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EuPTCVHe1646-69182014000100005

EuPTCVHe1646-69182014000100005

variedadeEu
ano2014
fonteScielo

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O que são na realidade os carcinomas da junção esófago-gástrica à luz do sistema atual da classificação TNM da UICC?

ABREVIATURAS AJCC - American Joint Committee on Cancer; DRGE - Doença de refluxo gastroesofágico; EGJ - Esophagogastric junction; IMC - Índice de massa corporal; TNM - Tumor, Node, Metastasis; UICC - Union for International Cancer Control; WECC - Worldwide Esophageal Cancer Collaboration

INTRODUÇÃO Nas últimas décadas tem-se assistido a um aumento preocupante da incidência e da prevalência do carcinoma da junção esófago-gástrica, predominantemente no Mundo Ocidental[1, 2]. A taxa de mortalidade permanece ainda bastante elevada, mesmo após resseção com intenção curativa (R0)[3, 4].

Até à entrada em vigor da edição do sistema de estadiamento TNM da UICC- AJCC, estas neoplasias não eram consideradas como uma entidade claramente definida, tanto podendo ser estadiadas como esofágicas ou gástricas, de acordo com as opções dos diversos autores. Esta indefinição gerou uma série de discrepâncias e de controvérsias, por exemplo, no que diz respeito à epidemiologia, ao diagnóstico e ao tratamento destes carcinomas, dificultando, desta forma, a obtenção e comparação de informação dos diversos centros envolvidos no tratamento[2].

Assim, com a realização deste trabalho, os autores pretendem responder à questão "O que são na realidade os carcinomas da junção esófago-gástrica à luz do sistema atual da classificação TNM da UICC?".

Com a entrada em vigor da nova edição do sistema de estadiamento TNM da UICC- AJCC, esta potencial fonte de ambiguidade foi eliminada. Os carcinomas da junção esófago-gástrica são agora classificados, para propósitos de estadiamento, como neoplasias esofágicas[5].

MATERIAL E MÉTODOS Para a realização deste trabalho de revisão científica, foi efetuada uma pesquisa na base de dados PubMed, utilizando os seguintes termos MeSH: "esophagogastric junction"; "adenocarcinoma"; "AJCC"; "neoplasm staging"; "7th edition"; "neoplasms"; "statistics". Foram excluídos todos os artigos sem interesse particular para o tema, aqueles em que o fulltext não estava disponível e os que não se encontravam em língua inglesa. Foram incluídos todos os artigos cujo conteúdo era relevante, dando preferência aos publicados a partir de 2010, mas não tendo sido a data de publicação um critério de exclusão ou inclusão. Foram ainda analisadas as referências citadas nos artigos selecionados, e estudadas as consideradas pertinentes para o tema, o que completou um total de 52 estudos analisados, na sua maioria revisões sistemáticas e meta análises.

Deste modo, o trabalho realizado obedece a princípios gerais da medicina baseada na evidência, refletindo a interpretação e sinopse dos estudos publicados sobre o tema, não se fundamentando na opinião particular e própria dos autores.

RESULTADOS Dados epidemiológicos / fatores de risco As neoplasias do sistema gastrointestinal superior (esófago, junção esófago- gástrica e estômago) constituem atualmente um problema major de saúde pública em todo mundo[6]. Nos Estados Unidos, estima-se que em 2010 aproximadamente 37 640 novos casos e 25 070 mortes tenham ocorrido por estas causas[7]. O cancro do esófago é a oitava neoplasia mais comum[8] e a sexta causa de morte por cancro em todo mundo[7] estimando-se que, em 2010, 16 640 novos casos e 14 500 mortes tenham ocorrido nos Estados Unidos[7]. Relativamente a Portugal os dados disponíveis são de 2008 e referem 634 novos casos e 607 mortes nesse ano[9]. A sobrevida aos cinco anos depois de uma resseção com intensão curativa (R0) continua muito baixa[3, 4].

Atualmente, no Mundo Ocidental, o terço inferior é a localização mais comum do cancro do esófago, envolvendo por isso frequentemente a junção esófago-gástrica [6].

O carcinoma da junção esófago-gástrica partilha muitos aspetos epidemiológicos com o adenocarcinoma do esófago distal. Não existe, no entanto, informação fidedigna no que diz respeito à sua incidência que os registos disponíveis apenas distinguem os adenocarcinomas do esófago distal dos gástricos proximais.

Sabe-se que é mais comum entre Caucasianos, mais frequente nos doentes do sexo masculino e que aumenta com a idade[10].

No Mundo Ocidental tem-se assistido, no entanto, a um aumento preocupante da incidência do adenocarcinoma do esófago distal e da junção esófago-gástrica, bem como a uma diminuição da incidência do carcinoma do estômago distal, verificando-se o que tem sido apelidado na literatura médica de migração proximal do carcinoma gástrico[1, 2]. Embora o carcinoma epidermóide do esófago fosse, até décadas atrás, o mais comum dos tumores malignos do esófago, nesta zona do globo, hoje em dia verifica-se uma inversão de tendências, com o adenocarcinoma do esófago distal e da junção esófago-gástrica a constituírem mais de metade dos diagnósticos nos países ocidentais [11]. No que diz respeito a Portugal, não existem dados fiáveis que permitam confirmar esta modificação de padrões. Pensa-se que estas alterações se devem, por um lado, a um decréscimo no número de infeções por Helicobacter pylori com consequente diminuição da incidência do carcinoma gástrico e, por outro lado, a um aumento na prevalência de doença de refluxo gastroesofágico (DRGE), com o consequente aumento da prevalência de esófago de Barrett [1], dois dos fatores de risco major para o desenvolvimento de adenocarcinoma do esófago[12-15]. A DRGE está associada ao elevado Índice de Massa Corporal (IMC), que é também fator de risco para o aparecimento de esófago de Barrett. Nesta lesão, o epitélio pavimentoso estratificado do esófago, em consequência do refluxo do ácido gástrico, é substituído por epitélio glandular (metaplasia), cuja predisposição para malignidade está documentadamente aumentada[16]. Na verdade, os doentes com esófago de Barrett apresentam um risco de desenvolver adenocarcinoma esofágico 30 a 60 vezes superior em relação ao da população geral[14]. Alguns fatores como a idade, o género masculino, a DRGE de longa duração, a ocorrência e o tamanho da hérnia de hiato e a extensão do esófago de Barrett estão fortemente associados ao aparecimento de displasia de alto grau do epitélio metaplásico, lesão percursora do adenocarcinoma do esófago distal[17, 18].

Classificação do carcinoma da junção esófago-gástrica Ainda persistem na literatura muitas controvérsias em relação à classificação, orientação e tratamento dos carcinomas da junção esófago-gástrica. Enquanto alguns autores os consideram e tratam como carcinomas esofágicos, outros encaram-nos como carcinomas gástricos, ou até como uma entidade distinta das acima citadas[2, 5, 19, 20]. Como possíveis explicações para esta discordância, estão, em grande parte, a localização anatomicamente incerta da transição entre o esófago e estômago, o uso ambíguo do termo "carcinoma do cárdia" e a incapacidade do sistema TNM de classificação dos tumores malignos da UICC para classificar e estadiar adequadamente estas neoplasias.

Com o objetivo de simplificar e clarificar a definição e a classificação dos carcinomas da junção esófago-gástrica, Siewert e colaboradores[2] definiram e descreveram estes tumores como sendo aqueles cujo epicentro se localiza dentro dos cinco cm proximais e distais em relação à linha de transição anatómica (cárdia anatómica). A sua classificação, usada na Europa e baseada essencialmente em critérios topográficos e anatómicos, é usada também para subdividir os adenocarcinomas da transição esófago-gástrica[2, 21]: Tipo I: adenocarcinoma do esófago distal, também chamado de adenocarcinoma de Barrett, que habitualmente tem origem numa área de metaplasia intestinal especializada (esófago de Barrett) e pode infiltrar a junção esófago-gástrica, vindo de cima.

Tipo II: juncional, ou verdadeiro carcinoma do cárdia, que tem origem na junção esófago-gástrica.

Tipo III: carcinoma subcárdico, que infiltra a junção esófago-gástrica e o esófago distal, vindo de baixo.

Esta classificação tem vindo a servir progressivamente de base para a definição, avaliação e ainda para a orientação do tratamento do carcinoma da junção esófago-gástrica. No entanto, e apesar da maior organização que veio trazer em relação a estes carcinomas, os seus autores não especificam, por exemplo, os critérios de identificação da linha de transição esófago-gástrica.

Diferentes critérios são por isso usados por anatomistas, radiologistas, endoscopistas ou cirurgiões, tornando relativamente arbitrária a "escolha" da localização anatómica da transição[10, 22]. Para além disto, neoplasias volumosas que envolvam a junção esófago-gástrica podem obliterar totalmente esta área de transição, não sendo possível reconhece-la anatomicamente. Do mesmo modo, o refluxo do ácido gástrico, ao lesar a parede do esófago, pode também tornar difícil a sua localização. Este facto dificulta por exemplo, de certa maneira, o correto uso dos critérios de diagnóstico dos carcinomas da junção esófago-gástrica, não sendo possível muitas vezes distinguir se a sua origem é esofágica ou gástrica[10].

Pelos diversos motivos apontados, a informação relativa à epidemiologia, ao diagnóstico e ao tratamento destes carcinomas torna-se dificilmente comparável e, consequentemente, muita controvérsia ainda persiste, por exemplo, no que diz respeito aos resultados e benefícios do tratamento cirúrgico[2]. Por isso, para futuras investigações nesta área e melhor compreensão da real situação, importa conseguir uma maior organização e até uma uniformização da informação relativa a esta entidade[23].

Estadiamento O estadiamento, isto é, a definição da extensão das neoplasias malignas, é um fator chave na clarificação e avaliação do seu tratamento e prognóstico. Os sistemas utilizados para codificar a extensão das neoplasias, Sistemas de Estadiamento do Cancro, permitem definir o prognóstico e comparar o outcome dos carcinomas estádio por estádio, contribuindo assim para melhor compreensão do comportamento biológico da neoplasia. No contexto de ensaios clínicos, estes sistemas de estadiamento possibilitam também a comparação de grupos de doentes entre as várias regiões do globo, avaliando os resultados dos tratamentos e facilitando a troca e comparação de informação[5].

O sistema de estadiamento mais amplamente usado é o sistema TNM (tumor, nodes, metastasis), desenvolvido pelas organizações American Joint Committee on Cancer (AJCC) e International Union for Cancer Control (UICC). Este sistema de classificação é alvo de atualizações periódicas, com base nos avanços do conhecimento em relação ao prognóstico das diferentes neoplasias, no sentido de se manter atual e relevante no contexto clinico. A mais recente revisão deste sistema é a edição UICC-AJCC do sistema de estadiamento TNM, que entrou em vigor a partir de Janeiro de 2010 e substitui a edição, em uso desde 2003 [24]. Nesta nova edição, é de notar, em primeiro lugar, o crescente recurso a bases de dados internacionais, com o objetivo de tornar as alterações no estadiamento baseadas o mais possível na evidência e, em segundo lugar, o esforço para a introdução de fatores de prognóstico não anatómicos, por forma a complementar a informação proporcionada pela extensão anatómica das neoplasias na definição dos grupos de estadiamento. Esta alteração é muito importante, uma vez que, com o crescente conhecimento do comportamento biológico dos tumores, é possível avançar na melhor definição do prognóstico. Nalguns casos, estas características podem ser mais relevantes do que a mera definição anatómica da extensão do tumor[5, 24].

Estadiamento do carcinoma da junção esófago-gástrica Com base na informação acima exposta, o objetivo deste trabalho é então responder à questão "O que são na realidade os carcinomas da junção esófago-gástrica à luz do sistema atual da classificação TNM da UICC?".

A edição UICC-AJCC do sistema de estadiamento TNM introduziu alterações significativas nalgumas neoplasias malignas, entre as quais se salientam as que se referem aos carcinomas do esófago e da junção esófago-gástrica. Até à entrada em vigor desta edição, e em consequência das incoerências explicadas, um carcinoma localizado predominantemente ou na vizinhança da junção esófago-gástrica poderia ser classificado como esofágico ou gástrico, de acordo com a opinião e julgamento dos diversos autores. Como consequência, o estadiamento era variável e dependente das opções aleatórias tomadas[19]. Um dos objetivos desta nova edição prendeu-se com a tentativa de eliminar esta fonte de ambiguidade[19], através da clarificação das regras relativas à classificação de carcinomas com origem na junção esófago-gástrica e sua vizinhança[25].

Segundo a edição do sistema de estadiamento TNM, as neoplasias cujo epicentro se localize no esófago distal / torácico inferior, na junção esófago- gástrica, ou mesmo as que têm origem nos cinco cm proximais do estômago e se estendem à junção esófago-gástrica deverão ser classificadas, para propósitos de estadiamento, como adenocarcinomas do esófago. Todas as outras neoplasias cujo epicentro se localize abaixo dos cinco cm proximais do estômago ou aquelas cujo epicentro se localize nos cinco cm proximais do estômago mas não invadam a junção esófago-gástrica são classificadas usando o sistema de estadiamento gástrico[5, 26]. Este tópico continua a ser controverso[6] merecendo toda a atenção, uma vez que um adequado estadiamento pré-tratamento é um passo indispensável na escolha da abordagem e terapêutica mais adequadas[6].

Alterações introduzidas na edição do sistema TNM Na consequência do exposto torna-se relevante especificar sumariamente as alterações implementadas na nova edição do sistema de estadiamento esofágico.

A edição do sistema TNM não era uniforme para as lesões neoplásicas ao longo do tubo digestivo. O sistema agora substituído, para além de se basear apenas na classificação T (extensão do tumor), N (gânglios linfáticos metastizados) e M (metástases à distância), ou seja, na mera extensão anatómica do tumor, não tinha em consideração as características não-anatómicas que se demonstraram estar também relacionadas com a sobrevida[27].

Com o objetivo de ultrapassar estes problemas e desenvolver um novo sistema de estadiamento, foi constituída em 2006 a Worldwide Esophageal Cancer Collaboration (WECC), que reuniu, de forma orientada e organizada, informação detalhada de treze instituições de cinco países e três continentes (Ásia, Europa e América do Norte), relativa às neoplasias do esófago e junção esófago- gástrica. Deste modo foi criada uma base de dados de 4627 doentes submetidos a esofagectomia, sem terapia de indução ou adjuvante e, através de análises estatísticas, foram propostos os diversos grupos para o estadiamento. Estes deveriam refletir uma diminuição da sobrevida com a progressão do estádio, diferenças significativas na sobrevida entre cada estádio e sobrevida semelhante dentro do mesmo estádio[27, 28]. Como consequência de todo este processo, a classificação dos tumores do esófago sofreu várias alterações e adições: - A categoria T (tumor) engloba tumores classificados desde Tis até T4, e inclui novas subclassificações. Os casos Tis, anteriormente chamados de carcinoma in situ, são agora definidos como displasia de alto grau[29]. Os tumores T1 e T4 foram subdivididos respetivamente em T1a (envolvimento da lamina própria e muscularis mucosae) e T1b (envolvimento da submucosa) e T4a (tumores ressecáveis que invadem estruturas como pleura, pericárdio ou diafragma) e T4b (tumores irressecáveis que invadem estruturas como aorta, corpos vertebrais e traqueia), definindo claramente subgrupos homogéneos com diferenças significativas no prognóstico[20, 29]. Esta reformulação veio diminuir a heterogeneidade e o pouco significado prognóstico registado em alguns subgrupos da anterior edição[20, 30].

- A categoria N (node) passou de uma classificação baseada na simples existência, ou não, de gânglios linfáticos metastizados, para uma baseada no seu número, assemelhando-se assim às classificações de outras neoplasias gastrointestinais, como sucedia no caso do estômago[20]. Muitos estudos recentes apoiam esta mudança, sugerindo que o número de gânglios linfáticos afetados, mais do que a presença ou não dos mesmos, é um dos fatores independentes mais importante na previsão da sobrevida em pacientes submetidos a resseção cirúrgica[31-35] e terapia neoadjuvante[36] por adenocarcinomas do esófago. Sendo esta alteração globalmente aceite, outros autores defendem, no entanto, que a localização dos gânglios linfáticos mestastizados continua ainda a ser um fator de estadiamento e preditivo de prognóstico tão importante quanto o número de gânglios afetados[31, 38]. Contrariando a heterogeneidade da anterior classificação[20], a categoria N é agora dividida em N0 (nenhum gânglio metastizado), N1 (um a dois gânglios metastizados), N2 (três a seis gânglios metastizados) e N3 (sete ou mais gânglios metastizados), estratificando de forma significativa a sobrevida dos doentes.

Foi também redefinido o conceito de gânglio linfático regional, passando a ser como tal considerados todos os gânglios paraesofágicos, desde os cervicais até aos celíacos[5, 29]. No entanto, outros pontos importantes ficaram ainda por esclarecer nesta edição, como a extensão da linfadenectomia durante a resseção cirúrgica de carcinomas do esófago e junção esófago-gástrica. Não existe ainda um consenso em relação ao número mínimo de gânglios linfáticos necessários para um correto estadiamento da neoplasia, nem até que ponto a extensão da linfadenectomia influencia o prognóstico e estadiamento do doente. , no entanto, alguma evidência de que o número de gânglios linfáticos ressecados depende da progressão do tumor na parede do tubo digestivo. Assim, para que o estadiamento seja mais correto e completo e para que o efeito terapêutico e sobrevida sejam máximos, o número de gânglios linfáticos ressecados deve aumentar em paralelo com a progressão do tumor na parede[5].

- A metastização à distância (M) passou a ser designada de M0 (ausência de metastização) e M1 (metastização à distância), deixando de existir a classificação MX[29].

Como consequência destas alterações, os grupos de estadiamento foram também reestruturados, aumentando para nove, por oposição aos seis em vigor na edição. Estes grupos são puramente anatómicos e são os mesmos para o carcinoma epidermóide e adenocarcinoma. No entanto, segundo alguns autores, os novos grupos de estadiamento e prognóstico tornaram-se demasiado complexos, heterogéneos e sem diminuição significativa da sobrevida em relação ao estádio anterior[20, 25, 28]. Como exemplo, a dicotomia da classificação T1 (T1a e T1b) não foi adotada na formação dos novos grupos de estadiamento[20]. A diferenciação entre T4a e T4b é relevante, não apenas tendo em conta o prognóstico dos doentes, mas também o tipo de tratamento (cirúrgico para o primeiro e apenas esquemas complementares para o segundo)[25]. Segundo a edição do sistema de estadiamento TNM, os gânglios celíacos e cervicais são agora considerados regionais, não sendo o seu atingimento uma contraindicação à terapia cirúrgica.

Muitos doentes estudados mudaram o seu estádio de classificação da para a edição do sistema de estadiamento TNM, com diferenças significativas na sobrevida entre a maioria. Por exemplo, segundo Gertler e colaboradores[20], o novo estádio IIB do sistema de estadiamento esofágico (inclui doentes T1/T2 e menos de três gânglios linfáticos metastizados), apresenta um prognóstico significativamente melhor do que o anterior estádio IIB do mesmo sistema (inclui doentes T1/T2 e qualquer número de gânglios linfáticos metastizados).

Outro estudo demonstrou que doentes anteriormente englobados no estádio IV pelo envolvimento dos gânglios celíacos, foram agora re-classificados em estádios mais precoces[39], o que possibilita a aplicação de terapia cirúrgica a estes doentes, anteriormente contraindicada.

Por último, como referido, foram englobadas na formação dos grupos de estadiamento algumas características não-anatómicas, originando grupos de prognóstico diferentes para o carcinoma epidermóide e adenocarcinoma do esófago. O grau histológico (G) faz agora parte obrigatória do estadiamento dos dois tipos de carcinomas e a localização passou a ser considerada no estadiamento do carcinoma epidermóide. Estas características alteram significativamente o prognóstico, essencialmente nos estádios menos avançados [26, 29]. No entanto, alguns estudos concluíram que estas características não parecem alterar significativamente a sobrevida de doentes, não apoiando, deste modo, a sua inclusão como fatores de prognóstico[20, 27, 28, 39].

O sistema de estadiamento do cancro gástrico sofreu também algumas alterações importantes: - A categoria T foi harmonizada com as categorias T dos cancros esofágico e do intestino delgado e grosso[19].

- Os cut-offs do número de gânglios linfáticos metastizados foram também alterados: N1 = um ou dois gânglios positivos, N2 = três a seis gânglios positivos, N3a = sete a quinze gânglios positivos, N3b = mais de quinze gânglios positivos[26].

- Presença de células malignas na cavidade peritoneal confirmadas por citologia passou a ser considerada metastização à distância (M1).

- Os grupos de estadiamento / prognóstico foram também alterados (de sete para nove grupos)[5, 19].

Aplicabilidade da nova edição do sistema TNM Na sequência da publicação da edição do sistema de estadiamento TNM, têm sido desenvolvidos vários estudos sobre a sua aplicabilidade e adaptabilidade.

Pretende-se assim avaliar as alterações feitas, procurar perceber se estas são adequadas ao carcinoma da junção esófago-gástrica e tentar detetar as suas eventuais imperfeições e falhas.

Por exemplo, Rausei e colaboradores [40] defendem que o propósito de clarificar as tão conhecidas controvérsias clinicas relativas ao carcinoma da junção esófago-gástrica não foi atingido com esta mudança. Estes autores acreditam que o novo modelo de classificação é baseado num vago conceito de "epicentro" do tumor e pode, em alguns casos, levar a que carcinomas do fundo gástrico sejam considerados e tratados como carcinomas esofágicos, não apoiando por isso o recurso à edição TNM como uma orientação para a seleção do tratamento cirúrgico.

Vários estudos procuraram comparar a e a edições do sistema de estadiamento esofágico, investigando qual das duas seria mais adequada para o estadiamento dos tumores do esófago e junção esófago-gástrica. Os resultados revelaram que a última edição reflete uma melhor estratificação dos doentes de acordo com prognóstico comparativamente com a anterior edição, sendo, por isso, um modelo que mais adequadamente reflete e prevê a sobrevida. Estes resultados suportam a teoria de que este modelo pode ser generalizável às várias instituições e aplicável na prática clínica[39, 41, 42]. Gaur e colaboradores [42] concluíram que o sistema de estadiamento esofágico da edição UICC-AJCC se adequa melhor à classificação dos carcinomas da junção esófago-gástrica, em comparação quer com o sistema de estadiamento gástrico quer com o esofágico da edição anterior, uma vez que prevê melhor a sobrevida destes doentes. Estes autores corroboram assim a teoria defendida pelas organizações UICC e AJCC sustentando que, por terem significativamente pior sobrevida do que pacientes com outros carcinomas gástricos, os pacientes com carcinoma tipo II e III da junção esófago-gástrica, seriam mais corretamente estadiados como adenocarcinomas do esófago[27, 29]. Vários outros autores defendem este conceito, acreditando que os carcinomas do cárdia se comportam também de forma semelhante aos do esófago distal em termos de epidemiologia, base molecular e clinicopatológica e sobrevida[43-45]. No entanto, as opiniões nesta área não são unânimes. Huang et al.[31] admitem o contrário, tendo os resultados do seu estudo revelado que, para fins de estadiamento dos carcinomas da junção esófago-gástrica tipo II e III, a classificação gástrica é a mais adequada, pelas razões apontadas. Por último, outros estudos admitem que nenhuma das classificações se superioriza [25], ou que não existe evidência clara que apoie o recurso à classificação esofágica para os carcinomas da junção esófago- gástrica[46]. Gertler e colaboradores[25] admitem, por exemplo, que a diferenciação em N3a e N3b faria também sentido para os carcinomas da junção esófago-gástrica.

A própria origem e comportamento biológico dos três tipos de tumores da junção esófago-gástrica ainda não estão cabalmente clarificados. Se alguns estudos propõem que os carcinomas tipo I possam ter uma origem e características biológicas diferentes dos tipos II e III[21, 22], outros sugerem que os carcinomas tipo I e II devem ser considerados e classificados como a mesma entidade[47, 48]. No entanto, apesar da divisão em carcinomas tipo I, II e III por Siewert e colaboradores, estes autores defendem que o prognóstico destes depende da classificação T,N,M,G e não do tipo, apoiando um único sistema de estadiamento para as três entidades[5]. Por continuar a ser um tema bastante controverso, são necessários mais estudos que o clarifiquem, uma vez que, apenas entendendo melhor o comportamento de cada grupo de tumores, mais adequado será o estadiamento e a classificação atribuída a cada um, permitindo abordagens terapêuticas individualizadas, que melhorem o outcome e sobrevida dos doentes.

DISCUSSÃO Os sistemas de estadiamento das neoplasias são a base para avaliação do prognóstico e da sobrevida dos doentes, escolha de terapêutica específica e até para a obtenção de informação acerca da sua incidência e outras características [5, 24]. Até à entrada em vigor da última revisão da classificação do sistema TNM pela UICC e AJCC, os carcinomas da junção esófago-gástrica correspondiam a uma entidade que não estava claramente definida, sendo por isso difícil individualizar terapêuticas e estabelecer fatores de prognóstico. Estes carcinomas tanto eram classificados como esofágicos, como gástricos, ou ainda como uma entidade distinta destas, dependendo da visão e opinião dos diversos autores[2, 5, 19, 20]. No entanto, e apesar das possíveis semelhanças entre os diferentes carcinomas da junção (tipo I, II ou III), os sistemas de estadiamento esofágico e gástrico diferiam significativamente, nomeadamente no que diz respeito à categorização da metastização ganglionar[49]. Tornava-se por isso necessária a implementação de um sistema que uniformizasse e regulasse a classificação destes carcinomas. A edição UICC-AJCC do sistema de estadiamento TNM, na tentativa de eliminar a utilização de diferentes estadiamentos, baseados na localização, nas neoplasias da junção esófago- gástrica, tentou unificar e uniformizar o seu estadiamento[19]. Deste modo, poderá ser possível, a longo prazo, uma padronização das decisões terapêuticas e técnicas oncológicas a utilizar, bem como uma possível minimização da importância da localização anatómica precisa destas neoplasias[22].

As opiniões dos diversos autores dividem-se. Alguns apoiam esta mudança, enquanto outros a vêm como um entrave à tentativa de encarar as neoplasias da junção esófago-gástrica como uma entidade distinta, separada das neoplasias esofágicas e gástricas, e que, por isso, deveria ter o seu próprio sistema de estadiamento[40]. Estes autores acreditam que as neoplasias da junção esófago- gástrica têm um comportamento biológico diferente das verdadeiras neoplasias do esófago e estômago[25, 50-52]. Como para todos os estudos, é necessário também ter em conta certas limitações em alguns dos estudos analisados neste trabalho.

Nomeadamente, a análise estatística do estudo Rice e colaboradores[27], poderá ter sido influenciada pela interação complexa entre determinadas características que influenciam a sobrevida usadas para agrupar os doentes e outros efeitos não lineares. Uma análise retrospectiva com amostra pequena e de um único centro limita também outros estudos[28, 42]. O estudo de Gaur e colaboradores[42] teve em conta doentes que tivessem ou não sido submetidos a terapia neoadjuvante, sabendo-se que o novo sistema de estadiamento engloba apenas doentes submetidos a esofagectomia, sem terapia neoadjuvante. Por último, os resultados deste estudo deverão ser validados por um estudo em maior escala, dada a escassez de doentes em determinados subgrupos. Também Huang e colaboradores[37] usaram uma amostra de doentes limitada, que consistia maioritariamente em neoplasias em estádio III ou IV e com origem no estomago proximal, o que poderá ter influenciado os seus resultados. Os procedimentos cirúrgicos não foram uniformes para todos os doentes, o que poderá ter levado os autores a subestimar o envolvimento ganglionar. Segundo Gertler e colaboradores[25], estes autores também falharam em apresentar uma justificação estatística válida para as suas conclusões. Whitson e colaboradores[43] usaram no seu estudo uma base de dados que não incluía variáveis prognósticas importantes como comorbilidades e uso de terapia adjuvante, o que pode também ter influenciado a análise dos seus resultados.

No sentido de clarificar até que ponto estas diferenças justificam a implementação de um sistema de estadiamento próprio, o estudo e recolha de informação nova e atualizada, englobando novas características não anatómicas das lesões, deve continuar[25].

O crescente conhecimento e compreensão acerca do comportamento biológico dos carcinomas da junção esófago-gástrica possibilitaria perceber melhor a sua patogénese e epidemiologia e facilitaria o desenvolvimento de novas terapêuticas[22].

No que diz respeito às alterações feitas no sistema de estadiamento esofágico propriamente dito, importa considerar a existência de algumas limitações. O novo sistema de classificação é apenas baseado no estadiamento patológico das lesões, que apenas foram incluídos na análise de dados doentes submetidos a esofagectomia. Doentes inoperáveis ou que não foram submetidos a esofagectomia não estão representados nesta classificação[5, 24]. Deste modo, uma questão pertinente a colocar, será se, um sistema de estadiamento mais adequado, como o recentemente implantado, poderá ter consequências no que diz respeito às decisões pré-operatórias. Segundo Talsma e colaboradores[39], as decisões médicas relacionadas com a administração de terapia neoadjuvante e escolha da melhor abordagem cirúrgica, são habitualmente baseadas na categoria N do TNM.

Assim, a falta de um estadiamento pré-operatório adequado torna-se um problema na escolha da modalidade terapêutica destes doentes. Para Rice e colaboradores [27], o facto deste novo sistema de estadiamento ser apenas baseado em doentes submetidos a esofagectomia, faz com que não represente de modo confiável a história natural da doença. Por outro lado, Gaur e colaboradores[42] englobaram no seu estudo doentes submetidos a terapia neoadjuvante, com os mesmos resultados que os doentes no grupo apenas de tratamento cirúrgico, o que na sua opinião, enfatiza a possibilidade de integrar os primeiros no mesmo sistema de estadiamento. Gertler e colaboradores[25] corroboram também esta hipótese, defendendo que o novo sistema de estadiamento é adequado para ambos os grupos.

Para além disto, os estádios pT4 e pM1 foram sub-representados neste novo sistema de estadiamento[5]. Segundo Rice e colaboradores, o futuro passará pelo desenvolvimento de um sistema de estadiamento que permita chegar a um prognóstico e esquema de decisão terapêutica personalizados[27].

CONCLUSÃO De acordo com a nova edição do sistema de estadiamento TNM, a edição, as neoplasias cujo epicentro se localize no esófago distal / torácico inferior, na junção esófago-gástrica, ou mesmo as que têm origem nos cinco cm proximais do estômago e se estendem à junção esófago-gástrica deverão ser classificadas, para propósitos de estadiamento, como adenocarcinomas do esófago. Todas as outras neoplasias cujo epicentro se localize abaixo dos cinco cm proximais do estômago ou aquelas cujo epicentro se localize nos cinco cm proximais do estômago mas não invadam a junção esófago-gástrica são classificadas usando o sistema de estadiamento gástrico[5, 26].

Com o principal objetivo deste trabalho atingido, outras questões merecerão ainda ser alvo de estudos aprofundados e novas revisões no futuro. Apesar da edição TNM ter trazido avanços no estadiamento das neoplasias da junção esófago-gástrica, a sua aplicação prática ainda não é consensual. O objetivo é perceber se é adequada ao carcinoma da junção esófago-gástrica ou se este não beneficiaria de um sistema de estadiamento próprio.


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