Ruptura: Apresentação invulgar de aneurisma popliteu
Introdução
O aneurisma popliteu surge particularmente em homens, de idade superior a 60
anos1, com múltiplos factores de risco ateroscleróticos, nomeadamente, a
hipertensão arterial e o tabagismo. É o aneurisma periférico mais frequente e
pode surgir em associação com aneurismas em outra localização, nomeadamente na
artéria poplíteia contra-lateral (64%)2.
Apesar de 40% serem assintomáticos, a isquémia aguda ou crónica do membro
inferior por trombose ou embolização distal e a clínica de compressão de
estruturas nobres do escavado popliteu, são as formas de apresentação mais
comuns3. A ruptura é extremamente rara (cerca de 2%) e pode associar-se a perda
de membro (em média 27% revisão de séries)3,4.
Caso clínico
Homem de 66 anos, fumador, hipertenso, com insuficiência renal crónica (estadio
4), cardiopatia isquémica e disrítmia, sob anti-coagulação em ambulatório com
varfarina. Foi admitido num Hospital Distrital por quadro de instalação súbita
de dor, edema e extensa equimose da coxa esquerda.
Apesar de hemodinamicamente estável apresentava anemia grave (Hb 6,5 g/dL),
creatinémia de 7,6 mg/dL e INR de 2,8. Permaneceu internado com o diagnóstico
de hematoma espontâneo da coxa (no contexto de anti-coagulação) e agudização da
função renal, sob terapêutica médica e suporte transfusional. Por agravamento
sintomático do membro foi transferido ao 5º dia para o Serviço de Urgência do
Centro Hospitalar Lisboa Norte para avaliação por Cirurgia Vascular.
Objectivamente apresentava extensa sufusão hemorrágica, associada a volumosa
massa pulsátil dolorosa no terço distal da coxa e escavado popliteu esquerdos,
com parésia do pé (fig._1). Apesar da ausência de pulsos distais, não
apresentava clínica de isquémia aguda do membro, atribuindo-se o deficit
neurológico do pé ao efeito compressivo do hematoma sobre o nervo ciático
popliteu externo.
A avaliação por ecoDoppler mostrou ruptura de aneurisma popliteu supra-
genicular esquerdo com 7 cm de diâmetro (fig._2), permeabilidade da artéria
popliteia distal, trifurcação e segmentos proximais das artérias tibiais. A
necessidade de cirurgia urgente, a insuficiência renal crónica em estadio
avançado e a possibilidade de planear a revascularização com o estudo por
ecoDopplerdescrito, suportaram a decisão de intervir sem outros exames
complementares, nomeadamente, com contraste endovenoso, como a angioTC.
Abordou-se por via interna a artéria popliteia desde o canal de Hunter até à
sua trifurcação, com secção dos músculos e tendões da face interna do joelho.
Após clampagem proximal e distal, respectivamente, das artérias femoral
superficial e popliteia infra-genicular (fig._3), procedeu-se a drenagem do
extenso hematoma, abertura do saco aneurismático, endoaneurismorrafia proximal
(artéria femoral superficial) e distal (artéria poplíteia supra-genicular) com
identificação e laqueação complementar dos ramos colaterais (figs._4, fig._5 e
6).
Realizou-se reconstrução vascular por bypassfemoral superficial-popliteia
infra-genicular com veia safena interna contra-lateral invertida com laqueação
complementar da artéria popliteia infra-genicular justa-anastomótica (fig._7).
A angiografia de controlo intra-operatória mostrou exclusão aneurismática,
ausência de defeitos anastomóticos e compromisso do sector crural por provável
embolização distal assintomática prévia (fig._8).
Durante o pós-operatório o estudo complementar mostrou aneurisma popliteu
supra-genicular contra-lateral e aneurisma da aorta abdominal, respectivamente,
de 1,7 e 4 cm de diâmetro.
Aos três meses de follow-up o doente deambula autonomamente, apesar de
deficit neurológico residual do pé esquerdo, mostrando o estudo por
ecoDoppler a revascularização permeável e sem complicações (fig._9).
Discussão
O aneurisma popliteu é o aneurisma periférico mais frequente, manifestando-se
classicamente por sintomas de isquémia (aguda ou crónica) ou decorrentes do
efeito compressivo de estruturas do escavado popliteu (nervosas ou venosas)2,3.
A embolização distal de conteúdo trombótico do saco aneurismático ou a sua
trombose são as complicações mais conhecidas. A presença destas pode acarretar
risco de perda de membro e comprometer o resultado dos procedimentos de
revascularização, pelo que alguns autores defendem uma atitude de intervenção
precoce electiva nos aneurismas assintomáticos2,5.
Ilig concluiu, após análise de 16 séries com 1910 aneurismas, que a ruptura é
uma manifestação muito invulgar, com uma incidência estimada de 2,1% (40/1910).
Apesar da incidência das complicações previamente descritas manterem-se
constantes nas últimas séries, a ruptura tem tendencialmente diminuído (11%
antes de 1970 e 1% depois de 1980)4. O declínio observado deve-se provavelmente
ao aumento do diagnóstico e tratamento de aneurismas assintomáticos associado à
generalização do estudo arterial por ecoDoppler.
O quadro clínico de ruptura depende da sua localização e dimensão. A
apresentação mais comum é a de tumefacção dolorosa no escavado popliteu,
associada a sufusão hemorrágica ou hematoma. O efeito compressivo do hematoma
sobre a veia popliteia pode causar edema do membro e trombose venosa profunda4.
A neuropatia compressiva do nervo ciático ou dos seus ramos pode resultar em
parésia do pé, como apresentava o doente deste caso clínico (fig._1)6. A
formação de fístula arterio-venosa por ruptura aneurismática para a veia
poplíteia está também descrita7.
A ruptura pode exigir tratamento emergente, quando associada a isquémia aguda
grave do membro ou a choque hipovolémico causado pela hemorragia grave. Este
último é minimizado pela capacidade de contenção da hemorragia pelo
compartimento músculo-tendinoso popliteu.
O diagnóstico pode ser confirmado por ecoDoppler, TC, Ressonância Magnética
ou angiografia convencional/ subtracção. O ecoDopplercontribui para o
diagnóstico diferencial de forma célere e não invasiva. O exame de eleição
provavelmente será a angioTC4, detectando a presença do aneurisma/hematoma,
suas relações com as estruturas vizinhas e possibilitando, através do estudo
arterial proximal ao aneurisma e do run off,o planeamento da estratégia
cirúrgica. Actualmente a angiografia convencional/subtracção tem um papel mais
limitado e pode contribuir para os casos em que é necessário óptima apreciação
do run off para selecionar um targetdistal para bypass no sector crural
ou nas artérias do pé, além da sua utilização intra-operatória no controlo após
revascularização.
O tratamento cirúrgico mais comum é a abordagem por via interna da artéria
poplíteia, laqueação proximal e distal do aneurisma e revascularização através
de bypasscom veia safena interna. O controlo proximal pode ser efectuado por
clampagem directa ou utilização de técnica de torniquete3. O saco
aneurismático deve ser aberto, permitindo a laqueação selectiva de colaterais
prevenindo o back flow bleeding.
Com a utilização crescente de técnicas endovasculares no tratamento dos
aneurismas popliteus electivos, têm sido descritos casos de sucesso, em doentes
selecionados com ruptura e alto risco operatório, através de implantação de
stentscobertos (Hemobahn/Viabahn®W. L. Gore and Associates, Flagstaff, AZ,
USA)7,8.
Os resultados precoces e tardios da revascularização convencional em contexto
de ruptura são pouco conhecidos, mercê da raridade desta entidade clínica, mas
provavelmente serão inferiores aos obtidos no tratamento de aneurismas
popliteus assintomáticos4,5.
Conclusão
A ruptura de aneurisma popliteu é uma forma de apresentação extremamente rara e
pouco descrita na literatura.
Ao mimetizar diagnósticos alternativos (trombose venosa profunda, hemartrose,
entre outros), é necessário um elevado índice de suspeição clínica, assumindo o
ecoDopplerum papel importante na confirmação diagnóstica.
A intervenção vascular é mandatória para controlo da hemorragia,
revascularização e descompressão compartimental.