Lesões da coluna cervical subaxial
INTRODUÇÃO
As lesões da coluna cervical são comuns, representando cerca de um terço de
todas os traumatismos vertebrais[1,2]. A gravidade é variável, desde simples
distensões ligamentares ou fracturas das apófises espinhosas, até fracturas-
luxação, resultando em grave compromisso neurológico que pode ocorrer em até
40% dos casos[1].
Acidentes de viação, acidentes desportivos e quedas são as causas mais
comummente encontradas, e os indivíduos jovens do sexo masculino são a
população mais frequentemente atingida, se excluirmos a patologia tumoral e a
osteoporose como factores de risco[2].
Em 2-3% dos traumatismos fechados podemos encontrar fracturas cervicais[2].
Contudo, o potencial de lesões catastróficas torna fundamental a sua correcta e
pronta identificação. A presença de um défice neurológico focal indica a
ocorrência de uma lesão cervical em quase 20% dos acidentados, e qualquer
traumatismo craniano aumenta esta possibilidade, que será tanto maior quanto
mais grave for o traumatismo e suas consequências[3].
A melhoria nos cuidados pré-hospitalares, com equipas de emergência treinadas
na assistência a politraumatizados e o cumprimento de normas estandardizadas na
avaliação, estabilização e transporte, como preconizado nos protocolos ATLS[4],
levaram a que os doentes cheguem cada vez mais cedo aos centros de trauma, nas
melhores condições e com maior possibilidade de recuperação. É por isso
fundamental estabelecer protocolos que permitam identificar correcta e
rapidamente uma lesão cervical, particularmente se instável, e instituir
prontamente o tratamento mais adequado.
AVALIAÇÃO
A história e os relatos do acidente poderão apontar no sentido de uma eventual
lesão cervical. O estado do traumatizado no local do acidente, nomeadamente a
presença de défices neurológicos focais, mesmo que transitórios, deverão
aumentar o grau de suspeita. Para além do traumatismo, determinados factores do
acidentado podem facilitar a determinação do tipo de lesão e influenciar o seu
tratamento. São exemplos a existência de doenças como Espondilite Anquilosante,
DISH, mielopatia cervical espondilótica ou fracturas prévias.
O exame de um doente com uma potencial lesão cervical deve seguir os protocolos
ATLS, centrando-se primariamente no ABC, vias aéreas, respiração e circulação
4. O colar deve ser retirado cuidadosamente e a coluna palpada ao longo da
linha média e da região paravertebral. O acidentado deve ser lateralizado em
bloco e toda a coluna inspeccionada. Deverão ser registadas feridas da face e
couro cabeludo que poderão apontar para um TCE e também sugerir trauma directo
ou indirecto da coluna cervical. O exame neurológico é fundamental e deve ser
feito de forma estandardizada e registado periodicamente, existindo escalas,
como ASIA ou Frankel, especificamente desenhadas para este fim.
ESTUDOS IMAGIOLÓGICOS
O RX é ainda hoje o exame mais utilizado na avaliação de um traumatizado
cervical. Deve incluir 3 incidências (série trauma): face, perfil e transoral,
no sentido de avaliar toda a coluna de C0 a T1. Incidências especiais como
oblíquas ou nadador estão hoje abandonadas em favor de métodos avançados de
imagem. A utilização de estudos dinâmicos está contra-indicada na fase aguda,
não só pelo risco associado, mas também porque em caso de lesão, a dor impede a
realização das manobras de flexão-extensão na excursão necessária[5,6]. Até 10-
15% dos doentes apresentam lesões não contíguas pelo que a presença de uma
fractura cervical não deve impedir a correcta avaliação de toda a coluna[7].
A TAC tem vindo a ganhar espaço na avaliação do trauma cervical, havendo mesmo
autores que propõem o abandono da radiografia convencional[8]. Particularmente,
a utilização da TAC helicoidal permite uma rápida aquisição de imagens, em
corte axial e reconstruções sagital e coronal, garantindo uma óptima
visualização das transições occipitocervical e cervicotorácica, e dos elementos
vertebrais posteriores, muitas vezes mal definidos na radiografia convencional.
Contudo não é consensual que a TAC deva substituir o RX em todos os casos, seja
por motivos económicos seja por questões médicas e medico-legais. Um dos
problemas que tem sido levantado prende-se com os altos níveis de radiação a
que são sujeitos a pele e a glândula tiróide e as implicações futuras de tal
exposição[9].
A RMN tem uma capacidade acrescida de identificar lesões de partes moles,
incluindo discos intervertebrais, ligamentos e estruturas nervosas.
Classicamente tem sido indicada em casos de défices neurológicos sem tradução
imagiológica ou discrepância entre a imagem e o nível da lesão. As
classificações das lesões da coluna cervical mais recentes dependem de uma
avaliação pela RMN, daí o interesse que tem vindo a obter. Contudo a RMN tende
a hipervalorizar mesmo as lesões mais subtis que muitas vezes não têm
significado clínico[10], pelo que o seu lugar na avaliação do trauma cervical
ainda não é consensual[11].
Perante qualquer acidentado o objectivo será excluir a presença de uma lesão
cervical. Há protocolos definidos, mas persistem dúvidas quanto à melhor
conduta para pacientes não colaborantes[12]. Assim, num paciente colaborante e
assintomático um exame físico negativo é suficiente para excluir a lesão e
dispensa a realização de estudos imagiológicos, tal como está defendido nos
protocolos NEXUS e Canadian C-Spine Rule. Em caso de paciente assintomático,
temporariamente não colaborante (drogas, álcool, etc.), mas em que se prevê que
em 24- 48 h esteja disponível para avaliação, deverá ser mantida a imobilização
até um exame físico definitivo. Para pacientes sintomáticos deverá estar
estabelecido um protocolo de estudo imagiológico, incluindo RX, TAC e/ou RMN
consoante as preferências de cada equipa. Para pacientes não colaborantes as
opiniões são díspares. Manter o colar até ser possível uma avaliação clínica é
uma atitude muitas vezes defendida, mas a partir das 48h de imobilização num
doente inconsciente a probabilidade de complicações, nomeadamente úlceras de
pressão, aumenta exponencialmente. A alternativa será avaliar estes acidentados
com TAC com reconstrução sagital e/ou RMN, e em caso de ausência de lesão
retirar a imobilização. Os estudos realizados até ao momento mostram que a
probabilidade de deixar passar lesões com importância clínica é praticamente
nula. Contudo, face aos dados actuais, será aconselhável ter uma atitude o mais
prudente possível e decidir caso a caso a conduta a seguir.
CLASSIFICAÇÃO
Há vários sistemas de classificação das lesões traumáticas da coluna cervical,
apresentando diferentes vantagens e inconvenientes[13]. Até há poucos anos o
sistema de Allen e Ferguson[14], desenvolvido a partir dos achados em 165
lesões, foi o mais utilizado. É baseado em radiografias estáticas e classifica
as lesões em 6 tipos segundo o provável mecanismo de lesão: flexão-compressão,
compressão vertical, flexão-distracção, extensão-compressão, extensão-
distracção e flexão lateral. Dentro de cada tipo há uma série de graus de
severidade de lesão anatómica.
Ultimamente dois sistemas de classificação têm despertado um interesse
crescente.
O SLIC (Subaxial Cervical Spine Injury Classification) analisa 3 parâmetros:
morfologia da lesão, integridade do complexo disco-ligamentar e estado
neurológico, atribuindo uma pontuação a cada um destes elementos[15]. A soma
das pontuações define um score que indica a recomendação ou não de cirurgia,
consoante seja acima ou abaixo de 4. Caso a soma seja igual a 4 a indicação vai
depender de uma série de factores (morfologia, critério do cirurgião, condições
do paciente, ...).
O CSISS (Cervical Spine Injury Severity Score) define a coluna em 4 pilares
(anterior, posterior e laterais esquerdo e direito) e as lesões são
classificadas como simples ou complexas consoante envolvam 1 ou mais pilares,
respectivamente[16]. A cada pilar é atribuída uma pontuação de 0 a 5, baseada
no grau de desvio ósseo e lesão ligamentar. O resultado varia entre 0 (sem
lesão) a 20 (lesão mais grave). Scores acima de 7 são habitualmente tratados
cirurgicamente, abaixo de 5 conservadoramente.
A validação destes sistemas tem sido publicada sistematicamente. A óbvia
vantagem reside na indicação que prestam quanto à necessidade ou não de
cirurgia. Contudo têm sido apontadas algumas críticas. Desde logo a existência
de um nível intermédio em que a indicação fica maioritariamente ao critério do
cirurgião. Por outro lado, a necessidade de realização de RMN a todos os
pacientes, com implicações logísticas e de custo. Para além disso, como
referido previamente, a presença de alterações na RMN não significa a
existência de lesões ligamentares estruturais. Por estes motivos a aceitação e
utilização destes novos sistemas de classificação não é ainda universal.
TRATAMENTO INICIAL
Em qualquer traumatizado, a coluna cervical deve ser imobilizada com colar
rígido até que se exclua uma lesão. Em caso de lesão neurológica devem ser
instituídas medidas de suporte no sentido de elevar e manter a pressão arterial
média entre 80 e 85 mm Hg e evitar a hipoxemia com administração de oxigénio
suplementar e eventualmente suporte ventilatório.
Segundo os estudos NASCIS (National Acute Spinal Cord Injury)[17] a
administração de um bolus de metilprednisolona (30 mg/Kg) seguido de infusão
contínua (5,4 Mg/Kg), particularmente se iniciada nas primeiras 8 horas, poderá
potenciar a recuperação neurológica. Contudo estes resultados têm sido
criticados e os riscos destas altas doses (como aumento da incidência de
pneumonia e lesões gastrointestinais) progressivamente reconhecidos, pelo que
várias instituições abandonaram a sua prática[18]. De momento, apenas o receio
de questões medico-legais e o facto de ainda constar nos manuais ATLS,
justificam a persistência da administração sistemática de neuroprotectores.
REDUÇÃO
Uma vez instituídas as manobras e medidas de suporte primário a atenção deve
centrar-se sobre a redução e estabilização temporária da coluna cervical, o que
é conseguido com a colocação de umcompasso e tracção craniana. As indicações
habituais incluem luxações e sub-luxações de facetas e fracturas com padrões
instáveis tipo burst ou tear drop. Fracturas cranianas, lesões de partes moles
locais ou distracção com separação marcada são contra-indicações para esta
manobra. A redução deve ser efectuada preferencialmente nas primeiras 2 horas,
com o paciente consciente, sob anestesia local, monitorização neurológica e
fluoroscópica contínua. O peso inicial colocado é de 5 Kg acrescidos de 2 Kg
por nível contado desde o crânio. São feitos incrementos de 2-4 Kg cada 10
minutos até à redução e um máximo de 60 Kg. A manobra deve ser imediatamente
suspensa em caso de desenvolvimento de défice neurológico de novo (que deve ser
activamente procurado, pois pode ter manifestações subtis como nistagmo),
bloqueio mecânico ou mais de 1 cm de separação. O risco de um fragmento
herniário ser impelido contra a medula no decurso desta manobra levou muitos
autores a exigir a realização de uma RMN prévia[19]. No entanto, em pacientes
conscientes, não há registo de nenhuma lesão neurológica permanente em
resultado da manobra de redução, pelo que a RMN só será indispensável em
doentes inconscientes[20,21].
TRATAMENTO DEFINITIVO
Os objectivos finais do tratamento, independentemente de ser cirúrgico ou
conservador, são:
1) alinhamento;
2) estabilização da coluna vertebral;
3) prevenção da perda de função neurológica;
4) optimização da recuperação neurológica;
5) psicológica;
6) reabilitação funcional.
Os critérios de decisão incluem:
1) estabilidade mecânica;
2) compromisso neurológico;
3) factores intrínsecos ao paciente[22].
A utilização das novas classificações das lesões da coluna vertebral pode
auxiliar nesta tomada de decisão.
Muito se tem escrito sobre estabilidade mecânica da coluna vertebral, e se a
definição é aparentemente simples, "capacidade de prevenir dano neurológico
adicional, deformidades incapacitantes ou dor estrutural", na prática tem-se
revelado muito difícil de identificar. Os critérios de White e Panjabi[23] são
um sistema de classificação que pretende determinar a presença de
instabilidade. Um deslizamento superior a 3,5 mm e angulação superior a 11º são
elementos habitualmente incorporados na prática clínica, mas na maioria dos
centros este sistema não é utilizado sistematicamente dada a baixa
reprodutibilidade e correlação com a opção de tratamento.
O tratamento conservador, com imobilização em ortóteses de rigidez variável
pode ser instituído na maioria das lesões estáveis da coluna cervical. Lesões
ligamentares estruturais têm um baixo potencial de cicatrização pelo que o
tratamento cirúrgico será preferível. O halo, muito utilizado em lesões da
coluna cervical alta, está reservado para padrões mais instáveis que podem, com
vantagem, ser submetidos a tratamento cirúrgico.
Uma vez decidido um tratamento cirúrgico algumas questões devem ser
esclarecidas.
Antes de mais, qual a melhor altura para se proceder a uma descompressão? A
cirurgia realizada nas primeiras 24 horas pode reduzir os tempos de
internamento[24] e vários estudos em modelos animais mostraram o benefício de
descompressões muito precoces[25]. Contudo, em ensaios clínicos raramente se
verifica o mesmo benefício em termos de recuperação neurológica[24,26]. Um
estudo multi-cêntrico em curso poderá vir a responder a esta questão[27].
Quanto à via de abordagem a utilizar ela deve ser adaptada a cada situação em
particular e o cirurgião de coluna deve estar familiarizado com diferentes
acessos. No entanto, a via anterior, pela versatilidade, eficácia e conforto é
habitualmente preferida[28,29], reservando-se a via posterior para
descompressões e estabilizações obrigatoriamente abordadas por esta via, lesões
instáveis em crianças e como complemento à via anterior.
A escolha do lado de acesso, e a orientação da incisão é feita segundo as
preferências do cirurgião, lembrando que, embora a anatomia seja mais
previsível à esquerda, os estudos clínicos não revelam diferenças nas taxa de
complicações[30].
TRATAMENTO DAS LESÕES ESPECÍFICAS
Lesões do Pilar Anterior
As lesões do pilar anterior incluem fracturas em compressão, fracturas tipo
burst e fracturas tipo tear drop.
As fracturas em compressão resultam de cargas axiais associadas a flexão
anterior, levando a acunhamento e falência da plataforma vertebral superior. Se
houver um componente de hiperflexão pode associar-se lesão do complexo
ligamentar posterior. À excepção deste último caso e das situações em que o
acunhamento é significativo, que poderão necessitar de estabilização cirúrgica,
podem ser tratadas com imobilização em ortótese rígida por período de tempo
variável, consoante a gravidade da lesão.
As fracturas tipo burst correspondem a cerca de 10-15% de todas as lesões
cervicais e afectam predominantemente os níveis C6 e C7. Resultam de uma carga
exercida axialmente (como num acidente de mergulho ou impacto directo na
cabeça), com falência do corpo vertebral que se apresenta com altura diminuída,
e eventual retropulsão de um fragmento do muro posterior que poderá induzir
lesão neurológica. Pode igualmente ocorrer lesão das estruturas ligamentares.
Casos potencialmente estáveis, sem lesão neurológica poderão ser tratados
conservadoramente, mas numa percentagem significativa necessitam de
corporectomia e estabilização anterior.
As fracturas tipo tear drop originam-se por uma carga axial exercida sobre uma
coluna em flexão. O aspecto radiográfico pode ser equivocamente benigno, apenas
se visualizando um fragmento triangular anteroinferior (a tear drop),
habitualmente em C4, C5 ou C6, numa coluna alinhada. Contudo são lesões
altamente instáveis resultando na mais alta taxa de défices neurológicos. A TAC
mostra o padrão típico com um traço sagital estendendo-se desde a plataforma
vertebral superior até uma fractura oblíqua que destaca o fragmento
anteroinferior e se prolonga ao longo do disco infradjacente até aos elementos
posteriores. Embora o halo possa ser usado em alguns casos menos graves, não
acompanhados de lesão neurológica, na maioria das situações o tratamento passa
por corporectomia e estabilização anterior (Figura_1), eventualmente
complementada por fixação posterior em casos de instabilidade extrema.
Figura_1
Lesões do Pilar Posterior
As lesões isoladas do pilar posterior incluem entorses do complexo ligamentar
posterior sem lesão das articulares e fracturas isoladas dos elementos
posteriores (apófises espinhosas ou lâminas).
As entorses do complexo ligamentar posterior sem lesão das articulares ocorrem
por traumatismos em distracção e variam desde simples estiramentos de fibras
até rupturas ligamentares completas. Mesmo com a utilização da RMN, em muitos
casos é difícil ou mesmo impossível determinar a extensão da lesão. Para a
maioria das situações a imobilização em ortóteses semi-rígidas é o tratamento
de escolha. Contudo se houver dúvida quanto à integridade ligamentar, pode
utilizar-se uma ortótese rígida e vigilância periódica, com exames dinâmicos a
posteriori, avançando para uma fusão posterior em caso de deformidade
progressiva ou mobilidade excessiva.
As fracturas isoladas das lâminas ou apófise espinhosas, ocorrem habitualmente
por um mecanismo de extensão-compressão e são, maioritariamente, lesões
estáveis, passíveis de tratamento conservador comortótese. Contudo, lesões em
distração, afectando igualmente os elementos disco-ligamentares deverão ser
activamente excluídas pois necessitam de fixação cirúrgica.
Lesões dos Pilares Laterais
Estas lesões representam ± 6% de todas as lesões traumáticas cervicais[31] e
incluem diferentes situações incluindo fracturas de facetas associadas ou não a
luxação ou sub-luxação facetária, e lesões ligamentares articulares uni e
bilaterais (estas, por definição são consideradas lesões complexas por
envolverem mais do que um pilar). Nas instabilidades as facetas podem estar
subluxadas, encravadas ou luxadas.
As fracturas de facetas não associadas a luxação ou sub-luxação têm sido
classicamente tratadas conservadoramente com ortótese cervical. Devem ser
realizadas radiografias em carga para despistar desvio, subluxação ou cifose
segmentar, que são repetidas periodicamente, dado a dificuldade de determinar
aquelas que vão desenvolver instabilidade e necessitar de fixação cirúrgica.
Recentemente foi proposta uma atitude inicial mais agressiva com artrodese
anterior, habitualmente envolvendo um nível, uma vez que, em termos de dor, os
resultados a longo prazo são superiores[32].
Uma fractura de um pedículo e da lâmina ipsilateral cria uma massa lateral
funcionalmente separada da restante vértebra, designando-se por fractura-
luxação da massa lateral. É uma lesão instável, podendo ser tratada
conservadoramente com ortótese rígida e vigilância apertada no caso de não
haver desvio. Contudo na maioria das situações será tratada cirurgicamente com
artrodese anterior (eventualmente posterior) abrangendo os 2 níveis envolvidos.
A luxação unilateral de facetas resulta de um traumatismo em flexão-distracção
e rotação. Tipicamente os pacientes apresentam dor ligeira e rotação cervical.
Dadas as discretas alterações radiográficas pode não ser reconhecida e
erradamente diagnosticada como um vulgar torcicolo. Uma observação atenta
poderá identificar anterolistese até 25%, assimetria rotacional das apófises
espinhosas adjacentes e afastamento interespinhoso. No caso de luxação
bilateral de facetas o traumatismo é de alta energia e a radiografia mostra
mais de 50% de anterolistese. Até 19% dos pacientes pode apresentar lesão da
artéria vertebral[33]. Em ambos os casos a TAC é importante para definir
fracturas associadas e a RMN pode identificar lesões de partes moles,
nomeadamente a presença de hérnia discal. A redução deverá ser executada o mais
rapidamente possível, tomando em consideração as indicações apontadas
previamente. Em caso de impossibilidade de redução fechada deve-se avançar para
uma redução cirúrgica que poderá ser feita quer por via anterior quer
posterior34. A redução anterior e artrodese tem a vantagem de se dirigir
directamente ao disco intervertebral e por isso permitir a resolução da maioria
das situações, inclusivamente casos em que há uma hérnia discal associada[35],
e pode ser realizada até 2-3 semanas após a lesão. Em caso de irreductibilidade
pode ser necessária uma facetectomia, e perante instabilidade franca uma
artrodese combinada é preferível.
SITUAÇÕES ESPECIAIS
A espondilite anquilosante e a hiperostose esquelética idiopática difusa (DISH)
apresentam problemas de diagnóstico e tratamento específicos (Figura_2). A
osteopenia e a deformidade associadas podem dificultar o diagnóstico, mas em
todos os casos de traumatismo uma fractura deve ser activamente procurada, dado
que se tratam de lesões altamente instáveis atingindo todas os pilares. As
lesões neurológicas são frequentes e a morbilidade e mortalidade é elevada[36].
O tratamento é predominantemente cirúrgico, com fixação posterior envolvendo
vários segmentos já que estas lesões se comportam como fracturas de ossos
longos. Está contra-indicada a tentativa de correcção da cifose pré-existente e
a via anterior fica reservada para os casos em que após fixação persiste um
vazio anterior significativo, uma vez que a pseudartrose é rara nestas doenças
ósseas proliferativas.
Figura_2
Doentes com um canal cervical estreito, especialmente se idosos, têm uma
predisposição especial para o desenvolvimento de um síndrome medular central
após um traumatismo em extensão. Os défices neurológicos são variáveis mas
afectam predominantemente os membros superiores. Este síndrome deve ser
suspeitado na presença de um défice neurológico na ausência de tradução
radiográfica e uma RMN pode ajudar a estabelecer o diagnóstico, podendo
identificar áreas de sofrimento medular. Na ausência de uma hérnia traumática
ou instabilidade o tratamento é controverso, variando desde observação até
descompressão precoce ou tardia[37]. A evolução é variável sendo menos
favorável a recuperação motora das mãos.
CONCLUSÃO
As lesões da coluna cervical subaxial representam um espectro de patologias que
variam de simples entorses até lesões altamente complexas predispondo a
deformidade progressiva e consequências neurológicas catastróficas.
São muitas as complicações possíveis, mas a mais frequente é falhar a
identificação correcta da lesão na avaliação inicial, pelo que devemos manter
um alto índice de suspeita.
O tratamento deve ser individualizado, tendo em consideração a estabilidade
mecânica da lesão, o estado neurológico e factores intrínsecos ao próprio
acidentado.