Relação entre orientações motivacionais, ansiedade e autoconfiança, e bem-estar
subjetivo em atletas brasileiros
Os estudos da ansiedade competitiva (AC) e seus principais fatores de
influência têm sido frequentemente examinados na Psicologia do Desporto
(Woodman & Hardy, 2001), usando um modelo multidimensional em que a AC é
constituída por uma dimensão cognitiva e uma dimensão somática (Martens,
Vealey, & Burton, 1990). Segundo esses autores, a ansiedade cognitiva
engloba as expectativas negativas, por parte do atleta, acerca do seu
desempenho, enquanto a ansiedade somática se refere aos aspetos fisiológicos da
experiência e manifestada através da função autonômica (aumento da frequência
cardíaca, sudorese, dilatação da pupila, etc). Em 1990, Martens, Vealey e
Burton desenvolveram o Competitive State Anxiety Inventory (CSAI-2), um teste
psicométrico específico para mensurar a AC em competições esportivas. Este se
tornou um dos principais instrumentos de avaliação da ansiedade-estado de
atletas, proporcionando uma pletora de estudos com objetivo de examinar a
ansiedade no contexto competitivo (Jones, 1995).
Posteriormente, Cox, Martens e Russell (2003) aplicaram o CSAI-2 numa amostra
de calibração constituída por 503 atletas com o objetivo de refinar o
instrumento. A análise inicial indicou índices de ajustamento (validade
fatorial) fracos. Na fase seguinte, eliminaram 10 itens, resultando num modelo
de 17 itens (CSAI-2R), mantendo a estrutura dos três fatores originais. Esta
reespecificação foi aplicada numa amostra de validação com 331 atletas, tendo-
se verificado bons índices de ajustamento (CFI = .95, NNFI = .94 e RMSEA =
.054). Perante estes resultados, os autores recomendaram que profissionais e
pesquisadores interessados em avaliar a ansiedade competitiva no contexto
desportivo, utilizassem o instrumento CSAI-2R em substituição do CSAI-
2 original. Recentemente, no contexto desportivo brasileiro, Coelho,
Vasconcelos-Raposo e Mahl (2010) validaram a versão CSAI-2R numa amostra de 529
futebolistas e Fernandes, Vasconcelos-Raposo e Fernandes (no prelo) testaram
diversos modelos do CSAI-2 sugeridos previamente na literatura, numa amostra de
atletas de diferentes modalidades esportivas (n = 375). Os resultados das
análises fatoriais confirmatórias indicaram melhores índices de ajustamento
para o modelo do CSAI-2R, suportando a utilização dessa versão reduzida para
avaliar a ansiedade competitiva em atletas brasileiros.
Com o objetivo de aprofundar as questões relacionadas à AC, vários estudos têm
investigado a relação entre a AC e outras variáveis cognitivas e motivacionais
(Ntoumanis & Biddle, 1998). De forma geral, o estudo da motivação tem sido
objeto de diversas investigações na Psicologia. Especificamente, a psicologia
educacional tem-se ocupado da compreensão de processos denominados de objetivos
de realização/orientações motivacionais (Ames, 1992; Dweck, 1986). Baseados na
teoria social-cognitiva, Dweck e Leggett (1988) e Nicholls (1989), defendem que
a perceção de orientações cognitivas para objetivos (orientação motivacional)
pode ser subdivida em dois tipos de perspetivas. No caso da orientação para o
ego, os indivíduos avaliam o seu desempenho através da comparação com outros
indivíduos (referencial normativo). Por outro lado, o indivíduo pode avaliar o
seu desempenho voltando-se para a aprendizagem e o seu aperfeiçoamento
(autorreferência), o qual é denominado como orientação para a tarefa. Uma ampla
evidência empírica suporta a validade da utilização destes objetivos de
realização no contexto desportivo (e.g., Duda, Chi, Newton, Walling, &
Catley, 1995; Roberts, 2001), verificando-se primordialmente a utilização do
instrumento Task and Ego Orientation in Sport Questionnaire (TEOSQ; Duda &
Nicholls, 1992).
Ntoumanis e Biddle (1998) sugeriram a hipótese que o indivíduo com dominância
de orientação para o ego tende a ser mais suscetível a elevados níveis de
ansiedade competitiva. Esta afirmação foi baseada na explicação de Roberts
(1992), que entende que ganhar e perder no desporto são situações instáveis e
incontroláveis e, portanto podem criar estados afetivos aversivos ao
rendimento. Por outro lado, atletas com orientação para a tarefa não estariam
tão suscetíveis a estados adversos como, por exemplo, a ansiedade competitiva,
dado possuírem padrões internos de desempenho (independente do resultado) e o
objetivo pretendido por estes ser relativamente controlável. Contudo, existem
outros estudos que não confirmaram estas relações teoricamente previstas. No
estudo de Ntoumanis e Biddle (1998) a orientação para a tarefa não se
relacionou significativamente com as dimensões do CSAI-2, enquanto a orientação
para o ego associou-se negativamente com a ansiedade cognitiva (r = -.19) e
positivamente com a autoconfiança (r = .25). Por sua vez, Rodrigues, Lázaro,
Fernandes e Vasconcelos-Raposo (2009) verificaram, num estudo com alpinistas,
uma relação positiva e significativa entre a orientação para o ego e a
ansiedade cognitiva (r = .33), enquanto a orientação para a tarefa não se
relacionou significativamente com as dimensões do CSAI-2.
Uma possível explicação para esta inconsistência de resultados é a de que os
atletas podem diferir na interpretação cognitiva dos seus sintomas de
ansiedade, percecionando-os como facilitadores ou dificultadores do seu
desempenho em função das suas características individuais (Jones, Hanton, &
Swain, 1994; Jones & Swain, 1995). Segundo estes últimos autores as
diferenças individuais na interpretação dos sintomas de ansiedade podem estar
associadas a variáveis denominadas de afetos positivos e afetos negativos
(Watson & Clarke, 1984; Watson, 1988). Para estes autores, afetos positivos
e negativos são estruturas afetivas que refletem uma tendência individual para
exibir estados de humor adaptativo ou aversivo. Afetos positivos associam-se a
estados de entusiasmo e motivação caracterizados por completa concentração e
aceitação de desafios, enquanto afetos negativos dizem respeito a uma visão
geral para estados relacionados a situações de estresse caracterizadas por
medos, preocupações e nervosismo. Jones, Swain e Harwood (1996) reportaram
correlações positivas significativas entre a ansiedade cognitiva e somática e
os afetos negativos. Estes autores ainda relataram que indivíduos com altos
níveis de afetos negativos tendem a experimentar altos níveis de ansiedade
cognitiva e somática. Recentemente, Mellalieu e Hanton (2008), reportaram
correlações positivas significativas entre os afetos negativos e a ansiedade
cognitiva e somática, bem como entre os afetos positivos e a autoconfiança. Por
outro lado, os mesmos autores relataram correlações negativas significativas
entre a autoconfiança e os afetos negativos. No entanto, a evidência científica
ainda não esclareceu a relação causal entre estas dimensões. Robazza, Bortoli,
Nocini, Moser e Arslan (2000) demonstraram que a ansiedade-traço atua como
preditora do afeto negativo quer numa situação de avaliação normativa, quer
ideográfica. Um estudo realizado por Cerin (2004) sugeriu que os afetos
positivos podem atuar como preditores da direção da ansiedade cognitiva e
somática.
De acordo com Diener, Emmons, Larsen e Griffin (1985), os afetos positivos e
negativos podem ser integrados num modelo multidimensional de bem-estar
subjetivo, no qual estes fatores são integrados numa dimensão afetiva a par de
uma dimensão cognitiva (satisfação com a vida). Gouveia, Milfont, Fonseca e
Coelho (2009) demonstraram numa grande amostra brasileira que a satisfação com
a vida se correlaciona positivamente com os afetos positivos e negativamente
com os afetos negativos. Contudo, uma análise extensiva da literatura
especializada da Psicologia do Desporto revela que a dimensão cognitiva do
modelo de bem-estar subjetivo tem sido negligenciada. Embora alguns estudos
indiquem possíveis associações entre a ansiedade competitiva e os afetos
(positivos e negativos), o mesmo não se verifica para a satisfação com a vida.
Assumindo que a dimensão da participação e competição desportiva constitui uma
importante e valorizada dimensão da vida dos atletas, torna-se fulcral
compreender quais as possíveis influências que as orientações motivacionais e
as emoções pré-competitivas exercem no seu bem-estar e qualidade de vida.
Para os propósitos do presente estudo tomamos como referência o estudo de
Robazza et al. (2000), uma vez que este se apresenta como aquele que
provavelmente reflete melhor o tipo de compreensão que atletas, treinadores e
alguns psicólogos que intervêm na preparação de atletas têm sobre a relação
entre ansiedade e rendimento desportivo. Com base nas propostas existentes na
literatura foi concebido um modelo teórico que estabelece o tipo de relação
entre orientações motivacionais, ansiedade, bem-estar subjetivo e satisfação
com a vida. Assim, a teoria preconiza a existência de correlações negativas
entre orientação para a tarefa e ansiedade cognitiva, somática e afetos
negativos e uma relação positiva com a autoconfiança, afetos positivos e
satisfação com a vida. De acordo com a teoria proposta, estas relações
desenvolvem-se através da acumulação de vivências emocionais em situações
competitivas tipificadas por estados de ansiedade (cognitiva e somática) e de
autoconfiança, que com o passar do tempo se repercutem no bem-estar subjetivo
dos sujeitos enquanto atletas. Assim, quanto mais intensa for a orientação para
a tarefa, menores serão os níveis de ansiedade cognitiva e somática e maiores
os de autoconfiança. Relativamente à orientação para o ego, deverão surgir
correlações positivas com a ansiedade cognitiva e somática e negativa com a
autoconfiança. Por sua vez, quanto maiores forem os níveis de ansiedade
cognitiva menores serão os indicadores de afetos positivos e maiores os de
afetos negativos. Já no que refere à autoconfiança esta deverá estar
positivamente associada a elevados níveis de afetos positivos e com baixos
níveis de afetos negativos. Como consequência destas relações será de prever
que a ansiedade cognitiva se relacione negativamente com a satisfação com a
vida assim como positivamente com a autoconfiança.
Diante das evidências e limitações empíricas apresentadas, o objetivo principal
do presente estudo foi investigar a relação entre orientações motivacionais,
ansiedade e autoconfiança competitiva, e bem-estar subjetivo (afetos positivos
e negativos, e satisfação com a vida) em atletas brasileiros, através da
análise de caminhos (path-analysis). Deste modo, a definição das relações
causais dos modelos estruturais baseou-se em pressupostos teóricos e empíricos
(e.g., Ames, 1992; Duda, 1989; Duda & Nicholls, 1992; Ntoumanis &
Biddle, 1998; Robazza et al., 2000). De um modo geral, testou-se o papel
central e fulcral das dimensões do CSAI-2R (ansiedade cognitiva, ansiedade
somática e autoconfiança) na mediação entre as orientações motivacionais e o
bem-estar subjetivo dos atletas. Um primeiro modelo (Modelo 1, ver Figura 1)
assumiu que as três dimensões do CSAI-2R atuam a um mesmo nível intermédio
entre as orientações motivacionais e as dimensões afetiva (afetos positivos e
negativos) e cognitiva (satisfação com a vida) do bem-estar. Por sua vez, o
Modelo 2 (ver Figura 2) baseia-se no estudo de Ntoumanis e Biddle (1998), o
qual sugere que o efeito das orientações motivacionais na ansiedade cognitiva e
somática é mediado pela dimensão autoconfiança.
Figura_1. Modelo hipotético 1
Figura_2. Modelo hipotético 2 (Ntoumanis & Biddle, 1998)
MÉTODO
Amostra
A amostra, do tipo não probabilística e intencional, foi composta por 169
atletas (140 do sexo masculino e 29 do sexo feminino), de diferentes
modalidades desportivas, com idades compreendidas entre os 17 e os 59 anos (M =
31.70, DP = 10.32). Os atletas tinham entre 1 e 42 anos de prática esportiva (M
= 9.14, DP = 9.33) e entre 1 e 42 anos de experiência competitiva (M = 7.25, DP
= 8.67). Não se verificaram diferenças significativas entre sexos para as
variáveis idade, tempo de prática desportiva e anos de competição (p > .05).
Quando analisada a modalidade desportiva praticada obteve-se a seguinte
distribuição: futebol (4%), basquetebol (1%), judo (1%), jiu-jitsu (40%),
karaté (2%), corrida (17%), surfe (3%), natação (2%), artes-marciais mistas
(10%), remo (38%) e taekwondo (4%). De um modo geral, 73% dos atletas
praticavam modalidades esportivas individuais, enquanto 27% dos atletas
praticavam modalidades esportivas coletivas. Relativamente ao nível
competitivo, 58.5% dos atletas afirmaram participar em competições de nível
regional, enquanto os restantes 41.5% dos atletas afirmaram participar em
competições nacionais.
Instrumentos
Os atletas responderam a uma versão brasileira (Fernandes, Vasconcelos-Raposo,
& Fernandes, no prelo) do CSAI-2R (Cox, Martens, & Russell 2003). Este
é um instrumento constituído por 17 itens, agrupados em três fatores, da
seguinte forma: os itens 2, 5, 8, 11 e 14 pertencem ao fator ansiedade
cognitiva; 1, 4, 6, 9, 12, 15 e 17 à ansiedade somática; e, 3, 7, 10, 13 e 16 à
autoconfiança. As afirmações foram respondidas de acordo com uma escala do tipo
Likert de quatro pontos (1 = nada a 4 = muito). É possível calcular um escore
para cada dimensão, através da soma das respostas dos itens de cada fator
dividida pelo respectivo número de itens, podendo os valores variar entre 1 e
4.
Os atletas também responderam a uma versão traduzida e adaptada para a língua
portuguesa (Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2010) do Task and Ego
Orientation in Sport Questionnaire (TEOSQ; Duda & Nicholls, 1992). Este
instrumento é constituído de 13 itens, agrupados em dois fatores: orientação
para tarefa - itens 2, 5, 7, 8, 10, 12 e 13; e orientação para o ego ' itens 1,
3, 4, 6, 9 e 11. As afirmações foram respondidas de acordo com uma escala do
tipo Likert de cinco pontos (1 = discordo completamente a 5 = concordo
completamente). O escore para cada dimensão foi calculado através da soma das
respostas dos itens de cada fator divididos pelo respetivo número de itens.
Para a mensuração do bem-estar subjetivo, os atletas responderam a dois
questionários. Para a mensuração dos afetos positivos e afetos negativo, foram
utilizadas as respetivas dimensões (47 itens) da Escala de Bem-Estar Subjetivo
(Albuquerque & Tróccoli, 2004). Os itens são agrupados da seguinte forma:
os itens 3, 4, 6,7, 10, 11, 14,15, 16, 18, 21, 22, 24, 25, 26, 29, 37, 39, 41,
42 e 43 pertencem ao fator afetos positivos; 1, 2, 5, 8, 9, 12, 13, 15, 17, 20,
23, 27, 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 40, 44, 45, 46 e 47 ao fator afetos
negativos. As afirmações foram respondidas de acordo com uma escala do tipo
Likert de cinco pontos (1 = nem um pouco a 5 = extremamente). O escore para
cada dimensão foi calculado através da soma das respostas dos itens daquele
fator divididos pelos números de itens do fator, podendo os valores variar
entre 1 e 5. Para a mensuração da satisfação com a vida, os atletas responderam
à versão brasileira (Gouveia, Milfont, Fonseca, & Coelho, 2009) da
Satisfaction With Life Scale (Diener et al.,1985). Este instrumento é
constituído por uma única dimensão com cinco itens. As afirmações foram
respondidas de acordo com uma escala do tipo Likert de sete pontos (1 =
discordo totalmente a 7 = concordo totalmente). Os escores são calculados
somando os números correspondentes às respostas escolhidas pelo sujeito,
podendo variar de 5 a 35.
Procedimentos
Após a devida autorização dos organizadores das competições e dos técnicos para
a coleta de dados, os atletas foram informados dos objetivos da investigação e
assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), sendo
garantidos o anonimato e confidencialidade de todos os dados recolhidos. Aos
atletas menores de 18 anos foi solicitado que um responsável maior de idade
assinasse o TCLE.
Tendo em consideração os objetivos do estudo, alguns cuidados ao nível da
recolha de dados foram acautelados, uma vez que as previsões teóricas requerem
que sejam avaliados traços de ansiedade cognitiva e somática assim como de
autoconfiança. Para este efeito foi solicitado aos atletas que constituíram a
amostra que ao responderem aos questionários tivessem em consideração o seu
histórico de respostas afetivas nos momentos que antecedem a competição. Esta
preocupação foi reforçada pelo fato de que os dados serem recolhidos em
contexto de treino e não pré-competitivo.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Protocolo 425/
2010) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), de acordo com a Resolução
CNS/MS n. 196/1996.
Análise Estatística
Inicialmente procedeu-se a uma estatística descritiva (média e DP) das
dimensões analisadas. Coeficientes de assimetria e curtose foram computados
para efeitos de análise de normalidade univariada. A confiabilidade das escalas
foi avaliada através da computação de alphas de Cronbach. A associação entre
variáveis foi determinada através de coeficientes de correlação de Pearson.
Essas análises estatísticas foram realizadas usando o SPSS v16.
A técnica de análise de caminhos foi realizada usando o programa AMOS v16.0.
Este método de modelação de equações estruturais tem sido recentemente usado em
estudos que visam testar a relação entre variáveis psicológicas no contexto
desportivo (ex., Heazlewood & Burke, 2011; Tello, Martínez, Núñez, &
Calvo, 2010), permitindo o desenvolvimento e o teste de complexas teorias
sociais (Duncan & Stoolmiller, 1993). A modelação de equações estruturais
tem a vantagem sobre a técnica de análise de regressão de possibilitar o teste
simultâneo da relação entre duas ou mais variáveis na presença e potencial
influência de outras variáveis (Ntoumanis & Biddle, 1998).
Dessa forma, após a especificação e estimação dos modelos, a sua adequação foi
avaliada por um conjunto de índices de ajustamento/adequação. O valor de X2
(Qui-quadrado) indica ajustamento quando o valor não é significativo (p > .05).
No entanto, esse teste é sensível ao tamanho da amostra, ou seja, em amostras
numerosas o valor tende a ser significativo, embora o modelo possa estar
ajustado aos dados. Jöreskog e Sörbom (1989) sugeriram uma razão do Qui-
quadrado pelos graus de liberdade (df), representado por X2/df, pelo que Ullman
(2001) sugere valores abaixo de 2.0 como aceitáveis. Adicionalmente, foram
utilizados os seguintes índices de ajustamento: a) CFI (Comparative Fit Index )
e GFI (Goodness Fit Index) podendo os seus valores variar de 0 a 1. Segundo
Bentler e Bonnet (1980), valores acima de .90 representam um ajuste adequado
para o modelo. Mais recentemente, Hu e Bentler (1999) sugeriram um ponto de
corte de .95 como indicativo de um bom ajustamento do modelo; b) RMSEA (Root
Mean Square Error of Approximation), em que valores menores que .08 indicam uma
adequação aceitável (Browne & Cudeck,1993), embora Hu e Bentler (1999)
tenham sugerido um ponto de corte de .06; e, c) AIC (Akaike Information
Criterion) que indica a parcimônia e simplicidade do modelo através do menor
valor entre os modelos testados.
RESULTADOS
Análise descritiva e correlacional
A análise descritiva preliminar dos dados indicou que os coeficientes de
normalidade das variáveis variaram entre -.79 e 1.20, indicando valores
associados a uma distribuição aproximadamente normal (Kline, 2010). A Tabela 1
apresenta as médias, desvios padrões, índices de consistência interna (alpha de
Cronbach) e correlações de todas as variáveis mensuradas.
Tabela 1
Médias, desvio-padrão, confiabilidade e correlações de Pearson
A análise descritiva das dimensões indica que os atletas revelaram níveis
superiores de orientação para a tarefa (em comparação à orientação para o ego),
autoconfiança (em comparação à ansiedade cognitiva e somática) e afetos
positivos (em comparação aos afetos negativos). Os valores de satisfação com a
vida podem ser considerados moderados a elevados (variação possível entre 5 e
35). Todas as escalas revelaram bons índices de fiabilidade (α > .70).
De um modo geral, as correlações obtidas estão de acordo com as hipóteses
teóricas. A correlação não significativa entre a orientação para o ego e para a
tarefa suporta a ortogonalidade conforme o argumento de Nicholls (1989). A
orientação para o ego associou-se positivamente com a ansiedade cognitiva, a
ansiedade somática e os afetos negativos, e negativamente com os afetos
positivos. A orientação para a tarefa correlacionou-se positivamente com a
autoconfiança e as dimensões positivas do bem-estar. A ansiedade cognitiva
correlacionou-se positivamente com a ansiedade somática e afetos negativos,
verificando-se correlações negativas com a autoconfiança, afetos positivos e
satisfação com a vida. A ansiedade somática relacionou-se positivamente com os
afetos negativos e negativamente com as dimensões positivas do bem-estar. A
autoconfiança associou-se positivamente com os afetos positivos e satisfação
com a vida e negativamente com afetos negativos. As relações entre as dimensões
do bem-estar subjetivo confirmaram os pressupostos teóricos.
Análise de caminhos
Na análise de caminhos adotámos a estratégia de testar simultaneamente os dois
modelos previamente definidos (ver Figuras 1 e 2). Tendo em consideração as
correlações significativas verificadas entre dimensões do mesmo nível
(variáveis do CSAI-2 e dimensões do bem-estar subjetivo) foi permitido que os
erros de medição dessas variáveis se correlacionassem no mesmo nível dos
modelos.
Na Tabela 2 são apresentados os índices de ajustamento obtidos.
Tabela 2
Indices de ajustamento das AFC aos diferentes modelos
A análise dos modelos testados indica que o modelo 1 obteve melhores índices de
ajustamento em todos parâmetros em comparação ao modelo 2 proposto por
Ntoumanis e Biddle (1998). Como tal, procedeu-se à análise mais detalhada dos
parâmetros especificados para o modelo 2 e respectivos índices de modificação.
Os resultados indicaram os seguintes pares de relações/regressões não
significativas (p > .05): orientação para o ego e orientação para a tarefa;
orientação para o ego e autoconfiança; orientação para a tarefa e ansiedade
cognitiva; orientação para a tarefa e ansiedade somática; ansiedade cognitiva e
afetos positivos; ansiedade cognitiva e satisfação com a vida; autoconfiança e
afetos negativos; e autoconfiança e satisfação com a vida. A relação entre os
erros de medição das variáveis ansiedade somática e autoconfiança também não se
verificou significativa. Estes parâmetros foram eliminados da seguinte revisão
do modelo. Adicionalmente, os índices de modificação suportaram os coeficientes
de correlação obtidos entre as orientações motivacionais e as dimensões do bem-
estar, sendo adicionados as seguintes regressões diretas: orientação para o ego
como preditora dos afetos negativos e orientação para a tarefa como preditora
dos afetos positivos e da satisfação com a vida.
Este conjunto de re-especificações resultou num modelo com um ótimo ajuste: χ2
= 12.68, p = .393, χ2/df = 1.06, CFI = .997, GFI = .982, RMSEA = .018 e AIC =
60.68. As estimativas dos parâmetros testados são apresentados na Figura 3. As
correlações entre erros residuais variaram entre -.34 e .40 (p < .05).
Adicionalmente testou-se o efeito direto das orientações motivacionais do bem-
estar, através da eliminação das regressões entre orientações e dimensões do
CSAI-2. Contudo, os resultados obtidos indicam que estas alterações traduziram-
se num pior ajuste aos dados: χ2 = 44.50, p = .000, χ2/df = 2.97, CFI = .883,
GFI = .940, RMSEA = .108 e AIC = 86.50.
Figura 3. Modelo 1 (revisão final)
DISCUSSÃO
O presente estudo pretendeu investigar a relação entre orientações
motivacionais (orientação para a tarefa e orientação para o ego), ansiedade
competitiva (ansiedade cognitiva e ansiedade somática), autoconfiança e bem-
estar subjetivo (afetos positivos e negativos, e satisfação com vida) no
contexto competitivo brasileiro, através da análise de caminhos. Tanto quanto a
literatura nos permite constatar este estudo é pioneiro a analisar as relações
entre as orientações motivacionais, ansiedade, autoconfiança bem-estar
subjetivo e é provavelmente o único que recorre à técnica de análise de
caminhos por modelação de equação estrutural neste contexto. Em concordância
com estudos que investigaram o impacto da orientação para a tarefa e para o ego
sobre a ansiedade competitiva, os sintomas da ansiedade cognitiva e somática e
a autoconfiança foram avaliados como mediadores entre orientações motivacionais
e dimensões do bem-estar subjetivo (afetos positivos e negativos, e satisfação
com a vida), sendo apresentada uma proposta teórica a ser sujeita a comprovação
empírica.
Orientações cognitivas e ansiedade competitiva
O modelo de equação estrutural testou a hipótese de predição da orientação para
a tarefa e para o ego sobre a ansiedade cognitiva, ansiedade somática e
autoconfiança. Neste primeiro nível do modelo, a orientação para o ego
evidenciou regressões significativas sobre a ansiedade cognitiva e somática. De
certa forma, estes resultados estão em concordância com a afirmação de Roberts
(1992), que relata que os atletas com sua orientação motivacional voltada para
o ego estão mais suscetíveis a experimentarem ansiedade cognitiva e somática,
assim como com os resultados de Rodrigues et al. (2009), que reportaram
correlações positivas significativas entre ansiedade cognitiva e orientação
para o ego. Por outro lado, a orientação para a tarefa teve um impacto
significativo sobre a autoconfiança, o que está de acordo com evidências
empíricas anteriores (ex., Hall, Kerr, & Matthews, 1998). De um modo geral,
atletas orientados para a tarefa tendem a centrar-se na aprendizagem e melhoria
autorreferenciada, atribuindo o seu sucesso primeiramente ao seu esforço
(Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2010; Vasconcelos-Raposo & Mahl,
2005), revelando um otimismo acerca das suas reais capacidades e, assim,
mostrando-se mais autoconfiantes em situação competitiva. Estes resultados
corroboram os princípios teóricos que orientam a prática dos psicólogos do
desporto que há muito sabem que uma forma de combater os níveis de ansiedade é
promovendo uma orientação cognitiva para a tarefa. Está amplamente em múltiplas
áreas da psicologia que a promoção de uma orientação motivacional para a tarefa
promove padrões internos de desempenho algo independentes do resultado,
controláveis pelos agentes performativos (Roberts, 1992), o que por sua vez
promove o desenvolvimento da autoconfiança através de melhorias na perceção de
competência e controle efetivo dos níveis indesejados de ansiedade (Martens et
al., 1990).
O modelo teórico proposto preconizava regressões que não se verificaram aquando
da sua testagem, nomeadamente as relações negativas entre a orientação para o
ego e a autoconfiança, e a relação entre orientação para a tarefa e a ansiedade
cognitiva e somática.
Ansiedade competitiva e bem-estar subjetivo
No segundo nível do modelo de equação estrutural verificou-se a hipótese de
predição da ansiedade competitiva sobre as dimensões do bem-estar subjetivo. A
ansiedade cognitiva e a somática predisseram, positivamente, os afetos
negativos, o que está em conformidade com os resultados reportados por Jones et
al. (1996). Por outro lado, a autoconfiança exerceu um impacto positivo sobre
os afetos positivos, tal como preconizado pela teoria. Este resultado está em
concordância com os achados de Mellalieu e Hanton (2008) que sugeriram que os
atletas com elevados índices de autoconfiança tendem ter mais afetos positivos.
Finalmente, a ansiedade somática predisse negativamente, como esperado, as
dimensões positivas do bem-estar (afetos positivos e a satisfação com a vida).
De um modo geral, estas relações estão de acordo com estudos anteriores que
indicaram que as dimensões da ansiedade competitiva influenciam negativamente o
bem-estar de um atleta, podendo esta evidência ser explicada por vários
pressupostos. A similaridade da experiência emocional dos sintomas de ansiedade
e mal-estar (medos, preocupações e nervosismo) poderá ser percebida pelo atleta
de um modo cumulativo, em que as experiências do treino e competição poderão
ser transferidas para a forma quotidiana de estar na vida. Em segundo lugar,
poderemos também assumir a existência de traços culturais que levam o individuo
a exibir estados de humor negativos (Watson & Clarke, 1984; Watson, 1988),
podendo ocorrer nos múltiplos domínios de vida do atleta.
Importa destacar que a ansiedade somática foi a única dimensão do CSAI-2 que
foi capaz de predizer significativamente todas as três dimensões do bem-estar
subjetivo (afeto positivo, afeto negativo e satisfação com a vida): Desta
forma, a importância desta variável no modelo do CSAI-2 (Martens et al., 1990),
neste estudo, acaba por ser reforçada, na medida em que constitui uma
importante variável preditiva das dimensões do bem-estar subjetivo de atletas
brasileiros. Todavia, este é um facto que se apresenta inconsistente com a
literatura onde se destaca de forma inequívoca o caráter transitório dos
sintomas identificados e que são de todo semelhantes aos espectáveis nas
respostas adaptativas do organismo à competição, daí que logo que logo que se
dá início ao processo de utilização de recursos energéticos na competição estes
sintomas desvaneçam quase de imediato. De acordo com a proposta teórica estas
regressões apresentam-se particularmente difíceis de serem interpretadas. Assim
sendo as regressões relativas à variável ansiedade somática sugerem a
necessidade de procurarmos modelos alternativos (Hair, Anderson, Tatham, &
Black, 2005), mas optamos por não testar os modelos alternativos na medida em
que o seu número, por si só, requer a realização de um estudo autónomo.
Efeito mediador da ansiedade e da autoconfiança
O modelo do CSAI-2 (Martens et al., 1990) foi principalmente desenvolvido com
base numa orientação para a performance e o resultado competitivo, procurando
identificar a relevância do estudo da ansiedade nesse contexto. Estudos prévios
têm investigado a influência das orientações motivacionais nas dimensões do
CSAI-2 (Ntoumanis & Biddle, 1999), ou mais recentemente em dimensões do
bem-estar subjetivo (Galand, Boudrenghien, & Rose, in press; Núñez, León,
González, & Martín-Albo, 2011). Contudo, tanto quanto a literatura nos
permite conhecer, não existem estudos que tenham analisado a influência
mediadora das dimensões do CSAI-2 entre orientações motivacionais e bem-estar
subjetivo.
A partir dos dois modelos inicialmente testados, os resultados das análises
suportaram parcialmente a hipótese inicial que a ansiedade cognitiva e
somática, e a autoconfiança constituem variáveis mediadoras entre as
orientações motivacionais e as dimensões do bem-estar subjetivo, a um mesmo
nível de ação/ influência. Especificamente, a orientação ao ego através da
ansiedade cognitiva impactou nos afetos negativos, assim como impactou sobre os
afetos positivos e negativos, e na satisfação com a vida através da ansiedade
somática. Por outro lado, a orientação para tarefa exerceu impacto sobre os
afetos positivos através da autoconfiança. À luz da teoria estas relações não
são explicáveis uma vez que faltam os argumentos e os mecanismos explicativos e
necessários para sustentar a validade dos processos que levam à manifestação
dos comportamentos aqui em causa. Tal constatação levanta reservas quanto è
efectiva relevância da ansiedade somática sugerindo que o que está a ser medido
como ansiedade somática seja considerado apenas como uma manifestação dos
mecanismos de resposta adaptativa à competição. Este argumento é sustentável
nas teorias clássicas da aprendizagem, de que é exemplo a experimentação com
cães que Pavlov realizou.
A presente investigação testou ainda um modelo de equação estrutural, proposto
por Ntoumanis e Biddle (1998), no qual a orientação para o ego influenciava a
ansiedade (cognitiva e somática) através da autoconfiança. As análises do
caminho realizadas revelaram índices de ajustamento inaceitáveis para este
modelo. Uma explicação plausível para este resultado poderá estar na
característica da amostra do presente estudo, que teve uma predominância de
atletas de desportos individuais (73%), diferente da amostra do estudo destes
autores onde predominou atletas de desportos coletivos. Estudos anteriores
demonstraram que a habilidade preditiva da ansiedade competitiva e da
autoconfiança difere entre atletas de desportos individuais e coletivos (Craft,
Magyar, Becker, & Feltz, 2003; Martens et al.,1990;).
Orientações motivacionais e bem-estar subjetivo
Para além de analisar o efeito mediator das variáveis do CSAI-2, foi também
possível verificar que a melhoria do ajustamento do modelo testado contemplava
a adição de relações entre as orientações motivacionais e os domínios do bem-
estar. O tipo de relações estabelecidas vai de acordo ao teoricamente previsto
e que corroboram evidências empíricas anteriores (Galand et al, in press; Núñez
et al., 2011). À semelhança do presente estudo, Ntoumanis e Biddle (1999)
verificaram existir uma relação direta (predição positiva) e significativa
entre orientação para a tarefa e afetos positivos. Estes autores argumentaram
que esta relação poderia ter por base o fato de que indivíduos com
predominância de orientação para a tarefa se concentram no seu próprio esforço
e possuirem padrões de comparação autorreferenciados, o que de acordo com Eliot
e Dweck (1988) tende a estar associado a perceções de sucesso e melhora no seu
desempenho. Poderá ainda ser argumentado que estas perceções podem estar na
base do processo que dê origem de níveis elevados de afetos positivos. Por sua
vez, no modelo da presente investigação também se confirmou uma predição
positiva significativa entre orientação para a tarefa e satisfação com a vida.
Esta relação encontra eco nos argumentos dos teóricos que sugerem que os
indivíduos quando intrisicamente motivados (inerente à orientação para a
tarefa) quando desejam envolver-se numa determinada atividade o fazem
independentemente de qualquer tipo de recompensa, promessas ou até ameaças. Os
resultados do nosso estudo vão ao encontro dos que sugerem que estar
intrinsecamente motivado contribui positivamente para o bem-estar, assim como
para o grau de compromisso necessário para se obter sucesso (Hefferon &
Boniwell, 2011).
A relação positiva entre a orientação para o ego prevista no modelo proposto
foi confirmada. Estes resultados, de certa forma, vão de encontro aos achados
de Ntoumanis e Biddle (1999). De acordo com o articulado teórico indivíduos com
uma orientação para o ego tendem a priorizar as comparações que fazem entre si
e os outros. Salmela-Aro et al. (2001) apresentam este tipo de orientação como
sendo objectivos focados nos outros e estes tendem a estar pobremente
relacionados com o bem-estar e até como o sucesso. No contexto do rendimento
desportivo é aceite que atletas com orientação para o ego definem o seu sucesso
ou fracasso na comparação com outros indivíduos, estando, assim, mais
suscetíveis a sentimentos e comportamentos adversos ao rendimento de alto nível
e associados a afetos negativos.
O presente estudo, apesar do ser carácter exploratório sugere que a Psicologia
do Desporto ganharia em expandir os seus referenciais teóricos tendo na
Psicologia Positiva (ver Seligman & Csikszentmihalyi, 2000), provavelmente,
uma das suas áreas mais férteis para a sua consolidação teórica e capacidade
preditiva.
O presente estudo contém algumas limitações que merecem serem enunciadas, a
saber: i) o reduzido tamanho da amostra; ii) a heterogeneidade da amostra do
estudo ao nível do tipo de modalidades (individuais e coletivas) e níveis
competitivos; e iii) o processo de amostragem não probabilística e intencional,
o qual requere uma certa precaução na generalização dos resultados obtidos.
CONCLUSÕES
Em suma, o presente estudo demonstrou, de forma parcial, que a ansiedade
cognitiva está associada aos afetos negativos e que a autoconfiança exerceu um
papel mediador na relação entre as orientações motivacionais e os afetos
positivos. No entanto, estas associações, tal como constatadas, não são
suficientes para validar as propostas teóricas avançadas. Não seria aceitável
dar por comprovado um modelo teórico que se alicerçasse em estados transitórios
como é o caso da ansiedade somática. Na realidade as relações obtidas não se
enquadram em qualquer referencial teórico, daí não serem interpretáveis.
Os resultados não suportaram empiricamente o modelo estrutural proposto por
Ntoumanis e Biddle (1998), no qual a orientação para o ego influenciava a
ansiedade (cognitiva e somática) através da autoconfiança.
Face aos resultados obtidos sugerimos que estudos futuros investiguem a
validade e pertinência do modelo avaliado mas em comparação com outros
alternativos e recorrendo a amostras de grandes dimensões e homogéneas e com o
cuidado de acautelar a integração das múltiplas variáveis que a literatura já
demonstrou estarem na base do bem-estar dos indivíduos.