Método combinado de embolização da artéria esplénica e esplenectomia
laparoscópica: caso clínico
Introdução
A doença hematológica com redução das linhagens celulares refratária à
terapêutica médica ou dependente de quimioterapia, terapia imunossupressora ou
corticoterapia em doses elevadas pode implicar a esplenectomia laparoscópica ou
clássica no tratamento do doente. Dada a taxa de complicações significativa
decorrente deste procedimento cirúrgico, assim como o risco de hemorragia
intraoperatória maciça que está associado à trombocitopenia que estes doentes
apresentam, a embolização da artéria esplénica surgiu como um tratamento
alternativo ou adjuvante, quando realizada previamente à cirurgia.
O caso clínico apresentado relata a história de uma doente com síndrome
mielodisplásica manifestada por trombo citopenia sintomática dependente de
corticoterapia em doses elevadas, a qual foi submetida ao procedimento
combinado de embolização da artéria esplénica e esplenectomia laparoscópica.
Caso clínico
Doente do sexo feminino, de 53 anos, com internamento na Hematologia há 7 anos
por história de menometrorragias e equimoses espontâneas, associadas a
trombocitopenia (63 000 plaquetas/µL), com níveis sanguíneos das restantes
linhagens celulares dentro da normalidade. A investigação diagnóstica foi
inconclusiva e a trombocitopenia reverteu espon taneamente, pelo que a mesma
foi atribuída a toxicidade química, devido ao contato da doente com
detergentes. Há 3 anos, a doente foi novamente submetida a inves tigação por
episódios intermitentes semelhantes ao anterior, obtendo-se o diagnóstico
definitivo de síndrome mielodisplásica por displasia megacariocítica. Desde
essa data, a doente apresentava trombocitopenia sintomática dependente de
corticoterapia em doses elevadas e imunoglobulina humana, apresentando níveis
de 28 000 a 60 000/µL, quando a dose de corticoterapia era reduzida. A doente
foi referenciada à consulta de Cirurgia Vascular, pela Hematologia, para
ponderação de embolização da artéria esplénica. À data da consulta, a doente
encontrava-se assintomática, sem alterações ao exame objetivo, sem alterações
analíticas, com um nível de plaquetas de 147 000/µL, mas medicada com
prednisolona 40 mg por dia e imunoglobulina humana, e TC toracoabdominopélvica
que não revelou alterações, nomeadamente esplenomegalia.
A doente foi submetida a arteriografia da aorta abdominal por via retrógrada,
através de punção arterial femoral comum direita, e arteriografia seletiva da
artéria mesentérica superior, tronco celíaco e da artéria esplénica, sob
terapêutica com heparina não fracionada (2500 UI EV). A arte riografia revelou
eixos arteriais permeáveis, sem evidência imagiológica de lesões (fig._1). A
doente foi, no mesmo procedimento, submetida a embolização total da artéria
esplénica, através de cateterização seletiva da mesma e deposição de três coils
Tornado Cook®, dois deles com 7 x 3 mm e um com 8 x 4 mm de dimensões (fig._2).
O procedimento decorreu sem intercorrências ou complicações e o objetivo foi
atingido, com um resultado arterio gráfico final que demonstrou oclusão total
da artéria esplénica. À data da embolização da artéria esplénica, a doente
apresentava um nível de plaquetas de 114 000/µL.
No dia seguinte, a doente foi submetida a esplenectomia laparoscópica, que
decorreu sem intercorrências.
A doente teve alta ao quarto dia pós-operatório, assintomática, com um nível de
208 000 plaquetas/µL, um valor de hemoglobina de 12,7 g/dl (sobreponível ao
valor prévio à cirurgia) e não apresentou qualquer complicação durante o
internamento.
A última toma de imunoglobulina humana foi administrada ao 5º dia pós-
operatório e, durante o seguimento em ambulatório, a dose de prednisolona foi
progressivamente reduzida até à sua suspensão total, 43 dias após o
procedimento combinado, mantendo sempre um nível de plaquetas entre 238 000 e
289 000/µL, durante esse período.
Discussão
A embolização da artéria esplénica foi introduzida por Maddison, em 1973, como
um tratamento endovascular para as varizes hemorrágicas secundárias a
hipertensão portal e o hiperesplenismo1,2.
As indicações para este procedimento, para além das referidas no parágrafo
anterior, englobam a doença hematológica com redução das linhagens celulares,
dependente de quimioterapia, corticoterapia ou terapia imunossupressora em
doses elevadas, lesões traumáticas da artéria esplénica, aneurisma esplénico,
neoplasia do baço, síndrome de roubo da artéria esplénica, aumento da perfusão
hepática em doentes transplantados de fígado e redução de hemorragia
intraoperatória durante a esplenectomia clássica ou laparoscópica1,3.
A taxa de sucesso de embolização da artéria esplénica no tratamento das
diversas patologias varia entre 84 e 100%1,2,4-7.
A técnica da embolização da artéria esplénica varia consoante o objetivo
pretendido, podendo ser total ou parcial. O procedimento começa com uma
arteriografia da aorta abdominal e seletiva da artéria mesentérica superior,
tronco celíaco e artéria esplénica, que pode ser efetuada por punção arterial
femoral ou umeral. A arteriografia tem como objetivo identificar a
permeabilidade das colaterais existentes entre os ramos hilares da artéria
esplénica e a artéria gástrica esquerda e entre os primeiros e a artéria
gastroepiploica, para evitar que a embolização da artéria esplénica provoque o
enfarte total do baço. Para além disso, a arteriografia seletiva da artéria
esplénica permite identificar a origem das artérias pancreáticas dorsal e
magna, para evitar a oclusão acidental das mesmas1,3,7. Os materiais utilizados
para a embolização podem ser coils metálicos, microesferas, partículas de
esponja de gelatina ou partículas de álcool-polivinil3,7,8. A profilaxia
antibiótica não é consensual, alguns autores defendem a administração
endovenosa de antibióticos de largo espectro cerca de 8 a 12 horas antes do
procedimento, ao passo que outros iniciam a sua administração 3 dias antes3,7.
A embolização total da artéria esplénica tem como objetivo a oclusão total da
mesma, a um nível distal às origens das artérias pancreáticas referidas
anteriormente. A embolização parcial pode ser realizada através de um de dois
métodos: no primeiro, alguns dos vasos terminais da artéria são seletivados e
procede-se à embolização dos mesmos; no segundo, procede-se a uma embolização
par cial não seletiva dos vasos terminais, permanecendo o catéter na artéria
esplénica, distalmente às origens das artérias pancreáticas3.
A percentagem de enfarte esplénico necessária para que a embolização seja
eficaz no que diz respeito à melhoria dos parâmetros hematológicos ainda não
está definida, alguns estudos recomendam que seja superior a 30%, outros
referem a ineficácia do procedimento quando o enfarte é inferior a 50%. No
entanto, todos são consensuais quanto a um limite máximo de 70%, pois os valo
res superiores a este estão associados a um risco ele va do de
complicações2,7,8.
As complicações que podem decorrer da embolização da artéria esplénica são o
abcesso ou a rutura do baço, a trombose da veia esplénica, pneumonia, derrame
pleural, pancrea tite aguda, ascite, hemorragia gastrointestinal, ileus
paraliticus, sépsis ou síndrome pós-embolização. A síndrome pós-embolização é a
complicação mais frequentes deste procedimento e manifesta-se por febre,
leucocitose e dor abdominal e é uma consequência direta do enfarte esplénico.
No entanto, esta síndrome é auto-limitada, facilmente tolerada e tratada de
forma conservadora1,3,7. Os fatores de risco associados ao desenvolvimento de
complicações são a idade avançada, a trombocitopenia após o procedimento e o
hidrotórax1.
Alguns estudos que comparam a embolização total com a embolização parcial da
artéria esplénica mostram que a primeira, para além de estar associada a uma
maior eficá cia deste procedimento, tem uma taxa de incidência de complicações
significativamente menor. Como na em bo lização total da artéria esplénica as
colaterais do segmento hilar da artéria são poupadas, ao contrário do que
acontece na embolização parcial, a percentagem de enfarte do baço é menor,
reduzindo o risco de complicações7.
Na embolização esplénica não associada a esplenectomia, a imunização passiva
anti-pneumocócica não é efetuada por rotina e ainda não existem estudos
científicos relativamente às consequências imunológicas deste procedimento ou
ao papel da vacinação associada ao mesmo1,3.
A embolização da artéria esplénica é uma indicação nos doentes com doença
hematológica manifestada por redução das linhagens celulares sanguíneas que
necessitam de esplenectomia, quer para melhorar os parâmetros hematológicos
antes da cirurgia, quer para diminuir a hemorragia intraoperatória. Deste modo,
a embolização da artéria esplénica previamente à esplenectomia, confere uma
maior segurança ao procedimento cirúrgico e reduz a incidência de complicações,
a duração da intervenção cirúrgica e o tempo de internamento2,9-13.
Conclusão
O método combinado de embolização da artéria esplénica e esplenectomia
laparoscópica é um método seguro e eficaz nos doentes com doença hematológica e
redução das linhagens celulares sanguíneas. Assim como na maio ria dos casos
clínico descritos na literatura, o nosso proce di mento foi bem sucedido,
eficaz, sem complicações e a esplenectomia laparoscópica decorreu sem
hemorragia significativa, sem complicações e com um internamento pós-operatório
de curta duração.