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EuPTCVHe1646-21222012000100011

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variedadeEu
ano2012
fonteScielo

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Polirradiculite por Herpes Zoster: Uma invulgar causa de monoparésia

INTRODUÇÃO O Herpes Zoster ou Zona é causada pelo Vírus Varicela Zoster (VVZ) e caracteriza-se por uma erupção cutânea vesicular, unilateral, dolorosa, geralmente restrita a um dermátomo[1] embora possa atingir dois ou mais adjacentes, nomeadamente em doentes imunocomprometidos[2].

A sua incidência na população geral é 10- 20%[1], estando aumentada em idosos e em doentes imunodeprimidos, designadamente em infetados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) [1], nos quais a taxa de complicações está também aumentada[3]. A contagem de células CD4+ neste grupo parece estar relacionada com a incidência de Zona[4], correspondendo a 47,2 por 1000 pessoas/ano para uma contagem de CD4+ entre 200 a 499 células/ microlitro e 97,5 por 1000 pessoas/ano para uma contagem de CD4+ inferior a 200 células/ microlitro[1].

A Zona resulta da reativação do vírus após latência no gânglio da raiz dorsal.

Em aproximadamente 3% dos casos[5] pode provocar 2 a 3 semanas após o início sintomático, défice motor e atrofia muscular no miótomo correspondente ao dermátomo atingido[6], por migração viral para as raízes/corno anterior resultando em inflamação e hipervascularização secundárias[7].

Os territórios mais frequentemente atingidos correspondem ao nervo facial (50% dos casos), seguindo-se o membro superior com envolvimento predominante de C5- C7[8,9]. O diagnóstico de radiculite provocada por Herpes Zoster é fundamentalmente baseado na história clínica de dor e erupção cutânea, associados a défice de força muscular no território correspondente[8]. Estudos radiológicos permitem excluir patologias que possam causar sintomatologia similar (Quadro_I). Os achados electroneuromiográficos são importantes na confirmação do diagnóstico e consistem habitualmente na normalidade dos potenciais de ação sensitivos e redução da amplitude dos potenciais motores, com presença de ondas positivas e fibrilações em dois músculos enervados por nervos periféricos distintos originados a partir da mesma raiz motora[10].

O tratamento baseia-se no controlo da dor e na terapêutica com aciclovir oral iniciado o mais precocemente possível[11] aliado a tratamento de reabilitação, quando existe comprometimento motor. Esta desempenha um importante papel na analgesia e recuperação motora do doente, embora a literatura seja escassa relativamente a programas de reabilitação pós-herpética[12].

Em geral o prognóstico é favorável, havendo em 75% dos casos recuperação completa vários meses depois[2].

CASO CLÍNICO Doente do sexo masculino, 62 anos, caucasiano, previamente autónomo. Tinha como antecedentes uma hipostesia do polegar direito, sob tratamento fisiátrico na área de residência.

Recorreu ao Serviço de Urgência com queixas de omalgia direita tipo queimor, de início súbito, com predomínio noturno e irradiação para o cotovelo, sem outras queixas. Negava febre, traumatismo, realização de exercício violento, bem como infeções recentes.

Ao exame físico encontrava-se apirético, sem alterações da mobilidade ativa ou força muscular daquele membro. Apresentava hipostesia na região do polegar direito e os reflexos osteotendinosos (ROT's) eram simétricos. As provas tendinosas eram negativas. Tinha dor à palpação na região do ombro e braço direitos, sendo detetada erupção vesicular cutânea no território de C5 e C6 homolateral, compatível com Zona, pelo que o doente foi medicado com aciclovir oral e analgésico, tendo alta para o domicílio.

Cerca de 15 dias depois, acorre novamente ao Serviço de Urgência por persistência de cervicobraquialgia direita, associada a défice progressivo de força muscular do membro superior homolateral.

Ao exame físico apresentava lesões em estado cicatricial no membro superior direito, sem adenopatias palpáveis, mas com discreta atrofia do músculo deltoide. A mobilidade passiva do membro encontravase preservada, estando a mobilidade ativa e força muscular diminuídas (Quadro_II). 

Apresentava hipostesia no território de C5 e C6 e os reflexos bicipital, braquiorradial e tricipital estavam diminuídos.

Realizou telerradiografia e ecografia do ombro que não revelaram alterações e tomografia computorizada cervical que mostrou alterações osteodegenerativas da coluna, sendo internado no Serviço de Ortopedia para estudo.

Efetuou ressonância magnética da coluna cervical que revelou espondilodiscartrose difusa, com maior expressão de C3 a C6 e presença de complexos discoosteofitários de base larga que estreitavam o canal raquidiano, condicionando deformidade da vertente anterior da medula espinhal em C3-C4 e estenose dos foramina em C3-C4 e C4-C5 à direita e C5- C6 à esquerda, podendo causar comprometimento plurirradicular.

A electroneuromiografia evidenciou uma polirradiculite direita, atingindo as raízes de C5, C6, C7 e com menor intensidade C8. Os potenciais de ação sensitivos  estavam preservados, havendo um aumento da latência e diminuição da amplitude dos nervos mediano e radial. A exploração dos músculos deltoide, bicípete, tricípete e curto abdutor do polegar não detetou atividade voluntária e mostrou-se muito deficitária nos músculos longo supinador, extensor comum dos dedos e grande palmar, sendo registados em todos os músculos sinais de desnervação ativa, com presença de ondas positivas e fibrilações em todos eles.

As serologias para os vírus da hepatite B e C foram negativas, bem como para Citomegalovírus, Epstein Barr, Sífilis e Borrelia. Detetou-se VIH positivo, com contagem células CD4+/mm3 245.

Perante o quadro foi retomado o aciclovir oral e iniciada terapêutica analgésica dirigida, sendo solicitada a colaboração de Medicina Física e de Reabilitação (MFR).

Durante o internamento o doente apresentou uma dor avaliada pela escala visual analógica (EVA) da dor equivalente a 8, mantendo o quadro de monoparésia do membro superior direito acima descrito.

Iniciou programa de tratamento fisiátrico em regime de ambulatório, visando analgesia, aumento das amplitudes articulares, fortalecimento muscular e treino de atividades de vida diária.

Três meses após o inicio do tratamento, o doente apresentava uma EVA da dor equivalente a 0, mantinha alteração do ritmo escápulo-umeral, com atrofia dos músculos deltoide e supraespinhoso, mas com notório aumento das amplitudes articulares ativas (Figura_1) e da força muscular (Quadro_III):

Figura_1

Cinco meses após início de programa de reabilitação, o paciente apresentava amplitudes articulares completas (Figura_2), força muscular preservada (grau 5/ 5 em todos os grupos musculares avaliados) e simétrica. Não manifestava défices de sensibilidade superficial e profunda e os ROT's eram simétricos.

Recuperou a funcionalidade do membro superior e estava autónomo em todas as atividades de vida diária.

Figura_2

DISCUSSÃO A Zona, embora relativamente frequente na população em geral, raramente cursa com défice motor concomitante.

Os autores descrevem o caso particular de um doente cuja reativação do VVZ deu origem a um quadro de polirradiculite com atingimento das raízes anteriores e consequente défice motor. O diagnóstico diferencial coloca-se com todas as situações de dor aguda e parésia da cintura escapular (Quadro_I). Neste caso concreto, foram inicialmente consideradas as hipóteses de lesão da coifa dos rotadores e lesão compressiva ou radiculopatia cervical. A presença de lesões cutâneas compatíveis com infeção por VVZ tornaram este o diagnóstico mais provável. Destaca-se ainda o facto desta apresentação rara, ter culminado com o diagnóstico de infeção por VIH, até então desconhecida.

Embora este vírus por si , possa causar polirradiculite, a concomitância com a reativação do VVZ coloca o diagnóstico de radiculite herpética como principal hipótese diagnóstica, tendo a imunodepressão pelo VIH, com baixa contagem de células CD4+, possivelmente contribuído para a exuberância do quadro clínico apresentado.

Apesar dos sintomas incapacitantes, na grande maioria dos casos uma recuperação motora completa.

O tratamento de reabilitação revela-se de grande valor durante a recuperação, prevenindo limitações articulares e retrações musculotendinosas, permitindo a recuperação da força muscular e funcionalidade mais precoces e efetivas.

CONCLUSÃO A polirradiculite por VVZ é rara e pode ser confundida com outras causas de dor e parésia do membro superior, tornando-se importante a sua identificação, dado o contraste entre o seu quadro exuberante e o seu bom prognóstico a longo prazo. A suspeição atempada e precoce contribui para a redução dos custos da investigação e minimização das complicações e sequelas a longo prazo.


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