Osteoma Osteóide?
INTRODUÇÃO
O osteoma osteóide foi pela primeira vez descrito por Jaffe em 1935 como um
tumor benigno, pequeno, oval, rodeando um pequeno nidus1.
O O.O. representa cerca de 11% de todos os tumores benignos e 5% de todos os
primários2.
Afecta preferencialmente adolescentes e adultos jovens (70% dos afectados têm
menos de 20 anos) embora possa também ocorrer no esqueleto adulto em idades tão
avançadas como 70 anos3. Encontra-se preferencialmente na cortical de ossos
longos, com o fémur e a tíbia a serem envolvidos em 50 a 60% dos casos, no
entanto, existem numerosos casos com atingimento de regiões epifisárias e
metafisárias de ossos curtos e longos do esqueleto apendicular e axial. Os
homens são mais afectados que as mulheres com um racio de 2:1.
A apresentação clínica mais característica é a dor que agrava de noite e é
aliviada pela toma de aspirina. O aspecto radiológico típico é a de uma lesão
formadora de osso com um nidus central de osteóide vascular circundado por osso
esclerótico4. Apesar do seu tamanho pequeno e carácter benigno, normalmente
necessita de tratamento devido á dor nocturna e intensa.
CASO CLÍNICO
Doente sexo feminino de 40 anos recorre à consulta por 3 meses antes ter
iniciado dor tibial nocturna, aliviada com a toma de anti inflamatórios não
esteróide. Objectivamente sem febre ou outros sinais sistémicos havendo apenas
dor e algum edema local. Os exames analíticos revelaram-se dentro dos limites
normais (sem leucocitose ou aumento da VS, PCR no limite superior).
Radiografias demonstraram lesão lítica medular com esclerose óssea extensa. A
TC confirmou lesão esclerosante extensa com foco radiolucente compatível com
osteoma osteóide. Sem haver no entanto a evidência de um nidus. A cintigrafia
óssea (Figura_1) com 828 MBq de 99mTC-hidroxidifosfato (HDP) revelou aumento da
perfusão ao nível do 1/3 médio da perna não se visualizando contudo o nicho
central típico.
O diagnóstico de Osteoma Osteóide foi então assumido tendo a doente sido
submetida a termoablação por radiofrequência (Figura_2). Dias depois do
procedimento iniciou drenagem purulenta por orifício de entrada de agulha.
Apesar da instituição de antibioterapia empírica manteve drenagem purulenta. No
exame cultural foi isolado Estafilococos aureus meticilino sensível pelo que
foi instituída antibioterapia dirigida sem resolução do quadro. Aos 3 meses a
doente foi internada por Osteomielite Crónica e submetida a limpeza, ostectomia
e antibioterapia endovenosa durante 4 semanas, bem como descarga total do
membro. O exame anátomo patológico confirmou o diagnóstico de osteomielite
crónica. Manteve antibioterapia oral por mais 3 meses. Dada a evolução
favorável foi submetida a preenchimento da cavidade tibial com enxerto de
ilíaco. Após um período de 3 meses assintomático verificou-se reactivação do
quadro infeccioso tendo iniciado novo período de antibioterapia supressiva.
Durante 15 meses alternou períodos de drenagem purulenta escassa com períodos
assintomáticos. Aos 24 meses de evolução foi submetida a novo desbridamento
cirúrgico e antibioterapia endovenosa dirigida, com resolução total do quadro 3
meses depois. Actualmente tem 36 meses de seguimento e não apresenta qualquer
sinal de reactivação. Não existem défices funcionais.
DISCUSSÃO
O osteoma osteóide é um pequeno tumor, oval ou redondo, com um nidus circundado
por osso benigno. Radiografias, tomografias computorizadas, ressonância
magnética, cintigrafia óssea e angiografia podem ser utilizadas para o
diagnóstico de osteoma osteóide. Geralmente, a história clínica é típica e o
diagnóstico pode ser feito apenas com a história.
O osteoma osteóide pode mimetizar várias outras condições e apresentar uma
variedade de sinais e sintomas numa ampla distribuição corporal. A aparência
radiográfica pode também variar. Radiograficamente, o osteoma osteóide típico
tem uma área esclerótica densa circundando um nidus radiolucente5 como foi
aparente nas radiografias e tomografia realizadas pela nossa doente. Na
tomografia computorizada o nidus do osteoma osteóide aparece normalmente com
uma zona atenuada e bem demarcada, circundada por quantidades variáveis de
esclerose reactiva com alta atenuação6. Nas imagens em T1 na RM o nidus
apresenta-se com sinal baixo a intermediário enquanto em T2 aparece com
intensidade aumentada. A aparência do osteoma osteóide na TC e RM pode
confundir-se com osteomielite, fractura de stress, artrite inflamatória ou
outro tumor ósseo. A cintigrafia óssea frequentemente demonstra moderada
captação com um foco central de intensa captação. A maioria das lesões de
osteoma osteóide demonstram captação intensa nas imagens vasculares o que
deverá representar o nidus vascular. A captação radioactiva na cintigrafia de 3
fases pode ser indistinguível de infecção, doença metástica ou fractura de
stress. A diferenciação de um osteoma osteóide de uma osteomielte é
frequentemente difícil e um osteoma pode ser frequentemente mal diagnosticado
como uma área de osteomielite7.
No caso presente a história clínica não era típica para osteoma osteóide
(mulher com cerca de 40 anos). Mas o rx e TC demonstraram extensa reacção
esclerótica circundando um foco radiolucente numa doente com dor sobretudo
nocturna aliviando com aine´s levando a que o diagnóstico de Osteoma fosse
estabelecido. Dada a habitual indisponibilidade de exame histológico a decisão
de tratamento foi estabelecida sem confirmação histológica.
O tratamento inicial consiste num período de terapêutica com aspirina ou
aine´s. Embora as taxas de controlo da dor sejam significativas a maioria dos
doentes submete-se a alguma forma de terapia invasiva nos primeiros 3 anos após
o início dos sintomas essencialmente pela dor ou pela intolerância ao consumo
prolongado de aine´s que podem também diminuir a sua eficácia. A excisão
cirúrgica completa é o tratamento clássico. A maioria dos autores recomenda uma
excisão alargada do nidus, devido ao risco de recorrência local que pode
atingir os 4,5% após uma ressecção inadequada8-9. A excisão alargada leva no
entanto a 2 potenciais complicações: 1) o enfraquecimento ósseo pode levar a
fractura de fadiga 2) pode levar á necessidade de enxerto ósseo. A protecção
contra estas complicações leva a tempos de imobilização e descarga prolongados.
Além disso a identificação do nidus é difícil e as margens são frequentemente
indistinguíveis.
Durante a última década, a TC tornou-se útil não apenas no diagnóstico destes
tumores mas também na sua remoção. Mais recentemente, as técnicas percutâneas
de ablação por radiofrequência têm permitidos aos doentes com osteoma ostóide
um excelente alivio da dor e um regresso precoce da função com um mínimo de
hospitalização e morbidade10-13. O tratamento médico e o uso de procedimentos
cirúrgicos menos agressivos têm a desvantagem de não permitirem uma confirmação
histológica do diagnóstico. Histologicamente os osteomas osteóides consistem
num pequeno nidus de osteoblastos e osteóide circundado pelo suprimento
vascular e arterial14.
As modernas técnicas percutâneas apresentam claras vantagens sobre o tratamento
convencional. A principal desvantagem destas técnicas deverá ser mesmo a
impossibilidade de confirmação histológica do diagnóstico numa patologia cujas
características clínicas e imagiológicas embora típicas são com frequência
encontradas noutro tipo de patologias. No entanto, biópsias por agulha
realizadas pré-operatoriamente revelaram-se inconclusivas em 27 a 64% dos
casos15 reforçando a necessidade e importância de um correcto diagnóstico
clínico e radiológico.