Prótese ARPE® no tratamento da rizartrose
INTRODUÇÃO
A rizartrose é uma entidade clínica comum e é mais frequentemente observada em
mulheres pósmenopáusicas. Está associada à obesidade e não parece estar
associada ao nível de educação e ao trabalho manual [1]. A artrose tem maior
probabilidade de levar à destruição articular total nas mulheres [2].
Esta doença pode ser debilitante e quando o tratamento conservador falha pode
ser necessário o tratamento cirúrgico. Inúmeras técnicas cirúrgicas estão
descritas. Uma destas é a substituição articular com uma prótese total,
cimentada ou não. Esta técnica tem a vantagem de providenciar uma articulação
indolor imediatamente após a cirurgia, sem sacrificar a mobilidade, a
estabilidade e a força.
A primeira prótese cimentada descrita foi a de De la Caffinière em 1973 [3].
Uma prótese não cimentada, semelhante a uma prótese da anca, tem a vantagem de
evitar o descelamento do cimento e de permitir a osteointegração.
A prótese ARPE® foi desenvolvida por J.J. Comtet em 1994 [4] e tem sido
utilizada desde então.
O objetivo do presente estudo foi avaliar o grau de satisfação e o resultado
funcional dos doentes submetidos a esta técnica cirúrgica no nosso serviço,
entre 2002 e 2008.
MATERIAL E MÉTODOS
Entre janeiro de 2002 e dezembro de 2008 15 doentes, num total de 17 mãos,
foram submetidos a artroplastia total da articulação trapezio-metacárpica com a
prótese ARPE®. As indicações cirúrgicas foram rizartrose estadio II ou III de
Eaton-Littler, sintomas diários de dor ou disfunção e falência do tratamento
conservador. As contraindicações foram trabalho manual intenso e hiperextensão
fixa da articulação metacarpo-falângica.
Tratavam-se de 14 mulheres e 1 homem, com uma idade média de 61 anos (52-74).
Dois terços das mãos operadas eram não-dominantes. As intervenções cirúrgicas
foram efetuadas por dois cirurgiões.
Foi pedido aos doentes que respondessem ao questionário Quick-DASH e que
indicassem o seu nível de satisfação com o resultado cirúrgico. Radiografias
simples foram efetuadas e foi avaliada a posição dos implantes, bem como sinais
de descelamento.
Prótese
A prótese ARPE® é uma prótese total não cimentada. Tem 3 componentes: uma haste
metacárpica (quatro tamanhos - 7, 8, 9 e 10); uma taça trapezial (dois
tamanhos - 9 e 10) e um colo (dois tamanhos - médio e longo -
com ou sem offset). A taça trapezial pode ser constritiva ou não-constritiva.
Técnica cirúrgica
Os doente foram submetidos ou a anestesia geral ou a uma combinação de bloqueio
do plexo braquial e de sedação. Um garrote pneumático foi colocado na raiz do
membro superior e insuflado a uma pressão média de 275mmHg.
Foi efetuada uma incisão palmar centrada sobre a articulação trapézio-
metacárpica. O tecido celular subcutâneo foi cuidadosamente dissecado e a
fascia tenar foi aberta. A cápsula articular foi aberta, com o especial cuidado
de a preservar para facilitar a sua reconstrução no final da cirurgia.
O trapézio e a base do primeiro metacárpico foram expostos e eventuais
osteofitos foram removidos. A base do metacárpico foi ressecada e foi feita a
rimagem deste osso com raspas sequênciais até atingir contacto cortical. Foi
então colocada uma haste de prova. Seguidamente foi feita a ressecção da base
do trapézio seguida da rimagem deste osso. Colocaramse taça trapezial e colo de
prova e testaram-se a estabilidade e a mobilidade da prótese, assim como a
tensão dos tecidos moles. Os implantes definitivos foram então escolhidos e
colocados (Figura_1).
Na nossa experiência as hastes metacárpicas mais frequentemente utilizadas
foram a 8 e a 7, a taça trapezial mais usada foi a 9 e o colo mais usado foi o
médio. Todas as taças trapeziais foram não constritivas.
A cápsula articular foi então cuidadosamente encerrada e a pele foi suturada
com Nylon 4.0. Nos nossos primeiros casos usou-se um dreno aspirativo que foi
removido ao fim de 24h.
A mão ficou imobilizada com uma tala com o polegar em abdução nas primeiras 4
semanas. A reabilitação foi iniciada após a remoção da tala. A estadia
hospitalar média foi de 3 dias.
RESULTADOS
Uma paciente não respondeu ao pedido de avaliação. Catorze pacientes,
correspondendo a um total de 16 mãos foram examinados. Tratavam-se de 13
mulheres e de 1 homem. O follow-up médio foi de 58 meses (18-90) (Quadro_I).
Dois pacientes foram submetidos a reintervenção para remoção de prótese, o que
corresponde a uma taxa de sobrevida da prótese de 88%.
Os restantes pacientes foram avaliados. O score de Quick-DASH médio foi 6,02
(0-36,4). A avaliação subjetiva do resultado cirúrgico foi
"Excelente" em 11 casos (79%), "Bom" num caso (7%) e
"Razoável" em 2 casos (14%).
A avaliação radiográfica revelou 4 casos de afundamento da haste metacárpica.
Estes 4 pacientes apresentam um resultado clínico "Excelente", não
se observando relação entre as alterações radiográficas e o resultado clínico.
Observou-se num caso afundamento da taça trapezial que acreditamos estar
relacionado com uma ressecção excessiva do trapézio. A doente em questão está
assintomática. Em todos os casos de afundamento este verificou-se nos primeiros
12 meses pós-operatórios, não tendo havido evolução desde então. Não foram
observados em nenhum caso sinais de descelamento, como radiolucência (Quadro
II).
A nossa taxa de revisão global foi 19% (3 casos).
Ocorreu uma luxação de prótese (Mão 8). Esta aconteceu 4 semanas após cirurgia
quando o paciente tentou efetuar uma atividade física exigente (Figura_2).
Procedeu-se a redução cruenta sob anestesia geral. Após a redução constatou-se
que os implantes estavam corretamente posicionados e estáveis. O
pacienteutilizou uma tala em abdução durante mais 4 semanas e tem atualmente
uma excelente função.
Em duas pacientes procedeu-se a remoção da prótese. A primeira paciente referiu
dor e instabilidade após retirar a tala em abdução. As radiografia efetuadas
então revelaram descelamento da taça trapezial. O implante foi removido aos 3
meses pós operatório e procedeu-se a trapeziectomia com ligamentoplastia de
Burton-Pellegrini.
A radiografia pós operatória da segunda paciente mostrou um posicionamento
incorreto da taça trapezial. A paciente referiu dor após remoção da tala
protetora. As radiografias efetuadas nesta altura revelaram uma fratura do
trapézio que não tinha sido detetada na primeira radiografia. Procedeu-se à
remoção da prótese e a ligamentoplastia de Burton- Pellegrini.
Ambas as doentes a quem foram retiradas as próteses estão atualmente sem dor e
com boa função.
DISCUSSÃO
Diferentes técnicas cirúrgicas têm sido descritas para o tratamento da
rizartrose. A utilização de uma prótese tem a vantagem de providenciar uma
articulação estável e indolor no pós-operatório imediato.
Apesar de existirem estudos que demonstram bons resultados com prótese total
faltam estudos comparativos com outras técnicas cirúrgicas[5].
Uma das próteses mais estudadas é a de De la Caffinière. A maioria dos estudos
publicados apresenta resultados clínicos adequados[6,7], apesar de existirem
estudos com resultados díspares[8,9].
Outro implante que tem sido utilizado com bons resultados é a prótese de Braun-
Cutter[10].
A prótese ARPE® foi desenvolvida por J.J.Comtet em 1994. Têm sido publicados
vários estudos com esta prótese (Quadro_III).
Quadro_III
Isselin[11] apresentou, em 2001, uma série de 45 pacientes (alguns operados
pelo próprio J.J.Comtet). Relatou excelentes resultados em relação ao alivio da
dor (todos os pacientes apresentaram uma melhoria da dor) e uma alta taxa de
satisfação (82,4% referiram estar muito satisfeitos). Nesta série ocorreram 11%
de complicações, incluindo 4 (9%) luxações. A necessidade de cirurgia de
revisão não é referida.
Brutus e Kinnen[12] apresentaram, em 2004, uma série de 63 próteses. Relataram
um aumento de força (força média de 98,5% em relação à mão contralateral), uma
alta taxa de satisfação (satisfação média de 4,7 em 5) e baixa dor residual.
Ocorreram 6 luxações (9,5% nesta série). Referem uma baixa taxa de revisão (5%)
e uma alta sobrevida do implante (98%).
Jacoulet[13] apresentou, em 2005, uma série de 37 próteses. Relatou uma taxa de
revisão de 16% e uma sobrevida da prótese de 88%, com um follow-up médio de 36
meses.
Apard e Saint-Cast [14] apresentaram, em 2007, uma série de 32 próteses.
Referem que todos os pacientes se mostraram satisfeitos ou muito satisfeitos.
Sete próteses foram removidas, 4 das quais por descelamento da taça trapezial
[15]. Isto corresponde a uma sobrevida de prótese de 85% em 5 anos. Concluem
que a probabilidade de uma cirurgia de revisão é muito maior nos primeiros 13
meses, facto que coincidiu com o que observámos na nossa experiência.
Teissler[15] não recomenda a utilização de uma prótese constritiva como a ARPE®
em pacientes com uma deformidade fixa da articulação metacarpofalângica. Refere
que esta deformidade necessita de tratamento com artrodese o que se torna
incompatível com a prótese. Na nossa série só usámos a taça trapezial não
constritiva e nenhum dos nossos pacientes apresentava uma deformidade fixa da
articulação metacarpo-falângica.
Na nossa experiência esta técnica deu bons resultados. A maioria dos nossos
pacientes (86%) referiu um nível de satisfação "Excelente" ou
"Bom". Os resultado clínicos foram muito bons com um Quick-DASH
Score médio de 6,02.
A nossa taxa de revisão foi de 19% (3 casos). Concordamos com Apard e Saint-
Cast [14] em como a probabilidade de cirurgia de revisão parece ser muito
maior no primeiro ano. No entanto um follow-up mais longo e um maior número de
casos são necessários para corroborar esta opinião. Acreditamos que os nossos
maus casos, que resultaram em remoção da prótese, poderão ter estado
relacionados com erros técnicos, consequentes da natural curva de aprendizagem.
Quando, por alguma razão, se torna necessário remover a prótese uma
trapeziectomia com ligamentoplastia continua a ser possível e a fornecer um bom
resultado funcional [15].
Este estudo apresenta algumas limitações que nos impedem de atingir outras
conclusões. Trata-se de um estudo retrospetivo, sem grupo de controlo. É uma
série pequena de pacientes que foram selecionados. Ao escolher pacientes com
baixa demanda funcional não conseguimos inferir se esta técnica cirúrgica será
útil para pacientes com maiores necessidades funcionais. O follow-up desta
série não é ainda muito longo, pelo que não nos permite avaliar complicações
tardias como descelamento asséptico ou desgaste da prótese.
Concluímos que a artroplastia total não cimentada com a prótese ARPE® é um
tratamento eficiente parapacientes com rizartrose estadio II ou III de Eaton-
Littler que tenham uma baixa demanda funcional.