Rutura maciça da coifa dos rotadores: Soluções?
INTRODUÇÃO
A Rutura Maciça da Coifa dos Rotadores apresenta-se como um desafio ortopédico
complexo tanto no alívio da dor como na restauração da função do ombro[1]. A
sua reparação apresenta uma taxa de recorrência superior e resultados
inferiores à das reparações das ruturas menores[2, 3]. No entanto, serem
maciças não é sinónimo de serem irreparáveis[2].
As ruturas da coifa são as ruturas musculotendinosas mais comuns [4], sendo que
a prevalência das ruturas maciças varia entre 10% a 40% e aumenta com a idade
[2,5-7].
Os primeiros estudos a usarem o termo "rutura maciça" datam das
décadas de 70, 80[1] Desde aí, foram várias as definições e classificações
propostas, não havendo consenso quanto à correta. Cofield et al [2] definiram
rutura maciça como sendo a rutura com pelo menos 5cm de diâmetro. Já Zumstein
et al [8] consideraram que é maciça quando ocorre destacamento de dois ou mais
tendões. Tauro et al [2] propõem um índice calculado pela multiplicação da
dimensão anteroposterior pela mediolateral da rutura.
As ruturas podem ainda ser classificadas como sendo agudas ou crónicas. Apenas
excecionalmente ocorrem ruturas maciças agudas, isto é, exclusivamente
traumáticas e, por norma, acontecem em pacientes jovens [9] ou com fatores de
risco como osteopenia severa iatrogénica devido, por exemplo, à administração
prolongada de esteroides[10]. Já as crónicas ocorrem quase exclusivamente em
pacientes mais velhos[9] e, para serem consideradas como tal, temos de ter
presente alterações degenerativas crónicas musculotendinosas[10]. Estas podem
ainda ser subclassificadas como crónicas agudizadas, quando um evento
traumático aumenta uma rutura pré-existente[10].
A classificação das ruturas pode ainda ser baseada na sua localização:
posterosuperiores (atingimento dos tendões do supraespinhoso, do infraespinhoso
e, por vezes, do tendão do redondo menor) ou anterosuperiores (tendões do
supraespinhoso e do subescapular, associadas a instabilidade ou rutura do
tendão proximal do bícipite)[9], sendo que as ruturas maciças anterosuperiores
são menos frequentes (5 a 20%) que as posterosuperiores (28%)[2]. A maioria dos
pacientes (77%) tem a rutura no lado dominante[11].
Por último, Loew e Raiss propuseram uma classificação baseada nos sintomas e
achados radiológicos que divide os ombros com rutura maciça da coifa em 3 tipos
distintos (Quadro_I) [12].
Quadro_I
Fatores biomecânicos
A estabilidade dinâmica da articulação glenoumeral assenta na sinergia das
forças do músculo deltoide e da coifa dos rotadores nos diferentes planos[2].
Quando ocorre uma rutura maciça estas forças acopladas são modificadas levando
à instabilidade e perda de funções, sendo uma das alterações mais importantes a
migração superior da cabeça umeral[6, 9, 13]. Loehr afirmou que a lesão de
apenas um tendão não influencia o padrão de movimento, enquanto que lesões de 2
ou mais causam de facto instabilidade articular[14].
Ainda num contexto introdutório, faz sentido perceber e definir as várias
entidades que podem estar relacionadas e/ou serem consequência da Rutura Maciça
da Coifa dos Rotadores.
Degeneração muscular e Infiltração gorda
A perda da inserção tendinosa no osso altera a fisiologia, estrutura e função
muscular. Surge assim atrofia, e, consequentemente, retração muscular, fibrose
progressiva e aumento do conteúdo adiposo. Vários estudos morfológicos referem
acumulação adiposa intrafascicular, extrafascicular e em locais
intratendinosos, não estando a origem dos adipócitos bem definida. Revelam
ainda que a infiltração adiposa pode surgir tão cedo como 6 semanas após a
rutura[5] e que o grau de degeneração muscular e de infiltração gorda aumenta
com o tamanho da mesma[4].
O Estadiamento de Goutallier baseia-se nos resultados evidenciados pela TC e
divide a infiltração gorda em 5 estadios (Quadro_II)[5].
A infiltração gorda ganha importância quando estudos clínicos constatam que se
associa a um pior prognóstico e a taxas de falência pós-cirúrgicas mais altas
[5, 15]. O grau de infiltração gorda do supraespinhoso e infraespinhoso parece
estar relacionado com pior prognóstico[4, 16, 17]. Já o grau de infiltração
adiposa na RMN é um forte fator preditivo de recorrência de rutura pós-
operatória[9].
Artropatia da coifa dos rotadores
Este termo foi utilizado pela primeira vez por Neer em 1983[18]. Está descrita
como sendo a presença de rutura maciça da coifa associada a migração superior
da cabeça umeral, diminuição da distância acromioumeral, erosão das
tuberosidades do úmero proximal ("femoralização") e ainda
acetabulização do acrómio[2, 19].
O paciente típico é do sexo feminino com 70 ou mais anos, com história de dor
progressiva e movimentos do ombro limitados pela rigidez. A dor noturna é comum
e Neer et al referem uma média de 9,8 anos de história de dor, tendo muitos dos
pacientes já recorrido a injeções de corticoides para alívio sintomático. Um
aspeto importante é o de que, ao contrário da rutura da coifa isolada, os
pacientes com artropatia da coifa terão perda de amplitude de movimento ativo e
passivo[18, 20].
Pseudoparalisia
A pseudoparalisia define-se como uma "incapacidade de elevar ativamente o
braço na presença de uma amplitude de movimento passiva livre e na ausência de
lesão neurológica" e é causada pela migração superior da cabeça umeral
[18]. Pode afetar a elevação anterior ou a rotação externa[10].
Neuropatia do Nervo Supraescapular
A neuropatia do nervo supraescapular é considerada uma condição rara, mas é
mais comum nos pacientes com rutura maciça[4]. É caracterizada pela presença de
dor e fraqueza muscular[2]. Boykin et al relataram alterações na EMG
consistentes com esta entidade em 42% dos pacientes com rutura maciça[21].
Berhouet et al reafirmam a raridade deste achado[22].
DIAGNÓSTICO
A apresentação da rutura maciça da coifa dos rotadores é inconsistente. A dor
sentida tem graus variáveis[9] e alguns pacientes não referem qualquer trauma
enquanto outros relatam um evento traumático e uma perda de função aguda com ou
sem sintomas prévios. No entanto, podemos dizer que os pacientes típicos são
idosos com história de dor progressiva e limitação dos movimentos do ombro
associada a rigidez[18]. A perda de amplitude é, por norma, mais marcada no
movimento de abdução[10].
Durante a inspeção, há certos sinais que podem ser visualizados como a atrofia
peri-escapular na fossa supra e infraespinhosa, a atrofia do deltoide e a
deformidade "Popeye" presente quando há rutura do tendão proximal
do bicípite[9].
O défice muscular presente é também variável de acordo com o músculo envolvido
na rutura. Quando ocorre rutura do supraespinhoso, dá-se fraqueza durante a
abdução; a rutura do infraespinhoso provoca alterações na ção externa e quando
há rutura do subescapular, então a fraqueza surge durante a rotação interna
[20]. Assim, no exame físico das ruturas posterosuperiores podemos constatar
redução na abdução, na flexão anterior e na rotação externa ativa, sendo esta
última provada por um sinal "external rotation lag" positivo.
Podemos ainda encontrar um sinal "hornblower" também positivo[2].
Já quando examinamos uma rutura anterosuperior, há certos sinais que são
tipicamente positivos devido ao envolvimento do subscapular, como o teste de
"belly-press", teste de retirada ou teste de Gerber e o teste de
"bear hug".
Os estudos imagiológicos têm um papel fundamental tanto no diagnóstico como na
seleção do tratamento, sendo que os exames de imagem mais utilizados são a
Ecografia e a Ressonância Magnética[2]. A Ressonância Magnética tem uma
sensibilidade de cerca de 100% no diagnóstico de ruturas da coifa, permitindo
uma estimativa precisa do tamanho e padrões de ruturas complexas, da retração,
da infiltração gorda e do envolvimento do tendão bicipital (Figura_1)[2]. A
ecografia tem a grande vantagem de ser um exame dinâmico que permite a
avaliação do ombro durante manobras provocativas. Acresce que é um exame com
baixo custo e não invasivo[9]. Contudo, tem a desvantagem de ter uma
sensibilidade e especificidade dependentes do operador e de não penetrar no
osso, sendo um método mau na avaliação de ruturas grandes em que os tendões
estão retraídos medialmente ao bordo lateral do acrómio[9]. A Tomografia
Computorizada auxilia o planeamento cirúrgico quando há anormalidades erosivas
na glenoide, especialmente se procedimentos como osteotomia da glenoide estão a
ser considerados[20]. É também uma mais valia na avaliação da competência do
arco coracoacromial[2]. O uso da Radiografia Torácica permitiu a criação da
Classificação Radiológica de Hamada, em 1990, composta por 5 estadios que
refletem a evolução temporal da rutura e uma sucessiva progressão da artropatia
(Quadro_III) (Figura_1)[16].
TRATAMENTO
As ruturas maciças da coifa dos rotadores têm um historial de tratamento
desfavorável já que a reparação é tecnicamente difícil e a taxa de recorrência
é distintamente maior que a da associada às ruturas pequenas[2, 17]. A escolha
do tratamento, por si só, é muitas vezes mais complicada do que a sua execução.
Agravando esta dificuldade, durante o curso do tratamento é possível que o
paciente mude de ideias, já que os sintomas podem ficar insuportáveis e as
exigências funcionais podem passar de baixas para elevadas (ou vice-versa).
Além do mais, uma rutura eventualmente reparável pode, em pouco tempo, torna-se
irreparável[10].
A abordagem das ruturas maciças é bastante desafiante, com taxas de falência de
20% a 90%-94% [5,23, 24], dependendo de diversos fatores como a idade do
paciente, degeneração gorda e atrofia e retração muscular. O
"outcome" geral e a capacidade de cura correlacionam-se
inversamente com o tamanho e a retração da rutura[9, 17,23]. Para além disso, o
fator tempo é também preponderante[22]. Petersen et al [25] seguiram 42
pacientes com rutura maciça traumática dolorosa e constataram que os resultados
da reparação cirúrgica das ruturas da coifa traumáticas associadas a fraqueza
são melhores quando a reparação ocorre no máximo 4 meses após a lesão.
Outro ponto importante no que diz respeito ao tratamento é a consciencialização
de que "ruturas maciças" não é sinónimo de "ruturas
irreparáveis"! São vários os sinais que conferem a uma rutura o estatuto
de irreparável, como a migração superior estática da cabeça umeral, um
intervalo acromioumeral reduzido ou inexistente e uma infiltração gorda de =50%
da musculatura da coifa dos rotadores [2, 26]. Há outros achados indicativos de
irreparabilidade como a pseudoparalisia da elevação anterior e o facto de uma
rutura ser anterosuperior[10].
Quando as ruturas são de facto irreparáveis há duas opções possíveis:
tratamentos paliativos como a tenodese ou desbridamento ou procedimentos de
salvamento como transferência de tendões ou a artroplastia reversa (Figura_2)
[26, 27].
Tratamento Conservador
O tratamento conservador deve incluir a modificação ativa, os analgésicos
orais, a fisioterapia e as injeções intra-articulares[18].
Alguns autores defendem que será preferível tratar as ruturas maciças de forma
conservadora já que a sua reparação cirúrgica é seguida por uma alta taxa de
recorrência[2]. No entanto, o grande obstáculo a esta abordagem é o facto de
não haver provas de que o tratamento conservador altere o curso natural da
história da doença[10]. Assim, não deve ser usado em ruturas reparáveis de
pacientes com exigências funcionais elevadas e deve ser reservado para
pacientes sem dor significativa[9, 10]. O tratamento conservador tem mostrado
resultados inconsistentes e dececionantes a longo prazo [27], tendo sido
particularmente desapontantes em pacientes com sintomas há mais de 6 meses,
facto reconhecido por Bokor et al[2, 9]. Já o tratamento conservador da rigidez
é quase sempre um sucesso, resultando muitas vezes em alívio da dor e
restauração da função[10]. Zing et al estudaram os resultados a médio prazo do
tratamento conservador de 19 pacientes com rutura maciça da coifa. Os pacientes
mantiveram uma boa função do ombro e preservaram a amplitude de movimento
ativo. Contudo, a infiltração gorda e osteoartrose glenoumeral progrediram,
levando inevitavelmente à degeneração articular [10, 28]. Assim, o uso de
tratamento conservador tem de ser ponderado com os pacientes devido ao risco de
artropatia da coifa dos rotadores e de infiltração gorda irreversível[2].
Reeducação anterior do deltoide
A reeducação do deltoide como método de reabilitação está validada por estudos
biomecânicos recentes que desafiaram a visão tradicional do deltoide como sendo
elevador da cabeça umeral. Gagey et al concluíram que uma das funções do
músculo é prevenir a migração superior da cabeça do úmero e a consequente
compressão contra a glenoide na presença de uma rutura maciça. Este método de
reabilitação é mais utilizado em idosos com múltiplas comorbilidades que
contraindicam cirurgia. Levy et al estudaram 17 pacientes nos quais foi
aplicado este método associado a analgesia. Em 90% dos pacientes, o efeito
estabilizador conseguido pelo recrutamento do deltoide (anterior] foi
suficiente para melhorar as capacidades funcionais e diminuir a dor[29].
Tratamento Cirúrgico
Desbridamento e Descompressão subacromial
O objetivo principal do desbridamento é o de remover as fontes de dor, podendo
ser realizado por via aberta ou artroscópica[9]. Em ambas as abordagens há a
preocupação de libertar o ligamento coracoacromial, já que é um importante
obstáculo ao deslizamento anterosuperior da cabeça umeral[10, 20]. O
desbridamento está indicado em pacientes idosos, com baixas exigências
funcionais[9, 20], cuja queixa principal é a dor mas com boa preservação do
movimento ativo e forças transversa e coronal da articulação glenoumeral
intactas[2]. Está ainda indicado em pacientes incapazes de serem submetidos a
uma recuperação pós-cirúrgica longa[30].
Os resultados quanto a este procedimento são díspares e é ponto assente que o
desbridamento subacromial tem piores resultados nas ruturas maciças do que nas
ruturas mais pequenas[10]. Em comparação com outras opções cirúrgicas, os
estudos mostram inferioridade do desbridamento. Num estudo randomizado de
ruturas maciças mas reparáveis, o desbridamento teve menos sucesso clínico e
mais degeneração articular do que a reparação tendinosa. Para além disso, não
há qualquer prova de que o desbridamento seja mais eficaz que a tenotomia
bicipital isolada[10]. Os pacientes submetidos apenas a desbridamento
artroscópico têm uma melhoria das capacidades funcionais menos acentuada que os
submetidos a reparação parcial artroscópica[30]. Rockwood et al reportaram 44
casos (88%) de entre 50 nos quais ocorreu diminuição da dor e melhoria da
função e força após desbridamento e descompressão. Já Gartsman et al registaram
modestas melhorias na dor e função após desbridamento e descompressão por via
aberta, mas verificaram diminuição da força. Também Zjivac et al constataram
deterioração da força e função com o passar do tempo após desbridamento
artroscópico [2]. Liem et al [31] estudaram retrospectivamente 31 pacientes,
com média de idade de 71 anos, submetidos a desbridamento, tenotomia bicipital
e manutenção do arco coracoacromial. Após uma média de 47 meses, o score ASES
melhorou significativamente de 24.0 para 68.9 e os scores de dor diminuíram de
7.8 para 2.0.
Apesar da existência de alguns resultados desapontantes, há certas vantagens
inegáveis do desbridamento e descompressão subacromial artroscópicos: o
programa de reabilitação é mais rápido; as taxas de complicações são baixas,
pois é um procedimento pouco invasivo; e traz a possibilidade de a cirurgia ser
feita em ambulatório[30].
Tenotomia bicipital
Sendo a tendinopatia da longa porção do bicípite uma causa comum de dor e
desconforto nos pacientes com ruturas maciças da coifa, faz sentido que a
tenodese ou tenotomia possa levar a alívio sintomático. Contudo, como não
previnem a degeneração articular, não estão indicadas para pacientes com
ruturas reparáveis e exigências funcionais elevadas[2, 10]. Existe o receio de
que este procedimento possa levar a migração superior da cabeça umeral e a
pseudoparalisia. No entanto, estudos retrospetivos têm mostrado que não há
evidências desta migração superior e que é incontestável que a tenotomia
bicipital não provoca pseudoparalisia, associando-se até a melhoria da função,
muito provavelmente devido ao alívio da dor[9, 10].
Os resultados têm sido promissores. Boileau et al reviram 68 pacientes
submetidos a tenotomia bicipital ou tenodese e, passados 3 anos, 78% mostraram-
se satisfeitos e todos recuperaram a elevação ativa [9]. Walch et al estudaram
os resultados de 307 tenotomias bicipitais artroscópicas realizadas a pacientes
com ruturas maciças irreparáveis ou que não estavam dispostos a colaborar na
reabilitação necessária após cirurgia de reparação da coifa. Após 57 meses, a
média do score de Constante aumentou de 48 pontos para 68 e a taxa de
satisfação atingiu os 87% [2, 10].
"Deltoid flap"
O "deltoid flap" foi descrito pela primeira vez em 1978 por
Takaishi e revisto, em 1985, pelos cirurgiões franceses Apoil e Augereau [32].
Tem como principal desvantagem o compromisso da integridade do músculo deltoide
[33]. As conclusões quanto à utilidade deste procedimento são bastante
díspares. Schneeberger concluiu que o "deltoid flap" modificado é
uma alternativa viável para o tratamento das ruturas da coifa irreparáveis em
pacientes jovens, já que dos 57 pacientes 91% revelaram alívio da dor[33]. Já
Glanzmann não encontrou qualquer vantagem desta técnica invasiva face ao
desbridamento artroscópico, o qual não altera a integridade do deltoide.
Constatou, após a reconstrução de 31 ruturas maciças, que a taxa de
sobrevivência do "deltoid flap" foi inferior a 20%. Tanto Glanzmann
como Lu afirmam que este procedimento não previne a migração superior e as
alterações osteoartríticas[32, 34].
Artrodese glenoumeral
A artrodese glenoumeral é um procedimento difícil e mal tolerado pelos
pacientes. Neste momento há poucas indicações para artrodese de ruturas maciças
da coifa, sendo reservada para alívio da dor de pacientes submetidos a
múltiplas cirurgias sem sucesso, com história de infeção ou um deltoide
ineficiente[2, 20].
Reparação Completa
Resultados bons a excelentes, melhoria significativa da qualidade de vida,
taxas de satisfação de cerca de 94% e desaceleração da degeneração articular
estabeleceram esta técnica como o gold standard do tratamento de ruturas
maciças da coifa[35]. Mesmo assim, Bjurkenheim et al relataram que os
resultados de reparações de ruturas maciças eram marcadamente inferiores aos
das reparações de ruturas mais pequenas[2]. A possibilidade de cura com a
reparação completa está relacionada com o tamanho da rutura, a distância
acromio-umeral, o grau de atrofia muscular, a quantidade de infiltração adiposa
e, ainda, com o tempo que passa entre a rutura e o procedimento, devendo por
isso ser reparada o mais rapidamente possível [10, 36].
Um dos pontos mais importantes na reparação é a mobilização do tendão retraído
para o seu local de inserção na grande tuberosidade. Assim sendo é essencial
que as aderências subacromiais e subdeltoideias sejam removidas e que o tecido
bursal seja excisado para melhor visualização do padrão de rutura. Lo e
Burkhart referem que 90% de 94 ruturas maciças podiam ser reparadas
primariamente ao osso após uma lise adequada das adesões usando a técnica de
convergência das margens[2, 9].
As opiniões divergem quanto à técnica que deve ser usada na reparação completa.
A reparação "double row" tem sido defendida por alguns autores,
alegando possuir melhores características biomecânicas, maior contacto osso-
tendão e menor taxa de recorrência comparativamente com a reparação
"single row"[2]. Park J. Y. et al mostraram que os scores ASES e de
Constant após reparações "double row" eram significativamente
melhores que após reparação "single row"[37]. Papadopoulos et al
verificaram que as suturas em" double-row" têm taxas mais elevadas
de cicatrização do tendão[35]. Outros autores afirmam que o uso da
"double row" pode resultar numa tensão exagerada da coifa. Por esta
mesma razão, Snyder et al defendem que se faça uma reparação
"medializada" com uma "single row" de suturas na margem
articular[2]. Quanto à comparação das vias de abordagem (artroscópica vs
aberta), não há fortes evidências de que uma tenha melhores resultados do que a
outra, apesar da via artroscópica se tornar cada vez mais popular[10, 38].
Beauchamp et al [39] estudaram as vantagens e desvantagens do uso de anestesia
local com sedação em vez de anestesia geral. O estudo demonstrou que a
anestesia local com sedação permite um suficiente controlo da dor, para além de
possibilitar um teste in vivo da robustez da reparação. Dá ainda a oportunidade
de serem operados pacientes que de outra forma não seriam: pacientes com um
alto risco anestésico ou com contraindicações para anestesia locorregional.
Como referido anteriormente, quando possível executá-la, a reparação completa
permite resultados bastante favoráveis. Lam and Mok reviram 74 pacientes com 65
ou mais anos submetidos a reparação de rutura maciça sintomática. Dois anos
depois, 84% dos pacientes estavam satisfeitos e 93% atingiram alívio da dor[2].
Zumstein et al [8] seguiram 27 pacientes submetidos a reparação transóssea por
via aberta. Após 3,1 anos, todos os pacientes mostraram resultados bons a
excelentes e 22 pacientes permaneceram satisfeitos com o resultado após 9,9
anos. Contudo, houve uma taxa de recorrência de 57%.
Apesar dos excelentes resultados, a reparação completa não está isenta de
complicações. As complicações mais comuns da reparação por via aberta são o
descolamento do deltoide, uma nova rutura e a infeção[40]. O descolamento do
deltoide normalmente ocorre 6 semanas após a cirurgia, no período de
reabilitação ativa do ombro. Causa diminuição da força e deformidade, mas
também diminuição da dor. Num estudo com 112 pacientes com rutura maciça da
coifa tratados com reparação por via aberta, foram registados 9 pacientes (8%)
com descolamento do deltoide. Gumina et al recomendam para a sua prevenção o
uso de suturas mais grossas e em U[40]. Quanto à existência de uma nova rutura,
foi constatado que a maioria ocorre precocemente no período pós-operatório e
que o tamanho da rutura inicial e a idade do paciente influenciam a sua
incidência[35, 41]. Jost et al verificaram ainda uma relação entre a extensão
da infiltração gorda dos músculos infra e supraespinhoso e a ocorrência de nova
rutura[2]. Foram identificadas técnicas de reforço para diminuir a
probabilidade de recorrência da rutura: suturas mais fortes; outras
configurações de suturas (ex: técnica de Mason-Allen); âncoras das suturas mais
largas e mais rígidas[35].
Reparação Parcial
Quando não é possível a reparação completa, devido à extensão da rutura, à
retração ou fraca qualidade do tecido, a reparação parcial pode levar também à
melhoria da dor e das capacidades funcionais, tendo atingido altas taxas de
satisfação[9, 15, 42]. Duralde and Bair estudaram 24 pacientes submetidos a
reparação parcial por via aberta, por não ser possível a reparação completa. 43
meses após a cirurgia, 67% dos pacientes tiveram resultados excelentes e 92%
estavam satisfeitos com o resultado. Burkhart et al obtiveram resultados
semelhantes em 14 pacientes[2]. Berth et al concluíram ainda que os pacientes
submetidos a reparação parcial artroscópica têm uma melhoria mais acentuada das
capacidades funcionais e uma recuperação mais marcada nas atividades do dia a
dia do que os pacientes submetidos apenas a desbridamento artroscópico[30].
Enxertos de tecidos
São utilizados quando há deficiência de tecido para se poder atingir uma
reparação sem tensão. Dão suporte mecânico e têm propriedades biológicas que
favorecem a proliferação e diferenciação celular. Podem ser dividos em dois
grandes grupos: sintéticos e biológicos. Os biológicos podem ainda ser
subdivididos em autólogos (longa porção do bicípite) ou aloenxertos (derivados
da derme ou submucosa do intestino delgado) [2, 43, 44]. Tem sido recomendada a
descontinuação ou a moderação do uso de enxertos sintéticos e de submucosa
devido ao risco de resposta inflamatória e de reação de corpo estranho [2, 10,
44, 45].
Enxerto de derme
A reparação com uso de aloenxerto de derme humana é uma técnica que leva a
melhoria significativa da dor, amplitude de movimento e força. Gupta et al
estudaram 24 pacientes com boa amplitude de movimento ativo, ausência de
infiltração adiposa de alto grau ou artrose glenoumeral e verificaram uma taxa
de satisfação de 100%. A ecografia pós-operatória após 3 anos demonstrou
reparações completamente intactas na maioria dos pacientes. Não ocorreu infeção
nem rejeição de tecido. O estudo sugere que este aloenxerto tem a capacidade de
se comportar como um tendão nativo tanto biomecanicamente como histologicamente
[23]. Bond et al [46, 47] estudaram 16 pacientes submetidos a reparação
artroscópica com enxertos de derme e 15 desses pacientes ficaram satisfeitos
com o resultado, tendo havido incorporação total do enxerto em 13 deles. Já
Burkhead et al examinaram 17 pacientes e, 1,2 anos após a cirurgia, 24%
mostraram algum grau de recorrência[2].
Enxerto de longa porção do bícipite
Sendo um autoenxerto, este método tem menor risco de inflamação e de reação de
corpo estranho. Sano et al obtiveram uma taxa de sucesso de reconstrução de
92.9%, considerando esta opção como uma das melhores para as ruturas maciças
irreparáveis[43].
Transferência de tendões
O tamanho da rutura e a degeneração irreversível e retração de unidades
musculotendinosas causadas pela mesma, faz com que em 30% das ruturas a
reinserção do tendão lesado não seja possível[27, 48]. Assim, surgiu
possibilidade de usar outro tendão como substituto. A técnica tem como objetivo
cobrir o defeito cranial, restabelecer a amplitude de movimento e criar um
efeito depressor ativo[49]. O candidato ideal é um paciente jovem com rutura
maciça irreparável sem artrose glenoumeral, mas com função alterada devido à
perda de rotação externa e à fraqueza, sendo essa a sua queixa principal [2, 9]
Transferência do grande dorsal
A transferência do grande dorsal para tratamento da rutura maciça da coifa foi
inicialmente proposta por Gerber et al (Figura_3) [2, 48, 50]. É mais utilizada
em ruturas posterosuperiores com consequente rotação externa descompensada e
fraqueza da abdução[11, 49]. Alguns autores defendem que é esta técnica é
também uma opção válida para pseudoparalisias da rotação externa[10]. Para que
a transferência possa restabelecer o balanço das forças coronais e
transversais, o tendão subscapular e o músculo deltoide têm de estar intactos,
sendo este achado um pré- requisito para esta cirurgia[27, 49].
Weening et al [27] seguiram 16 pacientes submetidos a esta transferência para
tratamento de ruturas irreparáveis associadas a dor crónica e prejuízos
funcionais. Dos 16 pacientes, apenas 1 não mostrou melhoria da dor e das
capacidades funcionais. Contudo, atividades como lavar a cabeça e pendurar
roupas permaneceram difíceis. Esta dificuldade pode ser justificada pela
incapacidade do grande dorsal em centrar a cabeça umeral na articulação como é
feito pelos músculos da coifa. No seu estudo, Zafra et al registaram uma
melhoria da dor em 88% dos pacientes[48].
Miniaci and MacLeod relataram uma taxa de satisfação de 83%, Warner and Parsons
de 73% e Iannotti et al de 64%[2]. Em média a transferência do grande dorsal
causa um ganho de 35º na elevação anterior ativa, um ganho de 10º na rotação
externa ativa e um aumento de 70% na força de abdução. No entanto, não deve ser
esperado um retorno a uma amplitude e força normais. Ainda não é possível dizer
se a transferência concomitante do redondo maior influência os resultados [11].
Este procedimento registou um baixo número de complicações, atingindo os 9,5%
segundo Namdari et al [11, 27]. Contudo, foi detetado que em mais de 50% dos
ombros submetidos à transferência do grande dorsal houve um aumento da migração
superior[11]. Gumina et al[40] descreveu o descolamento do deltoide como sendo
uma das complicações mais comuns (Figura_3).
Transferência do grande peitoral
A transferência do grande peitoral é mais usada nas ruturas anterosuperiores,
já que está indicada para ruturas irreparáveis do subscapular[2, 9, 10]. Jost
et al relataram resultados satisfatórios em 24 de 30 pacientes, enquanto Wirth
and Rockwood relataram o mesmo em 10 de 13. Resch et al obtiveram resultados
bons a excelentes em 9 de 12 pacientes [2]
Hemiartroplastia
A hemiartroplastia tornou-se o procedimento cirúrgico convencional para a
artropatia da coifa, apesar dos resultados mistos. Está indicada para o
tratamento de ruturas maciças associadas a osteoartrose glenoumeral e/ou
subacromial com músculo deltoide intacto [10, 20].
Os resultados são controversos. A maior série de pacientes com artropatia da
coifa submetidos a hemiartroplastia foi revista por Sanchez-Sotelo et al. Foram
revistos 33 ombros de 30 pacientes, com um follow-up de 5 anos. Foram
conseguidos bons resultados em 67% dos pacientes. O score médio de dor baixou
de 4.2 para 2.2. No entanto, 9 pacientes mantiveram dor moderada, 8 ombros
sofreram erosão superior progressiva da glenoide, 14 erosão do acrómio e 2
pacientes sofreram uma fratura acromial[20]. Field et al reviram os resultados
da hemiartroplastia de 16 pacientes com artropatia da coifa, dos quais 63%
obtiveram resultados satisfatórios. Williams and Rockwood relataram os
resultados de 21 hemiartroplastias e, apesar de 86% terem resultados
satisfatórios, apenas 12 pacientes ficaram sem dor[2].
Há uma forte preocupação de que a hemiartroplastia levará a perda progressiva
de osso. Esta progressiva erosão glenoidal e acromial tem sido proposta como
explicação para os maus resultados e a permanência da dor pós- operatória.
Procedimentos anteriores à hemiartroplastia têm sido também apontados como
responsáveis pelo insucesso do procedimento [2, 20].
Artroplastia total
Apesar do sucesso clínico no tratamento da osteonecrose, os resultados no
tratamento da artropatia da rutura da coifa não têm sido tão bons [20].
Artroplastia reversa
A artroplastia reversa restaura a superfície da articulação glenoumeral,
tratando a artrose [19]; bloqueia a migração superior da cabeça umeral e
transforma o movimento do deltoide em movimento rotacional, mantendo a
estabilidade articular[1]. A literatura aponta a rutura irreparável da coifa
como sendo a indicação mais acertada para artroplastia reversa, assim como
defende que a artroplastia reversa é o tratamento mais eficaz da rutura
irreparável com pseudoparalisia da elevação anterior[10]. Um número crescente
de publicações suporta a eficácia da artroplastia reversa no tratamento da
artropatia da rutura da coifa[20], sendo esta a indicação mais comum deste
procedimento[19, 51]. É ainda uma opção viável para os pacientes com dor e
disfunção que não são eficazmente tratados com a artroplastia convencional[51].
A artroplastia reversa é incapaz de corrigir a pseudoparalisia da rotação
externa. Assim, quando estamos perante uma pseudoparalisia combinada da
elevação anterior e da rotação externa, aconselha-se a combinação da
artroplastia reversa com a transferência do grande dorsal[10].
Ao contrário de outros procedimentos, um ligamento coracoacromial intacto não é
um pré-requisito. A primeira grande contraindicação desta técnica é,
logicamente, a ausência de um deltoide funcional, já que é necessária uma
função deltoideia normal para a recuperação da elevação ativa após artroplastia
reversa[1, 19, 20]. São também consideradas contraindicações a inexistência de
stock de osso glenoideu adequado, infeções prévias do ombro e comorbilidades
médicas significativas[20].
Os resultados a curto prazo têm sido encorajadores, mas os a longo prazo são
ainda alvo de estudo. A literatura disponível apresenta uma taxa de
sobrevivência prostética de 91% aos 120 meses [10, 52]. Feeley[20] conclui que,
após artroplastia reversa, a elevação ativa é melhorada de forma considerável,
apesar das melhorias na rotação externa serem variáveis. Refere também que a
dor é reduzida para o mínimo ou até ausência em 81% a 96% dos pacientes. Também
Gerber[10] afirma que este procedimento é responsável pela melhoria drástica da
dor em pacientes com ruturas maciças irreparáveis. Acrescenta ainda que tem
tido resultados bastante satisfatórios no tratamento de pacientes anteriormente
submetidos a reparações falhadas. Mulieri et al[51] estudaram 72 ombros
submetidos a artroplastia reversa para tratamento de rutura maciça da coifa dos
rotadores sem artrose glenoumeral.
95% dos pacientes ficaram satisfeitos com o resultado, tendo mostrado melhoria
nos scores ASES, SST e SF-36, assim como melhoria da amplitude de movimento.
Boileau et al[53] estudaram os resultados da artroplastia reversa em 46
pacientes, 61% dos quais apresentavam artrose glenoumeral. Constatou que não
havia diferença na melhoria, nos scores de dor e na amplitude de movimento
comparando os pacientes com artrose e sem artrose.
Apesar do sucesso clínico desta opção cirúrgica, o seu uso está limitado pela
alta taxa de complicações. Mulieri e Wall[51] registaram uma taxa de
complicações de 19-20%. Segundo uma revisão de 186 pacientes, as complicações
mais comuns são a deslocação (7,5%) e a infeção (4%). Menos frequentemente,
ocorrem fraturas da glenoide, fraturas umerais, paralisia do nervo radial e
"loosening" da glenoesfera[2]. Werner et al estudaram 58 pacientes
submetidos a artroplastia reversa e verificaram que a taxa global de
complicações foi de 50% e que 33% dos pacientes necessitaram de revisão
prostética[2, 20]. Realçaram a importância do risco de hematoma e infeção pós-
operatória, devido ao espaço morto que rodeia a prótese[2]. Sirveaux et al
reportaram uma taxa de complicação de 15% e Frankle et al de 21.7%[20] O risco
de complicações é mais do dobro na cirurgia de revisão do que na cirurgia
primária[2, 19] A cirurgia prévia é um fator de risco para complicações,
necessidade de nova cirurgia e taxa de sobrevivência prostética reduzida. Tanto
Werner como Cuff registaram melhores resultados quando a artroplastia reversa
foi feita como primeira opção comparativamente com quando foi usada após
reparação ou artroplastia falhada[1, 54].
Outros tratamentos
Terapias biológicas celulares
A rutura da coifa dos rotadores cura com uma camada de tecido cicatricial que
torna a reparação mais propícia a falhar. As terapias biológicas celulares têm
o potencial de melhorar este processo de cicatrização, estando a ser
desenvolvidos estudos com citocinas e fatores de transcrição, como o scleraxis,
com o objetivo de se criar uma terapia que melhore a reparação das ruturas e
diminua a taxa de falência anatómica[7, 55].
CONCLUSÃO
A Rutura Maciça da Coifa dos Rotadores apresenta-se como um desafio ortopédico
complexo e são várias as opções terapêuticas existentes. O tratamento
conservador atingiu bons resultados em muitos pacientes, ficando muitos deles
assintomáticos e com função satisfatória, através de mecanismos de compensação
por potenciação de grupos musculares acessórios da coifa. O desbridamento
artroscópico, descompressão subacromial e a tenotomia do bicipite poderão estar
indicados em pacientes idosos, com baixas exigências funcionais e cuja queixa
principal seja a dor. A reparação completa deve ser tentada sempre que
possível, principalmente em pacientes jovens, sintomáticos e com elevadas
exigências funcionais. A técnica de "double-row" é biomecanicamente
mais favorável e tem uma menor taxa de recorrência. A transferência de tendões
como o do grande dorsal, poderá constituir uma opção para pacientes mais
jovens, nos quais a reparação não é possível. Quanto à substituição prostética,
tanto a hemiartroplastia como a artroplastia reversa poderão estar indicadas na
rutura maciça e artropatia da coifa. A artroplastia reversa apresenta-se como o
tratamento mais eficaz, em especial quando existe pseudoparalisia, mesmo
apresentando uma não desprezível taxa de complicações