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variedadeEu
ano2014
fonteScielo

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Prática clínica e avaliação económica de intervenções em saúde: conceitos antagonistas ou complementares? COMENTÁRIO EDITORIAL Prática clínica e avaliação económica de intervenções em saúde: conceitos antagonistas ou complementares? Clinical practice and economic assessment of health interventions: antagonistic or complementary concepts?

António Vaz Carneiro*

*Centro de Estudo de Medicina Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

Durante 25 séculos a prática clínica não teve qualquer base científica e, por consequência, a sua eficácia foi quase inexistente (o exemplo mais paradigmático é a utilização da sangria terapêutica para tratar todas as doenças e todos os doentes). Neste contexto, as decisões clínicas baseavam-se exclusivamente na tradição e na relação médico-doente.

O início da investigação científica em saúde no século XVII veio a servir de base especialmente a partir do primeiro quartel do século XX para a verdadeira explosão do conhecimento médico, com subsequentes benefícios para os doentes (que passaram a viver mais tempo e com melhor qualidade de vida). Neste contexto, as decisões clínicas baseavam-se na selecção dos meios de diagnóstico e terapêutica que estavam disponíveis, adaptando-os às necessidades do doente individual.

Este modelo de desenvolvimento foi acompanhado por gastos financeiros rapidamente progressivos e uns 30 anos atrás irrompeu com espectacular premência o conceito de controlo de custos em saúde.

A questão actual que se coloca a médicos, gestores, políticos e pacientes é saber se se consegue controlar os custos em saúde mantendo (ou aumentando) a qualidade dos cuidados, para além de aquilo que se convencionou designar como controlo de custos 1.

Uma das áreas que mais se tem desenvolvido é a da farmacoeconomia, que se define como a descrição e análise dos custos e benefícios para os sistemas de saúde e para a sociedade da terapêutica farmacológica, identificando, medindo e comparando custos e consequências dos medicamentos e dos serviços2. A importância desta metodologia analítica encontra-se na necessidade de controlar custos cada vez mais pesados, que crescem a um ritmo superior ao da inflação e que obrigam a uma reflexão de como é que recursos limitados podem ser usados de maneira mais eficiente (e efectiva). A eficiência define-se como o benefício obtido num contexto experimental (por exemplo num ensaio clínico) e a efectividade é o impacto na vida prática, quotidiana.

Existem três tipos básicos de análise farmacoeconómica: de custo-efectividade (ACE), de custo-benefício (ACB) e de custo-utilidade (ACU). Cada método mede o custo em unidades monetárias (euros, dólares, etc.), mas diferem na metodologia que utilizam para comparações entre os custos e os resultados (outcomes).

Na tabela 1 estão descritas as principais características de cada metodologia.

A metodologia mais utilizada é a da análise de custoefectividade, que mede o custo em euros (ou outra unidade monetária qualquer) e os resultados em unidades naturais que indiquem uma melhoria de saúde (tais como taxas de curas, anos de sobrevida ganhos, baixas de glicémias, etc.). Estes últimos indicadores são habitualmente estudados em ensaios clínicos, pelo que são de fácil interpretação para os médicos no que concerne o seu impacto.

várias maneiras de apresentar custos e efectividades numa ACE, sendo o rácio incremental de custo-efectividade (Incremental Cost-Effectiveness Ratio ICER) o mais utilizado. Este índice procura responder à questão Como é que se compara um tratamento com outro, em termos de custos e resultados?. O ICER é o rácio da diferença em custos, com a diferença em resultados numa determinada intervenção.

Certos autores consideram que uma análise de custoutilidade (ACU) que avalia os resultados utilizando os anos ajustados para a qualidade de vida (quality- adjusted life-year QALY) constitui um subconjunto de uma ACE. Uma ACU leva em linha de conta as preferências dos doentes na medição de consequências em saúde (as chamadas utilidades). A grande vantagem da ACU é que se podem comparar diferentes tipos de resultados em saúde (ou doenças com múltiplos resultados) utilizando precisamente os QALY. A desvantagem é que nalguns casos pode ser difícil calcular uma utilidade (que é uma preferência dos doentes) e portanto um QALY preciso está sujeito a viéses 3.

No presente número da Angiologia e Cirurgia Vascular, Paulo Sousa e col.

avaliaram, no contexto Português, o custo-efectividade do tratamento endovascular (EVAR) no tratamento do aneurisma da aorta abdominal (AAA) comparado com o tratamento por cirurgia convencional, usando um modelo desenvolvido previamente no Reino Unido. As variáveis mais importantes para alimentar este modelo os benefícios e a utilização de recursos, bem como as consequências a curto e médio prazo basearam-se respectivamente em estudos clínicos internacionais e num painel de peritos constituído para o efeito (numa técnica de Delphi em duas rondas). O modelo económico é constituído por uma árvore de decisão capturando custos e resultados nos primeiros 30 dias após cirurgia e um modelo de Markov que os avalia a longo termo após aquele período inicial. Os resultados indicam que a maior diferença no custo da EVAR (mais € 3.064) foi devida ao custo directo da endoprótese (€ 8,027 versus € 968) e que a segurança das duas intervenções é semelhante em termos de taxas de complicações e reintervenções. O valor da EVAR foi de € 65.605/QALY no curto termo, valor que desce para metade na projecção de benefícios no longo termo.

Este último valor é próximo do que se convencionou ser uma intervenção custo- eficaz entre nós, pelo que os autores concluem que o valor económico do EVAR melhoraria se se confirmassem os benefícios a longo prazo que alguns dos estudos recentes parecem apontar. Nessas circunstâncias, o tratamento endovascular tornar-se-ia uma intervenção economicamente interessante que, aliada aos bons resultados ao nível da efectividade e da qualidade de vida dos doentes, poderia ser indicada para um maior número de situações clínicas.

Numa breve abordagem crítica deste trabalho, haverá que, em lugar, felicitar a equipa que o elaborou e a Revista de Angiologia e Cirurgia Vascular que o publicou. Numa altura de severas restrições económicas na saúde, estudos como este servem para racionalizar o uso das diversas opções terapêuticas comparando-as com as alternativas disponíveis, quer no benefício de cada intervenção quer no seu custo. com informação deste tipo se podem fundamentar as decisões clínicas levando em linha de conta não os aspectos clínicos (benefício e risco), como os aspectos económicos. Para além disso, deverá ser realçada a honestidade intelectual da equipa de autores, que não hesita em identificar um problema de custo com a técnica que utiliza.

Este estudo tem alguns problemas, dos quais se destacam: 1) a inexistência de estudos com resultados objectivos sobre a estrutura de custos em Portugal das técnicas analisadas, o que faz com que os autores tenham extrapolado de um estudo inglês e de um painel de peritos para alimentação do modelo de Markov utilizado no cálculo do custo-efectividade do EVAR; 2) a pouca fundamentação das melhores taxas de sobrevivência no longo termo, que não estudos que o confirmem: deste modo, o benefício pode não ser real, o que coloca dúvidas sobre o custo-efetividade da EVAR; 3) tal como os autores reconhecem na discussão, ausência de possibilidade de identificação de subgrupos de doentes que possam responder de modo diverso à intervenção.

Apesar destes reparos, consideramos que o presente estudo constitui uma válida adição à área dos estudos económicos em saúde, com resultados claros que podem servir de base a decisões clínicas, de administração e até de políticas de saúde.


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