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EuPTCVHe1646-706X2014000400005

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variedadeEu
ano2014
fonteScielo

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Abordagem cirúrgica multidisciplinar como melhor opção terapêutica no carcinoma de células renais com envolvimento vascular

Introdução O carcinoma de células renais (CCR) representa 2-3% de todos os tumores sólidoseéo terceiro tipo de tumor mais comum do sistema urinário representando 90-95% de todos os tumores renais1. Tem uma incidência estimada de 6-12 casos por cada 100.000 habitantes nos países ocidentais, sendo mais frequente nos homens do que nas mulheres (ratio 1,5:1); o seu pico de incidência ocorre entre os 60 e os 70 anos2,3. São fatores etiológicos o tabagismo, a obesidade e a hipertensão. Ter um familiar em primeiro grau com CCR também está associado a um risco aumentado4.

O CCR pode permanecer clinicamente oculto até um estádio avançado, uma vez que apenas 10% dos doentes apresentam a tríade clássica composta por dor no flanco, hematúria e massa palpável3,5.

O tamanho do tumor, a invasão da gordura perirrenal, a invasão ganglionar e as metástases à distância são fatores de prognóstico importantes e independentes no CCR. A invasão da veia cava inferior (VCI) a qualquer nível diminui significativamente e de forma independente o prognóstico de sobrevida dos doentes com CCR8. A cirurgia agressiva, constituída pela nefrectomia radical e trombectomia cirúrgica do trombo tumoral, parece ser a única forma de alterar o prognóstico clínico na ausência de metástases ou invasão ganglionar.

Caso clínico Os autores apresentam o caso de um doente de 57 anos, sexo masculino, sem patologia conhecida, com antecedentes de tuberculose pulmonar na adolescência, assintomático até 6 meses antes do internamento, quando inicia queixas de cansaço e perda ponderal significativa (mais de 10% do peso corporal). Duas semanas antes do internamento refere o aparecimento súbito de dor lombar esquerda acompanhada de hematúria macroscópica, pelo que recorre ao serviço de urgência do hospital da área de residência.

À observação apresentava-se emagrecido, com massa abdominal palpável nos quadrantes esquerdos, indolor, de consistência dura, limites mal definidos, contornos irregulares e bosselados, aderente aos planos profundos e com cerca de 20 cm de maior diâmetro.

Para esclarecimento da clínica e por suspeita de massa tumoral realizou inicialmente ecografia abdominal e posteriormente TC toraco-abdominal e pélvica que revelou a presença de volumosa massa renal esquerda (fig._1), com trombo tumoral preenchendo a veia renal esquerda e a VCI até à aurícula, sem preenchimento da mesma (fig._2), visualizável por ecografia transesofágica. O doente foi transferido para a nossa instituição e preparado para abordagem cirúrgica multidisciplinar envolvendo as equipas de urologia, cirurgia vascular, cirurgia cardiotorácica e anestesiologia.

Em contexto eletivo foi submetido a nefrectomia radical esquerda/tumorectomia, efetuada por laparotomia de chevron. Durante a nefrectomia e por necessidade de mar-gens cirúrgicas alargadas ocorreu lesão iatrogénica da aorta infrarrenal, com necessidade de reparação da mesma com interposição de prótese de Dacron de 18 mm em posição aorto-aórtica (fig._3).

Após a nefrectomia procedeu-se ao rebatimento do colon direito e por abordagem de Kocher isolou-se a VCI e a confluência das 2 veias renais, seguiu-se o tempo cardíaco com a esternotomia, seguida de canulação da veia cava superior e aorta ascendente, entrada em circulação extracorporal e exérese do trombo tumoral por venotomia da VCI e atriotomia direita. Terminada a trombectomia procedeu-se ao encerramento da venotomia (fig._4) e atriotomia, assim como revisão da hemóstase, saída de circulação extracorporal e, por fim, encerramento das feridas cirúrgicas (fig._5).

O pós-operatório decorreu sem intercorrências, o exame anatomopatológico da peça cirúrgica (fig._6) confirmou tratar-se de um tumor de células renais variante células claras grau III (Fuhrman), constatando-se ainda invasão do tecido adiposo perirrenal. O trombo retirado da VCI foi compatível como massa tumoral de CCR (fig._7).

O doente foi transferido para o hospital da área de residência ao 13.â¦dia do pós-operatório clinicamente recuperado.

Discussão A referência mais antiga sugestiva de descrição de um tumor do rim foi feita por Daniel Sennert, em 1613, no seu texto Practicae Medicinae. Neste, Sennert descrevia uma massa ¡ ao nível dos rins que tinha a capacidade de causar uma caquexia extrema e edemas generalizados conduzindo invariavelmente à morte dos doentes9. Desde este primeiro relato muitas classificações e diferenciações têm sido feitas. Atualmente a orientação terapêutica e prognóstico para o CCR obedece ao estadiamento TNM4, sendo a sobrevida dependente das dimensões da massa tumoral, da propagação para as estruturas adjacentes, invasão vascular, envolvimento dos gânglios linfáticos e da presença ou não de metástases à distância4.

A realização de exames imagiológicos pré-operatórios de alta resolução, como a TC-abdominal (gold standard), a RMN e a ecografia, são cruciais uma vez que se torna essencial determinar o tamanho do tumor, a invasão das estruturas adjacentes, gânglios linfáticos afetados, metástases, presença e extensão de trombo tumoral4.

A invasão venosa é característica do CCR, apresenta-se invariavelmente sob a forma de trombo ascendente a partir da veia renal 23%, trombo ocupando a VCI 7% e trombo alcançando a aurícula direita em 1%6,7. De acordo com a classificação de Novick a extensão do trombo tumoral pode englobar-se em 4 tipos (fig.8): no tipo I o trombo localiza-se predominantemente na veia cava infra-hepática, não se prolongando no interior da VCI mais do que 2 cm; no tipo II estende-se à veia cava infra-hepática; no tipo III o trombo preenche VCI intra-hepática abaixo do diafragma e quando ultrapassa o diafragma é considerado trombo tumoral do tipo IV13. A abordagem cirúrgica, assim como a constituição da equipa cirúrgica, depende do nível invasão da VCI, pelo que, para Lawindy et al., no tipo I o tratamento pode ser realizado só pelo urologista, consistindo na nefrectomia e evacuação do trombo tumoral seguido de venorrafia primária. No tipo II a equipa deverá ser constituída por um urologista e um cirurgião vascular, procedendo-se à nefrectomia, seguida de venotomia da VCI para trombectomia. No tipo III a equipa será constituída pelos anteriormente referidos com o apoio de um cirurgião biliodigestivo para realizar a mobilização hepática e no tipo IV a equipa será formada por um urologista, um cirurgião vascular e um cirurgião cardiotorácico, como é exemplo o caso por nós apresentado, uma vez que será necessária circulação extracorporal e atriotomia direita13.

Nos casos em que existe invasão tumoral dos vasos a única abordagem que parece melhorar o prognóstico aumentando a sobrevida foi descrita por Robson, em 1963, e consiste na nefrectomia radical associada à trombectomia da massa tumoral intravenosa, pelo que o tratamento cirúrgico é o tratamento de eleição a seguir nestes casos11. Se houver invasão direta da parede da veia pelo tumor parece haver um pior prognóstico, sendo necessária a ressecção da mesma para aumentar a sobrevida10. Este procedimento não é isento de riscos, uma vez que aumenta o nível de dificuldade do ato cirúrgico, incrementa o risco operatório para o doente e o risco de hemorragia maciça ou tromboembolismo pulmonar de massa tumoral14.

Muitos trabalhos têm demonstrado que o envolvimento venoso e o estadiamento do tumor têm impacto na sobrevida, contudo, o impacto da extensão do trombo na sobrevivência tem sido controverso. Embora a invasão venosa não tenha sido correlacionada com a presença de doença presente nos gânglios linfáticos ou metastática, Glazer, Novick e Wagner demostraram diferenças na presença de metástases no grupo com envolvimento da VCI contra doentes só com envolvimento da veia renal, assim como diferenças entre doentes com compromisso da aurícula contra aqueles só com envolvimento da VCI 8,12.

Inicialmente postulava-se que havia uma redução da probabilidade de sobrevivência associada a extensão do trombo na VCI, no entanto, estudos mais recentes demonstraram não haver impacto negativo na sobrevida em relação com a extensão do trombo na VCI, parecendo haver sim diferenças quando o trombo se limita à veia renal8.

A abordagem cirúrgica do doente com CCR e invasão da VCI deve ser individualizada de acordo com a extensão do trombo, características do tumor renal primário e comorbilidades do doente. No estadiamento TNM4a presença ou não de trombo tumoral tem mais influência sobre a probabilidade de sobrevivência específica do tumor do que a extensão cefálica do mesmo.

Segundo diversos autores nos estádios T3b e T3c (tabela_1)15, como no caso por nós descrito é essencial a colaboração na sala operatória de uma equipa multidisciplinar experiente composta por urologistas, cirurgiões vasculares e cardiotorácicos, uma vez que a melhor abordagem será a nefrectomia radical, entrada em circulação extracorporal, seguida da evacuação do trombo da VCI recorrendo a cavotomia e atriotomia como anteriormente referido13.

Conclusão A complexidade técnica do tratamento dos tumores de células renais com invasão vascular obriga à referenciação para centros de referência onde possa ser utilizada uma abordagem multidisciplinar. A cirurgia vascular contribui não só para o tratamento e alteração do prognóstico desta entidade através da evacuação da massa tumoral dos vasos, mas tem também um papel fundamental na reparação das estruturas vasculares eventualmente lesadas durante a exérese tumoral.

Responsabilidades éticas Proteção de pessoas e animais.Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados.Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Direito à privacidade e consentimento escrito.Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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*Autor_para_correspondência: Correio eletrónico:josetiagus@gmail.com (J. Tiago).

Recebido a 15 de julho de 2014; Aceite a 1de outubro de 2014 Disponível na Internet a 15 de janeiro de 2015


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