O que são na realidade os carcinomas da junção esófago-gástrica à luz do
sistema atual da classificação TNM da UICC?
ABREVIATURAS
AJCC - American Joint Committee on Cancer; DRGE - Doença de refluxo
gastroesofágico; EGJ - Esophagogastric junction; IMC - Índice de massa
corporal; TNM - Tumor, Node, Metastasis; UICC - Union for International Cancer
Control; WECC - Worldwide Esophageal Cancer Collaboration
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas tem-se assistido a um aumento preocupante da incidência e
da prevalência do carcinoma da junção esófago-gástrica, predominantemente no
Mundo Ocidental[1, 2]. A taxa de mortalidade permanece ainda bastante elevada,
mesmo após resseção com intenção curativa (R0)[3, 4].
Até à entrada em vigor da 7ª edição do sistema de estadiamento TNM da UICC-
AJCC, estas neoplasias não eram consideradas como uma entidade claramente
definida, tanto podendo ser estadiadas como esofágicas ou gástricas, de acordo
com as opções dos diversos autores. Esta indefinição gerou uma série de
discrepâncias e de controvérsias, por exemplo, no que diz respeito à
epidemiologia, ao diagnóstico e ao tratamento destes carcinomas, dificultando,
desta forma, a obtenção e comparação de informação dos diversos centros
envolvidos no tratamento[2].
Assim, com a realização deste trabalho, os autores pretendem responder à
questão "O que são na realidade os carcinomas da junção esófago-gástrica à
luz do sistema atual da classificação TNM da UICC?".
Com a entrada em vigor da nova edição do sistema de estadiamento TNM da UICC-
AJCC, esta potencial fonte de ambiguidade foi eliminada. Os carcinomas da
junção esófago-gástrica são agora classificados, para propósitos de
estadiamento, como neoplasias esofágicas[5].
MATERIAL E MÉTODOS
Para a realização deste trabalho de revisão científica, foi efetuada uma
pesquisa na base de dados PubMed, utilizando os seguintes termos MeSH:
"esophagogastric junction"; "adenocarcinoma";
"AJCC"; "neoplasm staging"; "7th edition";
"neoplasms"; "statistics". Foram excluídos todos os artigos
sem interesse particular para o tema, aqueles em que o fulltext não estava
disponível e os que não se encontravam em língua inglesa. Foram incluídos todos
os artigos cujo conteúdo era relevante, dando preferência aos publicados a
partir de 2010, mas não tendo sido a data de publicação um critério de exclusão
ou inclusão. Foram ainda analisadas as referências citadas nos artigos
selecionados, e estudadas as consideradas pertinentes para o tema, o que
completou um total de 52 estudos analisados, na sua maioria revisões
sistemáticas e meta análises.
Deste modo, o trabalho realizado obedece a princípios gerais da medicina
baseada na evidência, refletindo a interpretação e sinopse dos estudos
publicados sobre o tema, não se fundamentando na opinião particular e própria
dos autores.
RESULTADOS
Dados epidemiológicos / fatores de risco
As neoplasias do sistema gastrointestinal superior (esófago, junção esófago-
gástrica e estômago) constituem atualmente um problema major de saúde pública
em todo mundo[6]. Nos Estados Unidos, estima-se que em 2010 aproximadamente 37
640 novos casos e 25 070 mortes tenham ocorrido por estas causas[7]. O cancro
do esófago é a oitava neoplasia mais comum[8] e a sexta causa de morte por
cancro em todo mundo[7] estimando-se que, em 2010, 16 640 novos casos e 14 500
mortes tenham ocorrido nos Estados Unidos[7]. Relativamente a Portugal os dados
disponíveis são de 2008 e referem 634 novos casos e 607 mortes nesse ano[9]. A
sobrevida aos cinco anos depois de uma resseção com intensão curativa (R0)
continua muito baixa[3, 4].
Atualmente, no Mundo Ocidental, o terço inferior é a localização mais comum do
cancro do esófago, envolvendo por isso frequentemente a junção esófago-gástrica
[6].
O carcinoma da junção esófago-gástrica partilha muitos aspetos epidemiológicos
com o adenocarcinoma do esófago distal. Não existe, no entanto, informação
fidedigna no que diz respeito à sua incidência já que os registos disponíveis
apenas distinguem os adenocarcinomas do esófago distal dos gástricos proximais.
Sabe-se que é mais comum entre Caucasianos, mais frequente nos doentes do sexo
masculino e que aumenta com a idade[10].
No Mundo Ocidental tem-se assistido, no entanto, a um aumento preocupante da
incidência do adenocarcinoma do esófago distal e da junção esófago-gástrica,
bem como a uma diminuição da incidência do carcinoma do estômago distal,
verificando-se o que tem sido apelidado na literatura médica de migração
proximal do carcinoma gástrico[1, 2]. Embora o carcinoma epidermóide do esófago
fosse, até há décadas atrás, o mais comum dos tumores malignos do esófago,
nesta zona do globo, hoje em dia verifica-se uma inversão de tendências, com o
adenocarcinoma do esófago distal e da junção esófago-gástrica a constituírem
mais de metade dos diagnósticos nos países ocidentais [11]. No que diz respeito
a Portugal, não existem dados fiáveis que permitam confirmar esta modificação
de padrões. Pensa-se que estas alterações se devem, por um lado, a um
decréscimo no número de infeções por Helicobacter pylori com consequente
diminuição da incidência do carcinoma gástrico e, por outro lado, a um aumento
na prevalência de doença de refluxo gastroesofágico (DRGE), com o consequente
aumento da prevalência de esófago de Barrett [1], dois dos fatores de risco
major para o desenvolvimento de adenocarcinoma do esófago[12-15]. A DRGE está
associada ao elevado Índice de Massa Corporal (IMC), que é também fator de
risco para o aparecimento de esófago de Barrett. Nesta lesão, o epitélio
pavimentoso estratificado do esófago, em consequência do refluxo do ácido
gástrico, é substituído por epitélio glandular (metaplasia), cuja predisposição
para malignidade está documentadamente aumentada[16]. Na verdade, os doentes
com esófago de Barrett apresentam um risco de desenvolver adenocarcinoma
esofágico 30 a 60 vezes superior em relação ao da população geral[14]. Alguns
fatores como a idade, o género masculino, a DRGE de longa duração, a ocorrência
e o tamanho da hérnia de hiato e a extensão do esófago de Barrett estão
fortemente associados ao aparecimento de displasia de alto grau do epitélio
metaplásico, lesão percursora do adenocarcinoma do esófago distal[17, 18].
Classificação do carcinoma da junção esófago-gástrica
Ainda persistem na literatura muitas controvérsias em relação à classificação,
orientação e tratamento dos carcinomas da junção esófago-gástrica. Enquanto
alguns autores os consideram e tratam como carcinomas esofágicos, outros
encaram-nos como carcinomas gástricos, ou até como uma entidade distinta das
acima citadas[2, 5, 19, 20]. Como possíveis explicações para esta discordância,
estão, em grande parte, a localização anatomicamente incerta da transição entre
o esófago e estômago, o uso ambíguo do termo "carcinoma do cárdia" e
a incapacidade do sistema TNM de classificação dos tumores malignos da UICC
para classificar e estadiar adequadamente estas neoplasias.
Com o objetivo de simplificar e clarificar a definição e a classificação dos
carcinomas da junção esófago-gástrica, Siewert e colaboradores[2] definiram e
descreveram estes tumores como sendo aqueles cujo epicentro se localiza dentro
dos cinco cm proximais e distais em relação à linha de transição anatómica
(cárdia anatómica). A sua classificação, usada na Europa e baseada
essencialmente em critérios topográficos e anatómicos, é usada também para
subdividir os adenocarcinomas da transição esófago-gástrica[2, 21]:
Tipo I: adenocarcinoma do esófago distal, também chamado de adenocarcinoma de
Barrett, que habitualmente tem origem numa área de metaplasia intestinal
especializada (esófago de Barrett) e pode infiltrar a junção esófago-gástrica,
vindo de cima.
Tipo II: juncional, ou verdadeiro carcinoma do cárdia, que tem origem na junção
esófago-gástrica.
Tipo III: carcinoma subcárdico, que infiltra a junção esófago-gástrica e o
esófago distal, vindo de baixo.
Esta classificação tem vindo a servir progressivamente de base para a
definição, avaliação e ainda para a orientação do tratamento do carcinoma da
junção esófago-gástrica. No entanto, e apesar da maior organização que veio
trazer em relação a estes carcinomas, os seus autores não especificam, por
exemplo, os critérios de identificação da linha de transição esófago-gástrica.
Diferentes critérios são por isso usados por anatomistas, radiologistas,
endoscopistas ou cirurgiões, tornando relativamente arbitrária a
"escolha" da localização anatómica da transição[10, 22]. Para além
disto, neoplasias volumosas que envolvam a junção esófago-gástrica podem
obliterar totalmente esta área de transição, não sendo possível reconhece-la
anatomicamente. Do mesmo modo, o refluxo do ácido gástrico, ao lesar a parede
do esófago, pode também tornar difícil a sua localização. Este facto dificulta
por exemplo, de certa maneira, o correto uso dos critérios de diagnóstico dos
carcinomas da junção esófago-gástrica, não sendo possível muitas vezes
distinguir se a sua origem é esofágica ou gástrica[10].
Pelos diversos motivos apontados, a informação relativa à epidemiologia, ao
diagnóstico e ao tratamento destes carcinomas torna-se dificilmente comparável
e, consequentemente, muita controvérsia ainda persiste, por exemplo, no que diz
respeito aos resultados e benefícios do tratamento cirúrgico[2]. Por isso, para
futuras investigações nesta área e melhor compreensão da real situação, importa
conseguir uma maior organização e até uma uniformização da informação relativa
a esta entidade[23].
Estadiamento
O estadiamento, isto é, a definição da extensão das neoplasias malignas, é um
fator chave na clarificação e avaliação do seu tratamento e prognóstico. Os
sistemas utilizados para codificar a extensão das neoplasias, Sistemas de
Estadiamento do Cancro, permitem definir o prognóstico e comparar o outcome dos
carcinomas estádio por estádio, contribuindo assim para melhor compreensão do
comportamento biológico da neoplasia. No contexto de ensaios clínicos, estes
sistemas de estadiamento possibilitam também a comparação de grupos de doentes
entre as várias regiões do globo, avaliando os resultados dos tratamentos e
facilitando a troca e comparação de informação[5].
O sistema de estadiamento mais amplamente usado é o sistema TNM (tumor, nodes,
metastasis), desenvolvido pelas organizações American Joint Committee on Cancer
(AJCC) e International Union for Cancer Control (UICC). Este sistema de
classificação é alvo de atualizações periódicas, com base nos avanços do
conhecimento em relação ao prognóstico das diferentes neoplasias, no sentido de
se manter atual e relevante no contexto clinico. A mais recente revisão deste
sistema é a 7ª edição UICC-AJCC do sistema de estadiamento TNM, que entrou em
vigor a partir de Janeiro de 2010 e substitui a 6ª edição, em uso desde 2003
[24]. Nesta nova edição, é de notar, em primeiro lugar, o crescente recurso a
bases de dados internacionais, com o objetivo de tornar as alterações no
estadiamento baseadas o mais possível na evidência e, em segundo lugar, o
esforço para a introdução de fatores de prognóstico não anatómicos, por forma a
complementar a informação proporcionada pela extensão anatómica das neoplasias
na definição dos grupos de estadiamento. Esta alteração é muito importante, uma
vez que, com o crescente conhecimento do comportamento biológico dos tumores, é
possível avançar na melhor definição do prognóstico. Nalguns casos, estas
características podem ser mais relevantes do que a mera definição anatómica da
extensão do tumor[5, 24].
Estadiamento do carcinoma da junção esófago-gástrica
Com base na informação acima exposta, o objetivo deste trabalho é então
responder à questão "O que são na realidade os carcinomas da junção
esófago-gástrica à luz do sistema atual da classificação TNM da UICC?".
A 7ª edição UICC-AJCC do sistema de estadiamento TNM introduziu alterações
significativas nalgumas neoplasias malignas, entre as quais se salientam as que
se referem aos carcinomas do esófago e da junção esófago-gástrica. Até à
entrada em vigor desta edição, e em consequência das incoerências já
explicadas, um carcinoma localizado predominantemente ou na vizinhança da
junção esófago-gástrica poderia ser classificado como esofágico ou gástrico, de
acordo com a opinião e julgamento dos diversos autores. Como consequência, o
estadiamento era variável e dependente das opções aleatórias tomadas[19]. Um
dos objetivos desta nova edição prendeu-se com a tentativa de eliminar esta
fonte de ambiguidade[19], através da clarificação das regras relativas à
classificação de carcinomas com origem na junção esófago-gástrica e sua
vizinhança[25].
Segundo a 7ª edição do sistema de estadiamento TNM, as neoplasias cujo
epicentro se localize no esófago distal / torácico inferior, na junção esófago-
gástrica, ou mesmo as que têm origem nos cinco cm proximais do estômago e se
estendem à junção esófago-gástrica deverão ser classificadas, para propósitos
de estadiamento, como adenocarcinomas do esófago. Todas as outras neoplasias
cujo epicentro se localize abaixo dos cinco cm proximais do estômago ou aquelas
cujo epicentro se localize nos cinco cm proximais do estômago mas não invadam a
junção esófago-gástrica são classificadas usando o sistema de estadiamento
gástrico[5, 26]. Este tópico continua a ser controverso[6] merecendo toda a
atenção, uma vez que um adequado estadiamento pré-tratamento é um passo
indispensável na escolha da abordagem e terapêutica mais adequadas[6].
Alterações introduzidas na 7ª edição do sistema TNM
Na consequência do exposto torna-se relevante especificar sumariamente as
alterações implementadas na nova edição do sistema de estadiamento esofágico.
A 6ª edição do sistema TNM não era uniforme para as lesões neoplásicas ao longo
do tubo digestivo. O sistema agora substituído, para além de se basear apenas
na classificação T (extensão do tumor), N (gânglios linfáticos metastizados) e
M (metástases à distância), ou seja, na mera extensão anatómica do tumor, não
tinha em consideração as características não-anatómicas que se demonstraram
estar também relacionadas com a sobrevida[27].
Com o objetivo de ultrapassar estes problemas e desenvolver um novo sistema de
estadiamento, foi constituída em 2006 a Worldwide Esophageal Cancer
Collaboration (WECC), que reuniu, de forma orientada e organizada, informação
detalhada de treze instituições de cinco países e três continentes (Ásia,
Europa e América do Norte), relativa às neoplasias do esófago e junção esófago-
gástrica. Deste modo foi criada uma base de dados de 4627 doentes submetidos a
esofagectomia, sem terapia de indução ou adjuvante e, através de análises
estatísticas, foram propostos os diversos grupos para o estadiamento. Estes
deveriam refletir uma diminuição da sobrevida com a progressão do estádio,
diferenças significativas na sobrevida entre cada estádio e sobrevida
semelhante dentro do mesmo estádio[27, 28]. Como consequência de todo este
processo, a classificação dos tumores do esófago sofreu várias alterações e
adições:
- A categoria T (tumor) engloba tumores classificados desde Tis até T4, e
inclui novas subclassificações. Os casos Tis, anteriormente chamados de
carcinoma in situ, são agora definidos como displasia de alto grau[29]. Os
tumores T1 e T4 foram subdivididos respetivamente em T1a (envolvimento da
lamina própria e muscularis mucosae) e T1b (envolvimento da submucosa) e T4a
(tumores ressecáveis que invadem estruturas como pleura, pericárdio ou
diafragma) e T4b (tumores irressecáveis que invadem estruturas como aorta,
corpos vertebrais e traqueia), definindo claramente subgrupos homogéneos com
diferenças significativas no prognóstico[20, 29]. Esta reformulação veio
diminuir a heterogeneidade e o pouco significado prognóstico registado em
alguns subgrupos da anterior edição[20, 30].
- A categoria N (node) passou de uma classificação baseada na simples
existência, ou não, de gânglios linfáticos metastizados, para uma baseada no
seu número, assemelhando-se assim às classificações de outras neoplasias
gastrointestinais, como já sucedia no caso do estômago[20]. Muitos estudos
recentes apoiam esta mudança, sugerindo que o número de gânglios linfáticos
afetados, mais do que a presença ou não dos mesmos, é um dos fatores
independentes mais importante na previsão da sobrevida em pacientes submetidos
a resseção cirúrgica[31-35] e terapia neoadjuvante[36] por adenocarcinomas do
esófago. Sendo esta alteração globalmente aceite, outros autores defendem, no
entanto, que a localização dos gânglios linfáticos mestastizados continua ainda
a ser um fator de estadiamento e preditivo de prognóstico tão importante quanto
o número de gânglios afetados[31, 38]. Contrariando a heterogeneidade da
anterior classificação[20], a categoria N é agora dividida em N0 (nenhum
gânglio metastizado), N1 (um a dois gânglios metastizados), N2 (três a seis
gânglios metastizados) e N3 (sete ou mais gânglios metastizados),
estratificando de forma significativa a sobrevida dos doentes.
Foi também redefinido o conceito de gânglio linfático regional, passando a ser
como tal considerados todos os gânglios paraesofágicos, desde os cervicais até
aos celíacos[5, 29]. No entanto, outros pontos importantes ficaram ainda por
esclarecer nesta edição, como a extensão da linfadenectomia durante a resseção
cirúrgica de carcinomas do esófago e junção esófago-gástrica. Não existe ainda
um consenso em relação ao número mínimo de gânglios linfáticos necessários para
um correto estadiamento da neoplasia, nem até que ponto a extensão da
linfadenectomia influencia o prognóstico e estadiamento do doente. Há, no
entanto, alguma evidência de que o número de gânglios linfáticos ressecados
depende da progressão do tumor na parede do tubo digestivo. Assim, para que o
estadiamento seja mais correto e completo e para que o efeito terapêutico e
sobrevida sejam máximos, o número de gânglios linfáticos ressecados deve
aumentar em paralelo com a progressão do tumor na parede[5].
- A metastização à distância (M) passou a ser designada de M0 (ausência de
metastização) e M1 (metastização à distância), deixando de existir a
classificação MX[29].
Como consequência destas alterações, os grupos de estadiamento foram também
reestruturados, aumentando para nove, por oposição aos seis em vigor na 6ª
edição. Estes grupos são puramente anatómicos e são os mesmos para o carcinoma
epidermóide e adenocarcinoma. No entanto, segundo alguns autores, os novos
grupos de estadiamento e prognóstico tornaram-se demasiado complexos,
heterogéneos e sem diminuição significativa da sobrevida em relação ao estádio
anterior[20, 25, 28]. Como exemplo, a dicotomia da classificação T1 (T1a e T1b)
não foi adotada na formação dos novos grupos de estadiamento[20]. A
diferenciação entre T4a e T4b é relevante, não apenas tendo em conta o
prognóstico dos doentes, mas também o tipo de tratamento (cirúrgico para o
primeiro e apenas esquemas complementares para o segundo)[25]. Segundo a 7ª
edição do sistema de estadiamento TNM, os gânglios celíacos e cervicais são
agora considerados regionais, já não sendo o seu atingimento uma
contraindicação à terapia cirúrgica.
Muitos doentes estudados mudaram o seu estádio de classificação da 6ª para a 7ª
edição do sistema de estadiamento TNM, com diferenças significativas na
sobrevida entre a maioria. Por exemplo, segundo Gertler e colaboradores[20], o
novo estádio IIB do sistema de estadiamento esofágico (inclui doentes T1/T2 e
menos de três gânglios linfáticos metastizados), apresenta um prognóstico
significativamente melhor do que o anterior estádio IIB do mesmo sistema
(inclui doentes T1/T2 e qualquer número de gânglios linfáticos metastizados).
Outro estudo demonstrou que doentes anteriormente englobados no estádio IV pelo
envolvimento dos gânglios celíacos, foram agora re-classificados em estádios
mais precoces[39], o que possibilita a aplicação de terapia cirúrgica a estes
doentes, anteriormente contraindicada.
Por último, como já referido, foram englobadas na formação dos grupos de
estadiamento algumas características não-anatómicas, originando grupos de
prognóstico diferentes para o carcinoma epidermóide e adenocarcinoma do
esófago. O grau histológico (G) faz agora parte obrigatória do estadiamento dos
dois tipos de carcinomas e a localização passou a ser considerada no
estadiamento do carcinoma epidermóide. Estas características alteram
significativamente o prognóstico, essencialmente nos estádios menos avançados
[26, 29]. No entanto, alguns estudos concluíram que estas características não
parecem alterar significativamente a sobrevida de doentes, não apoiando, deste
modo, a sua inclusão como fatores de prognóstico[20, 27, 28, 39].
O sistema de estadiamento do cancro gástrico sofreu também algumas alterações
importantes:
- A categoria T foi harmonizada com as categorias T dos cancros esofágico e do
intestino delgado e grosso[19].
- Os cut-offs do número de gânglios linfáticos metastizados foram também
alterados: N1 = um ou dois gânglios positivos, N2 = três a seis gânglios
positivos, N3a = sete a quinze gânglios positivos, N3b = mais de quinze
gânglios positivos[26].
- Presença de células malignas na cavidade peritoneal confirmadas por citologia
passou a ser considerada metastização à distância (M1).
- Os grupos de estadiamento / prognóstico foram também alterados (de sete para
nove grupos)[5, 19].
Aplicabilidade da nova edição do sistema TNM
Na sequência da publicação da 7ª edição do sistema de estadiamento TNM, têm
sido desenvolvidos vários estudos sobre a sua aplicabilidade e adaptabilidade.
Pretende-se assim avaliar as alterações feitas, procurar perceber se estas são
adequadas ao carcinoma da junção esófago-gástrica e tentar detetar as suas
eventuais imperfeições e falhas.
Por exemplo, Rausei e colaboradores [40] defendem que o propósito de clarificar
as tão conhecidas controvérsias clinicas relativas ao carcinoma da junção
esófago-gástrica não foi atingido com esta mudança. Estes autores acreditam que
o novo modelo de classificação é baseado num vago conceito de
"epicentro" do tumor e pode, em alguns casos, levar a que carcinomas
do fundo gástrico sejam considerados e tratados como carcinomas esofágicos, não
apoiando por isso o recurso à 7ª edição TNM como uma orientação para a seleção
do tratamento cirúrgico.
Vários estudos procuraram comparar a 6ª e a 7ª edições do sistema de
estadiamento esofágico, investigando qual das duas seria mais adequada para o
estadiamento dos tumores do esófago e junção esófago-gástrica. Os resultados
revelaram que a última edição reflete uma melhor estratificação dos doentes de
acordo com prognóstico comparativamente com a anterior edição, sendo, por isso,
um modelo que mais adequadamente reflete e prevê a sobrevida. Estes resultados
suportam a teoria de que este modelo pode ser generalizável às várias
instituições e aplicável na prática clínica[39, 41, 42]. Gaur e colaboradores
[42] concluíram que o sistema de estadiamento esofágico da 7ª edição UICC-AJCC
se adequa melhor à classificação dos carcinomas da junção esófago-gástrica, em
comparação quer com o sistema de estadiamento gástrico quer com o esofágico da
edição anterior, uma vez que prevê melhor a sobrevida destes doentes. Estes
autores corroboram assim a teoria defendida pelas organizações UICC e AJCC
sustentando que, por terem significativamente pior sobrevida do que pacientes
com outros carcinomas gástricos, os pacientes com carcinoma tipo II e III da
junção esófago-gástrica, seriam mais corretamente estadiados como
adenocarcinomas do esófago[27, 29]. Vários outros autores defendem este
conceito, acreditando que os carcinomas do cárdia se comportam também de forma
semelhante aos do esófago distal em termos de epidemiologia, base molecular e
clinicopatológica e sobrevida[43-45]. No entanto, as opiniões nesta área não
são unânimes. Huang et al.[31] admitem o contrário, tendo os resultados do seu
estudo revelado que, para fins de estadiamento dos carcinomas da junção
esófago-gástrica tipo II e III, a classificação gástrica é a mais adequada,
pelas razões apontadas. Por último, outros estudos admitem que nenhuma das
classificações se superioriza [25], ou que não existe evidência clara que apoie
o recurso à classificação esofágica para os carcinomas da junção esófago-
gástrica[46]. Gertler e colaboradores[25] admitem, por exemplo, que a
diferenciação em N3a e N3b faria também sentido para os carcinomas da junção
esófago-gástrica.
A própria origem e comportamento biológico dos três tipos de tumores da junção
esófago-gástrica ainda não estão cabalmente clarificados. Se alguns estudos
propõem que os carcinomas tipo I possam ter uma origem e características
biológicas diferentes dos tipos II e III[21, 22], outros sugerem que os
carcinomas tipo I e II devem ser considerados e classificados como a mesma
entidade[47, 48]. No entanto, apesar da divisão em carcinomas tipo I, II e III
por Siewert e colaboradores, estes autores defendem que o prognóstico destes
depende da classificação T,N,M,G e não do tipo, apoiando um único sistema de
estadiamento para as três entidades[5]. Por continuar a ser um tema bastante
controverso, são necessários mais estudos que o clarifiquem, uma vez que,
apenas entendendo melhor o comportamento de cada grupo de tumores, mais
adequado será o estadiamento e a classificação atribuída a cada um, permitindo
abordagens terapêuticas individualizadas, que melhorem o outcome e sobrevida
dos doentes.
DISCUSSÃO
Os sistemas de estadiamento das neoplasias são a base para avaliação do
prognóstico e da sobrevida dos doentes, escolha de terapêutica específica e até
para a obtenção de informação acerca da sua incidência e outras características
[5, 24]. Até à entrada em vigor da última revisão da classificação do sistema
TNM pela UICC e AJCC, os carcinomas da junção esófago-gástrica correspondiam a
uma entidade que não estava claramente definida, sendo por isso difícil
individualizar terapêuticas e estabelecer fatores de prognóstico. Estes
carcinomas tanto eram classificados como esofágicos, como gástricos, ou ainda
como uma entidade distinta destas, dependendo da visão e opinião dos diversos
autores[2, 5, 19, 20]. No entanto, e apesar das possíveis semelhanças entre os
diferentes carcinomas da junção (tipo I, II ou III), os sistemas de
estadiamento esofágico e gástrico diferiam significativamente, nomeadamente no
que diz respeito à categorização da metastização ganglionar[49]. Tornava-se por
isso necessária a implementação de um sistema que uniformizasse e regulasse a
classificação destes carcinomas. A 7ª edição UICC-AJCC do sistema de
estadiamento TNM, na tentativa de eliminar a utilização de diferentes
estadiamentos, baseados na localização, nas neoplasias da junção esófago-
gástrica, tentou unificar e uniformizar o seu estadiamento[19]. Deste modo,
poderá ser possível, a longo prazo, uma padronização das decisões terapêuticas
e técnicas oncológicas a utilizar, bem como uma possível minimização da
importância da localização anatómica precisa destas neoplasias[22].
As opiniões dos diversos autores dividem-se. Alguns apoiam esta mudança,
enquanto outros a vêm como um entrave à tentativa de encarar as neoplasias da
junção esófago-gástrica como uma entidade distinta, separada das neoplasias
esofágicas e gástricas, e que, por isso, deveria ter o seu próprio sistema de
estadiamento[40]. Estes autores acreditam que as neoplasias da junção esófago-
gástrica têm um comportamento biológico diferente das verdadeiras neoplasias do
esófago e estômago[25, 50-52]. Como para todos os estudos, é necessário também
ter em conta certas limitações em alguns dos estudos analisados neste trabalho.
Nomeadamente, a análise estatística do estudo Rice e colaboradores[27], poderá
ter sido influenciada pela interação complexa entre determinadas
características que influenciam a sobrevida usadas para agrupar os doentes e
outros efeitos não lineares. Uma análise retrospectiva com amostra pequena e de
um único centro limita também outros estudos[28, 42]. O estudo de Gaur e
colaboradores[42] teve em conta doentes que tivessem ou não sido submetidos a
terapia neoadjuvante, sabendo-se que o novo sistema de estadiamento engloba
apenas doentes submetidos a esofagectomia, sem terapia neoadjuvante. Por
último, os resultados deste estudo deverão ser validados por um estudo em maior
escala, dada a escassez de doentes em determinados subgrupos. Também Huang e
colaboradores[37] usaram uma amostra de doentes limitada, que consistia
maioritariamente em neoplasias em estádio III ou IV e com origem no estomago
proximal, o que poderá ter influenciado os seus resultados. Os procedimentos
cirúrgicos não foram uniformes para todos os doentes, o que poderá ter levado
os autores a subestimar o envolvimento ganglionar. Segundo Gertler e
colaboradores[25], estes autores também falharam em apresentar uma justificação
estatística válida para as suas conclusões. Whitson e colaboradores[43] usaram
no seu estudo uma base de dados que não incluía variáveis prognósticas
importantes como comorbilidades e uso de terapia adjuvante, o que pode também
ter influenciado a análise dos seus resultados.
No sentido de clarificar até que ponto estas diferenças justificam a
implementação de um sistema de estadiamento próprio, o estudo e recolha de
informação nova e atualizada, englobando novas características não anatómicas
das lesões, deve continuar[25].
O crescente conhecimento e compreensão acerca do comportamento biológico dos
carcinomas da junção esófago-gástrica possibilitaria perceber melhor a sua
patogénese e epidemiologia e facilitaria o desenvolvimento de novas
terapêuticas[22].
No que diz respeito às alterações feitas no sistema de estadiamento esofágico
propriamente dito, importa considerar a existência de algumas limitações. O
novo sistema de classificação é apenas baseado no estadiamento patológico das
lesões, já que apenas foram incluídos na análise de dados doentes submetidos a
esofagectomia. Doentes inoperáveis ou que não foram submetidos a esofagectomia
não estão representados nesta classificação[5, 24]. Deste modo, uma questão
pertinente a colocar, será se, um sistema de estadiamento mais adequado, como o
recentemente implantado, poderá ter consequências no que diz respeito às
decisões pré-operatórias. Segundo Talsma e colaboradores[39], as decisões
médicas relacionadas com a administração de terapia neoadjuvante e escolha da
melhor abordagem cirúrgica, são habitualmente baseadas na categoria N do TNM.
Assim, a falta de um estadiamento pré-operatório adequado torna-se um problema
na escolha da modalidade terapêutica destes doentes. Para Rice e colaboradores
[27], o facto deste novo sistema de estadiamento ser apenas baseado em doentes
submetidos a esofagectomia, faz com que não represente de modo confiável a
história natural da doença. Por outro lado, Gaur e colaboradores[42] englobaram
no seu estudo doentes submetidos a terapia neoadjuvante, com os mesmos
resultados que os doentes no grupo apenas de tratamento cirúrgico, o que na sua
opinião, enfatiza a possibilidade de integrar os primeiros no mesmo sistema de
estadiamento. Gertler e colaboradores[25] corroboram também esta hipótese,
defendendo que o novo sistema de estadiamento é adequado para ambos os grupos.
Para além disto, os estádios pT4 e pM1 foram sub-representados neste novo
sistema de estadiamento[5]. Segundo Rice e colaboradores, o futuro passará pelo
desenvolvimento de um sistema de estadiamento que permita chegar a um
prognóstico e esquema de decisão terapêutica personalizados[27].
CONCLUSÃO
De acordo com a nova edição do sistema de estadiamento TNM, a 7ª edição, as
neoplasias cujo epicentro se localize no esófago distal / torácico inferior, na
junção esófago-gástrica, ou mesmo as que têm origem nos cinco cm proximais do
estômago e se estendem à junção esófago-gástrica deverão ser classificadas,
para propósitos de estadiamento, como adenocarcinomas do esófago. Todas as
outras neoplasias cujo epicentro se localize abaixo dos cinco cm proximais do
estômago ou aquelas cujo epicentro se localize nos cinco cm proximais do
estômago mas não invadam a junção esófago-gástrica são classificadas usando o
sistema de estadiamento gástrico[5, 26].
Com o principal objetivo deste trabalho atingido, outras questões merecerão
ainda ser alvo de estudos aprofundados e novas revisões no futuro. Apesar da 7ª
edição TNM ter trazido avanços no estadiamento das neoplasias da junção
esófago-gástrica, a sua aplicação prática ainda não é consensual. O objetivo é
perceber se é adequada ao carcinoma da junção esófago-gástrica ou se este não
beneficiaria de um sistema de estadiamento próprio.