciar-se na literatura dos
últimos anos com a adopção de instrumentos estandardizados e validados para a
avaliação da qualidade do comportamento motor de crianças e jovens [e.g. Test
of Gross Motor Development 2 (TGMD-2), Movement Assessment Battery for Children
(M-ABC), Peabody Developmental Motor Scale 2 (PDMS-2), Köper-koordinations-test
für Kinder (KTK)] e a sugestão de que os níveis de ApC poderão influenciar
decisivamente a forma como as crianças se motivam e envolvem em práticas
motoras (Okely, Booth, & Patterson, 2001). Por último, a Actividade Física
(AF) tem sido descrita como um dos mediadores (senão o mediador) mais
importante na determinação epidemiológica da saúde das populações (Blair &
Church, 2004), originando uma preocupação especial no estudo e caracterização
dos episódios de AF das populações, particularmente nas faixas etárias mais
novas onde a modelação dos comportamentos pode pressupor a criação de hábitos
para a vida.
Da constatação da importância destes factores emerge a necessidade de
compreender o modo efectivo como interagem na infância e juventude,
desencadeando a oportunidade deste trabalho. Nele procuraremos referenciar as
investigações desenvolvidas em diferentes contextos geográficos e culturais,
mas que corroboram da mesma preocupação em perceber a interacção destes
factores no desenvolvimento motor presente e futuro das populações.
MÉTODO
Na pesquisa dos estudos publicados recorremos à B-On, base bibliográfica online
que junta diversos recursos de pesquisa (PubMed,Search Direct,Web of
Science,Scielo, etc). Os critérios de procura seleccionados permitiram-nos
consultar os trabalhos publicados na última década (2000 a 2009), através do
cruzamento de palavras-chave especificamente relacionadas com o objectivo da
revisão (Physical Activity, Physical Fitness, Motor Skills, Motor Coordination,
Motor Competence, Growth, Weight Status, Obesity). No conjunto dos trabalhos
revistos, diferentes variáveis são definidas dentro de cada um dos factores
associados ao Desenvolvimento Motor (DM). Assim, para a ApM as mais usadas
foram as medidas antropométricas básicas (peso e altura), o índice de massa
corporal e as pregas adiposas. O nível de proficiência nas habilidades motoras
fundamentais e o nível de desempenho em testes específicos de DM marcam as
formas mais usuais de avaliação da ApC. Relativamente à ApF foram utilizados
testes de resistência aeróbica, de força (superior, média e inferior),
flexibilidade e velocidade. Por fim, para a AF, as medidas utilizadas
procuraram avaliar a frequência, a duração e/ou a intensidade dos momentos de
prática através de medições directas (acelerómetros e pedómetros) ou indirectas
(questionários). A existência de resultados relativos à relação entre pelo
menos dois dos factores pesquisados durante o período da infância ou
adolescência constituiu critério de inclusão para os estudos aqui apresentados.
Quanto aos delineamentos experimentais utilizados no esclarecimento desta
questão, encontramos sobretudos estudos correlacionais que visam inferir sobre
a relação entre as variáveis em estudo e recorrem a métodos longitudinais e
transversais, sendo que neste último caso se torna difícil controlar outras
potenciais influências, nomeadamente o estatuto socioeconómico da amostra
envolvida (Willms, 2003). De todos os trabalhos referenciados nesta revisão, em
apenas um foi implementado um programa de intervenção onde foram
deliberadamente controlados os factores com influência directa nas variáveis em
estudo.
Seguindo esta linha orientadora, estruturamos a apresentação desta revisão
descrevendo o ano, o local (país), as características da amostra, o
delineamento experimental e os resultados obtidos em cada estudo. Para ajudar o
leitor na leitura e comparação, foi mantida a ordem cronológica das publicações
e elaborada uma tabela síntese de todos os estudos revistos.
REVISÃO DA LITERATURA
Grund et al. (2000), ao estudarem a relação entre a AF (questionário e
frequência cardíaca), ApF (ergoespirometria e tensiometria computadorizada dos
membros inferiores) e a ApM [peso, altura, IMC e Massa Gorda (MG)] de 88
crianças alemãs dos 5 aos 11 anos de idade, observaram que as crianças mais
altas eram tendencialmente mais activas e que crianças com baixo nível de
aptidão física eram mais pesadas e apresentavam valores mais elevados de IMC e
MG. Aliás, também Oja (2001), no seu artigo de revisão relativamente à AF e
seus efeitos na ApF e estado de saúde, refere uma forte evidência da relação
entre o volume semanal de AF e a aptidão cardiorespiratória (ApF). No entanto,
aponta o mesmo autor que apenas foram encontrados fracos indícios de uma
relação entre o volume total de AF e outras medidas relativas ao estado de
saúde.
Integrado no Amsterdam Growth and Health Study (AGHS), Minck, Ruiter, Van
Mechelen, Kemper e Twisk (2000), seguiram longitudinalmente 83 rapazes e 98
raparigas entre os 13 e os 27 anos de idade, avaliados em seis momentos nas
suas características de ApF [Motor Performance (MOPER) Fitness Test], de AF
(questionário), e ApM (somatório pregas adiposas). A relação longitudinal
encontrada entre estas variáveis permitiu concluir pela existência de uma
associação significativa entre a adiposidade (ApM) e a velocidade (r = −.28, r
= −.31, respectivamente para rapazes e raparigas), a força inferior (r = −.38,
r = −.32), a força média (r = −.23, r = −.18), e a resistência aeróbica(r =
−.40, r = −.44), ao longo deste período do ciclo de vida. Já a AF apenas
demonstrou associar-se de forma significativa, embora fraca, com a resistência
aeróbica (r = .17, r = .10).
No ano seguinte, Kemper, Vente, Mechelen, e Twisk (2001) reportaram os
resultados do mesmo estudo (AGHS), mas agora relativamente ao percurso
longitudinal de cerca de 400 sujeitos desde os 13 até aos 33 anos, e com o
objectivo de estabelecer a relação entre a ApF (MOPER Fitness Test) na
adolescência e a AF (inquérito) na idade adulta. Os resultados demonstraram
que, dos testes de aptidão física realizados na adolescência, apenas a prova de
resistência (12 minutos em corrida) e o consumo máximo de oxigénio (VO2max) se
revelaram como predictores do nível de actividade física na idade adulta. Os
autores acrescentam ainda que estas constatações foram mais significativas nas
raparigas que nos rapazes. No mesmo ano, Ball et al. (2001) investigaram a
relação entre a AF [Double Labeled Water (DLW)] e a ApM (IMC, MG e %MG) de 106
crianças australianas dos 6 aos 10 anos de idade e observaram a existência de
uma correlação significativa em rapazes (r = −.37 para o IMC, r = −.46 para a
MG e r = −.50 para %MG), e nula para raparigas.
Graf et al. (2004) testaram 668 crianças alemãs (6.7 anos de idade média)
quanto à sua ApM (peso, altura e IMC), aos hábitos de AF (questionário), à ApF
(corrida de 6 min) e ApC (KTK), tendo verificado que a ApM se correlacionava
significativamente, quer com a ApF, quer com a ApC (KTK e IMC, r = −.16,
corrida 6-min e IMC, r = −.20). Foi também evidente neste estudo que as
crianças obesas ou com excesso de peso obtiveram piores resultados ao nível da
coordenação motora, e que as crianças mais activas eram significativamente mais
aptas nas suas prestações coordenativas (ApC). Também Reed e Metzker (2004), ao
examinarem a relação entre a AF diária (pedometria) e em aulas de Educação
Física (EF) e a ApC (Bass Stick Balance Test; Side-Step Agility Test e AAHPERD
Passing Test) de 217 crianças norte-americanas dos 6º, 7º e 8º anos de
escolaridade, observaram correlações totais significativas entre o AAHPERD
Passing Test e os níveis de AF diários (r = .35), e entre o Side-Step Agility
Test e o número de passos nas sessões de EF (r = .27).
Fisher et al. (2004), ao estudarem a relação entre a AF (acelerometria) e o
desempenho nas habilidades motoras fundamentais (M-ABC), de 394 crianças
escocesas em idade pré-escolar, encontraram uma tendência para as crianças que
despendiam mais tempo em actividade física moderada ou vigorosa (AFMV)
apresentarem melhor proficiência no desempenho das habilidades motoras. Os
valores da correlação entre o desempenho motor global (ApC) com a AF total (r =
.10) e o tempo dispendido em AFMV (r = .18) foram positivos e significativos em
ambos os sexos. Também Dencker et al. (2006), ao avaliarem a AF diária
(acelerometria) e a ApF (VO2 max avaliado em cicloergómetro) de 248 crianças
suecas dos 8 aos 11 anos de idade, encontraram associações positivas e
significativas entre a AF total e o VO2 max (r = .23 para rapazes e raparigas),
mas uma relação mais forte foi observada quando o nível de ApF foi interpretado
em função do tempo gasto na prática de AFMV (r = .32 para rapazes, r = .30 para
raparigas).
Na mesma linha de resultados, Wrotniak, Epstein, Dorn, Jones e Kondilis (2006),
ao examinarem a relação entre a ApC (Bruininks-Oseretsky Test of Motor
Proficiency), a AF (acelerometria), e a ApM (IMC) de 65 crianças norte-
americanas dos 8 aos 10 anos de idade, verificaram que a proficiência motora
das crianças encontrava-se positivamente correlacionada com a AF total (r =
.32) e a percentagem de tempo dispendida em AFMV (r = .30), e inversamente
correlacionada com o tempo passado em actividades sedentárias (r = −.31). Por
outro lado, crianças menos aptas morfologicamente (maior IMC) demonstraram
serem menos activas e possuírem pior desempenho motor que os seus pares mais
aptos (com menor IMC).
Em Portugal, Mota, Flores, Flores, Ribeiro e Santos (2006) avaliaram 127
rapazes e 128 raparigas com 8 e 9 anos de idade, relativamente à ApF (corrida
milha) e à ApM (IMC), tendo encontrado uma correlação significativa entre estes
dois parâmetros (r = −.36), apenas nas raparigas.
Ao avaliarem a ApC (Bruininks-Oseretsky Test of Motor Proficiency), a ApF (20-
m Shuttle Run Test) e a AF (Children's Self-Perceptions of Adequacy in and
Predilection for Physical Activity) de 586 crianças canadianas do 4.º ao 8.º
ano de escolaridade, Cairney, Hay, Wade, Faught e Flouris (2006) verificaram
que crianças a quem foram diagnosticados distúrbios de desenvolvimento da
coordenação motora revelaram um baixo nível de aptidão física e pouco ou nenhum
envolvimento em actividades físicas devido a uma auto-percepção negativa da sua
competência motora para a prática das mesmas.
Na Estónia, Raudsepp e Päll (2006) encontraram uma associação entre o nível das
habilidades motoras fundamentais (r = .44 para o lançar e r = .55 para o
saltar) de 133 crianças (7.6 anos de idade média) e a sua participação em
actividades físicas realizadas fora do ambiente escolar e que exigem um domínio
motor especializado (skill-specific). No entanto, o mesmo não aconteceu quando
se considerou a AF total destas crianças, o que segundo os autores talvez se
deva ao facto deste tipo de habilidades estarem especificamente associadas a
episódios de AF normalmente realizados em contexto específico desportivo de
treino e competição.
Ara, Moreno, Leiva, Gutin e Casajús (2007) investigaram o possível contributo
da AF (avaliada pela participação em actividades físicas extra-curriculares) na
ApM (somatório de pregas adiposas e IMC) e na ApF (bateria EUROFIT) de 1068
crianças espanholas dos 7 aos 12 anos de idade. Os resultados obtidos revelaram
que as raparigas sedentárias tinham maior adiposidade subcutânea do que as suas
parceiras mais activas (p < .05), que a AF produzia um efeito positivo e
significativo na ApM dos rapazes e que a aptidão aeróbica (VO2 max) se
encontrava negativamente relacionada com a adiposidade em ambos os sexos.
Estes resultados estão também de acordo com os encontrados por Stratton et al.
(2007), que seguiram 15621 crianças inglesas dos 9 aos 11 anos de idade entre
1998 e 2004, e observaram um declínio anual concomitante nos níveis de ApF (20-
m Shuttle Run Test) e na ApM (aumento do IMC), sugerindo uma relação entre
ambos.
Nos Estados Unidos da América, uma amostra de 230 crianças entre os 7 e os 12
anos de idade, representativa da zona de Illinois, foi avaliada na sua ApF
(Fitnessgram), ApM (IMC), AF (questionários, entrevista e pedometria) e ApC
(teste de habilidades motoras/desportivas) (Castelli & Valley, 2007). Os
resultados encontrados pelos autores mostram uma baixa, mas significativa
associação entre a ApM e os testes de ApF (r = −.24 a −.29); correlações
moderadas entre a ApC e a ApF (r = .57 para a resistência aeróbica, r = .39
para a força média e r = .36 para a força superior). Por sua vez a AF diária
demonstrou encontrar-se relacionada com a ApC (r = .55) e com os testes de ApF
(r = .28 a .46).
Por sua vez, Lazaar et al. (2007), num programa experimental de intervenção em
AF desenvolvido durante seis meses com 425 crianças francesas dos 6 aos 10 anos
de idade em contexto escolar, relataram que no conjunto dos dois sexos se
verificaram alterações favoráveis e significativas em todos os índices de ApM
avaliados (perímetro da cintura, pregas adiposas, massa magra nas raparigas, e
IMC e massa magra nos rapazes) relativamente ao grupo de controlo. Estas
conclusões, segundo os autores, estabelecem uma relação evidente entre a AF e a
ApM, sugerindo que a AF pode ser utilizada para prevenir e corrigir problemas
de excesso de peso e obesidade nesta faixa etária, sobretudo no sexo feminino.
Procurando determinar possíveis relações entre a ApF (Test of Physical Fitness)
e a ApC (M-ABC), Haga (2008) avaliou 67 crianças norueguesas, com 9 e 10 anos
de idade. Nos seus resultados esta autora reporta correlações
significativamente fortes e moderadas entre os valores globais da ApF e da ApC
(r = −.59); e entre os valores globais da ApF e parciais da ApC (r= −.44, r=
−.38 e r= −.49; respectivamente para a destreza manual, as habilidades com bola
e o equilíbrio). Analisando as relações por géneros, percebe-se que esta
associação é sempre mais forte nas raparigas (r = −.40 a −.78),
comparativamente com os rapazes (r = −.22 a −.53).
Quadro 1
Relação dos estudos revistos por ordem cronológica
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
|Autores_(Ano)____|Amostra_____________________________________________________________________|Conclusões___________________________________________________________________|
|Grund et al. | |Crianças mais activas são mais altas |
|(2000) |88 crianças alemãs com 5 a 11 anos de idade |Crianças com menor ApF são mais pesadas e com valores mais elevados de IMC e|
|_________________|____________________________________________________________________________|Massa_Gorda___________________________________________________________________|
|Minck et al. | |Associação positiva entre adiposidade (ApM) e velocidade, força inferior e |
|(2000) |181 adolescentes holandeses seguidos dos 13 aos 27 anos de idade |média, e resistência aeróbica (ApF) |
|_________________|____________________________________________________________________________|Associação_positiva_mas_fraca_entre_AF_e_resistência_aeróbica_(ApF)_______|
|Kemper et al. |365 adolescentes holandeses seguidos dos 13 aos 33 anos de idade |ApF (resistência aeróbica) é predictora do nível de actividade física na |dade
|(2001)___________|____________________________________________________________________________|adulta________________________________________________________________________|
|Ball et al. |106 crianças australianas com 6 a 10 anos de idade |Associação positiva entre AF e ApM em rapazes e nula em raparigas |
|(2001)___________|____________________________________________________________________________|______________________________________________________________________________|
|Graf et al. |668 crianças alemãs com 6.7 anos de idade média |Crianças obesas/excesso de peso com piores resultados de ApC |
|(2004)___________|____________________________________________________________________________|Crianças_mais_activas_têm_melhor_ApC________________________________________|
|Reed e Metzker |217 crianças norte-americanas do 6.º, 7.º e 8.º anos de escolaridade |Associações significativas observadas entre os resultados dos testes motores|e
|(2004)___________|____________________________________________________________________________|o_nível_de_AF________________________________________________________________|
|Fisher et al. |394 crianças escocesas com 4.2 anos de idade média |Crianças com mais tempo em AFMV apresentaram melhor ApC |
|(2004)___________|____________________________________________________________________________|______________________________________________________________________________|
|Dencker et al. |248 crianças suecas com 8 a 11 anos de idade |Associação significativa entre AF total e ApF (VO2max) |
|(2006)___________|____________________________________________________________________________|Associação_mais_elevada_entre_AFMV_e_ApF____________________________________|
|Wrotniak et al. |65 crianças norte-americanas com 8 a 10 anos de idade |Proficiência motora positivamente associada com a AF total e AFMV |
|(2006)___________|____________________________________________________________________________|Crianças_com_menor_ApM_são_menos_activas_e_possuem_pior_ApC_________________|
|Mota et al. |255 crianças portuguesas com 8 e 9 anos de idade |Raparigas apresentaram correlações positivas entre o IMC (ApM) e a corrida d|
|(2006)___________|____________________________________________________________________________|milha_(ApF)___________________________________________________________________|
|Cairney et al. |586 crianças canadianas com 11.5 anos de idade média |Crianças com distúrbios de desenvolvimento da coordenação motora revelaram|
|(2006)___________|____________________________________________________________________________|baixo_nível_de_ApF_e_pouco_ou_nenhum_envolvimento_em_AF______________________|
|Raudsepp e Päll |133 crianças estonianas com 7.6 anos de idade média |Associação positiva entre ApC e participação em actividades físicas que e|igem
|(2006)___________|____________________________________________________________________________|um_domínio_motor_especializado_(skill_specific)______________________________|
| | |Crianças mais activas tinham melhor ApF |
|Ara et al. (2007)|1068 crianças espanholas com 7 a 12 anos de idade |Raparigas sedentárias possuíam menor ApM |
|_________________|____________________________________________________________________________|ApF_(VO2max)_negativamente_relacionada_com_a_adiposidade_(ApM)________________|
|Stratton et al. |15621 crianças inglesas com 9 a 11 anos de idade |Declínio anual no nível de ApF e ApM (aumento do IMC) entre 9 e 11 anos de |
|(2007)___________|____________________________________________________________________________|idade_________________________________________________________________________|
|Castelli e Valley|230 crianças americanas com 7 a 12 anos de idade |Correlação positiva entre ApF e a ApM; a ApF e a ApC. |
|(2007)___________|____________________________________________________________________________|Correlação_positiva_entre_AF_e_ApC,_e_AF_e_a_ApF____________________________|
|Lazaar et al. |425 crianças francesas com 6 a 10 anos de idade |Intervenção na AF motiva alterações favoráveis na ApM |
|(2007)___________|____________________________________________________________________________|______________________________________________________________________________|
|Haga_(2008)______|67_crianças_norueguesas_com_9_e_10_anos_de_idade___________________________|Correlação_positiva_entre_ApC_e_a_ApF_______________________________________|
|Hume et al. |397 crianças australianas com 9 a 12 anos de idade |Correlação positiva entre AF e proficiência motora (ApC) |
|(2008)___________|____________________________________________________________________________|______________________________________________________________________________|
|Barnett et al. |1045 crianças australianas com 8 a 12 anos de idade |Proficiência no controlo de objectos (ApC) assumiu-se como principal predicto|
|(2008)___________|____________________________________________________________________________|de_uma_melhor_ApF_na_adolescência____________________________________________|
|Houwen et al. | |Correlação positiva entre a AFMV e os testes locomotores (ApC) |
|(2008) |48 crianças holandesas com 6 a 12 anos de idade |Correlação negativa entre sedentarismo e a proficiência na manipulação de|
|_________________|____________________________________________________________________________|objectos_(ApC)________________________________________________________________|
|Cantell et al. |29 crianças canadianas com 8 e 9 anos e 36 adolescentes com 17 e 18 anos de|Indivíduos com menor ApC exibem niveís generalizados mais baixos de saúde e|
|(2008)___________|idade_______________________________________________________________________|ApF___________________________________________________________________________|
|Hands et al. |1585 adolescentes australianos com 14.1 anos de idade média |Correlação positiva entre AF e resistência aeróbica (ApF) |
|(2009)___________|____________________________________________________________________________|Correlação_positiva_entre_a_ApC_e_a_ApF_____________________________________|
|D´Hondt et al. |117 crianças belgas com 5 a 10 anos de idade |Correlação positiva entre ApM (IMC) e os resultados da ApC |
|(2009)___________|____________________________________________________________________________|Correlação_positiva_entre_ApC_e_a_AFMV______________________________________|
Nota: AF ' Actividade Física, AFMV ' Actividade Física Moderada a Vigorosa, ApC
' Aptidão Coordenativa, ApF ' Aptidão Física,
ApM ' Aptidão Morfológica, VO2 max ' Consumo Máximo de Oxigénio
Relativamente à associação entre a ApC e a AF, Hume et al. (2008) indagaram
sobre a proficiência na execução de seis habilidades motoras fundamentais (ApC)
e a AF (acelerometria) de 397 crianças australianas dos 9 aos 12 anos de idade.
Nos seus resultados relatam a existência de uma correlação positiva e
significativa entre a AF e o nível de proficiência motora nas habilidades
motoras (r = .25 para rapazes e r = .21 para raparigas). Os autores acrescentam
que nos rapazes as actividades de intensidade moderada (r = .24) e moderada/
vigorosa (r = .24) estavam associadas positivamente às tarefas de manipulação
de objectos, enquanto que apenas as actividades de intensidade vigorosa (r =
.22) foram responsáveis pela melhor proficiência nas tarefas de locomoção. No
caso das raparigas, apenas as actividades vigorosas estiveram
significativamente correlacionadas com as tarefas de locomoção (r = .29). Na
mesma linha de conclusões, Barnett, Beurden, Morgan, Books e Beard (2008), num
estudo sobre a relação entre a proficiência nas habilidades motoras
fundamentais (ApC) de 276 crianças australianas aos dez anos de idade e a ApF
(20-m Shuttle Run Test) seis anos depois, concluíram que a proficiência nas
habilidades de controlo de objectos na infância assumiu o principal efeito como
predictor de uma aptidão aeróbica favorável durante a adolescência.
Houwen, Hartman e Visscher (2008), ao estudarem a relação entre a AF
(acelerometria), ApM (peso, altura e IMC) e a ApC (TGMD-2) de 48 crianças
holandesas dos 6 aos 12 anos de idade, constataram uma ausência de associações
significativas entre os parâmetros de avaliação da ApM e AF em estudo. No
entanto, correlações significativas foram observadas entre a percentagem de
tempo dedicado à realização de AFMV e os resultados dos testes locomotores (r =
.38), sugerindo que o nível de proficiência motora condicionou o envolvimento
das crianças em actividades físicas de intensidades superiores. Correlações
inversas e significativas também foram observadas entre as actividades
sedentárias e a proficiência na manipulação de objectos (r = −.31), o que
sugere que crianças com os melhores resultados neste tipo de tarefas motoras
dedicavam menos tempo às actividades menos activas comparativamente com o
restante da amostra.
Cantell, Crawford e Doyle-Baker (2008) procuraram relacionar o nível de
competência motora (ApC), a ApF, a ApM (IMC e perímetro da cintura) e
indicadores metabólicos de saúde, em 149 crianças, adolescentes e adultos
canadianos. Nas suas observações, os autores reportam que o nível de ApC
assumiu um papel preponderante nos resultados dos testes de ApF, ApM e saúde
realizados em todas as idades. Indivíduos com menor competência motora tiveram
valores de IMC significativamente mais elevados que os seus pares mais
coordenados e as crianças com maior competência motora foram capazes de níveis
de actividade física mais intensos. Na generalidade os autores concluem que
indivíduos com menor competência motora exibem níveis generalizados mais baixos
de saúde e ApF.
Recentemente, D´Hondt, Deforche, Bourdeaudhuij e Lenoir (2009), num estudo
sobre a relação entre a ApC (M-ABC), a ApM (peso, altura e IMC) e a AF
(acelerometria) de 117 crianças belgas dos 5 aos 10 anos de idade, observaram
que o IMC se revelou significativamente associado aos resultados dos testes
motores (r = −.34). No entanto, não houve o registo de diferenças motoras
significativas entre crianças classificadas com peso normal e excesso de peso,
o que segundo os autores, parece sugerir a existência de um ponto de corte de
adiposidade a partir do qual emergem as dificuldades de coordenação. Quanto à
AF, com excepção da prova de destreza manual, os demais resultados apontam para
uma correlação significativa entre ApC e a prática de AFMV (r = −.21 a −.25,
sendo que no teste M-ABC os melhores resultados correspondem aos valores mais
baixos), que pode ser entendida como um reflexo de um estilo de vida inactivo
normalmente adoptado por crianças tendencialmente obesas ou obesas de facto.
Examinando a associação entre a AF (pedometria), ApF (Australian Fitness
Education Award), e a ApM (IMC) e a ApC (McCarron Assessment of Neuromuscular
Development), Hands, Larkin, Parker, Straker e Perry (2009) testaram 1585
adolescentes (771 raparigas e 814 rapazes) com 14.1 anos de média de idade. A
AF apenas demonstrou associação significativa com a prova de resistência
aeróbica (r = .16 e r = .23, respectivamente em rapazes e raparigas). As
correlações entre a ApC e a ApF foram significativas nos dois sexos, mas
ligeiramente mais elevadas nos rapazes (r = .22 a .43 nos rapazes e r = .15 a
.33 nas raparigas). A ApM demonstrou fraca ou nenhuma correlação com todos os
outros factores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta revisão procuramos dar um panorama dos resultados da
investigação da última década que nos podem permitir melhor compreender as
características das associações existentes entre factores que indubitavelmente
condicionam o sucesso motor ao longo do desenvolvimento da criança e do jovem.
Uma limitação óbvia na interpretação destes resultados deriva da
impossibilidade de comparação directa dos mesmos, dada a grande diversidade de
aproximações metodológicas, de instrumentos e técnicas utilizadas na avaliação
das variáveis, e da escolha de medidas de associação reportadas. Ainda assim,
os estudos revistos apontam para a existência clara de associações positivas
entre os factores estudados, ao longo do desenvolvimento infanto-juvenil:
nomeadamente entre a ApM e a AF (3 estudos), entre a ApF e a ApM (4 estudos),
entre a ApM e a AF (5 estudos), entre a ApF e a AF (6 estudos), entre a ApF e a
ApC (7 estudos) e entre a AF e a ApC (10 estudos).
Se, para evitar a dispersão resultante da diversidade metodológica, centrarmos
a nossa atenção exclusivamente nos estudos que reportam medidas típicas de
associação (coeficientes de correlação) entre qualquer um dos factores
revistos, percebemos que a relação entre o envolvimento em AF e as diversas
facetas que expressam o nível de ApF de crianças e adolescentes é clara (r =
.10 a .46) (Castelly & Valley, 2007; Dencker et al., 2006; Hands et al.,
2009), mas que esta relação é principalmente favorecida quando as crianças se
envolvem em actividades mais vigorosas (Dencker et al., 2006). Relativamente à
associação entre a AF e uma melhor ApM (menor %MG), apenas foram encontradas
valores significativos em crianças do sexo masculino (r = .50) (Ball et al.,
2001). A competência motora é o factor que mais se parece associar com a AF de
crianças em idade escolar (r = .21 a .55) e pré-escolar (r = .18) (Castelly
& Valley, 2007; D'Hondt et al., 2009; Fischer et al., 2004; Houwen et al.,
2008; Hume et al., 2008; Raudsepp & Päll, 2006; Reed & Metzker, 2004;
Wrotniak et al., 2006).
Relativamente à ApF, e para além da associação com a AF já descrita, a relação
com a ApM foi estabelecida de forma moderada (r = .24 a .29) para crianças de
ambos os sexos (Castelli & Valley, 2007) e com a resistência aeróbica
apenas para as raparigas (r = .36) (Mota et al., 2006). Curiosamente, em
adolescentes esta associação não se revelou significativa (Hands et al., 2009).
Por sua vez, a competência motora (ApC) aparece como o factor que
incontestavelmente mais se relaciona com a ApF de crianças (r = .30 a .59) e
adolescentes (r = .15 a .43) (Castelli & Valley, 2007; Haga, 2008; Hands et
al., 2009).
Por último, os resultados revistos sugerem que a relação entre a ApM e a ApC
acontece de forma evidente, mas moderada, em crianças de ambos os sexos (r =
.16 a .34) (D'Hondt et al., 2009; Graf et al., 2004)
No que diz respeito ao eventual sentido dos efeitos, a conclusão desta revisão
é menos clara já que apenas três dos trabalhos foram delineados com esse
objectivo. Num deles concluiu-se que a ApF (especificamente a resistência
aeróbica) na infância foi predictora dos níveis de actividade física na idade
adulta (Kemper et al., 2001). Num segundo, um programa de intervenção na AF
resultou em modificações favoráveis na ApM (Lazaar et al., 2007). E, no último,
a ApC (habilidades de controlo de objectos) na infância demonstrou poder
preditivo na expressão da aptidão aeróbica (ApF) após a puberdade (Barnett et
al., 2008).
Um outro aspecto que importa realçar é que a grande maioria (19) dos artigos
aqui revistos se debruça sobre a AF e/ou a ApC, sendo que dez abordam
especificamente a relação entre estes dois factores. Este facto é elucidativo
das preocupações dos investigadores na última década. O lugar de destaque da AF
parece-nos óbvio, dada a apreensão actual da sociedade com o sedentarismo e sua
expressão na saúde das populações. Já a avaliação do papel da ApC ao longo do
percurso de desenvolvimento parece constituir uma re-centração dos
investigadores numa característica do desenvolvimento motor que parecia vir a
perder fulgor desde o final dos anos 80. A este ressurgimento não deverá ser
estranho o aparecimento de um conjunto de investigadores e estudos a sugerir
que a melhoria na proficiência motora das crianças pode ter o potencial de
influenciar os níveis de AF habitual para lá da idade escolar, e portanto o
potencial indispensável para influenciar as decisões políticas acerca da
promoção da saúde (e.g. Butcher & Eaton, 1989; Rose, Larkin, & Berger,
1998; Stodden et al., 2008; Sallis, Prochaska, & Taylor, 2000).
Apesar da concordância generalizada dos estudos, fica a impressão evidente da
dificuldade na inquirição ecológica destas variáveis. Inúmeros factores
relativos ao indivíduo, mas também às suas trajectórias de vida e ao meio
envolvente parecem confundir as perguntas dos investigadores e poder contaminar
as suas conclusões.
Perante esta complexidade experimental, a consistência dos resultados
apresentados (mesmo que os valores de associação não sejam elevados) parecem
demonstrar a existência inequívoca de fortes ligações desenvolvimentais entre a
AF dos sujeitos, a sua ApF, o seu nível de proficiência no controlo das
habilidades motoras (ApC), e as características morfológicas (ApM). Claro que
seria esperado que todos e cada um dos factores aqui estudados demonstrassem
agregação, associação evidente, já que todos eles contribuem de forma saliente
para o sucesso motor das crianças e jovens. Pretende-se que as crianças possam
possuir uma boa aptidão morfológica e física, que sejam proficientes no domínio
motor e que se mantenham activas. Espera-se também que uma menor expressão de
qualquer um destes factores influencie a expressão de todos os outros.
Mas a pergunta que se impõe é se existirá uma forma melhor e mais simples de
podermos influenciar o trajecto de desenvolvimento motor das crianças. Por
outras palavras, se algum destes factores poderá assumir um papel preponderante
para influenciar todos os outros, e com eles o sucesso motor das crianças com
todas as possíveis consequências na sua vida futura. Qual a pedra de toque
fundamental sobre a qual deveremos apontar os nossos recursos educacionais e
sociais? Apesar de esta pergunta não poder ser cabalmente respondida por este
conjunto de estudos, o facto de a ApC aparecer recorrentemente como o factor
mais fortemente associado a qualquer um dos outros, parece sugerir a ideia que
a competência motora na execução das habilidades motoras fundamentais deve
constituir preocupação fundamental na educação formal e informal das crianças
actuais.
Para esclarecer devidamente esta questão resta-nos esperar que a próxima década
nos possa trazer mais e melhores esclarecimentos sobre os pormenores destas
ligações. Sobretudo sobre o sentido e magnitude dos seus efeitos na infância, e
ao longo do tempo de desenvolvimento.