Técnica de embolização assistida por stent de aneurisma da artéria renal
Introdução
Estudos tanatológicos mostram que os aneurismas da artéria renal são entidades
patológicas extremamente raras, apresentando uma incidência estimada de 0.01-
0.09% na população1. Apesar da raridade os cirurgiões vasculares devem estar
cientes da história natural, diagnóstico e abordagem terapêutica desta
patologia.
Os aneurismas da artéria renal são bilaterais em cerca de 10% dos casos1,2.
A rotura destes aneurismas é a sua pricipal complicação e está associada a uma
taxa de mortalidade que pode atingir os 80%3.
Apesar dos aneurismas renais serem considerados lesões raras, são encontrados
com cada vez maior frequência, devido ao uso generalizado de métodos
complementares de imagem.
Na maioria dos casos, a relevância clínica dos aneurismas é incerta, uma vez
que o doente não apresenta sintomas diretamente relacionados com o aneurisma.
Contudo, alguns doentes podem apresentar hipertensão arterial, isquemia renal,
hematúria e dor no flanco, mas a sua relação causaefeito é dificilmente
estabelecida4,5.
O tratamento cirúrgico de aneurismas renais é relativamente seguro, com estudos
que revelam uma taxa de mortalidade de apenas 1,6%, embora com morbilidade 12%.
As técnicas tradicionalmente descritas podem passar pelo tradicional
bypass,aneurismorrafia, ou ambas as anteriores. A nefrectomia é habitualmente
utilizada em casos de dificil correção. Se o aneurisma envolver artérias renais
segmentares a sua reconstrução pode passar pela sua reparação a quente in situ,
ou quando se estimar um tempo de isquemia a quente maior que 40 minutos,
utilizar métodos de arrefecimento local com gelo e perfusão a frio quer in
situ, quer ex vivo4.
Quando utilizadas cirurgicas clássicas a sua taxa de patência primária é
elevada, chegando a atingir 96% aos 2 anos, sendo que a patência estimada não
difere quando comparadas as técnicas de reparações aneurismáticas ex vivo ou in
situ (93% vs. 100%)4.
Com o desenvolvimento das técnicas endovasculares e de novos dispositivos,
mesmo lesões complexas podem ser seletivamente tratadas, poupando a árvore
arterial renal.
Hoje em dia, os procedimentos endovasculares representam os avanços mais
recentes no tratamento destas lesões, demonstrando ser menos invasivos e
acarretando uma menor taxa de morbi-mortalidade. Para tal é fundamental um
total entendimento da microvasculatura aneurismática e estabelecida uma
adequada e delineadamente planeada estratégia terapêutica.
Caso clínico
Doente do sexo masculino de 33 anos de idade, sem antecedentes médicos de
relevo, a quem, na sequência do aparecimento de uma dor no flanco direito é
efetuada uma ecografia, tendo-lhe sido detetado um aneurisma da artéria renal
direita. De seguida realizou um angio-TC que confirmou a presença de um
aneurisma sacular da trifurcação da artéria renal direita com 2,1 cm de
diâmetro máximo (fig._1). Na sequência o doente foi proposto para tratamento
endovascular.
Desta forma, após anestesia local e punção femoral simples à esquerda, a
artéria renal direita foi seletivada e uma baínha 6F inserida no seu terço
proximal (Cook Flexor Raabe, Cook Medical, Bloomington, IN, USA). Dada a
localização distal do aneurisma na artéria renal direita envolvendo já a
primeira artéria renal segmentar e de modo a manter a perfusão de todo o rim, o
tratamento realizado passou pela exclusão aneurismática, através da colocação
de um stent de nitinol auto-expansível Xpert (Abbott Vascular Devices, Abbott
Park, IL, USA), de células abertas, de 5 × 20 mm no colo do aneurisma, ficando
a parte final do stent colocada na artéria renal segmentar de maior calibre.
Foi de seguida realizada a embolização com a libertação seletiva por
microcatecter 2,6F de um coil tridimensional e vários coilsbidimensionais no
saco aneurismático através da malha do stent (fig._2). O procedimento demorou
cerca de 160 minutos, sem intercorrências, tendo o doente tido alta no dia
seguinte ao procedimento, assintomático.
O doente permaneceu duplamente anti-agregado com apirina 100 mg e clopidogrel
75 mg, durante 6 meses.
Durante o seguimento do doente, este manteve uma adquada função renal e perfil
tensional e o angio-TC de controlo aos 7 meses revelou total exclusão
aneurismática, assim como permeabilidade das três artérias renais segmentares,
integridade do stentcolocado, sem sinais de enfarte ou atrofia renal (fig._3)
Discussão
Mais de 90% dos aneurismas verdadeiros da artéria renal são extra-
parênquimatosos6-8e são mais frequentes entre os 40 e os 60 anos9.
A aterosclerose é a causa mais comum dos aneurismas renais, contudo podem
também ser devidos a displasia fibro-muscular, pós-traumáticos ou micóticos10.
A maioria de aneurismas renais são descobertos durante a investigação
etiológica de um quadro hipertensivo ou são achados ocasionais durante a
realização de imagens abdominais11,12.
O tratamento cirúrgico do aneurisma renal em rotura, associa-se a elevado risco
de nefrectomia em particular em casos de instabilidade hemodinâmica3,13,
estando esta complicação associada a uma taxa de mortalidade de 10% em homens
ou em mulheres não grávidas14,15.
Vários autores referem que a probabilidade de rotura destes aneurismas aumenta
à medida que o diâmetro excede 1,5cm. Até agora, o seu tratamento cirúrgico ou
endovascular, tem sido recomendado quando o aneurisma é sintomático ou quando o
seu diâmetro excede os 1,5-2 cm13,16,17.
Já foram porém documentados casos em que se observou hemorragia maciça com
lesões aneurismáticas de menor diâmetro, especialmente durante a gravidez18,19,
o que faz questionar as indicações de tratamento atuais e ponderar a
necessidade de correção em doentes jovens com aneurismas inferiores a 1,5 cm20.
Para além de situações de choque hemorrágico ou de aneurismas sintomáticos a
maioria dos autores13,17,21, recomenda tratar aneurismas em mulheres grávidas
ou em mulheres em idade reprodutiva ou aneurismas em crescimento22. Há contudo
outros autores que extenderam a indicação a doentes com rim único, com
hipertensão reno-vascular, aneurismas bilaterais, micóticos que não
Técnica de embolização assistida por stent de aneurisma da artéria renal
melhoram com terapêutica antibiótica ou em doentes com história de rotura
aneurismática prévia20.
Tradicionalmente, o tratamento cirúrgico era recomendado a todos os aneurismas
renais maiores que 2 cm6, embora mais recentemente, outros sugerem, que o
tamanho aneurismático a considerar para cirurgia deve ser > 3 cm23.
O interesse no tratamento endovascular desta patologia tem crescido desde
199524. As primeiras publicações relataram uma boa eficácia, porém associadas a
uma elevada taxa de complicações, principalmente devidas à migração de
dispositivos embólicos pela artéria25-27.
Contudo, a ocorrência das referidas complicações tem diminuído desde então,
fazendo atualmente da abordagem endovascular o tratamento de primeira linha em
detrimento da cirurgia aberta.
A criação e utilização dos novos sistemas de microcateteres e de embolizações
selectiva com coils tem permitido a exclusão aneurismática independente da
localização do aneurisma na artéria renal, desde que o aneurisma apresente um
colo < 4 mm22.
A libertação de stens cobertos tem sido descrita no tratamento de aneurismas
localizados na artéria renal principal24,28,29.
Contudo, este tipo de stent não pode ser colocado numa região de trifurcação da
artéria renal sob pena de compromisso arterial segmentar do rim acometido,
podendo originar um enfarte renal de grandes dimensões.
Dito isto, optámos assim por uma estatégia mais utilizada no tratamento de
aneurismas intra-cranianos, que passou pela colocação de um stent descoberto de
células abertas com a consequente embolização com coils do saco aneurismático
pela malha do stent. Nas situações de aneurismas com colo largo (> 4 mm) e
justa-bifurcação a utilização de stent serve assim como plataforma para
poder, com segurança, proceder à libertação de coilspara o interior do saco
aneurismático, prevenindo a sua migração distal na tentativa de preservar a
normal função anatomo-fisiológica do rim.
Esta técnica de embolização assistida por stent foi pela primeira vez descrita
para o tratamento dos aneurismas das artérias renais em 200830.
Quando utilizado no tratamento de aneurismas cerebrais esta técnica de
embolização assistida por stentapresenta taxas de sucesso a longo-prazo de
cerca de 71-73%31,32.
A literatura refere também outras formas alternativas de tratamento
endovascular que passam pela embolização de coils assistidos por balão ou pela
injeção de agentes embólicos líquidos22.
Existem já alguns casos clínicos descritos na literatura em que se realizou a
correção de aneurismas da artéria renal com a utilização do novo sistema
cirúrgico laparoscópico assistido por robot (Da Vinci)33,34.
Conclusão
Serve este caso clínico para documentar uma forma rara de tratamento
endovascular desta patologia e a experiência crescente do nosso Hospital como
tratamento de primeira linha na correção de aneurismas de artérias viscerais
por via endovascular.
A abordagem endovascular selecionada demonstrou portanto ser uma técnica tanto
eficaz como segura e de menor invasibidade, em vez da tradicional abordagem
cirúrgica inevitavelmente mais complexa, demorada e agressiva.
Manter a perfusão do rim é importante na escolha da melhor opção endovascular
para a exclusão aneurismática. Desta forma, a opção por nós selecionada teve em
vista a manutenção da perfusão renal, minurando as possíveis complicações
decorrentes do tratamento endovascular causadas pela embolização simples com
coils ou pela colocação de um stent coberto.