Motivação para a Prática Desportiva nos Alunos do Ensino Básico e Secundário:
Influência do Género, Idade e Nível de Escolaridade
A descrição das razões que as populações apresentam para serem fisicamente
ativas através do desporto e os seus motivos de participação é um ponto de
partida muito útil para entender a sua motivação e, em função desse
conhecimento, organizar e diferenciar a oferta desportiva. O conhecimento da
relação entre a prática motora e o conjunto das motivações dos praticantes de
atividades físicas é essencial para a intervenção do profissional desta área
(Paim & Pereira, 2004). Para que professores, técnicos e gestores
desportivos consigam manter a permanência, adesão e aumento do número de
praticantes é necessário o uso de instrumentos que possibilitem, com segurança,
determinar os motivos que levam as pessoas a praticá-las (Barroso, Araújo,
Keulen, Braga, & Krebs, 2007). Na realidade, conhecer a motivação
desportiva da população, em função das suas características demográficas, é
fundamental para que se possa planear o seu correto acompanhamento e,
simultaneamente, conseguir elementos fundamentais para a gestão cuidada das
diferentes ações de desenvolvimento e promoção das atividades desportivas,
nomeadamente, permitindo a sua segmentação e a consequente oferta de serviços
desportivos de maior qualidade.
Perceber as motivações para a prática desportiva é um elemento essencial para
traçar o caminho mais correto, isto é, para planear o futuro. O trabalho a
levar a efeito pelos diversos profissionais da área está sempre dependente dos
motivos que levam a diferentes escolhas ou até à não escolha de qualquer
atividade desportiva.
De acordo com Samulsky (1992), a motivação é caracterizada como um processo
ativo, intencional e dirigido a uma meta, o qual depende da interação de
fatores pessoais e ambientais. Neste âmbito, a motivação apresenta uma
determinante energética (nível de ativação ou intensidade) que diz respeito à
forma como o atleta se envolve na atividade e uma determinante de direção do
comportamento (intenções, interesses e motivos).
Em matéria de motivos conducentes à prática desportiva, a pesquisa tem
encontrado um diverso número de motivos, incluindo divertimento, aspectos
sociais e desenvolvimento de habilidades (Biddle, 1998).
O estudo dos intuitos que levam as pessoas a praticar uma atividade desportiva,
iniciado nos finais da década de 70 (Alderman, 1976, 1978; Alderman & Wood,
1976), tem reunido um grande interesse ao nível da literatura específica da
psicologia do desporto e tem sido concretizado na realização de um elevado
número de investigações em diversos países (Allen, 2003; Barroso et al., 2007;
Kilpatrick, Hebert, & Bartholomew, 2005; Lores, Murcia, Sanmartín, &
Camacho, 2004; Machado, Piccoli, & Scalon, 2005; Marzinek & Neto, 2007;
Sirard, Pfeiffer, & Pate, 2006). Para tal contribuiu, de forma
significativa, o Participation Motivation Questionnaire (PMQ), desenvolvido por
Gill, Gross, e Huddleston (1983), instrumento que permite avaliar os motivos
mais importantes para a prática desportiva. No entanto, talvez devido ao facto
de o PMQ ter sido desenvolvido em língua inglesa, a maior parte dos estudos
referidos na literatura têm sido realizados em países anglo-saxónicos,
exigindo-se, deste modo, a necessidade de validação à população portuguesa. Em
Portugal, os estudos têm também vindo a aumentar (Cid, 2002; Cruz, Costa,
Rodrigues, & Ribeiro, 1988; Fonseca & Fontaínhas, 1993; Fonseca &
Ribeiro, 2001; Serpa, 1992). Em particular, Gill et al. (1983) avaliaram os
motivos de participação através do PMQ. De acordo com os autores, os motivos
agrupam-se em categorias ou dimensões motivacionais, tais como, Estatuto, Forma
Física, Competição, Afiliação Geral, Desenvolvimento Técnico, Afiliação
Específica/Equipa, Emoções e Prazer/Ocupação dos Tempos Livres e, de um ponto
de vista mais geral, em quatro dimensões motivacionais mais abrangentes:
Competências Físico-Desportivas (constituída pelas dimensões da Forma Física e
do Desenvolvimento Técnico), Afiliação (constituída pelas dimensões da
Afiliação Geral e da Afiliação Específica/Equipa), Realização (constituída
pelas dimensões do Estatuto, das Emoções e do Prazer/Ocupação dos Tempos
Livres) e Competição.
A primeira análise extensiva sobre motivação foi realizada por Sapp e
Haubenstricker (1978) com uma amostra de 579 rapazes e 471 raparigas, com
idades entre os 11 e os 18 anos, praticantes de 11 modalidades desportivas. Os
resultados mostraram que uma elevadíssima percentagem dos atletas participava
nas atividades pelo divertimento proporcionado (90%), 80% porque ansiavam
evoluir nas suas competências e 56% estavam preocupados com os aspectos ligados
à saúde/aptidão física.
Fry, McClements, e Sefton (1981) verificaram, junto de jovens atletas
praticantes de hóquei no gelo, que 98% esperavam divertir-se muito com o jogo,
87% desejavam tornar-se bons praticantes, 68% desejavam fazer novas amizades,
61% ambicionavam conquistar troféus e 54% esperavam fazer exercício físico e
viajar.
Gould, Feltz, Weiss, e Petlichkoff (1982) inquiriram 365 jovens nadadores de
competição, com idades compreendidas entre os nove e os 18 anos, sobre os
motivos para a participação na sua atividade desportiva, tendo sido
referenciados, o divertimento, a forma física, a saúde física, a melhoria de
competências, a atmosfera da equipa e o desafio. Por outro lado, os que
tiveram menos influência na sua participação foram: Agradar aos pais ou aos
melhores amigos, acalmar a tensão, ser popular e viajar.
Klint e Weiss (1987) concluíram que os motivos invocados como mais importantes
para a prática desportiva foram: Aprender novas competências, adquirir a forma
física, melhorar as competências, divertimento, estar em forma, gosto pelo
desafio, prazer no uso dos equipamentos e competir ao mais alto nível. Como
menos importantes foram mencionados: Influência dos amigos, libertar energias,
gostar de ser popular, ser conhecido e ter um pretexto para sair de casa.
Gill et al. (1983) estudaram as razões de 720 rapazes e 418 raparigas,
praticantes de basquetebol, luta, futebol, golfe, basebol, ténis, atletismo,
futebol, ginástica e voleibol, com idades compreendidas entre os oito e os 18
anos, para a adesão a uma atividade desportiva. Os resultados demonstraram como
motivos mais fortes: Melhorar as competências, divertimento, aprender novas
competências, desafio e ser fisicamente saudável.
Cruz et al. (1988), num estudo realizado em Portugal, constataram que os
atletas foram atraídos para a prática do andebol por motivos relacionados com o
desenvolvimento das suas capacidades e manutenção e/ou promoção da saúde/forma
física, assim como pelo divertimento e pela descarga de energia.
Também Serpa (1992) pesquisou os motivos que levaram 175 jovens (85 rapazes e
90 raparigas), com idades entre os 10 e os 15 anos, a envolverem-se numa
atividade desportiva. Os motivos mais frequentemente apontados foram: Estar em
boa condição física, trabalhar em equipa, aprender novas técnicas, espírito de
equipa, fazer exercício, manter a forma, atingir um nível desportivo mais
elevado, melhorar as capacidades técnicas e fazer novas amizades. Fonseca e
Fontaínhas (1993) constataram, como principais motivos para a prática, a
possibilidade de desenvolver a sua capacidade técnica e de manter a condição
física.
Por seu lado, Santana e Mota (1994), efetuando um estudo sobre os motivos que
levaram 497 indivíduos a praticarem natação, indicaram, como fundamentais, a
condição física e a libertação de energias. Fonseca e Soares (2001) destacaram
como mais importantes os motivos relativos à forma física e ao desenvolvimento
de competências, e, em segundo plano, os ligados à afiliação específica e
geral. Por outro lado, os motivos relacionados com o estatuto, com as emoções e
com o prazer/ocupação dos tempos livres foram os menos referenciados.
Cid (2002) utilizou uma amostra composta por 110 sujeitos do sexo masculino,
com idades compreendidas entre os 15 e 20 anos, tendo concluído que os motivos
mais importantes eram manter a forma, estar em boa condição física, prazer e
divertimento.
Machado et al. (2005), num estudo realizado no Brasil, com uma amostra de 102
adolescentes, de ambos os sexos, na faixa etária de 14 a 17 anos, identificou,
como fatores motivacionais mais importantes para a prática desportiva, o
divertimento e a saúde, referindo os autores que parece que os adolescentes se
motivam mais à prática regular da atividade física quando o prazer está
associado a essa prática.
O estudo realizado por Ullrich-French e Smith (2006) com uma amostra de 1719
jogadores de futebol, de ambos os sexos e com idades variando de 12 a 19 anos,
concluiu que o bom relacionamento e aceitação pelos pares ou pelos pais, fazem
com que os adolescentes sintam um maior prazer pela atividade praticada.
Esta diversidade dá conta da multiplicidade de motivos conducentes à prática
desportiva. No entanto, simplesmente descrever os motivos não fornece
informação suficiente para os distinguir em função de características
diferenciadoras da população. Entre essas características, especialmente
significativas para os agentes desportivos, encontram-se o género, a idade e os
níveis de escolaridade.
Motivação e género. De acordo com Fonseca (1995), a influência das
características sexuais dos sujeitos nos seus rendimentos, percepções ou
preferências é um dos assuntos mais estudados pelos investigadores, inserindo-
se, também, neste grupo, eventuais diferenças em função do género dos
inquiridos no que concerne aos motivos para a prática desportiva. Desta forma,
as raparigas parecem ter motivos diferentes dos rapazes para a prática
desportiva, concedendo mais importância a motivos relacionados com a amizade e
a afiliação e menos importância a motivos relacionados com a competição,
estatuto e reconhecimento. Em relação aos motivos relacionados com aprendizagem
ou melhoramento de capacidades, parece existir alguma inconsistência entre as
conclusões das diversas investigações desenvolvidas em Portugal, isto porque,
enquanto alguns estudos referem que eles são mais importantes para os rapazes,
outros sublinham exatamente o contrário.
Machado et al. (2005) referem que os sujeitos do sexo masculino indicaram como
motivo principal para a prática de atividade física motivos relacionados com a
saúde, enquanto o sexo feminino referiu o divertimento.
Motivação e Idade. A variável idade manifesta-se de formas diferentes nos
motivos assinalados para a prática desportiva. Fernandes (2001) refere que
existem diferenças significativas entre os motivos referidos por nadadores mais
novos face aos mais velhos, sendo que os mais novos atribuem valores
significativamente mais altos à Afiliação Geral e à Afiliação Específica.
Contudo, Fonseca, Freitas, e Frade (1998), numa amostra de 183 sujeitos,
concluíram que os atletas de futebol mais velhos (escalões de juvenis e
juniores) atribuíam maior importância aos motivos relacionados com a Afiliação
Geral ao passo que os mais novos (escalões de infantis e iniciados) valoravam
mais a Afiliação Específica.
Também Afonso, Fernandes, Soares, e Fonseca (2001) numa amostra de 60
praticantes de aeróbia, com idade entre os 12 e os 51 anos, verificaram que as
raparigas de idade inferior a 19 anos valorizavam mais os motivos relacionados
com a Forma Física e o Prazer.
Fonseca e Fontaínhas (1993), numa amostra de 50 sujeitos, verificaram
diferenças significativas nos motivos mais valorizados considerando a idade.
Assim, os mais novos deram mais importância aos aspectos relacionados com o
Estatuto, Grupo, Libertação de Energia, Divertimento, Amigos e Outros. Num
estudo em Natação, Rebelo e Mota (1994) referem que os mais novos (com idades
compreendidas entre os 16 e os 25 anos) assinalam que praticam a modalidade
como forma de fazer amizades, de ultrapassar desafios e de divertimento.
Balbinotti, Barbosa, Juchem, Balbinotti, & Saldanha (2007), num estudo
realizado com uma amostra de 428 adolescentes do sexo masculino, com idades
entre 13 e 16 anos, concluíram que a motivação à prática regular de atividade
física relacionada com o prazer não varia, de forma significativa, durante a
adolescência.
A literatura sobre a influência da idade na estrutura motivacional não parece
ser, ainda, como se constata, totalmente clara. No sentido de se estudar melhor
este aspecto, introduziu-se, no estudo, a diferenciação da estrutura
motivacional em função da idade e do nível de escolaridade, variável que, co-
variando no essencial com a idade, não tem sido objeto de estudo, mas permite
organizar um cluster de motivações em torno de um critério de reconhecível
pertinência social.
Finalmente, muita da pesquisa sobre os motivos para a participação tem sido
concretizada usando variações do PMQ de Gill et al. (1983). O PMQ tem sido
utilizado e adaptado nos diversos contextos do desporto, do exercício
(Trembath, Szabo, & Baxter, 2002), da atividade física (Kolt, Driver, &
Giles, 2004) e da Educação Física (Zahariadis & Biddle, 2000) mas o número
de factores e mesmo os itens componentes em resultado de diversas análises
factoriais, tem variado em função das amostras em investigação (Gill, Gross,
& Huddleston, 1983; Koivula, 1999). Como tal, cada uso do questionário
parece requerer a identificação desses fatores e da sua fiabilidade.
Neste sentido, um dos objetivos deste trabalho foi reexaminar a estrutura
fatorial da escala na sua versão portuguesa.
A estrutura da motivação para as práticas desportivas numa sociedade em rápida
e constante mutação, com alteração muito rápida das condições sociais,
culturais e de ocupação dos tempo livres justifica alterações significativas
nos motivos de procura da prática desportiva, pelo que a análise regular dos
motivos dos jovens para essa prática deve ser monitorizada com regularidade. Na
sequência desta análise, colocam-se as seguintes questões:
• Qual é o perfil geral de motivos de participação desportiva dos jovens?
• Serão os motivos para participar diferenciados em função do género dos
praticantes, da sua idade e do seu nível de escolaridade?
Os professores, os pais, os responsáveis pela promoção e desenvolvimento do
desporto podem beneficiar muito de uma resposta clara a esta questão. O
conhecimento dos tipos de motivação pode encorajar adaptações e ofertas de
serviços mais específicos, permitindo experiências mais gratificantes de
participação desportiva.
MÉTODO
Amostra
Participaram 1016 alunos de dez escolas, da região da Grande Lisboa, sendo 577
do género masculino e 439 do feminino, com idades compreendidas entre os 10 e
20 anos e cujos níveis de escolaridade eram 283 do segundo ciclo de
escolaridade, 416 do terceiro ciclo de escolaridade e 317 do ensino secundário.
Instrumentos
Neste estudo foi utilizado o Questionário Motivações para as Atividades
Desportivas (QMAD), tradução da versão original do PMQ (Gill et al., 1983),
versão traduzida e adaptada por Frias e Serpa (1991). Este questionário é
composto por 30 itens, descrevendo, cada um deles, motivos para a atividade
desportiva, aos quais foram atribuídos, numa escala tipo Likert (de 1 a 5), os
seguintes níveis: (1 ' Nada importante; 2 ' Pouco importante; 3 - Importante; 4
' Muito importante; 5 ' Totalmente importante).
De acordo com estudos anteriores (Fonseca, 1995; Fonseca & Maia, 1996), os
30 itens que constituem o PMQ agruparam-se em oito dimensões motivacionais,
mas, a estrutura fatorial do PMQ tem variado muito de estudo para estudo.
Zahariadis e Biddle (2000) referem a existência de seis fatores motivacionais.
Pereira e Vasconcelos-Raposo (1998) encontraram, também, uma estrutura fatorial
com seis fatores (embora diferentes dos encontrados por Zahariadis e Biddle,
2000). Posteriormente, Trembath et al. (2002) agruparam os 30 itens que
constituem o PMQ em oito dimensões motivacionais.
Na Tabela seguinte estão indicados o número de fatores motivacionais
encontrados pelos autores supracitados, bem como a respectiva identificação.
Tabela 1
Fatores motivacionais encontrado pelos diferentes autores (número e
identificação)
Esta variabilidade da estrutura fatorial determinou que procedêssemos a uma
nova análise fatorial da sua estrutura.
Procedimentos
Após apresentar-se os objetivos do estudo e depois de obter a autorização dos
Conselhos Executivos das respectivas escolas e o consentimento dos alunos, os
questionários foram aplicados pela equipa de investigação. Os questionários
foram aplicados no início da aula, de modo a evitar um estado emocional
exaltado e/ou desatenção proporcionada pelo cansaço. Foi garantida a
confidencialidade das respostas, tendo sido reforçado, junto dos alunos, que
não existem respostas certas ou erradas, solicitando-se que respondessem de
forma sincera. Após isso, foram lidas as instruções, tendo sido retiradas
eventuais dúvidas de preenchimento e, só depois, os alunos começaram a
preencher o questionário. Quem tivesse dúvidas chamaria o aplicador junto de si
a fim de retirar a dúvida.
Análise Estatística
Os dados recolhidos foram tratados no software SPSS 17.0 (Statistical Package
for the Social Sciences), tendo sido realizada uma análise descritiva,
calcularam-se as estatísticas descritivas, frequências, percentagens, médias e
desvios-padrão. A prova One-Way Anova e as comparações à posteriori, utilizando
a prova de Bonferroni, foram utilizadas para explorar as comparações entre
grupos. Utilizou-se ainda a Correlação de Spearman. O nível de significância
utilizado foi p ≤ 0.05.
RESULTADOS
Validação fatorial do PMQ
Para a avaliação das qualidades psicométricas do instrumento utilizou-se uma
análise fatorial de componentes principais exploratória (EFA). De modo a
reduzir o número de variáveis e detetar as componentes principais, utilizou-se
o método de rotação oblimin , tendo-se exigido e verificado diversos
requisitos: O número de participantes garantiu que existisse um rácio mínimo de
cinco sujeitos por indicador. Considerou-se um valor próprio mínimo de 1.0 e só
foram incluídos os fatores compostos pelo mínimo de três itens. Adicionalmente,
a prova de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO= 0.890) e o teste de esfericidade de
Bartlett's (p< .01) confirmaram os requisitos para se proceder a uma análise
fatorial. Neste âmbito, os scores fatoriais considerados envolveram valores
acima de .40 e o alpha de Cronbach foi fixado em .70. Da análise acima referida
resultou uma estrutura fatorial com seis fatores motivacionais, que explicam
55.76% da variância, sendo esta solução suportada, também, pelo scree teste. Na
Tabela 2 estão patentes a identificação dos fatores, os itens que o constituem
e o valor do Alpha de Cronbach encontrado para cada fator.
Tabela 2
Identificação dos fatores, itens que os constituem, valores dos Eigenvalues,
percentagem de variância explicada pelo fator e Alpha de Cronbach
A solução fatorial encontrada apresenta algumas dimensões já identificadas em
estudos anteriores (Fonseca, 1995; Fonseca & Maia, 1996; Gill et al. 1983;
Pereira & Vasconcelos-Raposo, 1998; White & Duda, 1994), no entanto, o
fator Aprendizagem Técnica/Fitness nos trabalhos referidos constituíam fatores
diferenciados. O fator Influência Extrínseca, encontrado na presente análise
fatorial, apesar de não ser referido nos trabalhos anteriormente citados, já
tinha sido referenciado por Trembath et al. (2002). A presente análise fatorial
excluiu da análise quatro itens (5, 12, 17, 22), dado que estes itens não
correspondiam aos critérios para inclusão nos fatores anteriormente referidos.
Determinantes motivacionais para a prática desportiva
As motivações mais valorizadas para a prática desportiva estavam relacionadas
com a Aprendizagem Técnica/Fitness (M= 4.00; SD= .65), seguindo-se as
motivações relacionadas com o Trabalho de Equipa (M= 3.79; SD= .87). As
motivações relacionadas com a Socialização apresentaram o valor médio mais
baixo (M= 3.52; SD= .81). O Estatuto e a Influência Extrínseca apresentaram
valores médios relativamente baixos, como se pode constatar na Tabela 3.
Tabela 3
Média e desvio-padrão por fator
Verifica-se que os praticantes apresentavam motivos muito diferenciados para se
envolverem nas atividades físicas e desportivas. Os jovens pareciam, de facto,
praticar desporto para melhorar a sua capacidade técnica e a forma física,
atribuindo pouca importância ao estatuto que a prática desportiva lhes
proporciona.
Motivos de Participação em função do Nível de Escolaridade
Fazendo uma análise das motivações para a prática desportiva em função dos
níveis de escolaridade, constatou-se que os alunos do segundo ciclo apresentam
a média mais elevada no fator Trabalho de Equipa (3.97), surgindo,
imediatamente a seguir, a Aprendizagem Técnica/Fitness que apresenta um valor
muito semelhante (3.96). Para os alunos do terceiro ciclo, o valor médio mais
elevado regista-se no fator Aprendizagem Técnica/Fitness (4.04), seguindo-se o
Trabalho de Equipa com um valor médio de 3.86. No que respeita aos alunos do
ensino Secundário, também a Aprendizagem Técnica/Fitness é a que apresentou a
média mais elevada (3.98), surgindo, em segundo lugar, a Socialização, que
apresentou uma média de 3.60.
Para todos os níveis de ensino, as dimensões menos importantes são as dimensões
Estatuto e Influência Extrínseca, como se pode verificar na Tabela 4.
Tabela 4
Valor médio da importância atribuída aos fatores por ciclo de ensino
A comparação entre os três níveis de ensino, para cada um dos fatores, permitiu
constatar que existem diferenças significativas para todos os fatores, exceto
para a Aprendizagem Técnica/Fitness, F(2.1014) = 1.560, p= 0.211. As
comparações realizadas permitiram encontrar diferenças, estatisticamente
significativas, para os fatores Influência Extrínseca, F(2.1014) = 32.76, p≤
.001, Trabalho de Equipa, F(2.1013) = 19.53, p≤ .001, Estatuto, F(2.1014) =
11.35, p≤ .001), Socialização, F(2.1014) = 5.25, p= .005, e Libertar Energia, F
(2.1014) = 15.99, p≤ .001.
Para o fator Trabalho de Equipa, os valores médios são mais baixos à medida que
o ciclo de escolaridade aumenta, sendo as diferenças significativas quando a
comparação é realizada entre os alunos do segundo ciclo e os alunos do
secundário (p≤ .001) e entre os alunos do terceiro ciclo e os alunos do
secundário (p ≤ .001).
As motivações para a prática desportiva, relacionadas com a Libertação de
Energia, apresentaram diferenças significativas entre todos os níveis de
escolaridade, sendo os valores médios mais altos à medida que o ciclo de
escolaridade aumentava (p≤ .001, comparando o 2º ciclo com o Secundário; p=
.015, comparando os dois ciclos de ensino básico e comparando o 2º ciclo de
ensino básico com o Secundário, p = .003).
No que respeita aos motivos associados à Influência Extrínseca, estes
apresentaram diferenças significativas entre todos os níveis de escolaridade,
apresentando valores médios mais baixos à medida que o ciclo de escolaridade
aumenta (p= .001, comparando os dois ciclos de ensino básico entre si e p≤
.001, nas restantes comparações).
A importância das questões relacionadas com o Estatuto, nas motivações para a
prática desportiva, foi significativamente diferente em função do ciclo de
escolaridade dos alunos. Assim, os alunos do ensino secundário apresentaram
valores médios mais baixos, quando comparados com os dois ciclos de ensino
básico (p ≤ .001 e p = .001, respectivamente). Não foram encontradas diferenças
significativas entre os dois ciclos de ensino básico. No que se refere à
influência do ciclo de escolaridade dos alunos nas questões ligadas à
Socialização, apenas uma diferença significativa foi encontrada (p= .005),
sendo esta entre o 2º ciclo de ensino básico e o secundário, apresentando, os
últimos, um valor médio mais alto.
Motivos de Participação em função do Género
Analisando as motivações para a prática Desportiva em função do género,
verificou-se que os aspectos que assumem maior importância, para ambos os
géneros, são a Aprendizagem Técnica/Fitness e o Trabalho de Equipa. A Tabela 5
apresenta o valor médio da importância atribuída aos fatores por género.
Tabela 5
Valor médio e desvio-padrão (M, SD) da importância atribuído aos fatores por
género
A comparação dos fatores motivacionais para a prática desportiva, em função do
género, permitiu constatar que existem diferenças estatisticamente
significativas para a Aprendizagem Técnica/Fitness, T(1014) = 6.36, p≤ .001,
Influência Extrínseca, T(1014) = 3.92, p≤ .001, e o Estatuto, T(1014) = 10.13,
p≤ .001, tendo o género feminino apresentado um valor médio menor em todos
estes motivos.
Motivos de Participação em função da Idade
Foi possível estabelecer um perfil de associação entre os fatores motivacionais
para a prática desportiva e a idade dos alunos. Assim, todos os fatores
apresentaram uma associação estatisticamente significativa com a idade, exceto
a Aprendizagem Técnica/Fitness, como se pode constatar na Tabela 6.
Tabela 6
Correlação de Spearman: Valor do Coeficiente de Correlação e significância da
correlação dos factores com a idade
Foi possível identificar uma associação significativa, no mesmo sentido, entre
a idade dos alunos e a valorização do Estatuto (p= .002), Socialização (p=
.015) e Libertação de Energia (p≤ .001). Assim, à medida que aumentava a idade
dos alunos, verificava-se um aumento do valor de importância atribuída pelos
alunos a estes fatores. Pelo contrário, verificou-se a existência de uma
relação inversa, ou seja, à medida que aumentava a idade dos alunos,
verificava-se uma diminuição do valor de importância atribuída à Influência
Extrínseca (p≤ .001) e ao Trabalho de Equipa (p≤ .001).
A Aprendizagem Técnica/Fitness não apresentou uma associação estatisticamente
significativa com a idade (p= .379).
DISCUSSÃO
A circunstância de, por um lado, a procura do conhecimento dos motivos que
levam as pessoas a decidir praticar uma determinada modalidade física ou
desportiva ser uma das áreas mais estudadas nos últimos anos (Barroso et al.,
2007; Fonseca & Ribeiro, 2001; Lores et al., 2004; Machado et al., 2005;
Marzinek & Neto, 2007; Ullrich-French & Smith, 2006; Sirard et al.
2006) e, por outro, o desejo de caracterizar a população estudantil no que se
refere às suas motivações, considerando a diferenciação em função do género, da
idade e do nível de escolaridade, esteve na origem da realização deste estudo.
A análise das respostas dos inquiridos revelou que, de um modo geral, os
motivos considerados como mais importantes para a decisão de praticar desporto
foram os relacionados com a procura de desenvolvimento das suas competências
físico-desportivas, nomeadamente, para melhorar as suas competências técnicas
específicas dessa modalidade e para manterem ou melhorarem os seus índices
físicos. Ao invés, os motivos respeitantes à tentativa de aquisição de um
estatuto elevado perante as outras pessoas foram os que exerciam menos impacto
na sua decisão de praticarem desporto. Estes resultados são semelhantes aos que
têm sido encontrados na generalidade dos estudos referenciados na literatura
(Cruz & Cunha, 1990; Fonseca & Ribeiro, 2001; Gill et al., 1983; Klint
& Weiss, 1987; Longhurst & Spink, 1987).
A literatura sobre a influência da idade na estrutura motivacional não parece
ser, ainda, como se constata, totalmente clara. Se, por um lado, muitos autores
identificaram a idade como variável diferenciadora (Afonso et al., 2001;
Biddle, 1995; Biddle & Mutrie, 2001; Fernandes, 2001; Fonseca, 1995;
Fonseca & Fontaínhas, 1993; Fonseca et al., 1998; Gould et al., 1982;
Rebelo & Mota, 1994), no que respeita às conclusões daí resultantes, estas
são, por vezes, contraditórias. No presente estudo, verificou-se que, à medida
que aumentava a idade dos alunos, registava-se um aumento do valor de
importância atribuída ao Estatuto, Socialização e Libertação de Energia,
enquanto que a importância atribuída à Influência Extrínseca e ao Trabalho de
Equipa diminuía. Afonso et al. (2001) verificaram que as raparigas de idade
inferior a 19 anos valorizavam mais os motivos relacionados com a Forma Física
e o Prazer. Fonseca e Fontaínhas (1993) referem que os mais novos dão mais
importância aos aspectos relacionados com o Estatuto, Grupo, Libertação de
Energia, Divertimento e Amigos, o que contraria os resultados aqui obtidos.
Rebelo e Mota (1994) referem que os praticantes com idades compreendidas entre
os 16 e os 25 anos assinalam que praticam a modalidade como forma de fazerem
amizades, de ultrapassarem desafios e de se divertirem. Balbinotti et al.
(2007), num estudo realizado com uma amostra de 428 adolescentes do sexo
masculino, com idades entre 13 e 16 anos, concluíram que a motivação
relacionada com o prazer não variava de forma significativa durante a
adolescência.
A análise dos valores relativos às dimensões motivacionais em função do género
dos inquiridos, permitiu verificar que o género feminino apresentou um valor
médio menor na Aprendizagem Técnica/Fitness, Influência Extrínseca e Estatuto
quando comparado com o género masculino. Os resultados do presente estudo são
consistentes com os de outros estudos, onde se verificou uma diferenciação em
função do género (Barroso et al., 2007; Chantal, Guay, Dobreva-Martinova, &
Vallerand, 1996; Fonseca & Fontaínhas, 1993; Gill et al., 1983; Kilpatrick
et al. 2005; Longhurst & Spink, 1987; Machado et al. 2005; Pelletier et
al., 1995; Sirard et al. 2006). Fonseca (1995) corrobora as conclusões aqui
obtidas, mencionando que, de uma forma geral, as raparigas dão menos
importância aos motivos relacionados com a realização e o estatuto pessoal,
enquanto Kilpatrick et al. (2005) verificaram que os homens atribuem maior
importância a motivos intrínsecos relacionados com o ego e a performance e as
mulheres dão maior relevância a motivos extrínsecos associados à imagem e à
saúde. Machado et al. (2005) referem que o género masculino indicou motivos
relacionados com a saúde, enquanto que o feminino referiu o divertimento.
Resultados diferentes foram encontrados por Lores et al. (2004), tendo o género
feminino valorizado os motivos relacionados com a saúde, enquanto o masculino
referira os motivos relacionados com a competição. Os motivos relacionados com
a competição e com a sociabilidade, na investigação conduzida por Balbinotti e
Capazzoli (2008), eram mais valorizados pelo género masculino. Allen (2003)
refere que a motivação para a prática de atividade física relacionada com o
prazer não varia de forma significativa entre os géneros durante a
adolescência.
Globalmente, a importância atribuída aos fatores motivacionais para a prática
desportiva variou em função do ciclo de escolaridade, tendo-se verificado que
existiram diferenças significativas para todos os fatores, exceto para a
Aprendizagem Técnica/Fitness.
No Trabalho de Equipa, os valores médios são mais altos em ciclos de
escolaridade mais baixos. Resultados semelhantes foram encontrados por Fonseca,
Sousa, e Vilas-Boas (2001), referindo, estes, que o estabelecimento de
contactos com outras pessoas assume, nestas idades, uma importância
significativa, constituindo-se o Desporto como um meio privilegiado para este
efeito. As motivações relacionadas com a Libertação de Energia apresentaram
valores médios mais altos à medida que o ciclo de escolaridade aumentava,
enquanto que a Influência Extrínseca, mostrava valores médios mais baixos à
medida que o ciclo de escolaridade aumentava. Estes dados acompanham a idade.
Como era de esperar, existe correlação elevada entre idade e nível de
escolaridade e uma percentagem considerável de variância para estas variáveis
colineares.
A importância atribuída ao Estatuto variou em função do ciclo de escolaridade
dos alunos, sendo que, os alunos do ensino secundário apresentaram valores
médios mais baixos. No que se refere à influência do ciclo de escolaridade dos
alunos nas questões ligadas à Socialização, o 2º ciclo de ensino básico
apresentou um valor médio mais baixo que o secundário. Sousa (2004) verificou
que, para os alunos do segundo ciclo, os motivos mais importantes são os
motivos associados à afiliação, desenvolvimento de competências, prazer e forma
física e que não existem diferenças nas motivações para a prática desportiva
entre os alunos do terceiro ciclo e os alunos do ensino secundário, facto que
não se verificou no presente trabalho.
CONCLUSÕES
A motivação dos alunos para a prática desportiva parece estar associada a um
conjunto de variáveis demográficas que a determinam, variando com a idade, o
nível de escolaridade e o género. A motivação para as aprendizagens e o
fitness, para o trabalho em equipa, bem como para a socialização, num clima de
motivação intrínseca, é assinalável correspondendo às fontes mais importantes
de motivação. Considerando o incremento em idade e nível de escolaridade,
existe uma diminuição da motivação para o trabalho de equipa e para a
influência de terceiros sobre a motivação para a prática. Por outro lado, as
motivações associadas ao estatuto social, aos processos de socialização e de
libertação de energia ganham importância crescente com a idade e o nível de
escolaridade. Já no que se refere ao género, as raparigas apresentam valores
menores na motivação referente às aprendizagens técnicas e ao fitness, na
motivação em função do estatuto social e nas influências extrínsecas para a
prática. No entanto, não se encontraram diferenças, relativamente aos rapazes,
nas motivações para o trabalho em equipa, para a socialização e para a
libertação de energia.
O corrente estudo reconhece a importância de aprofundar a investigação que
envolva o estudo das determinantes motivacionais da prática desportiva, face
aos resultados contraditórios de boa parte da investigação realizada. Por outro
lado, fruto da crescente diferenciação cultural na nossa sociedade, estudos
interculturais, considerando outras variáveis de diferenciação demográfica
presentes na população de alunos e de praticantes desportivos, deverão ser
considerados. O nível sócio-económico e cultural, a etnia e a nacionalidade,
entre outras variáveis, devem ser incorporados em modelos explicativos da
motivação para a prática, considerando, nomeadamente, a interação entre essas
variáveis. Por outro lado, outros modelos teóricos devem ser incorporados e
contrastados com o modelo adotado neste estudo, de modo a se poder conhecer
melhor a estrutura multifactorial das motivações dos praticantes desportivos.
Em futuros estudos importa, ainda, adotar abordagens qualitativas, que permitam
penetrar mais profundamente nas estruturas motivacionais, nas suas
determinantes psicológicas e nas relações que estabelecem com os contextos e
conteúdos das práticas.