Prevenção do Tromboembolismo Venoso (TEV) em Cirurgia
EDITORIAL
Prevenção do Tromboembolismo Venoso (TEV) em Cirurgia
Carlos Pereira Alves
Professor de Cirurgia Jubilado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Nova de Lisboa
Correspondência
A necessidade de prevenção do TEV, designação que engloba a trombose venosa
profunda (TVP) e a embolia pulmonar (EP), nos doentes hospitalizados è hoje
inquestionável, face à sua grande incidência, muito superior a que cada médico
passa a inferir da sua pratica clínica à sua mortalidade resultante da EP e à
sua morbilidade traduzida no síndrome postrombótico e na hipertensão pulmonar
crónica, mas principalmente porque a EP é hoje reconhecida como uma das
principais causas de morte hospitalar evitável.
Faz hoje parte das normas e procedimentos de qualquer hospital certificado a
existência de regras de prevenção do TEV, tal como as regras de profilaxia
antibiótica. Todos os doentes admitidos no hospital devem ser avaliados nos
seus factores de risco de TEV e de risco hemorrágico e em função dessa
avaliação serem tomadas as medidas de prevenção adequadas.
A decisão de não fazer prevenção deve ser anotada no processo clínico do
doente.
Durante o internamento os doentes devem ser reavaliados, pois a situação
clínica pode alterar-se.
A necessidade da prevenção do TEV para os doentes internados para a cirurgia é
ainda mais premente.
De facto o risco de TVP pós operatória sem medidas de prevenção é de cerca de
30% na cirurgia abdominal, valores que sobem para 40 a 70% na cirurgia
oncológica.
Na cirurgia ortopédica estes valores são ainda maiores, com 40 a 60% na
cirurgia de artroplastia electiva e fractura da anca, e de 50 a 90% na
artroplastia electiva do joelho.
No internamento de doentes médicos os valores são em média de 20%.
Os factores de risco de TEV nos doentes submetidos a cirurgia com internamento
são inúmeros, facto que torna por vezes difícil a sua memorização e estarem
presentes na altura do internamento para decisão de prescrever ou não medidas
de prevenção.
O pensar estes factores de risco em função da classe tríade de Virchow, ou seja
pensar se estão presentes factores que levam a imobilização (p.ex. doentes
acamados longo tempo, imobilização pós operatória superior a 2/3 dias,
anestesias superiores a 2 horas, aplicação de gessos, viagens de longo curso),
factores de hipercoagulação(p. ex. cirurgia oncológica ou cancro activo,
trombofilia, gravidez medicamentos com estrogenios) ou factores com efeito
sobre o endotélio venoso (p. ex. compressão extrínseca tumoral ou inflamatória
ou traumatismo venoso directo), é uma abordagem pratica que costumo sugerir aos
alunos e internos, acrescentando ainda que a idade é um factor global de risco.
Tal raciocínio nem sempre é lembrado e está presente, resultando daí, que
apesar da necessidade de fazer prevenção do TEV ser por todos reconhecida, a
prática clínica revela que a sua prescrição é ainda altamente por defeito.
Corrigir esta prescrição por defeito, tem estado na origem da construção de
modelos indicativos da necessidade de prevenção.
Um destes modelos é o de Caprini e col.
Na nossa opinião, tal modelo pretendendo ser muito exaustivo em relação aos
factores de risco, corre o risco de por tal facto ser usado por defeito.
Foi nesta linha de pensamento que o Capítulo de Cirurgia Vascular e os seus
elementos coordenadores (Pereira Alves, Costa Almeida, Pratas Balhau e Luís
Silveira) elaboraram um protocolo que se pretendia fácil e reprodutível, já que
considera factores de risco "major " frequentes, como factores em que
cada um "per si", indica prevenção activa, a saber: doente operado
com internamento e idade superior a 60 anos, antecedentes de TEV, cirurgia
oncológica, cirurgia com duração previsível superior a 2 horas, com
morbilidades que classificam o doente como ASA III/IV (sendo que os ASA II,
devem ser considerados caso a caso), e obesidade mórbida.
Como factores de risco moderado consideram-se a cirurgia com a duração entre 1
e 2 horas e um pós operatório com um internamento superior a 2 dias.
Se nenhum destes factores estivesse presente o doente era classificado como
baixo risco.
Em todos os doentes internados se recomenda que os tempos de internamento sejam
apenas os clinicamente necessários, bem como deambulação precoce.
A prevenção do TEV é feita com HBPM, numa dose subcutâneo dia, iniciada 8 a12
horas antes da cirurgia, com a posologia sugeridas pelos fabricantes e
constantes no protocolo.
Nos últimos anos foram avaliados em extensos ensaios clínicos novos
anticoagulantes por via oral; o apixabano, o dabigatrano e o rivaroxabano.
Os resultados dos ensaios clínicos na prevenção em cirurgia ortopédica de
artroplastia da anca e joelho em adultos revelaram melhores resultados que a
enoxaparina em termos de recorrência da TVP e/ou EP fatal ou não fatal e igual
segurança em termos de "hemorragia major" e "não major
clinicamente relevante" de acordo com os critérios do ISTH.
Com base nestes resultados estes novos anticoagulantes orais foram autorizados
na Europa, para uso na prevenção do TEV, em adultos submetidos a antroplastias
da anca ou joelho.
O apixabano (Eliquis®), foi aprovado pelas autoridades em Maio de 2011 e
aguarda autorização de introdução no mercado (AIM).
O rivaroxabano. (Xarelto®) e o dabigatrano (Pradaxa®) estão já introduzidos no
mercado e com comparticipação.
A dose de apixabano é de 1 comp de 2,5 mg 2 vezes por dia com inicio 12 a 24
horas apos a cirurgia e durante 32 a 38 dias na cirurgia da anca e 10 a 14 dias
na cirurgia do joelho.
A dose de rivaroxabano é de 10 mg uma vez ao dia, administrando a 1ª dose, 6 a
10 horas após a cirurgia e com uma duração de 5 semanas na cirurgia da anca e
de 2 semanas na cirurgia do joelho.
O dabigatrano deve ser administrado 1 a 4 horas após a cirurgia na dose de 1
cápsula de 110 mg seguidas de 2 cápsulas em toma única, nos dias seguintes e
durante 28 a 35 dias na cirurgia da anca e10 dias na cirurgia do joelho.
Dado 80% do dabigatrano ser excretado inalterado pelo rim, deve ter-se em conta
a função renal para ajuste posológico.
A prescrição de HBPM ou dos novos anticoagulantes orais, podem ser reforçados
com o uso de meias elásticas tromboembolicas aquando da alta hospitalar, as
quais estão igualmente indicadas como medida de prevenção do TEV, nos casos de
risco hemorrágico elevado.
De facto, além da avaliação dos factores de risco do TEV, devem igualmente ser
avaliados os factores de risco hemorrágico p. ex. hemorragia activa, plaquetas
<a 75.0000, hemofilia conhecida; AVC no mês anterior, doença hepática severa,
ulcera péptica activa, varizes esofágicas, punção lombar nas 4 horas anteriores
etc., nestes casos, como já dito, recomenda-se o uso de meias elásticas
tromboembólicas como prevenção.
O estudo realizado no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de Castelo Branco,
e agora publicado neste numero da Revista Portuguesa de Cirurgia, analisa a
prevenção do TEV em Cirurgia, utilizando dois protocolos:
- o protocolo de Caprini e col;
- o protocolo do Capítulo de Cirurgia Vascular da Sociedade Portuguesa de
Cirurgia.
Este estudo é para o Capítulo de Cirurgia Vascular, motivo de grande
satisfação.
Por um lado, porque revela que o objectivo do Capítulo de chamar a atenção
(call for action) para a necessidade de prevenção do TEV em cirurgia, está a
ser alcançado.
Por outro, os resultados obtidos com o uso dos dois protocolos, mostram que no
protocolo de Caprini, com indicadores mais exaustivos e descritivos, foi maior
o número de doentes com indicação para prevenção do TEV, mas ao mesmo tempo foi
menor o número de doentes que fizeram essa prevenção.
Apesar da grande limitação de análise destes resultados, devido a englobar
amostra referente apenas a 1 mês, e consequentemente muito pequeno o numero de
doentes, não deixam de ser resultados curiosos, e que vêm ao encontro do nosso
raciocínio prévio .
Por isso, e como nota final, alem de estar de parabéns o Hospital Amato
Lusitano pela qualidade do trabalho, deixamos o pedido/sugestão de alargarem o
estudo ao período de 1 ano / 6 meses.
Correspondência
CARLOS PEREIRA ALVES
e-mail: carpereiraalves@gmail.com
Data de recepção do artigo:
09-12-2012