O que o ortopedista deve saber sobre balística terminal
INTRODUÇÃO
As lesões dos membros por projéteis de arma de fogo (PAF) estão entre as mais
frequentes de todas as lesões ocorridas em confl itos militares, representando
cerca de 70%. Destas é a principal lesão que afeta os membros inferiores[1].
Muitas delas são ocasionadas por fragmentos e estilhaços de projéteis, que
sofrem ricochetes em superfícies rígidas como o solo, por exemplo. As feridas
variam de gravidade consoante a energia transferida pelo projétil. Projéteis
que atingem a vítima no final da sua trajetória balística e portanto com baixa
energia cinética, normalmente geram apenas escoriações, lesões contusas e
perfuro-contusas de pouca gravidade. Diferente é o caso dos projéteis que
atingem a vítima com média ou grande energia cinética, em que mais da metade
das lesões estão associadas a fraturas e uma complexa reconstrução pode ser
necessária[2].
Embora alguns ferimentos possam ser fatais, particularmente as fraturas
femorais com lesões vasculares associadas, a maioria das lesões nos membros não
são fatais e o tratamento pode ser retardado. No entanto todos estes ferimentos
podem estar associados à elevada morbidade, devendo ser iniciado o tratamento
adequado o mais breve possível. Isso não se aplica apenas aos ferimentos
militares, mas a todos os ferimentos por PAF[2]. É importante perceber que uma
avaliação mais precisa só pode ser alcançada durante a abordagem cirúrgica o
que não se consegue apenas com uma observação superficial do aspeto da ferida
na sala de trauma.
ASPETOS BALÍSTICOS DOS PROJÉTEIS DE ALTA ENERGIA
O domínio da balística terminal é fundamental para explicar os efeitos destas
lesões nos tecidos humanos. Razão pela qual abordaremos alguns conceitos
fundamentais. O potencial lesivo dos projéteis depende basicamente da sua
energia cinética expressa pela fórmula: E=mv2/2 . Para que estes causem danos é
necessário que realizem um trabalho mecânico de deformação dos tecidos,
transferindo assim a sua energia cinética. Apenas pequena parte desta energia é
transformada em calor e por isso este aumento da temperatura do projétil não é
capaz de gerar qualquer tipo de lesão térmica, nem suficiente para o tornar
estéril[3,4].
A capacidade de penetração de um projétil é medida pela fórmula do Coeficiente
Balístico : CB= m/ Id2, em que m é a massa do projetil, I o fator de forma e d
o calibre[4, 5]. O fator de forma é uma constante que mede o quão pontiagudo é
o projetil sendo menor nos mais afilados. Pela equação notamos a importância do
calibre, se o dobrarmos estaremos reduzindo o seu poder de penetração à quarta
parte do que possuia antes (22 = 4). Por outro lado, quanto maior a massa,
maior a sua inercia e a sua capacidade de atravessar o alvo. Portanto o
projétil mais penetrante é aquele que for mais fino, estreito e pesado[4] (como
os dos fuzis) ao contrário de projéteis esféricos e de borracha como os
utilizados nas munições não letais.
O calibre é apenas uma das variáveis do potencial do ferimento, uma vez que
indica o diâmetro do projétil medido em centésimos de polegada ou em
milímetros, mas não o seu comprimento e, portanto não revela sua massa (Figura
1).
A força que oferece resistência ao deslocamento do projétil é representada pelo
Arrasto. O seu valor é diretamente proporcional à densidade do meio
atravessado, ao valor do fator forma e ao quadrado tanto da velocidade quanto
do calibre do projétil. Desvios do eixo do projétil em relação à sua direção de
vôo aumentam o arrasto por oferecerem maior superfície de contato com o meio. O
retardo que o projétil sofre ao atravessar um meio é diretamente proporcional
ao arrasto e inversamente proporcional à sua massa. Quanto maior o retardo ,
maior a energia transferida[4]. Logo, um projétil que não transfixe a vítima
terá transferido para ela toda a sua energia, conferindo um maior "stopping
power".
A estabilidade do projétil é alcançada quando o seu centro de massa e o seu
centro de pressão estão alinhados com a trajetória. Quando o centro de massa
esta localizado na ponta do projétil e o de pressão na sua base, este tende a
ser muito estável como nas setas. No caso dos projéteis de fuzil o centro de
pressão fica mais próximo da ponta que do centro de massa. Os mais curtos
tendem a tombar mais superficialmente ao longo do trajeto, dentro da vítima[4].
Isso explica porque algumas feridas de entrada de projéteis de alta energia
são tão grandes em comparação com outros projeteis de baixa energia.
Os projéteis disparados por armas de guerra, e aqui de uma forma
muitosuperficial incluiremos os fuzis (espingardas metralhadoras como a G3 7,62
mm ou a Galil 5,56 mm utilizadas pelo Exército) são revestidos por uma jaqueta
de metal duro, de modo a não se deformarem facilmente, provocando lesões mais
transfi xantes. O uso de projéteis de alta energia deformáveis foi utilizado
pelos ingleses em 1890. A deformação destes ao atingirem a vítima propiciava
maior transferência da energia gerando que combinavam a deformação do projétil
com a sua alta velocidade foram tão eficazes, que foram proibidas para o uso
militar por Convenções em 1899, podendo ainda ser utilizadas na caça[6]. Então
qual a razão para que munições de caça de alta energia sejam mais letais que
as militares? Isto justifica-se pelo fato de que projéteis militares são
desenhados para ferir e não necessariamente para matar. Um soldado morto retira
apenas um soldado do combate, um soldado ferido necessita de ajuda e mobiliza
mais soldados. As munições militares acabam por ser mais leves, facilitando
assim o seu transporte individual, aumentando a cadência real de tiro, armas
menores facilitam o manuseio em espaços pequenos como no interior de veículos e
troca de tiros em espaços fechados. Numericamente a velocidade dos projéteis
deve ser considerada baixa quando inferior a 300m/s, média entre 300m/s e 600m/
s e alta acima de 600m/s[4].
A forma pontiaguda destes projéteis faz com que o orifício de entrada seja
menor que o do projétil na maioria dos casos, com microlacerações[7, 4]. Mas há
fatores que podem tornar este orifício muito maior como a velocidade, a
distância e a região anatómica envolvida. Di maio afirma que qualquer coisa que
altere a estabilidade do projétil na sua entrada tende a ampliar muito a ferida
[7]. Nos tiros dados em estruturas ósseas, há uma transferência muito rápida da
energia, que vem a distender a pele do orifício de entrada, promovendo uma
ferida com aspeto"explosivo"[7, 4, 8, 9]. Feridas por projéteis de
fuzil na cabeça podem ser tão grandes que impossibilitam a distinção entre
entrada e saída[7, 4] (Figuras_2e 3).
OS FENÓMENOS DE CAVITAÇÃO
O trajeto dos projéteis de alta energia difere dos demais devido à maior
potência das ondas de pressão que produzem. Os projeteis rompem os tecidos
deixando um túnel (cavidade permanente) cujas paredes são deslocadas por estas
ondas em direção radial e sentido centrífugo. A cavidade temporária é o
resultado do alargamento da cavidade permanente sob a influência das ondas de
pressão pulsáteis. Quanto mais rápido o fluxo de energia cinética, maior o
impulso dado aos tecidos vizinhos, à cavidade permanente e maior será a
cavidade temporária[4, 6, 7]. Esse aspeto do ferimento é análogo à onda
originada durante um mergulho na água. Se o mergulhador entra na água muito
reto e com a cabeça para frente ( igual à configuração de ponta para a frente
de um projétil com inclinação de 0º), a onda deve ser mínima. A onda é maior
quando a pessoa mergulha de barriga (semelhante a um projétil com inclinação de
90º). No tecido, esta onda, a cavidade temporária, provoca um traumatismo
fechado.
Projéteis deformáveis, que transferem rapidamente a sua energia para os
tecidos, são capazes de produzir grandes cavidades temporárias. A cavidade
temporária, entretanto só deixa lesões visíveis macroscopicamente quando a
velocidade do projétil é superior a 304m/s[4]. O efeito mais visível é a
infiltração hemorrágica causada pela rutura dos capilares pela ação contundente
da onda de pressão. Tem sido alvo de discussão as lesões vasculo-nervosas
causadas à distância, como as neuropraxias[8, 10]. Ou os espasmos vasculares.
Grande parte da lesão permanente nas feridas das extremidades resulta no fato
de as estruturas serem atingidas pelo projétil íntegro, por seus fragmentos ou
por projéteis secundários. Como em todo traumatismo fechado, surgem forças de
avulsão, e as estruturas laceram os pontos onde um lado está fixo e o outro se
movimenta livremente. Hiperestesias, palidez ou pulso fraco jamais devem ser
atribuídos a espasmo arterial sem antes se excluir a presença de trombo
arterial (Figuras_4 e 5).
FERIDAS DE SAÍDA
Se os projéteis mantivessem a sua estabilidade ao longo do trajeto, produziriam
saídas pouco menores que a entrada, mas não é isso o que se sucede, uma vez que
ao longo do trajeto os projéteis sofrem desvios e até deformações e costumam
sair de lado ou de base, ampliando muito mais a saída[8,9]. São várias as
causas que contribuem para o aumento da ferida de saída. A mais importante é o
comprimento do trajeto[11]. Nos primeiros centimetros ainda não existe uma
cavidade temporária bem formada, atingindo o máximo aos trinta centímetros e
diminuíndo logo após. Se, no entanto, o segmento a ser atingido for pequeno
como um braço e o projétil não tocar no osso, não existe tempo suficiente para
que o projétil tombe e produza uma cavidade temporária significativa[4, 12]. O
mesmo já não ocorre se o segmento atingido for maior,como a coxa, podendo a
cavitação temporária máxima coincidir com a saída do projétil, produzindo
feridas muito grandes, com aspeto em couve flor. Se neste trajeto for atingido
algum plano ósseo, dá se tranferência precoce de energia e a saída será maior
[12, 13, 14, 15].
Notem que numa troca de tiros, se o projétil transfixar a vítima e não atingir
nenhum órgão vital, parte da sua energia não será transferida, Isto permite que
a vítima mesmo atingida possa continuar em combate. Este mesmo projétil pode
atingir outra pessoa com energia sufi ciente para a matar consoante a região
anatómica atingida, o que motiva grande discussão sobre a utilização destas
munições pelas forças policiais brasileiras[12]. Por esta razão foram
desenvolvidos projéteis como hollow point para uso policial, uma vez que por
serem mais deformáveis são menos transfixantes,13,14 o que reduz o número de
vítimas colaterais e aumenta o efeito stopping power, além de produzir menor
ricochete quando falham o alvo.
A fragmentação do projétil durante a fratura óssea pode dar origem à projéteis
secundários e vários orifícios de saída (Figuras_6 a_9).
DIFERENÇAS ENTRE LESÕES MILITARES E CIVIS
Como acontece com todas as fraturas cominutivas associadas a lesão extensa de
partes moles, a morbilidade está relacionada com a sua contaminação[16,17]. As
feridas militares são das mais contaminadas[18],de acordo com os resultados de
diversos estudos realizados com feridos da Segunda Guerra Mundial e das guerras
da Coréia e do Vietnam[19] onde foram isolados três ou quatro especies
diferentes de bactérias, e até seis tipos em alguns trabalhos, contra apenas um
tipo de bactéria isolado nas feridas no meio civil causadas por PAF[18, 19]. As
espécies aeróbicas parecem ser muito similares, mas as anaeróbicas foram mais
frequentes nas feridas militares, que nas do meio civil. São exceções as do
meio rural ou que ocorrem em ambientes extremamente contaminados, onde o grau
de contaminação das feridas parece ser equivalente[20].
Entre os fatores que mais contribuem para a gravidade das feridas militares,
salienta-se o atraso e as condições da evacuação médica. Durante a Guerra do
Golfo , em 1991, o tempo médio decorrido entre o acidente e o atendimento
médico, foi de 10 horas. A ferida já pode ser considerada contaminada em seis
horas, e infetada após este tempo, quando já ocorreu multiplicação bacteriana e
disseminação pelo sistema linfático[20].
As feridas militares estão mais associadas a ferimentos penetrantes do abdomen
com evisceração, mas a utilização de armamento de guerra entre a população
civil no Rio de Janeiro (inclusive granadas) parece igualar estes dados, uma
vez que ao transfixar a cavidade abdominal pode ocorrer contaminação com gram
negativos do intestino. Há relatos de que narcotraficantes cariocas contaminam
os projéteis com material fecal com o objetivo de aumentar as complicações[12].
O princípio do tratamento em ambos os meios é o mesmo, embora a experiência
aponte para um desbridamento mais radical em feridas militares. Mas este deve
ser feito com cautela e da forma mais anatómica possível[20, 21, 22] (Figura
10)
LESÕES POR TIROS DE CAÇADEIRA
Estas são as lesões mais frequentes no nosso meio. As lesões geradas por armas
que utilizam cartuchos de projéteis múltiplos diferem das causadas por
projéteis únicos. Cada projétil produz a sua própria ferida de entrada e tem o
seu trajeto. Por outro lado, a concentração das feridas é inversamente
proporcional à distância do disparo[4, 23].
Embora sejam consideradas lesões de baixa velocidade em tiros de curta
distância os seus efeitos são devastadores. Nos tiros inferiores a 7 metros
costuma haver lesão acessória causada pela bucha, e em lesões a curta distância
esta bucha pode penetrar no corpo da vítima[23] (Figuras_11 e 12)
TRATAMENTO
O tratamento das feridas por PAF, deve seguir os mesmos princípios gerais
aplicáveis a outros tiposde traumatismos. O objetivo prioritário consiste na
identificação das lesões potencialmente fatais. A menos que existam hemorragias
óbvias, a avaliação dos membros só deve ser feita após garantir a estabilização
do doente[24,25,26]:
Lavagem exaustiva da ferida e desbridamento cirúrgico,
Estabilização do membro, Antibioticoterapia adequada e profilaxia do tétano.
De todos estes, a cirurgia é o fator mais importante. A antibioticoterapia é
importante, mas é secundária à cirurgia e não deve ser usada em alternativa a
esta.
TRATAMENTO CIRÚRGICO E TÉCNICA OPERATÓRIA
O objetivo é reduzir o risco de infeção. Todas as fraturas têm indicação formal
para serem exploradas cirurgicamentes e tratadas como fraturas expostas. Embora
alguns Serviços tenham apresentado bons resultados com o tratamento
conservador, estes casos são atribuíveis a projeteis de baixa energia e com
rápido atendimento médico, diferente do já exposto[27].
Quando existirem múltiplos e pequenos estilhaços nem todos precisam de ser
removidos. Numa ferida pequena, se não houver a suspeita de fratura ou lesão
articular, e se o projetil estiver superficial e for de baixa energia, o
tratamento conservador é admissívell, mas com o acompanhamento ambulatorial
cuidadoso. Embora raro estão descritos casos de migração de projéteis e de
saturnismo pela absorção do chumbo[28,29].
O desbridamento cirúrgico tem como objetivo remover corpos estranhos e tecidos
desvitalizados[24]. O desbridamento começa pela margem da ferida. Lesões do
tipo desenluvamento podem necessitar de maior desbridamento, com remoção de
parte do tecido subcutâneo. Entretanto a cirurgia deve ser o mais anatómica
possível. Podem ser necessárias fasciotomias. Nos casos de lesões por alta
energia a remoção de tecido muscular necrótico é fundamental. A falta de
circulação capilar, alteração na contratilidade, na cor e na consistência são
sinais de compromisso muscular, e o cirúrgião deve ser cauteloso para realizar
o mínimo desbridamento necessário. É um processo que pode aumentar a hemorragia
e portanto o anestesista deve estar atentono sentido de assegurar a
estabilidade hemodinâmica do doente[21,22].
Os Nervos e vasos não comprometidos devem ser preservados, assim como os
tendões inseridos nos músculos. Podem ser dados pontos de referência para
intervenções futuras. Maiores difi culdades ocorrem no desbridamento ósseo,
principalmente com pequenas esquírolas. Estes fragmentos, sem conexões com
tecidos viáveis, devem ser removidos para evitar zonas de sequestro ósseo. A
fratura deve ser lavada abundantemente, sendo recomendável utilizar nove litros
de soro para fraturas expostas[20].
AMPUTAÇÃO
A Amputação primária pode ser necessária como parte inicial do desbridamento.
Esta decisão parece unânime quando o membro esta preso apenas pela pele ou se
se encontra muito lacerado. Mas a viabilidade do membro pode ser mais difícil
de avaliar em lesões menos graves. Alguns critérios podem ajudar na indicação
primária da amputação:
Extensa perda óssea.
Lesão extensa com perda de pele e tegumentos, incluindo lesão vascular.
Lesão neurológica, principalmente envolvendo as mãos ou os pés.
Em caso de dúvida pode ser necessária um reavaliação após 48 horas para tomar a
a decisão da amputação. Preservar um membro sem função, sem inervação e ,às
vezes, com infeção crónica, pode ser mais prejudicial para o doente que uma
amputação e reabilitação precoce.
O ENCERRAMENTO DA FERIDA
O encerramento secundário é a regra. A ferida é deixada aberta para permitir a
drenagem, diminuir o edema e prevenir o aumento das pressões tissulares,
impedindo aprgressão de infeções. Entretanto algumas feridas pela sua extensão
ou localização, como as da face e genitália, podem ser encerradas
primariamente, mas são casos de exceção. Feridas de alta energia com perda de
partes moles e grande cominuição óssea, nunca devem ser encerradas
primariamente e geralmente necessitam de reconstrução pela cirurgia plástica,
cerca de sete ou catorze dias após o desbridamento, dependendo dos recursos
disponíveis e do tipo de ferida.
As lesões de baixa energia provocam feridas pequenas e necessitam de pouco
desbridamento. Geralmente cicatrizam por segunda intenção, mas nunca devem ser
encerradas primariamente.
As articulações expostas devem ser cobertas durante a intervenção cirúrgica
primária, para prevenir artrites sépticas[30]. Se o desbridamento for efi
ciente a aplicação de antisépticos diretamente no osso é desnecessária já são
potencialmente tóxicos para as células ósseas. Deve se ter cuidado ao realizar
o penso e a imobilização, de maneira a evitar síndromes compartimentais.
CLASSIFICAÇÃO DAS FRATURAS
Algumas classificações têm sido propostas para fraturas por PAF, mas a sua
variabilidade é tanta que nenhuma classificação é unânime. Talvez a mais
consensual seja a desenvolvida pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha[22]
(IRC), que correlaciona a ferida com a sua gravidade, tendo em conta o tamanho
do orifício de entrada, de saída, das cavitações, das fraturas e de estruturas
vitais, mas o seu uso é demasiado complexo. Na prática, as fraturas podem ser
divididas em incompletas e completas.
As fraturas completas podem dividir-se, em simples e cominutivas. As
incompletas em:
Tipo "Drill-hole": Quando um túnel é criado através do osso como os produzidos
pelas brocas.
Tipo "Divot" ou " chip type": Quando parte da cortical é removida, mas o canal
permanece, à semelhança dos torrões utilizados como suporte das bolas de golfe
após a tacada (Divot).
Os projéteis de alta energia causam fraturas completas, geralmente cominutivas,
e os de baixa energia, fraturas incompletas, ou quando completas,de pouca
complexidade.
ESTABILIZAÇÃO DAS FRATURAS
A estabilização das fraturas permite o alívio da dor, diminui os danos nos
tecidos moles e ósseos permitindo a sua consolidação. A utilização de
imobilzações, como a desenvolvida por Owen Thomas durante a Primeira Guerra
Mundial, reduziu drasticamente a mortalidade das fraturas do femur[21]. Hoje,
várias são as opções cirúrgicas deixando no passado a imagem de uma enfermaria
repleta de soldados em tração esqueletica à espera da consolidação demorada de
uma fratura femoral.
Fixação interna Placas
As placas e parafusos permitem a redução anatómica e uma fixação rígida. No
entanto são mais vulneráveis às infeções. Técnicas minimamente invasivas
diminuem a exposição e o risco de complicações. Devem sempre ser avaliadas as
condições da pele e na dúvida aguardar a "janela de oportunidade". A
osteossíntese é a opção de tratamento na reconstrução articular em fraturas de
baixa energia e no meio civil.
Fixação intramedular
A fixação intramedular com cavilha é considerada o método de escolha para
estabilização de fraturas expostas diafisárias da tíbia e do fémur, no meio
civil[31]. As vantagens desta fixação são os elevados índices de cicatrização
da ferida e de consolidação da fratura, sem a necessidade de imobilização
gessada, o que facilita a troca dos pensos.
Durante a Guerra do Vietnam trabalhos revelaram uma taxa de 50% de maus
resultados com cavilhas utilizadas em fraturas associadas a lesões vasculares,
por complicações do material ou por infeções. Isto pode ser atribuído a
dificuldades técnicas locais e à gravidade das lesões de alta energia no meio
militar. Atualmente a cavilha intramedular tem sido a opção mais usada nas
fraturas diafi sárias nos Estados Unidos, onde normalmente as fraturas são
minimamentecontaminadas e tratadas em menos de seis horas.
Fixação externa
O Fixador Externo (Figura_13) é a opção de estabilização das fraturas por
projéteis de arma de fogo mais utilizada em feridas militares, durante a
abordagem cirúrgica inicial[32]. Tem por indicações:
- Grande perda óssea
- Extensa lesão de partes moles
- Lesões vasculares associadas
- Fraturas associadas com queimaduras
- Politraumatizados (Damage Control)
TRATAMENTO CONSERVADOR
Embora o tratamento cirúrgico seja geralmente o recomendado, em determinadas
circunstâncias como nos casos das feridas de projeteis de baixa energia ou de
fraturas incompletas, com preservação de partes moles e baixo risco de infeção
, o tratamento conservador poderá ser uma boa opção.
IMPLICAÇÕES MÉDICO LEGAIS
Os ferimentos causados por tiros têm implicações médico legais importantes. A
simples interpretação de uma ferida pode denunciar um homicídio ou esclarecer
um acidente. O encontro de elementos figurados relacionados com a combustão da
pólvora, o chamado GSR (gunshot residues), junto à ferida são evidências de que
a vítima esteve ao alcance desta núvem de resíduos, denunciando um disparo
próximo à vítima e caracterizando uma ferida de entrada.
Durante o disparo são expulsos gases incandescentes e restos de pólvora
combusta e não combusta. Quanto mais próxima a vítima estiver da saída destes
elementos do cano da arma, mais concentrados estes estarão, e quanto mais
afastada, mais dispersos. O termo "à queima roupa" é usado quando a distância
do disparo é tão próxima que é possível encontrar uma zona de chamuscamento, de
queimadura na ferida de entrada, muito dependente da munição e da arma
utilizada. Repare que este termo não tem relação com a capacidade da vítima
reagir, como erroneamente observamos na comunicação social e refere-se apenas a
uma estimativa da posição e da distância. A pólvora combusta reduz a sua massa
e traduz-se como uma poeira, uma fuligem ao redor da ferida, caracterizando uma
zona de esfumaçamento, conhecida como negro de fumo. Já a pólvora não combusta,
com maior massa, é projetada mais para a diante e, face a esta projeção
associada à sua temperatura dá origem a chamada zona de tatuagem,isto porque
estes vestígios ficam incrustados na pele sendo algumas vezes de difícil
remoção.
Estas zonas descritas, além de caracterizarem uma ferida de entrada, vão ajudar
a estimar a distância do disparo. Mas se houver roupa entre a ferida e o
disparo, estes elementos serão mais evidentes na roupa. Daí a importância
forense de preserva-la.
O projétil exerce uma ação perfuro-contundente, sendo alguns mais perfurantes
que outros, consoante a sua forma. Ao vencer a elasticidade da pele o projétil
acaba por romper os tecidos e capilares ao redor da ferida, dando origem a uma
orla de equimose (ausente nos cadáveres). Os seus movimentos de rotação
promovem uma orla de escoriação e as suas sujidades e vestígios criam uma orla
de "limpadura", de enxugo. Estas três orlas são típicas dos orifícios de
entrada, independentemente da sua distância. São exceção os disparos com cano
encostado junto aos planos ósseos, que guardam características estreladas que
lembram orifícios de saída. A sua interpretação é muito estudada em medicina
legal e devem ser evitadas falsas interpretações pelo ortopedista entre os
orifícios de entrada e saída. Isto parece muito simples quando observamos
apenas dois orifícios, mas pode tornar se muito complexo quando apenas um
projétil produz múltiplos orifícios de entrada e de saída ou quando encontramos
diversos projeteis. A ferida deve ser fotografada e documentada sempre que
possível, para que possa posteriormente ser apreciada numa eventual perícia
médico-legal.
CONCLUSÕES
O conhecimento da balística terminal permite compreender o mecanismo de lesão
dos prójeteis de alta energia evitando erros do passado e mitos sobre algumas
munições. A experiência que antes era quase exclusiva dos cirurgiões militares,
hoje é compartilhada com os cirurgiões dos grandes centros urbanos que atendem
rotineiramente vítimas de tiro.
Os principais determinantes, conforme já discutido, são: a propriedade dos
tecidos através dos quais o projétil passa (elasticidade, densidade, coesão,
estrutura interna); diâmetro, forma, massa e velocidade do projétil; se se
expande ou se fragmenta; seu material, comprimento e se a trajetória é
suficientemente longa para permitir uma inclinação de 90º. Só ocorre cavitação
temporária significativa quando o projétil penetra com velocidade suficiente e
depois deformase, fragmenta-se ou inclina-se 90º.
O estiramento tecidual pode ser absorvido com pouco ou nenhum efeito deletério
pelo tecido elástico, como por exemplo, do pulmão e do músculo. Já a cavidade
temporária formada pelos tecidos menos elásticos como o fígado ou cerebral
determina uma lesão mais grave.
A abordagem dos doentes deve ser multidisciplinar e dar atenção às secundárias.
A escolha do método de osteossíntese deve ser avaliada caso a caso tendo em
conta as lesões de partes moles, a contaminação, a personalidade da fratura e a
experiência do Serviço e do cirurgião.