Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe1646-21222012000200012

EuPTCVHe1646-21222012000200012

variedadeEu
ano2012
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Artropatia de Charcot do e tornozelo

INTRODUÇÃO Nos países desenvolvidos, a neuropatia diabética é a causa mais frequente da neuroartropatia de Charcot, sendo o e tornozelo os locais mais frequentemente afetados, com uma incidência estimada específica para a população diabética de 1,4% [1]. Outras condições também relacionadas com esta patologia incluem o alcoolismo, a lepra, tabes dorsalis, sífilis terciária, mielomeningocelo, a insensibilidade congénita à dor e recetores de órgãos sólidos transplantados [2,3].

A sua patogénese não está ainda compreendida e uma teoria unifi cadora do seu processo patológico ainda não foi encontrada. A teoria neurotraumática sugere que a neuroartropatia de Charcot é uma lesão de sobrecarga exagerada, em que articulações insensíveis à dor e sem propriocepção são submetidas quer a microtraumas de repetição, quer a um evento traumático único, que originam as alterações típicas de Charcot. Esta teoria é apoiada por vários estudos com animais experimentais com membros insensíveis. Por outro lado, a teoria neurovascular (sustentada por estudos que comprovam o aumento dos marcadores da atividade osteoclástica nestes pacientes), aponta a disfunção do sistema nervoso autónomo como a responsável pelo aumento do aporte sanguíneo através de shunts arteriovenosos, aumentando a reabsorção óssea. Teorias recentes acrescentam o papel das citocinas inflamatórias (TNF-a, IL-1) na patogénese da destruição neuropática de articulações [3].

A classificação clínica de Eichenholtz modificada, continua a ser o guia para a orientação terapêutica da neuroartropatia de Charcot (Quadro_I) [4]. Brodsky identificou padrões específicos de colapso do e tornozelo, criando uma classificação anatómica (Figura_1) [5] e Sammarco e Conti distinguiram padrões específicos de deformidade óssea no mediopé (Figura_2) [11]. A progressão clínica desta doença segue padrões previsíveis que podem evoluir para a deformidade do em "mata borrão" e ulcerações crónicas, tal como ocorre no caso clínico apresentado pelos autores.

Quadro_I

CASO CLÍNICO Um homem de 42 anos de idade é observado em consulta de Ortopedia de patologia do em dezembro de 2009, por apresentar um quadro com vários meses de evolução caracterizado por úlceras plantares crónicas na base do primeiro e quinto raios do , exsudato purulento fétido, edema do , diminuição da força muscular e hipostesia bilateral dos membros inferiores até ao nível dos joelhos. Radiologicamente apresentava fratura do terço médio da diáfise do quinto metatársico (Figura_3).

Trata-se de um doente com história de polineuropatia amiloidótica familiar, submetido a transplante hepático em 2001, com diagnóstico de paludismo por Plasmodium Falciparum em maio de 2008 (viveu 3 meses em Angola, medicado com micofenolato mofetil 500mg 12/12h, Tacrolimus 2mg 12/12h e Oxazepam 15mg id).

Da sua história pregressa constam também 3 episódios de celulite/ erisipela do membro inferior com úlcera neuropática na base do e raios do , que motivaram múltiplos internamentos no Serviço de Dermatologia entre 2006 e 2008, onde foi submetido a cuidados de penso e antibioterapia endovenosa. Foi então encaminhado para a consulta de Ortopedia de patologia do , tendo realizado radiografi a do que não evidenciava alterações (Figura_4).

Inicialmente tratado conservadoramente com bota gessada para neuroartropatia de Charcot diagnosticada, foi reavaliado clínica e radiologicamente semanalmente, sob cuidados de penso regulares. Constatou-se exteriorização do fragmento distal do quinto metatársico pela úlcera externa, mantendo exsudato purulento.

Em março de 2011, após reavaliações semanais, constata-se radiologicamente uma destruição mediotársica, com desvio dorsal e medial do (Figura_5).

Dada a deformidade instável de mediopé com úlceras recorrentes, foi submetido em março de 2010 à ressecção dos fragmentos ósseos, com redução e fixação interna do primeiro raio (parafuso Bolt®) e imobilização gessada (Figura_6). O doente não cumpriu a descarga prescrita e houve falência do material ao nível do colo do astrágalo, com migração distal do parafuso (Figura_7). Num segundo tempo cirúrgico em abril de 2010 foi feita limpeza do osso necrótico do quinto raio, da articulação subastragalina e da mediotársica, artrodese subastragalina com parafusos, interposição de enxerto ósseo autógeno tricortical e imobilização com bota gessada (Figura_8). Por manter períodos de fistulização produtiva lateral e medial, intercalados com períodos de encerramento espontâneo das úlceras, (deambulava com bota Walker ®) e a estabilidade clínica e radiológica não ser evidente, em outubro de 2010 é reoperado, submetido a exérese de sequestros ósseos do mediopé, limpeza cirúrgica, estabilização calcâneo-metatársica com parafusos, interposição de enxerto ósseo autógeno e imobilização com bota gessada (Figura_9).

Esteve submetido a antibioterapia dirigida a Proteus vulgaris e Staphilococcus aureus isolados assepticamente do exsudato descrito, com Trimetoprim e Sulfametoxazol per os por 6 meses. Realizou TAC do afetado que evidenciava "osteíte crónica, sem sinais de malignização", assim como RMN que confirmava o "infiltrado inflamatório…sem alterações secundárias".

De outubro de 2010 a outubro de 2011 manteve o plantígrado e seco, deambulando inicialmente com bota Walker® que abandonou em julho de 2011, usando desde então botas de sola rija, mantendo a profissão de mecânico automóvel. Seguiu-se um internamento de 3 semanas no Setor de Infeção Óssea do Serviço de Ortopedia por tumefação posterior do tornozelo, tendo sido submetido a drenagem e antibioterpia endovenosa dirigida a Staphilococcus aureus e Morganella morganii (Meropenem). Analiticamente apresentava anemia (Hemoglobina 10,7 g/dl; Eritrócitos 3,49x1012/L; Hematócrito 31,6 %), Leucócitos 8,6x109/L; VS 113mm/1ªh; PCR 12,94mg/dl. Os últimos exames radiográficos revelam manutenção da montagem realizada 1 ano antes, semevidência de fusão da articulação médiotársica, halo de osteólise ao  ível dos parafusos nos metatársicos (Figura_10).

No caso de falência do tratamento, está indicada a amputação pela coxa, dada a anestesia manifestada ao nível do joelho.  

DISCUSSÃO A imobilização é o pilar do tratamento das fases de instabilidade da neuroartropatia de Charcot, sendo o gesso a forma mais acessível de manter a estabilidade e diminuir o edema do membro [2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11]. O período médio de imobilização gessada é de 6 semanas, com a progressão para calçado terapêutico às 12 semanas [3]. O tempo de imobilização recomendado é maior, quando as articulações do retropé e tornozelo estão afetadas. A decisão pelo tratamento cirúrgico é influenciada pelas comorbilidades do doente, localização e severidade da deformidade, presença de infeção, dor e instabilidade [3, 7, 8, 9, 10, 11].

A exostosectomia das proeminências ósseas que incitam úlceras cutâneas deve ser considerada. Nas deformidades severas, a artrodese de uma ou várias articulações do com fixação interna ou externa tem demonstrado resultados promissores [3, 7, 8, 9, 10, 11], restaurando o alinhamento e a estabilidade do e tornozelo. A amputação do membro está tipicamente reservada aos casos de insucesso do tratamento cirúrgico prévio com artrodeses instáveis, ulcerações recalcitrantes ou infeção resistente [3, 7, 8, 9, 10, 11]. A terapêutica médica com bifosfonatos e calcitonina nãoé ainda suportada por evidência científica [3].

Na literatura revista, a percentagem de artrodeses bem sucedidas em doentes com neuroartropatia de Charcot, utilizando técnicas de fixação interna é de aproximadamente 65 % a 70% [2, 5, 12]. O risco deamputação major é de cerca de 15% a 20% [5, 8, 12, 13].   

CONCLUSÃO Esta patologia continua a desafiar os clínicos pela dificuldade no seu diagnóstico precoce e complexidade de tratamento. A sua gestão fundamenta-se em vários fatores, nomeadamente a localização, estadio da doença, existência de infeção, deformidade ou comorbilidades. O atraso no seu tratamento pode originar instabilidade, deformidade severa e proeminências ósseas secundárias.

Ulcerações recalcitrantes podem advir, levando a infeções de tecidos moles e osteomielite, culminando possivelmente em amputação. O maior objetivo do tratamento da neuroartropatia de Charcot do e tornozelo é a correção da deformidade, de forma a promover a correta distribuição de pressões para a cicatrização e prevenção das ulcerações cutâneas. Um elevado índice de suspeita é requerido em doentes com neuropatia periférica com o aparecimento súbito de um membro quente e edemaciado, particularmente quando as radiografias são inocentes.


transferir texto