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EuPTCVHe1646-69182013000200004

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Acção anti-cancerígena da Quercetina no Carcinoma Hepatocelular: o papel do GLUT-1

INTRODUÇÃO O carcinoma hepatocelular (CHC) é um dos tipos de cancro mais letais em todo o mundo. A principal causa da carcinogénese hepática é atribuída à doença hepática crónica secundária associada à ingestão crónica de álcool como com a infecção pelo vírus da Hepatite B (HBV) ou pelo vírus da Hepatite C (HCV), estando estes normalmente relacionados com a doença hepática crónica [1,2].

Existem ainda outros factores que contribuem para a génese do CHC, como a obesidade, a diabetes e a esteatose hepática não-alcoólica [3,4].

O CHC não possui tratamento específico, o prognóstico é muito pobre e a sobrevida diminuta, o que o torna a terceira maior causa de morte por cancro a nível mundial. Entre as opções terapêuticas, o transplante hepático e a ressecção cirúrgica são as terapias mais eficazes, contudo apenas 15% a 20% dos doentes podem beneficiar do tratamento cirúrgico [4-6].

O CHC é classificado como um tumor com elevada quimiorresistência; deste modo, a eficácia da quimioterapia sistémica convencional para este tipo de cancro é reduzida. Embora, a doxorrubicina sistémica, seja o agente mais utilizado na prática clínica, permite uma resposta parcial apenas em cerca de 10% dos doentes sem melhorar de forma significativa a sobrevida global [7-12].

A radioterapia também pode ser usada no tratamento do CHC. No entanto, alguns estudos tem demonstrado que a ineficácia da acção da radioterapia deve-se à heterogeneidade dos carcinomas hepatocelulares, nomeadamente na expressão da protéina p53, o que poderá estar na base da resistência/sensibilidade associada à radio e à quimioterapia [6,13-14].

Neste sentido, torna-se necessário investigar novas opções terapêuticas no combate ao CHC. A terapia génica tem vindo a ser estudada exaustivamente como uma nova abordagem para o tratamento do CHC surgindo, o transportador de glucose 1 (GLUT-1) como possível alvo terapêutico para este tipo de tumor extremamente agressivo [15,16]. A sobreexpressão de GLUT-1 associado ao aumento do metabolismo de glucose estão presentes numa ampla variedade de tumores sólidos conferindo-lhes, na maioria das vezes, um mau prognóstico [16-20].

Alguns estudos indicam que o GLUT-1 se encontra sobreexpresso no CHC, promovendo a carcinogénese [16,17]. Para além disso, um estudo de 2009 [17] demonstrou que suprimindo a expressão de GLUT-1, recorrendo a siRNA (small interfering RNA) se conseguiu reduzir significativamente a tumorigénese em culturas celulares de CHC; estes resultados sugerem que o GLUT-1 desempenha um papel directo na oncogénese desta neoplasia, podendo ser um novo alvo terapêutico para este tipo de tumor [15-17].

A tomografia por emissão de positrões (PET) com recurso ao análogo radiomarcado da glucose 18F-FDG permite a detecção de processos de glicólise aumentados. O 18F-FDG entra nas células através de transportadores de glucose (GLUTs), principalmente através do GLUT-1 e do GLUT-3. No entanto, ao mesmo tipo histológico de tumor poderão corresponder diferentes captações de 18F-FDG [16,21]. Desta forma, diferentes tumores possuem diferentes captações do radiofármaco, o que poderá estar intimamente relacionado com as diferenças existentes na expressão de GLUT's de cada tumor e com o perfil genético dos mesmos [16, 21].

O efeito anti-tumoral dos flavonóides tem sido estudado, com o intuito de induzir a inibição do crescimento celular e indução de apoptose numa variedade de células oncológicas [22]. Os flavonóides e os isoflavonóides são potentes inibidores do fluxo de glucose [23-25]. Neste sentido, tem vindo a ser estudada a acção destas substâncias como inibidores do GLUT-1. Este transportador de glucose possui três domínios de ligação de ATP, que são essenciais para a sua conformação e afinidade. Deste modo, estes locais de ligação de ATP parecem ser um alvo possível para estratégias farmacológicas, que resultam no bloqueio do GLUT-1. Actualmente, tem-se demonstrado que as flavonas, como a genisteína e a quercetina, inibem as tirosinas cinases da ligação de ATP, sendo capazes também de inibir o GLUT-1 através deste mecanismo [16].

A quercetina é um flavonóide bioactivo ubíquo que inibe a proliferação de células oncológicas. Estudos realizados em culturas celulares mostraram que a quercetina possui actividade contra alguns tipos de células cancerosas [26,27].

Outros estudos recentes sugeriram que a quercetina pode retardar o crescimento destas células e pode ajudar a promover a apoptose [23-25]. Deste modo, a quercetina pode ser considerada um potencial agente terapêutico para células tumorais.

O objectivo deste trabalho consiste na avaliação do efeito anti-cancerígeno da quercetina, verificando o seu efeito como possível inibidor do GLUT-1.

MATERIAIS E MÉTODOS Culturas celulares A linha celular de carcinoma hepatocelular (HepG2), obtida na American Type Culture Collection(ATCC), foi descongelada e propagada após recepção. A propagação foi feita em culturas aderentes a 37ºC em atmosfera com 5% de CO2, utilizando para tal o meio Dulbecco's Modified Eagle's Medium High Glucose(DMEM) (Sigma) suplementado com 100µM de piruvato de sódio (Gibco), 10% de soro bovino fetal (Sigma) e 1% de antibiótico (100U/mL de penicilina e 10µg/ mL estreptomicina) (Gibco). Para os estudos de captação as células foram cultivadas quer em meio com elevado teor de glucose (25mM) quer em baixo teor de glucose (5mM) (Gibco).

Avaliação da proliferação celular Para este estudo foi necessária uma suspensão celular com 5x104 células/mL em meio de cultura distribuída por placas de 24 poços, contendo cada poço 500µL da suspensão. Após 24 horas, as células foram incubadas com diferentes concentrações de quercetina que variaram entre 0,1 e 25mM. Depois de 24, 48, 72 e 96 horas a proliferação celular foi avaliada recorrendo ao teste do MTT (3 (4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazolium) como descrito em [28]. Os resultados obtidos foram analisados e processados no programa OriginPro 8.0, de modo a calcular a concentração que inibe 50% da proliferação celular (IC50).

Estudos de captação de 18F-FDG Através dos estudos de captação estudou-se o perfil de captação de 18F-FDG ao longo do tempo, na linha celular HepG2 e na mesma linha incubada previamente com 37,67µM de quercetina durante 24 horas. Para a realização dos estudos de captação foi necessário preparar uma suspensão celular com 2x106 células/mL.

Após a preparação da suspensão celular foi adicionado o 18F-FDG numa actividade igual a 25µCi por cada mL de suspensão celular. Após 5, 30, 60, 90 e 120 minutos de incubação com o radiofármaco, foram retiradas amostras de 200µL da suspensão celular para tubos de eppendorfque continham solução de tampão fosfato salino (PBS) gelado, de modo a reduzir o metabolismo celular. De seguida, as amostras foram centrifugadas a 10000 rpm durante 60 segundos para completa separação entre o pellete o sobrenadante, tendo este sido recolhido para um tubo devidamente identificado. Seguiu-se uma lavagem do pelletcom 500µL de PBS gelado, repetindo-se o procedimento de separação do sobrenadante por centrifugação. Deste modo, foi possível calcular a captação do 18F-FDG por parte das células para cada tempo. Assim, através da contagem de ambas as fracções (pelletse sobrenadantes) no contador de poço em contagens por minuto (CPM), quantificou-se a percentagem de captação do 18F-FDG pelas células e traçou-se uma curva de captação ao longo do tempo de acordo com [28].

Citometria de fluxo De modo a caracterizar a viabilidade celular, os tipos de morte celular e a expressão membranar e citoplasmática de GLUT-1 recorreu-se à técnica de citometria de fluxo. A análise foi feita utilizando um citómetro FSCSCalibur com seis parâmetros e quatro cores, equipado com um laser de árgon de 15nW.

Para cada ensaio foram necessários um milhão de células, sendo contabilizados 10000 eventos utilizando o Software Cell Quest (Becton Dickinsan) e analisados utilizando o software Paint-a-gate (Becton Dickinson).

a) Viabilidade celular

De modo a avaliar a viabilidade celular e tipos de morte, recorreu-se à dupla marcação com anexina-V/ iodeto de propídeo (AV/IP). Uma das principais características da morte celular por apoptose é o facto da fosfatidilserina (que nas células viáveis se encontra no folheto interno da membrana plasmática) translocar do folheto interno para o folheto externo da membrana plasmática e ligar-se à anexina-V. Por outro lado, o iodeto de propídeo que não penetra nas células viáveis, liga-se ao ácido desoxirribonucleico (ADN) das células em apoptose tardia e em necrose. Neste ensaio, 1×106 de células foram incubadas com tampão de ligação, 1µL de anexina-V (KIT Immnotech) e 5µL de iodeto de propídeo (KIT Immnotech). De seguida as células foram excitadas com uma luz de comprimento de onda de 525nm para a anexina-V e 640 nm para o iodeto de propídeo. Deste modo é possível determinar a percentagem de células em apoptose, em apoptose tardia/necrose, em necrose assim como as células viáveis.

Esta marcação foi igualmente realizada com células controlo e com células incubadas durante 48 horas com 5µM, 37,67µM e 100µM de quercetina.

b) Expressão de GLUT-1

De modo a caracterizar a expressão membranar e intracelular de GLUT-1 recorreu- se à citometria de fluxo.

Para cada experiência foram utilizadas um milhão de células. Para a detecção membranar de GLUT-1 as células foram centrifugadas a 300G (Heraeus Multifuge 1 L-R) e posteriormente incubadas durante 15 minutos à temperatura ambiente com 10µL do anticorpo monoclonal anti-human GLUT-1 (ficoeritrina (PE) mouse anti- human GLUT-1, R&D Systems).

Para a detecção intracelular de GLUT-1, as células foram previamente fixadas com o reagente A (Intracell Kit, Immunostep) durante 15 minutos à temperatura ambiente, e após uma lavagem com PBS a 300G durante 5 minutos, as células foram permeabilizadas com o reagente B (Intracell Kit Immunostep) e incubadas com 10µL do anticorpo anteriormente referido.

Estas marcações foram feitas para células controlo e para células incubadas durante 48 horas com 37,67µM de quercetina.

RESULTADOS Verificou-se que a acção da quercetina na proliferação celular das células HepG2 é dependente do tempo, ou seja, a proliferação celular diminui à medida que se aumenta o tempo de incubação de acordo com a Figura_1 e a Tabela_1.

Nas figuras 2 e 3 é possível verificar o perfil de captação de 18F-FDG pelas células HepG2 ao longo do tempo (células controlo e células incubadas com 37,67µM de quercetina durante 24h). A figura_2 representa os resultados obtidos em células incubadas em meio com elevado teor de glucose (25mM), enquanto a figura_3 representa os resultados obtidos quando as células são incubadas em meio com baixo teor de glucose (5mM). Em ambas as situações, verifica-se que quando as células são incubadas com quercetina a percentagem de captação do radiofármaco é inferior à das células controlo.

Na figura_4 podemos observar a expressão membranar e citoplasmática do GLUT-1, em células HepG2 (controlo) e em células HepG2 incubadas previamente com 37,67µM de quercetina, durante 48 horas. Verifica-se que a quercetina não inibe a expressão proteica do GLUT-1, tanto membranar como citoplasmática.

Na figura_5, verifica-se que a quercetina possui um efeito de inibição da proliferação celular, mas não efeito citotóxico, uma vez que mesmo quando se incubam as células com uma concentração bastante superior à do IC50, não se observa morte celular para além dos 50%.

DISCUSSÃO Os flavonóides, entre eles a quercetina têm vindo a ser sugeridos como potentes agentes anti-cancerígenos [17,26,27]. Um dos mecanismos de acção que é actualmente atribuído aos flavonóides é a inibição do GLUT-1, que se sabe que no CHC possui um papel directo na oncogénese e não apenas no transporte de glucose [16,17].

Através deste estudo, verificou-se que a quercetina possui um efeito anti- proliferativo na linha celular de CHC HepG2, possuindo este efeito uma dependência temporal. O efeito anti-proliferativo observado por parte da quercetina pode dever-se, em parte, à inibição do GLUT-1[16,17], existindo porém outros factores que devem ser tidos em conta, nomeadamente a expressão do gene supressor tumoral (TP53), uma vez que se sabe que este gene tem um papel crucial na indução da apoptose e na paragem do ciclo celular [29,30].

No entanto, e apesar de ocorrer uma diminuição da proliferação celular, através dos resultados obtidos por citometria de fluxo, verifica-se que a quercetina não tem um efeito citotóxico, apenas de inibição da proliferação celular. Tal resultado pode estar relacionado com o facto das células HepG2 expressarem uma forma normal da proteína 53 e a quercetina estar deste modo impedir a progressão do ciclo celular [30,31].

A quercetina possui um efeito inibitório na captação de 18F-FDG, sendo esse efeito mais notório quando as células são propagadas em meio com baixo teor de glucose. Estes resultados estão de acordo com a bibliografia, uma vez que a quercetina é tida como um inibidor competitivo do GLUT-1, afectando deste modo a captação de glucose e seus análogos [17,32].

Ao nível da expressão membranar e citoplasmática do GLUT-1, verifica-se que não existe inibição do GLUT-1 quando incubado com quercetina, o que nos leva a crer que apenas existe inibição da função deste transportador membranar, pois inibe a captação de 18F-FDG, e não da expressão. Este resultado prende-se com o facto da quercetina ser um inibidor competitivo da glucose, não induzindo deste modo alterações na expressão deste transportador [17,32].

CONCLUSÃO Com este estudo foi possível observar que a quercetina possui um efeito anti- proliferativo na linha celular de CHC HepG2, não tendo porém efeito citotóxico.

Conclui-se também que o composto em estudo é capaz de inibir a captação de 18F- FDG, sendo este efeito mais notório quando as células são cultivadas em meio com baixo teor de glucose. Verificou-se também que não existe uma inibição do GLUT-1 por parte da quercetina. No entanto, mais estudos são necessários para esclarecer o efeito deste composto na função do GLUT-1.


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