Neuropatia compressiva do nervo supraescapular
INTRODUÇÃO
A neuropatia do nervo supraescapular resulta de uma lesão tipicamente por
compressão ou tração.
A primeira descrição deste fenómeno de compressão surgiu na literatura francesa
por Thomas quando em 1936 descreveu "a paralisia do músculo
supraespinhoso" 1. Em 1952, Schilf publica e documenta a primeira
evidência de compressão do nervo supraescapular 2. A entidade clínica foi mais
claramente definida por Thompson e Kopell em 1959, descrevendo a compressão na
goteira supraescapular 3. Aiello et al. apresentaram em 1982 a distinção entre
a compressão na goteira supraescapular e a compressão na chanfradura
espinoglenoideia 4.
Apesar destes estudos, esta patologia foi durante o século XX considerada com
uma causa muito rara de dor e disfunção do ombro e por isso admitida apenas
como diagnóstico de exclusão 5.
Segundo uma meta-análise de Zehetgruber, entre 1959 e 2001 só foram publicados
88 casos de compressão do nervo supraescapular 6.
Na última década assistimos a um crescente interesse por esta patologia com o
aparecimento de mais publicações acerca da anatomia, clinica, diagnóstico e
tratamento desta patologia.
O maior conhecimento desta neuropatia aumentou o seu diagnóstico. Enquanto
Zehetgruber aponta para uma prevalência de 1-2% 6, Lafosse em 2007 reporta uma
prevalência de 7%-10% 7. Warner em 2009 publicou uma incidência de 4% na sua
prática clínica (40 doentes diagnosticados em 937 observados por omalgia) 8.
Vários estudos reportam uma elevada incidência entre atletas com atividades
acima do nível da cabeça (e.g. jogadores de voleibol) que pode chegar aos 33%
9. Recentemente surgiram estudos onde esta neuropatia aparece associada a
roturas maciças da coifa com uma incidência que varia entre os 2% e os 100% 10-
13.
As opções de tratamento têm vindo a evoluir especialmente na última década mas
não são ainda consensuais. A opção pelo tratamento cirúrgico é bastante
controversa, especialmente a opção pela libertação por via artroscópica.
Esta técnica tem sido cada vez mais utilizada mas, apesar dos bons resultados
relatados 7, não encontramos na literatura qualquer análise sistematizada dos
seus resultados clínicos.
Pretendeu-se com este trabalho efetuar uma revisão teórica do tema e uma
análise detalhada dos resultados do tratamento artroscópico, procurando as
indicações mais apropriadas para esta técnica.
Para isso foi efectuada uma pesquisa em 6 bases de dados disponíveis na
Internet (PubMed, Science Citation Index, Embase, Google scholar, Cochrane
review, ResearchGate) utilizando as expressões: "suprascapular
nerve", "arthroscopic", "release" e
"decompression". De todas as publicações encontradas, mais de
metade foram notas técnicas, cerca de 25% foram casos clínicos e apenas cerca
de 21% diziam respeito a estudos clínicos. Foi sobre estes que incidiu a
análise efectuada.
ANATOMIA
O Nervo Supraescapular
O Nervo supraescapular é um dos ramos supraclaviculares do plexo braquial. Mais
concretamente, é o primeiro ramo do tronco superior do plexo braquial e é
formado pelos ramos ventrais do quinto e sexto nervos cervicais (C5 e C6),
podendo ocasionalmente receber contributo da raiz de C4.
Inicialmente caminha posterior à clavícula e depois no bordo superior da
omoplata, atravessando a goteira supraescapular inferior ao ligamento
transverso da omoplata.
Neste trajecto é acompanhado pela artéria supraescapular que na goteira
supraescapular se afasta ligeiramente passando sobre o ligamento transverso.
Após abandonar a goteira, o nervo caminha medial ao tubérculo supraglenoideu e
posterior ao rebordo da glenoide. De seguida contorna a espinha da omoplata e,
em conjunto com a artéria, atravessam a chanfradura espinoglenoideia, inferior
ao ligamento transverso inferior da omoplata ou ligamento espinoglenoideu14-16
dirigindo-se para o músculo infraespinhoso (Figura_1).
O nervo supraescapular é classicamente considerado um nervo motor, fornecendo 2
ramos ao músculo supraescapular após atravessar a goteira supraescapular e 2 a
4 ramos terminais ao músculo infraespinhoso depois de contornar a chanfradura
espinoglenoideia.
Além desta função motora, estudos em cadáver14, 17, 18 indicam que ele tem
ramos sonsoriais para as articulações gleno-umeral e acrómio-clavicular, para o
ligamento coraco-acromial e para a pele. Brown considera que poderá ser
responsável por cerca de 70% da sensação da pele do ombro19. Estes dados
encontram suporte clinico nos estudos de Ritchie e de Matsumoto onde é
reportada menor dor apos cirurgia do ombro quando é efectuado o bloqueio do
nervo supra-escapular20, 21. Também Vorster22 confirmou a presença destes ramos
sensoriais nos seus estudos em cadáver.
A Goteira Supraescapular e o Ligamento Transverso da Omoplata
A chanfradura supraescapular é o leito sobre o qual o nervo supraescapular
cruza o bordo superior da omoplata. Em conjunto com o ligamento transverso da
omoplata, formam uma goteira que embora oferecendo proteção ao nervo
supraescapular, pode ser causa de lesão tanto por funcionar como um restritor
aos seus movimentos como por ser a própria causa da compressão.
De acordo com Rengachary em 1979, há seis tipos básicos de goteira
supraescapular17: Tipo I (8%): Goteira ausente, em que o bordo superior forma
uma depressão ampla desde o ângulo medial até à base da coracoide; Tipo II
(31%): Goteira em forma de V largo ocupando o terço médio do bordo superior;
Tipo III (48%): Goteira em forma de U com margens quase paralelas; Tipo IV
(3%): Goteira em forma de V e muito pequeno em que um sulco raso é
frequentemente formado para o nervo supraescapular adjacente à goteira; Tipo V
(6%): Goteira mínima e em forma de U com o ligamento parcialmente ossificado;
Tipo VI (4%): O ligamento que forma o teto da goteira está completamente
ossificado.
Segundo Lafosse e seus colaboradores, o risco de compressão é tanto maior
quanto mais pequena a goteira supraescapular e mais espesso o ligamento
transverso da omoplata23.
O ligamento transverso da omoplata pode tornar-se mais espesso se houver
hipertrofia, fibrose ou ossificação. Além dos fenómenos que conduzem a um
conflito de espaço, pode causar ainda irritação do nervo Supraescapular através
de um mecanismo de cinto durante certos movimentos do membro superior.
A Chanfradura Espinoglenoideia e o Ligamento Espinoglenoideu
O ligamento espinoglenoideu, também conhecido por ligamento transverso inferior
da omoplata, é o local mais frequente de compressão do nervo supraescapular14.
Ele origina-se na espinha da omoplata e insere-se no rebordo superior do colo
da glenoide segundo uma estrutura bilaminar. Cummins, em 1998, classificou este
ligamento em 2 tipos: tipo I, uma fina banda de tecido e o tipo II, um
ligamento bem formado15.
Mais recentemente Plancher divulgou os seus estudos em 58 cadáveres nos quais
identificou o ligamento espinoglenoideu em 100% dos casos. Segundo o seu artigo
de 2005, o ligamento é de tamanho variável (comprimento médio de 15 mm) mas
apresenta estrutura histológica constante de feixes de colagénio bem
organizados24.
Pela sua inserção na capsula articular gleno-umeral posterior, o ligamento
espinoglenoideu é uma estrutura dinâmica. Em certas posições do membro superior
com a adução e rotação interna, este ligamento torna-se tenso devido ao
tensionamento da capsula posterior e pode comprimir o nervo25.
A chanfradura espinoglenoideia é contornada pelo nervo supraescapular entre a
iminência dos ramos para os músculos supra e infraespinhoso. Segundo o estudo
em cadáver efectuado por Warner14 em casos de rotura maciça da coifa com
retracção superior a 3 cm existe uma tensão elevada nos ramos motores do nervo
supraescapular, podendo condicionar compressão deste sobre a chanfradura.
Outros autores apresentaram resultados que apontam para que roturas com mais de
1 cm de retração já poderão condicionar tensionamento excessivo no nervo
supraescapular26.
ETIOLOGIA
A neuropatia compressiva do nervo supraescapular pode ser primária (ou
idiopática) ou secundária23.
Neuropatia compressiva do nervo supraescapular primária (ou idiopática)
A neuropatia compressiva do nervo supraescapular primária (ou idiopática) deve-
se essencialmente a um estiramento ou compressão do nervo por trauma e/ou
micro-trauma repetitivo associado a certos movimentos dos membros superiores e/
ou região cervical. Em atletas que praticam desportos com o membro superior
elevado, pode haver uma compressão dinâmica devida ao aumento de pressão sobre
o nervo gerada pelo tensionamento do ligamento espinoglenoideu quando o ombro
se encontra numa posição de arremesso acima da cabeça23, 25.
A compressão pode também acontecer na goteira supraescapular ou na chanfradura
espinoglenoideia por um mecanismo direto, como seja a presença de um tumor dos
tecidos moles, um tumor ósseo, uma malformação vascular, ou mesmo um quisto
secundário a lesão capsular ou do labrum (Figuras_2 e 3).
Figura_3
Em doentes com uma estenose da goteira supraescapular ou da chanfradura
espinoglenoideia por calcificação ou hipertrofia ligamentar existe uma maior
predisposição para uma compressão do nervo a estes níveis.
A compressão do nervo supraescapular pode ainda acontecer por outros motivos:
pelos ligamentos coracoescapulares anteriores, pelo bordo hipertrofiado do
músculo infraescapular, pelo músculo omo-hioideu, por luxação gleno-umeral, em
casos de neurite vírica, por lesões penetrantes do ombro e pela abordagem
cirúrgica posterior da omoplata23, 27, 28(Figura_4).
Figura_4
Neuropatia compressiva do nervo supraescapular secundária
A neuropatia compressiva do nervo supraescapular secundária está associada a
roturas maciças da coifa. A retração dos tendões da coifa no contexto de rotura
maciça podem condicionar tração e consequente estiramento do nervo tanto na
goteira supraescapular como na chanfradura espinoglenoideia.
Vários estudos encontraram correlação entre a presença de neuropatia do nervo
supraescapular e a presença de rotura maciça da coifa12, 14, 29, 30. Por outro
lado, acredita-se que o processo de reparação de rotura maciça, com avanço
lateral do tendão supraespinhoso, possa condicionar lesão do nervo estiramento.
Há autores que reportam um risco aumentado de lesão associado a um avanço
lateral do tendão superior a 3 cm ou até menos14, 26.
Albritton et al. demonstrou em 2003 que aumentando a retracção do tendão
supraespinhoso, reduzia o angulo entre o nervo supraescapular e a sua primeira
raiz motora, com um aumento da tensão no nervo ao nível da goteira
supraescapular30.
DIAGNÓSTICO
História clínica
O doente com lesão do nervo supraescapular tipicamente apresenta uma dor
permanente de aparecimento insidioso, localizada à região superior,
posterosuperior e/ou posterolateral do ombro. O agravamento nocturno da dor é
uma queixa variável.
É frequente existir queixas associadas de fadiga e fraqueza muscular sobretudo
em atividades com o membro superior acima da cabeça.
Por vezes é possível identificar uma história de trauma ou atividades
repetitivas com o membro superior acima da cabeça31.
Exame físico
O exame físico inclui sempre a avaliação da coluna cervical e dos dois ombros,
pesquisando alterações da sensibilidade da face posterosuperior do ombro, da
atrofia muscular da face posterior do ombro e força muscular sobretudo dos
rotadores externos.
Alguns doentes podem ser praticamente assintomáticos, apresentando apenas
alterações ao exame físico compatíveis com atrofia muscular do supraespinhoso
e/ou infraespinhoso.
O exame físico dos doentes com lesão do nervo na goteira supraescapular
apresenta tipicamente alteração da sensibilidade à palpação da região posterior
à clavícula, entre esta e a espinha da omoplata, diminuição da força de abdução
e rotação externa contra resistência e atrofia dos músculos supra e/ou
infraespinhosos
Quando a lesão é na chanfradura espinoglenoideia, pode haver hipersensibilidade
à profundidade e na região posterior à articulação acrómio-clavicular, dor com
a adução forçada (cross-arm test positivo pelo tensionamento do ligamento
espino-glenoideu)25, atrofia do músculo infraespinhoso (poupando o
supraespinhoso) e diminuição da força à rotação externa. No entanto, quando há
muito tempo de evolução, o músculo pequeno redondo pode compensar a perda do
infraespinhoso e manter uma força de rotação externa quase normal.
O teste descrito por Lafosse23 em que há aumento da dor posterior quando é
efectuada a rotação da cabeça do doente para o lado contra-lateral associada a
tracção simultânea do ombro em estudo pode ser utilizado para pesquisar
patologia associada ao nervo supraescapular.
Exames auxiliares de diagnóstico
Doentes com queixas e exame objetivo sugestivo de patologia do nervo
supraescapular devem ser avaliados radiograficamente (face em dupla obliquidade
e perfil em Y da omoplata) procurando a presença de displasia óssea,
ossificação, formação de calo ósseo exuberante, tumor ósseo e variações ósseas
da goteira supraescapular.
Pode também ser solicitado uma incidência especial: a incidência para a goteira
supraescapular (feixe dirigido 15º a 30º em direção cefálica) que permite
avaliar as variações ósseas da goteira ou a incidência de Stryker para a
goteira que permite uma melhor visualização desta.
A tomografia computorizada (TC) define melhor a existência de fraturas bem como
as características anatómicas. É o exame de eleição para documentar a
ossificação do ligamento transverso da omoplata5.
A ressonância magnética (RM) é o exame ideal para visualizar o trajeto do nervo
bem como identificar massas ou outras lesões ocupando espaço32-34. Permite
excelente avaliação do labrum, quistos associados, tendões da coifa dos
rotadores e qualidade dos músculos, incluindo a infiltração adiposa e a
atrofia35 (Figura_5).
A electromiografia e o estudo da velocidade de condução do nervo são
instrumentos fundamentais no estudo da patologia do nervo supra-escapular23.
Apesar da sensibilidade e especificidade do exame ser ainda um assunto em
debate, é profundamente dependente do tipo de lesão em causa mas também da
experiência do executante5, 23, 36. A electromiografia está indicada na
presença de: dor no ombro continua, persistente, sem outra explicação; atrofia
e fraqueza dos músculos supraespinhoso e infraespinhoso sem evidência de rotura
da coifa ou infiltração adiposa; edema dos músculos observado em RM sem
evidência de rotura da coifa5, 37. Está indicada ainda na presença de quisto
associado a rotura maciça da coifa com retração franca ou a lesão labral para
excluir concomitante lesão do nervo supraescapular10.
A electromiografia pode mostrar desnervação dos músculos supra e infraespinhoso
ou infraespinhoso, com fibrilações e ondas pontiagudas. O estudo da condução
pode mostrar valores de latência desde o ponto Erb até aos músculos ou entre os
músculos supra e infraespinhoso.
Tal como no estudo de outras neuropatias compressivas, a electromiografia e os
estudos de condução apresentam alguma variabilidade. Por exemplo, no síndroma
do túnel cárpico, a sensibilidade varia de 74% a 91%36, 38. Na neuropatia
compressiva do nervo supraescapular, há estudos que reportam sensibilidade de
91% em doentes com diminuição da força de rotação externa39. Ainda assim, não é
necessário uma electromiografia positiva para efetuar o diagnóstico de
neuropatia compressiva do nervo supraescapular23.
Em doentes com electromiografia negativa, pode ser efectuada a injecção sob
controlo fluoroscópico de anestésico local na goteira supra-escapular5, 12 cujo
alívio imediato da dor constitui um sinal positivo para o diagnóstico de
neuropatia compressiva do nervo supraescapular.
TRATAMENTO
Tratamento Conservador
O tratamento inicial para a maior parte dos doentes com neuropatia compressiva
do nervo supraescapular isolada (sem associação com rotura maciça da coifa ou
quisto paralabral) assenta em modificação da actividade, anti-inflamatórios não
esteroides e fisioterapia40, 41. O programa de fisioterapia deve ser focado na
mobilização do ombro e no reforço muscular com especial atenção aos
estabilizadores do ombro.
Black e Lombardo publicaram 4 casos de doentes com neuropatia do supraescapular
afectando o infraespinhoso que melhoraram apos 6 a 12 meses de tratamento42.
Drez descreveu os casos de outros 4 doentes com neuropatia isolada do
supraescapular que melhoraram apos tratamento conservador e recomenda 6 a 8
meses de tratamento43. Martin publicou uma serie de 15 doentes com neuropatia
compressiva do nervo supraescapular isolada tratados conservadoramente durante
quase 4 anos: 5 obtiveram excelente resultado, 7 bom resultado enquanto apenas
3 necessitaram de cirurgia. Martin recomenda por isso tratamento conservador em
todos os doentes excepto em casos de lesões ocupando espaço ou dor
persistente40.
Apesar de a maior parte dos autores recomendarem o tratamento conservador na
maior parte dos doentes, a taxa de sucesso não está determinada. De facto
alguns autores recomendam uma abordagem cirúrgica mais precoce para prevenir
maior agravamento da deterioração do músculo44. Não há contudo neste momento
evidência de que o adiamento da abordagem cirúrgica esteja relacionado com
lesão irreversível do nervo5.
Tratamento Cirúrgico
A decisão por um tratamento cirúrgico deve ser resultado de uma avaliação
ponderada de cada doente e baseada na observação clinica, radiológica e
electromiográfica, na causa e localização da lesão.
Na presença de uma neuropatia isolada do nervo supraescapular (sem patologia
concomitante) que não respondeu ao tratamento conservador, deve ser ponderada a
descompressão cirúrgica7, 44-47. Se a neuropatia é diagnosticada em conjunto
com uma rotura da coifa ou com uma lesão labral com quisto associado, está
indicado o tratamento cirúrgico para tratamento da patologia de base que está
na origem da lesão neurológica. Alguns autores defendem a descompressão do
nervo na goteira supraescapular em associação com o tratamento da rotura da
coifa bem como a descompressão do quisto durante a reparação do labrum7, 48-50.
Outros defendem que após tratar a patologia de base ocorre a resolução da
neuropatia do nervo supraescapular11, 51, 52.
Tratamento cirúrgico na chanfradura espinoglenoideia
A neuropatia do nervo supraescapular na chanfradura espinoglenoideia é
tipicamente secundária a compressão do nervo por lesão ocupando espaço. A
maioria destas lesões são quistos, normalmente secundários a lesões do labrum,
lipomas ou outros tumores benignos da região27, 53.
Quando o responsável pela compressão é um tumor, o tratamento cirúrgico está
indicado, sendo normalmente necessário recorrer a uma abordagem aberta para a
ressecção da lesão.
Quando o motivo da compressão é um quisto, a questão é bem mais controversa.
Alguns autores propuseram a aspiração do quisto guiada por ecografia mas os
resultados foram inconsistentes. Vários estudos apontam para um bom alívio da
dor32, 54-56 mas com taxas de recorrência elevadas (até 75%)57, 58. Pare ser
uma técnica segura mas com alta taxa de recorrência provavelmente devido ao
facto de não abordar a patologia de base.
O tratamento cirúrgico pode consistir numa descompressão cirúrgica do quisto
por via aberta ou artroscópica, associada ou não à reparação do labrum, ou pode
consistir apenas numa reparação isolada do labrum. A descompressão aberta pode
ser efectuada por via de abordagem posterior do ombro. Contudo, esta via
oferece uma visualização limitada do labrum e de outras possíveis lesões intra-
articulares associadas46. A via artroscópica é mais versátil permitindo a
descompressão do quisto bem com a visualização e tratamento das lesões intra-
articulares. Diversos autores como Westerheide, Chen e Lichtenberg defendem um
risco de recorrência menor na via artroscópica46, 57 bem como uma melhoria
funcional mais consistente após a descompressão do quisto e reparação do
labrum59, 60.
Mais recentemente alguns autores defendem que é suficiente a reparação da lesão
labral, sem descompressão do quisto, no tratamento da neuropatia compressiva do
nervo supraescapular na chanfradura espinoglenoideia52, 61. Schroder reportou
desaparecimento do quisto na RMN pós-operatória em 88% dos 44 doentes tratados
deste modo51.
Se a compressão for devida a um espessamento do ligamento espinoglenoideu, o
tratamento de eleição é a descompressão cirúrgica do ligamento que pode ser
efectuada por via aberta ou, preferencialmente, por via artroscópica, com as
vantagens associadas à técnica artroscópica.
Tratamento cirúrgico na goteira supraescapular
A compressão do nervo supraescapular na goteira supraescapular é causada mais
frequentemente por movimentos repetidos do ombro, conflito de espaço em
consequência de variações anatómicas locais ou de lesões que ocupam espaço ou
ainda tração secundária a rotura da coifa.
Na maior parte dos casos, o tratamento consiste na libertação do ligamento
transverso da omoplata com exérese ou descompressão de qualquer massa
existente. Esta libertação pode ser efetuada através de abordagem aberta ou
artroscópica.
Classicamente utilizada, a via aberta é efetuada através de uma incisão
transversal, proximal à espinha da omoplata ou, em alternativa, de uma incisão
vertical 4.5 cm medial ao bordo posterolateral do acrómio. O músculo trapézio é
levantado da espinha da omoplata e o músculo supraespinhoso afastado. É então
efetuada a dissecção até ao limite posterior do bordo superior da omoplata onde
é identificado e seccionado o ligamento transverso da omoplata protegendo o
nervo supraescapular e com o cuidado de não lesar o feixe vascular que passa
sobre ele62. Pode ser necessário efetuar uma goteiroplastia para descomprimir
uma goteira restritiva ossificada.
Estão reportados pouco mais de 250 casos de libertação aberta do nervo
supraescapular na goteira supraescapular5. As complicações verificadas foram
poucas e a maioria dos doentes tiveram evolução clinica favorável apesar de
raramente haver reversão da atrofia muscular47.
A primeira visualização endoscópica do nervo supraescapular foi descrita por
Krishnan em 200463 num estudo efectuado em cadáver. Bhatia em 2006 propôs uma
abordagem totalmente artroscópica para a descompressão do nervo supraescapular
na goteira supraescapular64. Nessa nota técnica propôs a utilização de novos
portais, neuroestimulação e um artroscópio a 70º. Desde então foram publicadas
múltiplas notas técnicas7, 65-72 com descrições detalhadas de alternativas e
variações deste procedimento (Figura_6).
Lafosse em 2007 descreve um aperfeiçoamento da técnica completamente
artroscópica7 com a utilização de um novo portal superior (portal de Lafosse)
entre a clavícula e a espinha da omoplata, cerca de 7 cm medial ao bordo
lateral do acrómio. Lafosse descreve também três grandes vantagens da via
artroscópica sobre a via convencional aberta. Primeiro permite melhor
visualização das estruturas neurovasculares e do ligamento transverso da
omoplata. O nervo supraescapular é pequeno (cerca de 2mm) e por vezes de
difícil visualização por via aberta. Isto pode resultar em lesão inadvertida do
nervo durante a dissecção até à goteira supraescapular. O pequeno diâmetro do
nervo é facilmente visualizado pela ampliação proporcionada pelo artroscópio e
permite uma libertação mais fácil e segura. Segundo, a libertação artroscópica
é significativamente menos invasiva e não requer a desinserção do trapézio.
Assim, os doentes têm menos dor comparativamente com a via aberta (sem
necessidade de narcóticos às 72h pós-operatório). Terceiro, é um procedimento
que pode ser efetuado em regime de cirurgia de ambulatório e com um tempo
cirúrgico significativamente inferior do que a via aberta (entre 1h nos
primeiros casos e 10 minutos após a curva de aprendizagem)7 Figura_7).
Resultados do tratamento cirúrgico artroscópico na goteira supraescapular
Em relação aos resultados do tratamento pela via artroscópica, encontram-se
publicados apenas 4 estudos que, no total, reportam resultados de 68 doentes7,
45, 73, 74.
Nestas séries podemos verificar que o diagnóstico foi efetuado com base na
presença de dor em cerca de 65% dos casos, nas alterações electromiográficas
encontradas em 51% dos doentes, na resposta positiva à injeção de anestésico
local na goteira supraclavicular em 38% dos casos e na diminuição da força
muscular da rotação externa em 34% dos doentes.
A idade média destes doentes foi de 52 anos, com um mínimo de 41 e um máximo de
62 anos. O seguimento médio ponderado de todos os doentes foi de 20 meses.
Dos 68 doentes reportados, houve melhoria da dor em 73% dos casos e quando foi
efetuada uma electromiografia pós-operatória, verificou-se normalização das
alterações pre-operatórias em 73% dos casos.
Do ponto de vista da avaliação clínica, 19 doentes foram avaliados pelo score
de Constant que passou de 57.3 pré-operatoriamente para 82.3 na avaliação pós-
operatória. O Score ASES foi utilizado em 37 doentes e subiu de 40.96 para
76.38 entre as avaliações pré e pós-operatórias. Cerca de 71% dos doentes
melhoraram o ASES de forma estatisticamente significativa. Em 27 doentes foi
aplicado o SSV, sendo de 37.7% pré-operatoriamente e de 64.4% no pós-
operatório.
Foi encontrada uma tendência para melhor resultado em casos de doentes com
sintomas recentes (<1 ano), com início insidioso das queixas, homens e nos
doentes são sinistrados.
Os 68 doentes avaliados nas 4 séries publicadas até ao momento representam uma
amostra ainda pequena para que possamos formular conclusões seguras. Ainda
assim, a tendência dos vários estudos foi para uma melhoria significativa da
dor, regressão das alterações eletromiografias existentes e melhoria da função
após o procedimento.
Todos os estudos reportam melhoria do parâmetro dor, o que parece ser um
resultado consistente. Lafosse e Oizumi dão especial importância à normalização
electromiográfica verificada na maior parte dos seus doentes.
A melhoria do score de Constant verificada por Clavert e do score ASES e SSV
apresentados por Warner indicam que o procedimento é clinicamente relevante,
com melhoria estatisticamente significativa dos scores avaliados. Warner
excluiu do estudo doentes com patologia da coifa concomitante procurando isolar
a patologia em estudo. Em todos os estudos são apresentadas como indicações
para a cirurgia a dor localizada à face posterosuperior do ombro, a existência
de alterações na EMG e a limitação da rotação externa e da abdução, com ou sem
atrofia dos músculos infraespinhoso e supraespinhoso.
CONCLUSÃO
A neuropatia compressiva do nervo supraescapular é atualmente uma entidade
nosológica bem estabelecida e cada vez melhor compreendida. Deve ser sempre
considerada no diagnóstico diferencial da patologia da cintura escapular,
sobretudo em doentes jovens, atletas ou no contexto de roturas da coifa.
A libertação artroscópica do nervo supraescapular é uma técnica recente mas em
expansão. Está indicada em doentes com omalgia posterior, diminuição da força
do supraespinhoso e infraespinhoso ou apenas do infraespinhoso, com ou sem
alterações electromiográficas, mas apenas na falência do tratamento
conservador.
Apesar das series publicadas até ao momento serem pequenas, é um procedimento
que parece proporcionar resultados clínicos positivos consistentes,
constituindo um tratamento válido para a neuropatia compressiva do nervo
supraescapular.