Sinovite vilonodular pigmentada localizada
INTRODUÇÃO
A SVNP e os tumores de células gigantes das bainhas tendinosas (TCGBT) são
doenças do mesmo espectro, com várias semelhanças histopatológicas. Ocorrem
geralmente em adultos jovens, podendo também surgir em crianças e
adolescentes2. Os sintomas são inespecíficos. A incidência anual estimada de
TCGBT é de 9.2 casos pmp e de 1.8 pmp casos de SVNP8.
A Ressonância Magnética (RMN) é o exame complementar de diagnóstico com maior
especificidade e sensibilidade para estas lesões4,9.
O tratamento de eleição é a ressecção cirúrgica. A ressecção completa é difícil
nos casos de doença difusa, sendo este um dos fatores responsável pela elevada
taxa de recidiva.
A SVNP é rara, principalmente na forma localizada, pelo que existe ainda pouca
experiência na abordagem e tratamento destas lesões.
CASO CLÍNICO
Paciente de 48 anos, género feminino, referenciada à consulta por dor na região
anterior do joelho direito de carácter mecânico, sem episódios de derrame e sem
relato de "falhas" ou bloqueios. Ao exame objetivo apresentava
joelhos simétricos, sem desvios de eixos, sem cicatrizes ou atrofias
musculares, com mobilidades ativas preservadas. Apresentava dor à palpação
parapatelar interna. Estabilidade anteroposterior e varo/valgo mantidas e
provas meniscais negativas.
A radiografia simples do joelho nas incidências anteroposterior e perfil não
apresentava alterações. A RMN do joelho revelou "lesão pediculada,
sólida, vascularizada, com a dimensão 2.8x2.5x1.5 cm, sugestiva de SVNPL (…),
sem outros focos suspeitos de sinovite vilonodular." (Figura_1)
Foi submetida a excisão cirúrgica da lesão por mini-artrotomia (Figuras_2 e 3).
O estudo anatomopatológico revelou trata-se de uma lesão de SVNPL (Figura_4).
O período pós-operatório decorreu sem intercorrências. Após 2 anos de
seguimento, a doente permanece assintomática e a RMN de controlo não revelou
recidiva da lesão.
DISCUSSÃO
Os tumores tenossinoviais de células gigantes pertencem a um espectro de lesões
geralmente benignas, com características histológicas comuns, que podem ser
intraarticulares ou de tecidos moles. Podem dividir-se em formas difusas e
localizadas. Os tipos localizados incluem os tumores de células gigantes das
bainhas tendinosas e a sinovite vilonodular pigmentada localizada, enquanto as
formas difusas incluem a sinovite vilonodular pigmentada difusa e os tipos
difusos de tumores de células gigantes. As formas localizadas são geralmente
indolentes, mas as formas difusas podem ser localmente agressivas.
A sinovite vilonodular pigmentada pode ocorrer em qualquer articulação, bainha
tendinosa ou bursa, tendo no entanto uma predileção pelo joelho.
Foi descrita pela primeira vez por Chassaignac em 1852, como uma proliferação
sinovial anormal sarcoma-like nas bainhas tendinosas de tendões flexores dos
dedos da mão11.
A forma localizada (SVNPL) foi descrita em 1865 por Simon como um nódulo
pediculado no joelho11.
A designação sinovite vilonodular pigmentada foi pela primeira vez usada por
Jaffe em 1941, na descrição de 20 lesões sinoviais que envolviam em bainhas
tendinosas, articulações e bursas.
A etiologia da SVNP é desconhecida. Apesar de alguns autores sugerirem que pode
ser resultado de um traumatismo e subsequente hemorragia local recorrente,
outros defendem que é um processo neoplásico, existindo casos reportados de
transformação maligna e metastização em doentes previamente diagnosticados com
SVNP. Não existem, no entanto, dados com validade científica que corroborem uma
etiologia tumoral.
A SVNP e os TCGBT ocorrem geralmente em adultos jovens com idades entre os 20 e
os 40 anos, verificando-se um ligeiro predomínio de indivíduos do género
feminino. Existem poucos casos publicados em crianças e adolescentes2.
Apesar de histologicamente similares, a SVNPL e a SVNPD diferem na apresentação
clinica, no prognóstico e na resposta ao tratamento.
A forma localizada caracteriza-se por uma lesão pediculada e lobular,
localizada no tecido sinovial. No joelho, as lesões de SVNPL geralmente ocorrem
no compartimento anterior, na junção menisco-capsular. Outras localizações
descritas incluem a gordura de Hoffa, o fundo de saco supra-patelar e os
recessos laterais.
A forma localizada da doença tem bom prognóstico após a excisão, com baixas
taxas de recidiva. Se não for tratada cirurgicamente perpetuam-se as
manifestações de dor e desconforto, com limitação da atividade e função. A
maioria dos autores considera a excisão marginal destas lesões o tratamento de
eleição, com um excelente resultado clinico.
Numa revisão da literatura, Granowitz et al encontraram apenas 2 casos de
recidiva em 24 casos reportados de SVNPL do joelho6.
A forma difusa caracteriza-se pelo envolvimento de toda a articulação e é a
forma mais comum de SVNP (75%). Os sintomas, de início insidioso, incluem dor
generalizada, derrame articular e rigidez. Esta forma tem um padrão destrutivo
e associa-se a um pior prognóstico, com elevadas taxas de recidiva.
O diagnóstico de SVNP nem sempre é clínico, uma vez que os sintomas são
inespecíficos, o que condiciona um atraso no diagnóstico.
O estudo imagiológico é importante no diagnóstico diferencial. A radiografia
articular é um exame pouco específico e sensível para o diagnóstico de SVNP. As
alterações que caracterizam a SVNP são as erosões ósseas periarticulares, as
lesões articulares isoladas com a restante articulação preservada e, numa fase
tardia, o estreitamento da interlinha articular. Estes sinais são no entanto
comuns a outras doenças articulares.
O estudo do líquido sinovial é também um exame com fraca especificidade e
sensibilidade.
A RMN é o exame imagiológico de escolha para o diagnóstico da SVNP. É um método
não invasivo e com elevada sensibilidade e especificidade. É útil na
diferenciação entre as formas difusas e localizadas e na avaliação da extensão
da doença (envolvimento intra e extraarticular).
O diagnóstico final obtido pelo exame histológico do tecido sinovial10.
Microscopicamente, a SNVP é caracterizada pela presença de um infiltrado
histiocitário mononuclear subsinovial com ocasionais células gigantes
multinucleadas (Figura_4), células ovóides ou fusiformes, macrófagos e plexos
vasculares1. Depósitos extracelulares de hemossiderina são um achado comum.
À medida que a doença progride, o aumento da celularidade e vascularização é
substituído por tecido fibrótico.
O diagnóstico diferencial da SVNP inclui outras doenças proliferativas da
sinovial como a artrite reumatoide, sarcoma sinovial, condromatose sinovial e
artropatias inflamatórias.
O tratamento da SVNP tem variado e evoluído à medida que também evoluem as
técnicas cirúrgicas, nomeadamente a artroscopia. Pretende-se a redução da dor e
rigidez, evitando a destruição articular e protelando a necessidade da
substituição artroplástica.
Atualmente não existe lugar para o tratamento conservador na SVNP, excetuando-
se casos recorrentes diagnosticados por estudos de imagem mas sem sinovite
progressiva, podendo nestas situações optar-se por uma atitude expectante em
vez da re-operação.
A radioterapia (RT) é uma opção terapêutica que tem evoluído nos últimos anos.
Se por um lado a radioterapia externa não mostrou ser eficaz como terapêutica
adjuvante à sinovectomia, ultimamente tem crescido o interesse pela
radioterapaia intraarticular tem sido crescente. Apesar de não existirem
estudos que comprovem a superioridade da radioterapia intraarticular adjuvante
relativamente à sinovectomia isolada, alguns autores sugerem que pode ter
interesse em doentes com doença sinovial documentada pós sinovectomia12. Ex
istem contudo algumas preocupações relacionadas com as complicações da
radioterapia intraarticular, nomeadamente a radionecrose sinovial.
A excisão cirúrgica é o método gold standard no tratamento da SVNP, podendo
esta ser artroscópica ou por via aberta.
Quanto ao tratamento artroscópico da SVNPL, os estudos publicados são
praticamente limitados ao joelho. A artroscopia do joelho permite visualizar
facilmente o compartimento anterior, onde se localiza a maioria das lesões de
SVNPL, bem como os recessos lateral e medial. A sinovectomia parcial por
artroscopia tem apresentado baixas taxas de recidiva, sendo importante uma
ressecção alargada ao tecido saudável.
O papel da artroscopia no tratamento da forma difusa da SVNP é discutível, já
que está afetada uma maior área de sinovial, e as lesões localizam-se
predominante no compartimento posterior, local de mais difícil acesso.
Elevadas taxas de sucesso tem sido reportadas por vários
autores6,7,9relativamente à sinovectomia aberta no tratamento da SVNPL.
Johansson et al não encontraram recidivas em 11 doentes submetidos à excisão
por artrotomia7.
A artroplastia total deve ser considerada nos casos de recidivas persistentes e
osteoartrose avançada.
Os autores consideram que, no caso apresentado, a excisão da lesão por
artrotomia foi eficaz e não apresentou complicações (nomeadamente retração
fibrótica e perda de amplitude articular). Permitiu a visualização adequada da
lesão e a sua excisão de forma alargada. No entanto, parece-nos que em lesões
localizadas e de pequena dimensão a ressecção artroscópica é a opção.
A SNVP é um desafio diagnóstico devido à pouca especificidade dos seus sintomas
e às características radiológicas subtis, constituindo uma patologia que deve
ser considerada na abordagem da gonalgia, principalmente em adultos jovens.