Organização e metodologia de ensino da natação no 1º ciclo do ensino básico em
Portugal
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento global da criança é sequencial e cumulativo, sustentado em
experiências vividas que contribuem para um sólido repertório motor (Gallahue
& Ozmun, 2005; Le Boulch, 1987; Piaget, 1975; Vygotsky, 1978). Assim
entende-se a infância como um período crucial para o desenvolvimento de
capacidades físicas e aprendizagens psicomotoras fundamentais, estendendo-se
este período até à idade coincidente com o final do 1º CEB (1º ciclo do ensino
básico). Para além disso, de acordo com o Physical Activity Guidelines Advisory
Committee (2008), o exercício físico durante a infância conduz a diversos
benefícios no desenvolvimento (social, cognitivo e motor), a médio e longo
prazo, tais como a diminuição da massa gorda, a redução dos fatores de risco de
doenças cardiovasculares e diabetes do tipo II e ainda benefícios psicológicos
(bem-estar psicológico, melhoria da autoestima, redução da ansiedade e
depressão). Um estudo recente (Huotari, Nupponen, Mikkelsson, Laakso &
Kujala, 2011) também revela que as crianças e adolescentes fisicamente ativos
apresentam uma menor probabilidade de se tornarem sedentários na vida adulta.
Por outro lado, também sabemos que a falta ou escassez de estímulos motores, ou
a sua utilização inadequada, poderá ter repercussões muito negativas no
desenvolvimento da criança (Gallahue & Ozmun, 2005; Le Boulch, 1987;
Piaget, 1975; Vygotsky, 1978).
Nesta perspectiva, consideramos a prática da natação durante a infância como um
exercício físico harmonioso que contribui para o pleno desenvolvimento da
criança e, paralelamente, para a diminuição do risco de afogamento. No entanto,
as evidências científicas de que as atividades aquáticas efetivamente diminuem
o risco de afogamento (Asher, Rivara, Felix, Vance & Dunne, 1995) são, do
nosso conhecimento, inexistentes. A respeito do desenvolvimento motor, o estudo
de Zhao et. al. (2005) reporta efeitos visivelmente positivos da aplicação de
programas aquáticos. Adicionalmente, também se observaram efeitos ao nível do
desenvolvimento neuromuscular e da capacidade funcional do sistema respiratório
e cardiovascular. Outros autores (Gorter & Currie, 2011; Kemp &
Roberts, 2005; McManus & Kotelchuk, 2007; Wicher et. al., 2010;) referem
efeitos coadjuvantes em diferentes níveis: atenuação de distúrbios do
comportamento e do sono; anorexia; défices do desenvolvimento neuro psicomotor;
hipotonias; distúrbios ortopédicos; neurológicos e respiratórios. Para além
destes benefícios, a prática da natação contribui naturalmente para a
aprendizagem de habilidades motoras básicas, específicas e complexas, num
contexto alargado de competência aquática (Langendorfer & Bruya, 1995) que
deve ser particularmente desenvolvida durante a infância (Blanksby, Parker,
Bradley & Ong, 1995). Porém, existem naturalmente limitações à prática da
natação que, muitas vezes, requerem um aconselhamento médico prévio. A proteção
do aparelho auditivo para casos de otites, sinusites e rinites crónicas devem
ser acautelados bem como o uso de óculos próprios em casos de sensibilidade
ocular.
A Expressão e Educação Físico-Motora enquanto parte integrante do leque
obrigatório das atividades a desenvolver no 1º CEB, que abrange vários
conteúdos essenciais para o desenvolvimento da criança, integra a natação como
uma das modalidades facultativas do programa. Devido às características
singulares, à necessidade de um espaço próprio para o desenvolvimento da mesma
e de uma formação adequada dos professores, nem sempre é possível o
desenvolvimento da natação em contexto escolar. Para além disso, a qualidade de
ensino da natação está dependente de vários fatores, nomeadamente aqueles que
influenciam diretamente a sua organização e que, portanto, determinam a sua
eficácia. Segundo Langendorfer e Bruya (1995) e Campaniço (1989), referimo-nos
particularmente aos seguintes fatores: (i) o número de alunos - fator
determinante para a eficácia e qualidade do ensino; (ii) o material didático -
que permite uma variabilidade de estímulos na aula; (iii) a temperatura da água
- que deve variar entre os 30° e os 32°C; a frequência semanal - geralmente
duas vezes nas idades compreendidas dos três aos dez anos; e (iv) a
profundidade da piscina - recorrendo-se a várias estratégias metodológicas
direcionadas para piscinas sem pé, quando o número de alunos é reduzido (seis a
doze alunos). Segundo Carvalho (1994) a qualidade do ensino depende das
condições para o leccionamento das aulas, do espaço atribuído à classe e está
inter-relacionada com o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos.
Apesar de existirem linhas orientadoras sobre os programas a adotar para o
desenvolvimento do exercício físico e desportivo no 1º CEB, não existem em
Portugal até à data estudos sobre a forma como são aplicados e supervisionados
os conteúdos nem tão pouco a eficácia dos programas aplicados. Aliás, a
Comissão de Acompanhamento do Programa (CAP), que desenvolve anualmente
relatórios pedagógicos, tem declarado que os instrumentos de recolha da
informação estão desajustados à realidade do programa, para além do facto de
existir informação relevante que não é recolhida e outra que é exaustivamente
coletada embora nem sempre pertinente.
Assim, neste estudo propusemo-nos descrever e analisar a implementação do bloco
de natação no âmbito da Expressão e Educação Físico-Motora no 1º CEB em
Portugal, atualmente coordenado pela Administração Pública local.
Especificamente, pretendemos conhecer: (i) a organização metodológica do
ensino; (ii) as metodologias do ensino da natação efetivamente aplicadas; (iii)
a operacionalização efetiva do processo de ensino-aprendizagem, designadamente
pela identificação das habilidades aquáticas privilegiadas; e (iv) identificar
as causas da inexistência do bloco de natação.
MÉTODO
Desenho experimental
No essencial trata-se de uma pesquisa de campo, de caráter descritivo, com uma
análise quantitativa dos dados, cujo propósito será conhecer a realidade
nacional do ensino da natação no âmbito da expressão e educação físico-motora
no 1º CEB.
Amostra
Os dados foram recolhidos durante o ano letivo 2010/2011 em oitenta e nove
municípios portugueses - piscinas municipais que concordaram participar no
presente estudo, correspondendo a 30.2% da totalidade dos municípios
Portugueses (tabela_1). Os oitenta e nove coordenadores/responsáveis pelas
respetivas escolas de natação foram divididos em dois grupos de estudo, baseado
na existência ou inexistência do bloco de natação no 1º CEB: cinquenta e nove
coordenadores/responsáveis das escolas municipais de natação, que ministram
aulas de natação no 1º CEB (doze mulheres e quarenta e sete homens); trinta
coordenadores, de piscinas municipais que não proporcionam aulas de natação
para crianças do 1º CEB (vinte e seis homens e quatro mulheres).
Simultaneamente concordaram em participar neste estudo cem professores que no
momento da recolha dos dados ministravam as aulas de natação a alunos do 1º CEB
nas cinquenta e nove escolas de natação integradas (35 mulheres e 65 homens,
31.9 ± 5.5 anos de idade, respetivamente; 3.19 ± 0.89 anos de experiência
profissional).
Instrumentos e Procedimentos
Foi aplicado um questionário aos coordenadores/responsáveis pelas escolas de
natação, com intuito de analisar o contexto de prática e fatores inerentes à
aplicação do bloco de natação no 1º CEB. Foram utilizadas as recomendações de
Wilkinson e Birmingham (2003) para a construção de questionários. As questões
na sua maioria são fechadas, de natureza dicotómica, de modelo Rasch (1960)
(ordem decrescente de concordância) ou ainda do tipo Likert com 4 níveis de
atribuição. A versão final do questionário incluiu os seguintes itens: (i)
caracterização geral dos coordenadores com e sem natação no 1º CEB e
professores (sexo, idade, habilitações académicas, experiência profissional,
número de horas laboradas no 1º CEB); (ii) caracterização da organização
institucional das escolas de natação em estudo (temperatura da água,
profundidade, nº de sessões, frequência semanal); (iii) enquadramento do ensino
da natação no 1º CEB (existência da natação no 1º CEB; conhecimento das
diretrizes do ministério da educação para a natação; número de aulas
ministradas no bloco de natação; justificação para o cancelamento da natação no
1º CEB que representa os coordenadores das escolas de natação em estudo, que já
não apresentam natação no 1º CEB).
Em paralelo foi aplicado um questionário aos professores que ministravam aulas
de natação a crianças do 1º CEB (em contexto escolar), incluindo os seguintes
itens: (i) caracterização geral dos inquiridos (género, idade, habilitações
académicas e experiência profissional); (ii) enquadramento / finalidade do
ensino da natação em crianças no 1º CEB; (iii) enquadramento do ensino da
natação no 1º CEB, conhecimento das diretrizes do ministério da educação para a
natação; (iv) organização metodológica do ensino na natação no 1º CEB
(finalidade da natação, aplicação de material didático no ensino da natação,
aplicação dos conteúdos no ensino, importância às atitudes e compreensões
básicas, aplicação de conteúdos na globalidade no ensino adaptação ao meio
aquático e ensino das técnicas formais).
Ambos os questionários foram adaptados de Costa et al. (2012), tendo-se
aplicado a um grupo de controlo, em quatro municípios distintos (não incluídos
na amostra de estudo) com vista ao ajuste posterior da clareza e objetividade
das questões incluídas. Os questionários foram ainda sujeitos à revisão
detalhada por especialistas em pedagogia da natação.
Análise Estatística
Com vista a descrever e a sumariar os dados recolhidos, foi utilizada a
estatística descritiva, em particular, o cálculo das frequências.
RESULTADOS
Características gerais dos inquiridos
Na tabela_1 apresentamos a distribuição percentual do sexo, da idade e
habilitações académicas dos coordenadores das piscinas inquiridos, bem como dos
professores de natação em estudo.
Da análise da tabela_1 verificamos uma relativa desproporcionalidade ao nível
do sexo em particular nos sujeitos que realizam a função de coordenação
técnica, dos quais cerca de metade apresentam idades superiores a 35 anos e são
na sua maioria licenciados. Em relação aos professores de natação, 65.0% são do
sexo masculino, geralmente jovens (entre os 26 e os 35 anos), sendo a maioria
licenciados.
Os professores inquiridos apresentam na sua maioria dois a três anos de
experiência profissional (85.0%), lecionam entre seis a 10 horas de natação no
1º CEB (44.0%) e apresentam uma distribuição percentual algo dispersa em horas
de trabalho semanais: entre uma a cinco (20.0%), seis a dez (44.0%) e 11 a 15
(22.0%) horas semanais.
Caracterização da organização institucional das escolas de natação em estudo
De acordo com as respostas dos 89 coordenadores técnicos inquiridos, a
temperatura da água no contexto da natação do 1º CEB varia entre 28-31º C. Em
relação à profundidade nenhuma das escolas de natação promove o ensino
exclusivamente em águas profundas, 72.9% das quais optam por ambos os contextos
(rasa e profunda) em simultâneo e 27.0% promovem o ensino apenas em piscina
rasa.
O número de sessões de natação desenvolvidas em contexto escolar varia,
principalmente, entre 9 a 16 sessões, escolas com natação no 1º ciclo (55.0%) e
escolas sem natação no 1º ciclo (36.7%). Quanto ao número de alunos por classe,
os dados evidenciam que as turmas são constituídas por 13 a 16 alunos com uma
frequência predominantemente de uma aula por semana (64.4%). Verificamos ainda
que a maioria dos municípios apresenta entre uma a 15 escolas que frequentam as
aulas de natação, sendo alunos na sua maioria do terceiro e quarto ano. De
facto, não registamos nenhuma turma participante do primeiro ano de
escolaridade sendo apenas 19.9% da amostra do segundo ano.
Enquadramento do ensino da natação no 1º ciclo do ensino básico
Na tabela_2 apresentamos a distribuição percentual da aplicação da natação no
1º CEB.
Pela análise da tabela_2 constatamos que a aplicação da natação no 1º CEB surge
integrada maioritariamente no âmbito das designadas Atividades de
Enriquecimento Curriculares (AEC’s) (72.9%). Relativamente às autarquias que
atualmente cessaram a aplicação da natação percebemos que em anos anteriores
essa prática ocorria na sua maioria integrada em programas paralelos do
município e, com raras exceções, nas AEC’s ou no currículo do 1º CEB.
Relativamente à distribuição dos responsáveis pela lecionação das aulas de
natação em contexto escolar, 67.8% é realizada por professores de educação
física; dos inquiridos responsáveis das escolas de natação 22.0% responderam
que as aulas são ministradas por professores de educação física e técnicos das
escolas de natação (em simultâneo).
Na tabela_3 apresentamos a distribuição percentual da aplicação da natação no
1º CEB que representa os coordenadores das escolas de natação em estudo, que
não apresentam natação no 1º CEB.
Verificamos na tabela_3 que os municípios que não apresentam natação no 1º CEB,
ou nunca a promoveram (30.0%) ou cancelaram sobretudo por falta de verbas
disponibilizadas para financiamento das mesmas (60.0%).
Na tabela_4 apresentamos a distribuição percentual sobre a opinião dos
coordenadores inquiridos das escolas de natação em estudo, relativamente ao
conhecimento das diretrizes do ministério da educação a respeito da natação no
1º CEB.
Da análise da tabela_4 salientamos que mais de 80.0% dos diferentes grupos
conhecem as diretrizes do Ministério da Educação em relação à natação no 1º
CEB. Porém podemos constatar que ainda existem 13 professores que lecionam as
aulas e cinco responsáveis por escolas, com natação no 1º ciclo, que
desconhecem as diretrizes da tutela para o desenvolvimento das sessões.
Na tabela_5 apresentamos a distribuição percentual sobre a opinião dos
coordenadores inquiridos das escolas de natação em estudo, relativamente à
suficiência do número de aulas ministradas no bloco de natação frequentado
pelos alunos do 1º CEB para aquisição de competências.
Das quatro possibilidades distintas, as respostas parecem sugerir que ambos os
grupos de inquiridos consideram preferencialmente razoável a aquisição de
habilidades aquáticas básicas neste contexto (1º CEB) e eventualmente a
abordagem das técnicas de nado rudimentar de Crol e Costas.
Na tabela_6 apresentamos a distribuição percentual do meio transporte usado
para a deslocação dos alunos bem com a identificação dos acompanhantes dos
mesmos. Relativamente ao meio de transporte, constatámos que a maior parte dos
municípios utilizam o autocarro do próprio município (71.2%). Verificamos
também que o acompanhamento das turmas das escolas com natação no 1º CEB é
realizado maioritariamente por auxiliares da educação (55.9%) e pelo professor
titular (27.1%).
Organização metodológica do ensino na natação no 1º CEB
Na tabela_7 apresentamos a distribuição percentual da opinião dos professores
inquiridos das escolas de natação em estudo, relativamente à finalidade da
natação no 1º CEB.
Nas seis possibilidades distintas em formato tipo de Rasch (1960), verificamos
claramente que as finalidades da natação no 1º CEB que retêm maior concordância
entre os professores de natação inquiridos são fundamentalmente ultrapassar o
“medo da água” e “dar prazer”.
Na tabela_8 apresentamos a distribuição percentual em relação à opinião dos
professores inquiridos relativamente à aplicação do material didático no
processo de ensino-aprendizagem da natação no 1º CEB.
Pela análise da tabela_8 observamos que mais de metade dos professores ou
“nunca” utiliza material didático ou apenas o utiliza raramente. Mesmo assim,
as pranchas parecem ser o material utilizado mais frequentemente pelos
professores. Salientamos ainda que o uso das braçadeiras, apesar de raro, ainda
é utilizado por parte de alguns professores.
Na tabela_9 apresentamos a opinião dos professores relativamente à aplicação de
certos conteúdos pedagógicos ao longo do processo de ensino-aprendizagem
(adaptação ao meio aquático e abordagem às técnicas formais).
No âmbito da adaptação ao meio aquático, destaca-se a importância dada os
seguintes conteúdos relatados como “sempre” abordados: “entrada na água”
(72.0%), “as tarefas que geram confiança na água” (90.0%), o “equilíbrio”
(70.0%), o “controlo da respiração” (86.0%) e a “autonomia propulsiva por ação
membros inferiores” (69.0%). Como conteúdos menos abordados (às vezes) destaca-
se a “imersão em águas profundas” (59.0%) e as “rotações” (61.0% dá importância
“às vezes” e 13.0% raramente).
No que diz respeito ao nível de incidência dos conteúdos no ensino das técnicas
formais, destacam-se como mais recorrentes e que são sempre considerados pelos
professores: “a entrada na água” (60.0%); “o equilíbrio dinâmico” (82.0%); “a
ação propulsiva correta dos MI” (74.0%) e a “destreza específica das técnicas”
(74.0%). Os resultados sugerem ainda que os professores no ensino das técnicas
formais abordam menos frequentemente (às vezes): “as rotações simétricas”
(62.0%), “a ação propulsiva correta dos MS” (63.0%), o controlo da respiração
ritmado” (53.0%).
Na tabela_10 apresentamos a distribuição percentual da opinião dos professores
inquiridos relativamente à importância dada durante ensino da natação no que se
refere às atitudes e às compreensões básicas.
Pela análise da tabela_10 verificamos que a globalidade dos professores
considera importante a abordagem de todas as atitudes mencionadas, verificando-
se apenas uma menor relevância na atitude “não ter medo” e “saber utilizar o
equipamento”. No que se refere às compreensões básicas, destacam-se os
“procedimentos e organização da turma”, as” regras de segurança e salvamento” e
“os jogos e atividades lúdicas” como aspetos valorizados “sempre” pelos
professores inquiridos.
DISCUSSÃO
Caracterização geral dos inquiridos
Pretendemos com este estudo analisar a implementação do ensino da natação no
âmbito da expressão física e educação motora no 1º CEB em Portugal. Como
discutiremos de seguida, os nossos resultados indicam que a natação no 1º CEB é
dirigida fundamentalmente para terceiro e quarto ano, privilegiando-se as
habilidades aquáticas básicas, de acordo com as orientações do ministério da
educação. Todavia identificamos as razões para a inexistência desta modalidade
em alguns contextos escolares e ainda algumas insuficiências aquando do seu
enquadramento, provavelmente condicionantes da eficiência do processo de
ensino-aprendizagem, ao nível da aquisição de habilidades aquáticas mais
complexas.
A respeito das características gerais dos professores e coordenadores,
verificamos que a maioria é detentora de licenciatura específica, provavelmente
devido ao facto das aulas de natação serem desenvolvidas maioritariamente no
âmbito das AEC's (72.9%) o que obriga, de acordo com as orientações do despacho
n.º 8683/2011, aos técnicos de atividades física e desportiva envolvidos
apresentarem habilitação própria para a docência da disciplina de Educação
Física no ensino básico e/ou a possuírem Licenciatura em Ciências do Desporto.
No estudo elaborado por Brandão (2010) todos os professores que fizeram parte
do estudo também possuíam Licenciatura em Desporto e Educação Física. Porém nem
sempre os professores que ministram as AEC's conhecem os objetivos e
orientações do ministério (Brandão, 2010). Verificamos também que a proporção
de homens é sobejamente superior sobretudo na função de coordenador técnico.
Esta proporção será próxima da realidade proporcional de licenciados de ambos
os sexos formados em desporto e educação física em Portugal, embora se
verifique uma tendência de menor percentagem de mulheres conforme se progride
no organigrama da organização (de professor para coordenador).
No que se refere à organização institucional da escola de natação, verificamos
que o ensino da natação neste contexto educativo incide maioritariamente em
alunos do terceiro e do quarto ano. Esta situação deve-se provavelmente ao
facto das orientações programáticas (Maria & Nunes, 2006) contemplarem a
unidade didática de natação apenas nos anos referidos anteriormente.
As condições de ensino parecem estar globalmente adequadas aos propósitos do
programa aquático. Segundo Langendorfer e Bruya (1995) e Campaniço (1989), os
principais fatores são: o número de alunos, determinante para a eficácia e
qualidade do ensino; o material didático, que permite uma variabilidade de
estímulos e da aula; a temperatura da água, que deve variar entre os 30-32°C; e
a profundidade da piscina.
De facto, verificamos que em 40.0% das escolas a temperatura da água encontra-
se entre 28-29ºC. Apesar de Langendorfer e Bruya (1995) e Campaniço (1989) e
referirem que a temperatura da água deve estar entre 30-32ºC, as recomendações
do Conselho Nacional de Qualidade aponta uma temperatura máxima de 30ºC. As
piscinas dos municípios portugueses parecem cumprir essa diretiva. Em relação à
profundidade, nenhuma das escolas de natação realiza exclusivamente o ensino em
piscinas de águas profundas, sendo que 72.9% opta por ambos os contextos (rasa
e profunda) em simultâneo. Na realidade, e de acordo com Costa et al. (2012), a
opção em combinar experiências aquáticas em diferentes contextos de
profundidade poderá ser enriquecedora e adequada aos propósitos da adaptação ao
meio aquático nestas idades. Ficará por perceber se as poucas escolas (27.0%)
que promovem o ensino em água rasa o fazem por opção ou contingência de não
terem um tanque em que seja possível as duas abordagens de forma complementar.
Menos positivo parece ser o número de alunos por classe (entre 13 a 16 alunos)
e a baixa frequência semanal de sessões (predominantemente uma vez por semana),
ambos os factos conducentes a uma menor eficácia e qualidade do processo de
ensino-aprendizagem (Langendorfer & Bruya, 1995). Tal como referem
Sarmento, Carvalho, Florindo e Raposo (1982), a aquisição de competências no
meio aquático depende dos instrumentos e métodos de ensino adequados. Assim, o
número de alunos parece ter um papel importante na eficácia do ensino,
principalmente na fase de adaptação ao meio aquático e aquisição de
competências básicas (Campaniço, 1991), independentemente da formação ou
experiência do professor (Carvalho, 1984). Em conformidade, Santos et al.
(2008) verificaram que um número elevado de alunos (20 por turma) numa das
escolas estudadas prejudicava a aquisição de competências aquáticas,
comparativamente com outras duas escolas de natação em que o número de alunos
era menor (de 11 a 13 alunos). Segundo Carvalho (1994) o trabalho e evolução da
classe é diretamente influenciável pelo seu tamanho (número de alunos),
independentemente da formação ou experiencia do professor; a longo prazo
reflete-se na qualidade do ensino. O autor salienta que as aulas em contexto de
grande profundidade, isto é, nas quais os alunos não têm pé, o professor tem de
prestar um apoio direto dentro de água; que por questões de eficácia e de
segurança, o número total de alunos máximo é quatro por professor e o mais
adequado na fase da adaptação ao meio aquático em contexto de profundidade.
A inexistência do bloco de natação no 1º CEB nas 30 autarquias participantes no
estudo parece estar relacionado com a falta de verbas disponibilizadas para o
efeito (60.0%). A dificuldade do transporte dos alunos foi relatada como outra
das dificuldades. Ora, do nosso ponto de vista, a falta de vivência no meio
aquático na infância gera dois problemas. O primeiro estará associado à
escassez de padrões motores adquiridos, particularmente os aquáticos, que
promovem um adequado estímulo cognitivo, afetivo e psico-motor durante a
infância (Langendorfer & Bruya, 1995). Isto é particularmente importante
nas idades coincidentes entre a transição do ensino pré-escolar para o ensino
básico: Blanksby et al. (1995); Courage et al. (2006); Graf et al. (2003); Zhao
et al. (2005). O segundo estará associado ao eventual risco de afogamento
(Brenner et. al., 2009; Peden & McGee, 2003).
Os nossos dados indicam que as diretrizes do Ministério da Educação são
globalmente conhecidas e aplicadas pelos professores de natação (87.0%); os
restantes, aplicaram outro programa paralelo. Na maioria das escolas de natação
o ensino rege-se pela unidade didática estandardizada, deixando ao professor de
natação um papel condicionado à orientação do programa definido. De facto,
apenas 39.0% dos professores que lecionam as aulas de natação participam na
elaboração e supervisionamento da unidade didática.
Segundo os nossos resultados, ambos os grupos de inquiridos consideram como
razoável a aquisição de habilidades aquáticas básicas no âmbito do 1º CEB e
eventualmente a abordagem das técnicas de nado rudimentar de Crol e Costas.
Destacam-se também os resultados referentes aos procedimentos e organização da
turma (as regras de segurança, salvamento, os jogos e atividades lúdicas), os
quais são sempre considerados, embora com menor frequência.
Caracterização da organização institucional das escolas de natação em estudo
Outro dos objetivos do presente estudo foi descrever a organização metodológica
do ensino da natação para crianças em idade escolar (1º CEB). As aulas estão
relacionadas com a adaptação ao meio aquático e o ensino desenvolvido com
escasso material pedagógico. Entre as seis afirmações de concordância a
respeito da finalidade da natação neste ciclo de ensino, os resultados são
concordantes com os do estudo de Costa et al. (2012) e de Campaniço (1991),
sobretudo no âmbito do ensino da adaptação ao meio aquático, numa fase inicial,
predominantemente em águas rasas. O prazer e a autonomia no meio aquático são
os aspetos fulcrais num contexto de desenvolvimento de habilidades aquáticas
básicas (Langendorfer & Bruya, 1995; Langendorfer, 2010). Com efeito a
natação no 1º CEB apresentar-se-á também como uma atividade de enriquecimento
motor e de fomento pelo gosto da prática do exercício físico, em particular da
natação.
No que concerne à utilização de materiais didáticos observamos um baixo índice
de utilização. As pranchas são os equipamentos preferenciais, tal como
reportado por Costa et al. (2012). Do nosso conhecimento são escassos os
estudos científicos que demonstrem as vantagens ou desvantagens da utilização
de materiais auxiliares na adaptação ao meio aquático. Erbaugh (1986), um dos
estudos raros neste domínio, demonstrou a importância do seu uso na aquisição
da habilidade aquática equilíbrio horizontal dinâmico. Contudo, mais importante
será entender que as diferentes vantagens educacionais que os materiais
didáticos poderão conter – por exemplo o seu aspeto lúdico sobretudo quando
associado a uma metodologia de ensino que assume o jogo como um recurso
metodológico natural que agrega simultaneamente motivação e eficácia
pedagógica, também denominado de método compreensivo por Moreno e Sanmartín
(1998).
Mais preocupante será o uso de braçadeiras, ainda que por um baixo índice de
professores. O uso excessivo de flutuadores (coletes e braçadeiras) para o
ensino da flutuação ou mesmo de padrões corporais em situação dinâmica tem
vindo a ser criticado por vários autores (Barbosa, 2004; Blanksby et al., 1995;
Costa et al., 2012; Langendorfer & Bruya, 1995; Soares, 2000). A utilização
de materiais auxiliares no ensino da natação apresenta opiniões distintas.
Alguns autores rejeitam a utilização de materiais de flutuação (Catteau &
Garoff, 1988) devido à influência supostamente negativa na impulsão e
flutuação. Outros autores são favoráveis apenas a uma utilização moderada de
materiais auxiliares (Barbosa, 2004; Langendorfer & Bruya, 1995; Moreno
& Sanmartin, 1998; Navarro, 1995; Sarmento et al., 1982; Soares, 2000;),
evitando a dependência aos alunos numa falsa perceção de autonomia o que, por
inerência, desenvolve uma competência aquática artificial (Soares, 2000). Não
obstante, a utilização dos materiais segundo Navarro (1995) aumenta a sensação
de segurança, atenua a fadiga e o ensino poderá ser mais motivante para os
alunos.
Organização metodológica do ensino na natação no 1º CEB
No âmbito da adaptação ao meio aquático, na organização metodológica do ensino
são valorizados: a “entrada na água“; “as tarefas que geram confiança” no meio
aquático; o “equilíbrio” e o “controlo da respiração”. Estes resultados parecem
estar concordantes com opinião demonstrada relativamente à finalidade da
natação no 1º CEB (tabela_7). De facto, o prazer pela atividade e a confiança
(sem medo) no meio aquático são os aspetos mais valorizados pelos professores
inquiridos. Todavia, o facto de os professores desvalorizarem as rotações em
diferentes eixos (61.0% dá importância “às vezes” e 13.0% raramente) parece-nos
desadequado e contraditório à opinião de diversos autores e livros de texto da
especialidade, por exemplo Langendorfer e Bruya (1995) e Barbosa e Queirós
(2004) com vista à aquisição plena de um estado de competência aquática. De
facto na literatura vários autores são unânimes na importância dada à aquisição
habilidade básica, rotação, durante a infância para a aquisição de habilidades
mais complexas tais como as técnicas de nado, as partidas e as viragens
(Erbaugh, 1978; Langendorfer & Bruya, 1995; Barbosa & Queirós, 2004). A
irrelevância dada à habilidade motora de “rotações” foi igualmente identificada
por Costa et al. (2012) numa população semelhante.
No que diz respeito à importância dos conteúdos no ensino das técnicas formais,
destacam-se como mais importantes pelos professores “a entrada na água”, “o
equilíbrio dinâmico”, “a ação propulsiva correta dos MI” e outras “destrezas
específicas das técnicas”. Tal como para a adaptação ao meio aquático, “as
rotações simétricas” surgem como uma das habilidades menos valorizadas.
Acrescem-se, ainda, como pouco incidentes no ensino as tarefas relacionadas com
“a ação propulsiva correta dos MS”, “o controlo da respiração ritmado”, “as
partidas e viragens” e outras “destrezas complexas”. O nosso estudo não nos
permite identificar se a maior ou menor importância atribuída a cada conteúdo
durante o ensino tem conduzido a um domínio ou a uma insuficiência na aquisição
dessa mesma habilidade.
CONCLUSÕES
Os resultados sugerem que o ensino da natação no 1º CEB em Portugal segue
preferencialmente as orientações do Ministério da Educação. A ausência do bloco
de natação em alguns municípios, parece dever-se sobretudo a restrições
orçamentais e à dificuldade no transporte dos alunos da escola para a piscina.
A organização metodológica e supervisionamento das sessões são efetuados
maioritariamente pelos coordenadores das escolas de natação. A aplicação dos
programas aquáticos visa quase exclusivamente os alunos de terceiro e quarto
ano, com apenas uma sessão semanal e organizadas em classes com um número
desajustado de alunos para o nível de competência dos mesmos. O ensino incide
na aquisição do gosto e prazer pela atividade, gerando a confiança para a
adaptação ao meio aquático, privilegiando-se a aquisição de habilidades
aquáticas básicas tais com a entrada na água, o equilíbrio e o controlo
respiratório, num ensino pouco suportado em material didático.
Em estudos futuros seria pertinente clarificar as implicações na eficácia do
ensino de diferentes enquadramentos metodológicos tais como o número de alunos
por classe, a frequência semanal, o estilo de ensino ou inclusive o recurso a
materiais auxiliares. Seria ainda deveras importante conhecer os efeitos da
prática da natação no desenvolvimento motor global da criança para além do seu
papel no âmbito da segurança infantil.