Correção endovascular de aneurismas da aorta abdominal em doentes com anatomia
desfavorável: resultados institucionais a curto e médio prazo
Introdução
Desde a sua introdução por Parodiem 1991, o Endovascular Aneurysm Repair(EVAR)
tem-se afirmado como o tratamento de eleição dos aneurismas da aorta abdominal
(AAA)1---2. Segundo Craig Kent3estima-se que, atualmente na Europa, cerca de
80% dos doentes com AAA são tratados por EVAR.
Embora já não seja discutível o seu benefício a curto prazo, demonstrado em
vários estudos2,4,5, o seu uso universal ainda é condicionado pelas suas
limitações anatómicas (definidas pelas instructions for useIFU), questões de
durabilidade e necessidade de um follow-uplongo e dispendioso.
Com o avanço desta tecnologia, a disponibilização das novas gerações de
endopróteses e com o crescimento da experiência institucional, tem-se tornado
cada vez mais comum o tratamento de doentes com anatomia desfavorável para
EVAR. Esta extrapolação das IFU fundamenta-se na grande vantagem de sobrevida a
curto prazo que o EVAR pode proporcionar a uma população de doentes com
múltiplas comorbilidades e, portanto, de elevado risco.
Estudos prévios que abordaram os resultados do EVAR em doentes com anatomia
desfavorável reportaram uma maior taxa de complicações relacionadas com o EVAR
nos doentes que apresentavam colo proximal com características adversas6---9.
Vários grupos têm desafiado estes estudos com publicações mais recentes que
sugerem que o EVAR em doentes com anatomia desfavorável apresenta resultados
que são aceitáveis e comparáveis aos dos doentes com anatomia favorável, quer a
curto quer a médio prazo 2,10-15.
O objetivo deste estudo é examinar os resultados da nossa prática institucional
em EVAR e determinar se a anatomia dos AAA influencia os resultados a curto e
médio prazo após EVAR. Pretende-se demonstrar a não inferioridade do EVAR em
doentes com anatomia desfavorável.
Métodos
Tipo de estudo e critérios de seleção dos doentes
Estudo retrospetivo de todos os doentes com AAA infrarrenal sem menção de
rotura submetidos a EVAR aorto-biilíaco programado no Serviço de Angiologia e
Cirurgia Vascular do Hospital de Santa Marta, no período de 3 anos compreendido
entre janeiro 2011 e dezembro 2013.
Do total de 112 doentes elegíveis para o estudo, apenas foram incluídos os
doentes com informação clínica completa e exames de imagem do AAA/EVAR
acessíveis a consulta. Relativamente aos exames de imagem, apenas foram
incluídos os doentes em que foi possível aceder ao exame de imagem pré-
operatório e a pelo menos 2 exames de imagem pós-operatórios, sendo que o
follow-upimagiológico mínimo para inclusão no estudo eram 12 meses. O
incumprimento destes critérios resultou na exclusão de um total de 33 (29%)
doentes.
Avaliação anatómica
Todos os exames de follow-upimagiológico foram analisados numa plataforma
informática com Osirix® e foram objeto de revisão para realização das medições
das características anatómicas dos AAA com «center lumen line». A realização
das medições foi feita por um cirurgião vascular do serviço sem conhecimento
dos resultados clínicos nem da endoprótese escolhida.
Os dados anatómicos colhidos foram: diâmetro máximo no AAA antes do EVAR e ao
longo do follow-upimagiológico; comprimento do colo proximal; diâmetro do colo
proximal; angulação do colo proximal; presença de trombo no colo proximal;
diâmetro máximo da artéria ilíaca comum e diâmetro máximo da artéria ilíaca
externa.
Os exames de imagem pré-operatórios foram analisados para caracterização
morfológica dos AAA e classificar anatomicamente os doentes como tendo anatomia
favorável ou desfavorável para EVAR.
Os exames de imagem pós-operatórios foram analisados para avaliar as alterações
morfológicas nos AAA pós-EVAR e a incidência de complicações pós-operatórias.
Definições
Os doentes foram categorizados em 2 grupos: grupo com «anatomia favorável para
EVAR» (f-IFU) e grupo com «anatomia desfavorável para EVAR» (df-IFU).
Os doentes foram definidos como df-IFU quando apresentavam uma ou mais das
seguintes características anatómicas: colo proximal curto (< 15 mm); colo
proximal angulado (> 60◦); presença de trombo no colo proximal (com uma
espessura > 5 mm e uma extensão circunferencial > 50%); diâmetro máximo das
artérias ilíacas externas < 7 mm.
Definiram-se como «outcomes» deste estudo a mortalidade perioperatória (< 30
dias), a mortalidade global por todas as causas, a mortalidade relacionada com
a endoprótese, o desenvolvimento de endoleaksou de outros eventos adversos
relacionados com a endoprótese (migração, trombose, estenose, rotura secundária
do AAA) e a taxa de intervenções secundárias.
Estatística
A comparação entre os subgrupos foi realizada com o teste de «Mann-Whitney U»
para variáveis contínuas e o teste de Pearson2para variáveis categóricas. Os
resultados foram considerados estatisticamente significativos para valores de p
< 0,05. As variáveis contínuas são apresentadas como média ± desvio padrão,
seguidas do valor do intervalo quando considerado apropriado. As variáveis
categóricas são apresentadas como percentagens. O trabalho estatístico dos
dados foi realizado no SPSS®.
Resultados
Dados demográficos e características dos grupos
No total foram incluídos 79 doentes no presente estudo, com uma idade média de
72,5 anos (51-89 anos) e dos quais apenas 7 (9%) do sexo feminino. O tempo
médio de follow-upfoi de 21,9 ± 9,8 meses (12-46 meses).
As características anatómicas dos doentes encontram-se sumarizadas na tabela_1.
Considerando a população total de doentes incluídos no estudo (n = 79), cerca
de um terço (n = 28/79) dos doentes apresentaram anatomia desfavorável para
EVAR, dos quais 19% colos curtos (< 15 mm), 15% colos angulados (> 60◦), 14%
colos com trombo significativo (> 5 mm ou > 50%), 10% artérias ilíacas com < 7
mm de diâmetro e 16% apresentaram mais de 2 destas características anatómicas.
Desta forma, o grupo f-IFU consistiu em 51 doentes (64,5%) e o grupo df-IFU
consistiu nos restantes 28 doentes (35,5%).
A idade média foi similar em ambos os grupos (tabela_2). Por outro lado, as
mulheres apresentaram com maior frequência AAA com anatomia desfavorável para
EVAR (p = 0,003) (tabela_2).
Todos os doentes foram submetidos a EVAR aorto-biilíaco tendo-se utilizado as
seguintes endopróteses: Endurant® (54,5%, n = 43), Excluder® (25,3%, n = 20),
Zenith® (17,7%, n=14) e Treovance® (2,5%, n = 2). A escolha das endopróteses
não foi randomizada ou controlada entre os 2 grupos, tendo-se baseado na
experiência e preferência pessoal do cirurgião. Em ambos os grupos a
endoprótese mais utilizada foi a Endurant®. Constatou-se que o grupo df-IFU é
tratado mais frequentemente com endopróteses com sistema de fixação suprarrenal
(85,7% [n = 24/28] df-IFU vs. 69% [n = 35/51] f-IFU, p = 0,048).
Morfologia dos aneurismas da aorta abdominal
No geral (n = 79), o diâmetro pré-operatório médio dos AAA foi de 61,9 ± 10,7
mm, dos quais 88% com um diâmetro superior a 55 mm, 48% com um diâmetro
superior a 60 mm e 24% com um diâmetro superior a 70 mm.
Na tabela_3 estão detalhadas as principais características morfológicas dos AAA
de cada um dos grupos.
Constatou-se que os doentes do grupo df-IFU apresentaram AAA com maiores
dimensões (64,4 ± 10,1 mm vs. 60,6 ± 10,8 mm, p < 0,05). De igual forma, também
se verificou que os doentes do grupo df-IFU apresentaram colos mais curtos (df-
IFU = 19,8 ± 11,8 mm vs. f-IFU = 30,4 ± 14,4 mm, p < 0,05), sendo que > 50% (n
= 15) apresentavam colos < 15 mm, 32% (n = 9) colos de 10-15 mm e 21% (n = 6)
colos muito curtos (< 10 mm). Quase metade do grupo df-IFU (46%) apresentou ≥ 2
parâmetros anatómicos desfavoráveis para EVAR.
Ambos os grupos apresentaram uma regressão similar no diâmetro do saco
aneurismático (df-IFU = 7,7 ± 9,3 mm vs. f-IFU = 4,9 ± 5,9 mm, p > 0,05). Por
outro lado, verificou-se que o grupo df-IFU apresentou uma regressão
significativa (> 5 mm) num maior número de casos (48% [n = 13] vs. 37% [n = 19]
no grupo f-IFU). A percentagem de casos em que se verificou estabilidade
(variação de 0-4 mm) ou expansão (> 5 mm) do saco aneurismático foi semelhante
nos 2 grupos.
Resultados a curto prazo
Ambos os grupos não apresentaram diferenças significativas nas taxas de
mortalidade e morbilidade precoce (tabela_4).
Nenhum doente do grupo df-IFU morreu até aos 30 dias de pós-operatório,
enquanto um doente (2%) do grupo f-IFU morreu ao 4.◦dia de pós-operatório por
enfarte agudo do miocárdio.
Verificou-se que no grupo df-IFU foi necessário, com maior frequência, realizar
procedimentos intraoperatórios adjuntos (df-IFU = 21,4% vs. f-IFU = 4%, p <
0,05), nomeadamente: 3 casos em que foi realizada angioplastia ilíaca, 2 casos
com colocaçãodeum stentpara uma das artérias renais e um caso em que foi
necessária a realização de uma interposição iliofemoral por rotura da artéria
ilíaca externa. Os 4 casos de procedimentos adjuntos nas artérias ilíacas
ocorreram todos em doentes que apresentavam pré-operatoriamente artérias
ilíacas < 7 mm de diâmetro. Tendo em conta que um total de 8 doentes foram
classificados como df-IFU por apresentarem artérias ilíacas < 7 mm, 50% (n = 4/
8) dos casos com artérias ilíacas < 7 mm de diâmetro apresentaram uma
complicação intraoperatória que necessitou de um procedimento adjunto ao EVAR
para a sua resolução.
As complicações perioperatórias encontram-se sumarizadas na tabela_4.
Não se verificaram diferenças significativas nas taxas de endoleak(f-IFU = 22%
vs. df-IFU = 25%, p > 0,05) nem nas taxas de reintervenção (f-IFU = 8% vs. df-
IFU = 7,2%, p > 0,05). Todos os doentes com endoleaktipo 1 (um do grupo f-
IFUe2do grupo df-IFU) foram tratados num procedimento secundário com uma
extensão proximal (endoleaktipo 1a) ou distal (endoleaktipo 1b); nenhum dos
doentes com endoleaktipo 2 (de ambos os grupos) necessitou de reintervenção. De
salientar que se verificaram 3 casos de trombose de ramo do EVAR, todos eles do
grupo f-IFU (embora a diferença não seja estatisticamente significativa), com
necessidade de reintervenção: trombectomia num caso e realização de
crossoverfemoro-femoral em 2 casos. Na tabela_5 encontram-se detalhadas as
intervenções secundárias levadas a cabo em cada um dos grupos.
Resultados a médio prazo
Durante o follow-upperderam-se 9 (18%) doentes do grupo f-IFU e 3 (11%) doentes
do grupo df-IFU, pelo que a informação relativa ao follow-uptotal dos doentes
foi possível em apenas 42 doentes do grupo f-IFU e 25 doentes do grupo df-IFU.
A taxa de mortalidade global (por todas as causas) foi comparável nos 2 grupos
(f-IFU = 11,9% vs. df-IFU = 12%, p > 0,05) (tabela_5). Por outro lado, a taxa
de mortalidade relacionada com a endoprótese foi maior no grupo df-IFU (66% [n
= 2/3] vs. 0% [n = 0/5], p = 0,05). As 2 mortes relacionadas com a endoprótese
verificadas no grupo df-IFU foram: uma por infeção protésica (42 meses após o
EVAR) e a outra por fístula aorto-entérica secundária (32 meses após o EVAR). A
terceira morte do grupo df-IFU foi por pneumonia. Nenhuma das mortes do grupo
f-IFU esteve relacionada com a endoprótese (3 por pneumonia, uma por enfarte
agudo do miocárdio e uma por recidiva de neoplasia do cólon).
Curiosamente, o grupo f-IFU apresentou uma taxa de endoleakligeiramente
superior ao grupo df-IFU (23,8 vs. 12%, respetivamente), contudo, esta
diferença não foi estatisticamente significativa (p > 0,05). Constatou-se que o
endoleaktipo 1a ocorreu por dilatação aneurismática da aorta visceral tendo
sido corrigido por EVAR fenestrado e o endoleaktipo 1b ocorreu por dilatação
aneurismática do sector ilíaco tendo sido corrigido com uma extensão distal.
Não se verificaram diferenças significativas nas taxas de reintervenção (f-IFU =
4,8% vs. df-IFU = 4%, p > 0,05) (tabela_6 ). O único doente do grupo df-IFU que
necessitou de reintervenção foi o caso de infeção protésica.
Discussão
Apesar da evolução que a tecnologia do EVAR tem tido nos últimos anos, a
anatomia dos AAA (determinada pelo cumprimento/incumprimento das IFU) continua
a ser um fator crítico para a elegibilidade dos doentes para tratamento por
EVAR. A solução endovascular para os doentes que são excluídos por estas
limitações anatómicas e que apresentam risco elevado para cirurgia convencional
é o uso de endopróteses especializadas (fenestradas/ramificadas), mas cuja
complexidade técnica é elevada e a disponibilidade é limitada, o que implica a
sua realização em centros de referência, impossibilitando o seu uso
generalizado.
Desta forma, a estratégia que tem sido adotada por vários centros para tentar
expandir a disponibilidade e a aplicabilidade do EVAR tem sido o seu uso em
doentes com características anatómicas fora das IFU. De facto, têm sido
reportados cada vez mais casos de EVAR em doentes com anatomia desfavorável e,
portanto, fora das IFU. Neste estudo, 35,4% dos doentes apresentaram anatomia
desfavorável sendo que o sexo feminino parece estar relacionado com uma maior
complexidade anatómica dos AAA (p < 0,05).
Foram publicados vários estudos que reportaram um maior número de eventos
adversos relacionados com a endoprótese em doentes submetidos a EVAR e que
apresentavam ≥ 1 parâmetro anatómico fora das IFU. Leurs et al.6,
investigadores do estudo EUROSTAR, documentaram um aumento das taxas precoces e
tardias de endoleaktipo 1 nos doentes com colo proximal com um comprimento < 15
mm. Cerca de um ano mais tarde, Hobo et al.(em colaboração com Leurs et al.
também no âmbito do EUROSTAR7) documentaram resultados similares nos doentes
com uma angulação do colo proximal > 60◦. O estudo publicado por Abbruzzese et
al.8revelou que o uso do EVAR em doentes com critérios anatómicos fora das IFU
está associado a um efeito negativo nos resultados a longo prazo (aos 5 anos),
nomeadamente na taxa de eventos adversos relacionados com a endoprótese e na
taxa de trombose. Schanzer et al.9constataram que, ao fim de 5 anos de follow-
up, 41% dos doentes com anatomia fora das IFU que foram submetidos a EVAR
apresentaram expansão do saco aneurismático. Este autor concluiu que a presença
de características anatómicas desfavoráveis para EVAR constitui um fator de
risco independente para a expansão do saco aneurismático.
Contrariando os resultados destes estudos, os nossos resultados a curto e médio
prazo não revelam diferenças estatisticamente significativas na taxa de
mortalidade perioperatória, na taxa de mortalidade global por todas as causas,
na regressão do saco aneurismático, na taxa de endoleak,na taxa de migração
protésica, na taxa de trombose/estenose de ramo, na taxa de intervenções
secundárias nem na taxa de complicações médicas. Constatou-se que poderá haver
maior número de mortes relacionadas com a endoprótese no grupo df-IFU (66% [n =
2/3] no grupo df-IFU vs. 0% [n = 0/5] no grupo f-IFU, p = 0,05, mas a diferença
não é estatisticamente significativa (provavelmente por a amostra ser pequena).
Verificou-se também que a presença de artérias ilíacas com um diâmetro < 7 mm
poderá estar associada a uma maior incidência de complicações intraoperatórias
relacionadas com o acesso (já que 50% dos doentes com artérias ilíacas com < 7
mm foram submetidos a algum tipo de procedimento intraoperatório adjunto a este
nível).
Os nossos resultados, quer a curto quer a médio prazo, são comparáveis aos
reportados por outros centros. Os resultados institucionais a curto e médio
prazo publicados por Lee et al.10, de um estudo retrospetivo de 218 doentes
submetidos a EVAR durante um período de 4 anos, revelaram taxas de migração,
endoleak, intervenção secundária, regressão do saco e de morte relacionada com
a endoprótese similares entre os 2 grupos (doentes com colos proximais com
anatomia favorável vs. doentes com colos proximais com anatomia de elevado
risco). Estes autores concluíram que o EVAR pode ser realizado com segurança em
doentes com colos proximais que apresentem anatomia desfavorável para EVAR.
Katsuyuki Hoshina et al.11também reportaram uma série de 275 doentes submetidos
a EVAR durante um período de 34 meses, tendo documentado taxas de sobrevida e
de reintervenção semelhantes entre os doentes classificados como «dentro das
IFU» e os doentes «fora das IFU», tendo concluído que os resultados do EVAR no
grupo «fora das IFU» é considerado aceitável. Bastos Gonçalves et
al.14,15investigaram a influência da angulação severa do colo proximal nos
resultados a curto e médio prazo após EVAR e concluíram que: 1) a curto prazo
os resultados são comparáveis em termos de endoleaktipo 1, complicações major e
taxa de sobrevida14; 2) a angulação severa do colo proximal não apresenta
influência nos resultados a médio prazo15.
Torselo et al.12e Georgiadis et al.13publicaram recentemente resultados que
confirmam e são comparáveis aos do nosso estudo, tendo também concluído que o
uso de endopróteses com fixação suprarrenal nos doentes df-IFU, nomeadamente a
Endurant®, parece ser vantajoso na obtenção de resultados similares aos do
grupo f-IFU. De igual forma, na sua série de doentes Lee et al.10documentaram o
uso preferencial da endoprótese Zenith® no grupo df-IFU e concluíram que o
sistema de fixação suprarrenal é o principal motivo da preferência por esta
endoprótese, parecendo ser vantajosa particularmente nos doentes com colos
proximais muito curtos e muito angulados. À semelhança destes estudos, na nossa
série de doentes também se constatou que o grupo df-IFU é tratado mais
frequentemente com endopróteses com sistema de fixação suprarrenal (85,7% [n =
24/28] df-IFU vs. 69% [n = 35/51] f-IFU, p < 0,05), sendo que a Endurant® foi a
endoprótese mais utilizada. Estes resultados poderão ser apenas o reflexo da
preferência pessoal dos cirurgiões do nosso centro, mas também poderão ser
indicativos de que o uso preferencial de endopróteses com sistema de fixação
suprarrenal é vantajoso, em termos de eventos adversos relacionados com a
endoprótese, nos doentes com colos proximais com anatomia desfavorável.
Este estudo apresenta várias limitações importantes, que deverão ser tidas em
conta aquando da interpretação dos resultados.
A sua maior limitação é tratar-se de um estudo retrospetivo, não randomizado,
não controlado. Reflete a prática e os resultados de um único centro, não
podendo ser extrapolados em maior escala.
Devemos também ter em conta que quase um terço dos doentes foi excluído por
dados de follow-upinsuficientes. Uma grande percentagem destes doentes foi
referenciada de outras instituições de saúde, tendo sido excluídos por
impossibilidade de acesso ao(s) seu(s) exame(s) de imagem pré-operatório(s),
realizados nesses mesmos centros. De igual forma, vários doentes perderam-se
durante o follow-up(n = 9 [17,6%] no grupo f-IFU e n = 3 [10,7%] no grupo df-
IFU). Por isso, os doentes que mantêm o follow-upimagiológico e que foram
incluídos neste estudo, poderão ser os doentes com mais eventos adversos
relacionados com o EVAR e que necessitam de maior vigilância imagiológica, ou
vice-versa, tornando os resultados não generalizáveis.
Outra das limitações do nosso estudo será o uso da endoprótese Endurant® em
doentes com colo 10-15 mm, que no nosso estudo foram classificados como df-IFU,
mas que, de acordo com as IFU desta endoprótese em específico, poderiam ter sido
classificados como f-IFU, conduzindo invariavelmente a um viés de seleção.
Contudo, inicialmente constituía nossa intenção fazer uma análise de subgrupos
para cada uma das endopróteses (incluindo as endopróteses cujas IFU definem como
critério anatómico um colo com comprimento > 15 mm), o que em última instância
não se revelou possível por a amostra ser demasiado pequena. Desta forma, o
desconhecimento da endoprótese utilizada foi considerado fator indispensável
para evitar um viés na categorização dos doentes e assim todos os doentes com
colos < 15 mm foram considerados df-IFU.
Analisando os 9 doentes que apresentaram colos proximais 10-15 mm e que foram
classificados como df-IFU, verificou-se que foi utilizada a endoprótese
Endurant®em 5 casos e a endoprótese Excluder® em 4 casos. Desta forma, 5
doentes poderiam ter sido classificados como f-IFU. A análise do follow-upa
curto e médio prazo destes 5 doentes revelou que 2 deles apresentaram
endoleakstipo 2, sem outros eventos adversos relacionados com a endoprótese
associados. Fazendo uma nova análise estatística considerando o crossoverdestes
5 doentes (ficando o grupo f-IFU com 56 doentes e o grupo df-IFU com 23
doentes), não se verificou uma diferença estatisticamente significativa na taxa
de endoleaksa curto prazo (23% f-IFU vs. 22% df-IFU, p > 0,05), mas constatou-
se uma diferença estatisticamente significativa na taxa de endoleaks a médio
prazo (25% f-IFU vs. 5% df-IFU, p = 0,013). Esta superioridade na taxa de
endoleaksa médio prazo do grupo f-IFU deve ser interpretada com caução pois
deve-se à presença de um maior número deendoleakstipo 2 (n = 8/10 f-IFU vs. n =
3/3 df-IFU), nenhum dos quais associado a complicações e/ou reintervenção
durante o follow-up. Analisando os restantes outcomes definidos para este
estudo, também não se constataram diferenças estatisticamente significativas
entre os 2 grupos. Assim sendo e tendo em conta que se pretende demostrar a não
inferioridade do EVAR em doentes df-IFU, a inclusão destes 5 doentes com colos
10-15 mm tratadoscom a endopróteseEndurant®no grupo f-IFU não influencia os
nossos resultados.
Este estudo pode simplesmente representar a nossa experiência institucional
crescente de EVAR em doentes com anatomia menos favorável. Para além de poder
ser o reflexo da prática e preferência pessoal dos cirurgiões do nosso centro,
poderá existir também um desvio anatómico na seleção dos doentes (sendo
selecionados os doentes com «anatomia desfavorável permissível»), pelo que o
grupo df-IFU do presente estudo pode não ser representativo da globalidade de
doentes com anatomia desfavorável para EVAR.
Conclusão
Na série apresentada, a realização de EVAR em doentes com anatomia desfavorável
(grupo df-IFU) não só não apresentou um efeito negativo como parece ter
produzido resultados que são aceitáveis e comparáveis aos dos doentes com
anatomia favorável (grupo f-IFU), quer a curto quer a médio prazo. É mandatória
a realização um follow-upa longo prazo para determinar se esta aparente não
inferioridade se manterá ou se se perderá ao longo do tempo.
Responsabilidades éticas
Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação
não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dados.Os autores declaram que não aparecem dados de
pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escrito.Os autores declaram que não
aparecem dados de pacientes neste artigo.
Financiamento
Nenhum.
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.