Programa Saúde Mental Sem Estigma: Efeitos de Estratégias Diretas e Indiretas
nas Atitudes Estigmatizantes
Programa Saúde Mental Sem Estigma: Efeitos de Estratégias Diretas e Indiretas
nas Atitudes Estigmatizantes
INTRODUÇÃO
Dados epidemiológicos a nível mundial revelam que a prevalência de crianças e
adolescentes com problemas de saúde mental é aproximadamente de 20% (World
Health Organization [WHO], 2005) e que metade dos adultos com algum tipo de
perturbações teve o início da doença aos 14 anos (Kessler et al., 2005, cit.
por WHO, 2005). De acordo com os dados referidos, a intervenção nesta área
assume-se como uma prioridade. Com base em estratégias da Organização Mundial
de Saúde (OMS) privilegiam-se aspetos como: "a promoção global da saúde mental;
a prevenção da doença mental; a inclusão social e proteção dos direitos e da
dignidade das pessoas com doença mental com o objetivo de melhorar a qualidade
de vida; e, por fim, a criação de um sistema comunitário de informação,
investigação e conhecimento no domínio da saúde mental" (Comissão das
Comunidades Europeias, 2005, p. 8).
Em países desenvolvidos, verifica-se que o estigma é a barreira mais
significativa com 80% (M = 68,1%) no que concerne ao acesso a cuidados de saúde
mental (WHO, 2005).
Por estigma entende-se uma desaprovação social de indivíduos ou grupos com
caraterísticas diferentes da norma (Goffman, 1963; McDaid, 2008) baseada em
estereótipos e preconceitos negativos que conduzem à discriminação e que, não
raras vezes, se traduz na redução de igualdade de oportunidades (Corrigan,
2000a).
Uma das consequências fundamentais do estigma é o esforço das pessoas para não
serem associadas à doença mental e evitar, assim, o tratamento essencial à sua
reabilitação (Corrigan, & Wassel, 2008; McDaid, 2008). O estigma impede,
ainda, uma integração social adequada, prejudica o acesso às oportunidades
sociais, nomeadamente, ao emprego (McDaid, 2008; Tsang, et al., 2007),
habitação (Corrigan, Marcowitz, Watson, Rowan, & Kubiak, 2003; Corrigan,
2006), saúde (Vogel, Wade, & Hackler, 2007) e suporte social (Larson, &
Corrigan, 2008).
Alguns dos estereótipos e preconceitos negativos prendem-se com mitos,
fortemente enraizados na sociedade, de que as pessoas com doenças mentais são
perigosas, incompetentes e responsáveis pela sua doença (Ahmedani, 2011;
Watson, Corrigan, Larson & Sells, 2007). Estas opiniões negativas
preconcebidas são influenciadas, ainda, por generalizações acerca da origem e
curso da doença (Ahmedani, 2011), muitas vezes associado a um mau prognóstico.
A escassez ou distorção da informação contribuem, de facto, para a manutenção
de crenças irrealistas (Kelly, Jorm, & Wright, 2007) e atitudes
estigmatizantes associadas às doenças mentais.
Justificam-se, portanto, intervenções com grupos específicos, nomeadamente, com
adolescentes (Thornicroft, Brohan, Kassam, & Lewis-Holmes, 2008). Nesta
fase, e especificamente, na faixa etária dos 14-18 anos, os adolescentes
encontram-se a consolidar a sua identidade pessoal e social, sendo que estão
mais predispostos a integrar informação relacionada com as suas experiências
emocionais (Schulze, Richter-Werling, Matschinger, & Angermeyer, 2003). O
aumento de conhecimento acerca das doenças mentais, para além de contribuir
para a redução do estigma, aumenta a literacia, potenciando o reconhecimento e
procura de ajuda atempada e, consequentemente pode contribuir para um
prognóstico mais favorável (Kelly et al., 2007).
Em termos de estratégias de redução do estigma, Corrigan (2000a) identifica
três tipos de ação, nomeadamente, o protesto, a educação e o contacto. Vários
estudos têm conduzido a diversos resultados (Couture, & Penn, 2003), sendo
que a educação e o contacto, sobretudo o contacto direto, parecem ser mais
eficazes (Rüsch, Angermeyer, & Corrigan, 2005; Schulze, et al., 2003;
Thornicroft et al., 2008).
Com base nesses resultados, diversos projetos têm vindo a ser realizados no
sentido de reduzir o estigma associado às doenças mentais. As estratégias
utilizadas passam pela realização de campanhas informativas (Crisp, Cowan,
& Hart, 2004), sessões de educação dirigidas a grupos específicos,
nomeadamente, jovens (Campos et al., 2012; Pinfold, Stuart, Thornicroft, &
Arboleda-Flórez, 2005) e a combinação das estratégias de educação e contacto
(Pinfold et al., 2003; Schulze et al., 2003).
No entanto, apesar da evidência de que a eficácia das intervenções de combate
ao estigma parece aumentar quando inclui o contacto direto com pessoas com
doença mental (Corrigan, & Wassel, 2008; Rüsch et al, 2005), numa revisão
realizada por Stuart (2009), a autora revela que o formato mais comum inclui
estratégias de educação e, apenas, um terço dos programas utilizam o contacto
direto. Partindo desta evidência o atual Programa de Sensibilização SMS
Estigma, desenvolvido pelo Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor,
constitui, uma iniciativa local que integra as estratégias de Educação e
Contacto. Tem como objetivos o estudo das opiniões de estudantes do ensino
secundário acerca das doenças mentais, o aumento dos níveis de conhecimento e
literacia, a diminuição de preconceitos e atitudes negativas e, como
consequência, a promoção de comportamentos mais inclusivos.
Espera-se que após a intervenção os estudantes revelem opiniões mais favoráveis
e positivas face às pessoas com problemas de saúde mental. Espera-se ainda que
estes jovens melhorem os níveis de literacia em saúde mental, nomeadamente,
aumentando o desenvolvimento de competências de identificação e reconhecimento
de fatores de risco e sinais relacionados com determinadas perturbações
mentais.
METODOLOGIA
Participantes
Este estudo contou com a participação de 843 alunos do ensino secundário, de 47
turmas e 4 escolas de Caldas da Rainha, 346 (41%) do sexo masculino e 497 (59%)
do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 14 e 26 anos (M=16,7;
DP=1,57 e M=16,42; DP=1,35). Frequentavam o ensino regular 64,7% dos alunos e
35,3%, o ensino profissional. Do total, 45,2% encontravam-se no 10º, 28,5% no
11º e 26,3% no 12º ano de escolaridade.
No que respeita às caraterísticas do agregado familiar 37,4% dos estudantes
viviam com o pai e com a mãe, 30% coabitavam também com irmãos enquanto 14%
eram oriundos de famílias monoparentais. Dos restantes alunos, 5% residiam com
um dos pais e irmãos, 4,9% num contexto familiar mais alargado, 4,3% com um dos
pais e respetivo(a) companheiro(a) e 4% com outros cuidadores.
Relativamente à situação de saúde, 153 (18,1%) dos estudantes referiram ter
problemas de saúde, dos quais 139 identificaram uma doença física e 7 indicaram
ter um problema de saúde mental.
Quanto ao facto de conhecerem pessoas com problemas de saúde mental, 18,2% dos
alunos responderam afirmativamente. Destes, 12,4% indicaram que essa pessoa é
um familiar de primeiro grau[1], 41,8% declaram tratar-se de outro familiar[2],
34% referiram ser um amigo(a) enquanto 8,5% mencionaram tratar-se de um
conhecido afastado.
Ainda, 255 dos estudantes disseram conhecer pessoas com problemas específicos,
nomeadamente, de alcoolismo (N = 53; 21%), toxicodependência (N = 53; 21%) e
deficiência (física e/ou mental; N = 88; 34,9%) ou uma ou mais pessoas com uma
ou mais das problemáticas referidas (N = 58; 23,1%).
Instrumentos
Opinions about Mental Illness Scale ' Versão Portuguesa (OMI) (Oliveira, 2005)
A Escala de Opiniões sobre a Doença Mental trata-se de um instrumento de auto-
resposta constituído por 51 itens de uma escala tipo Likert de 6 pontos (de 1 '
Aprovo plenamente até 6 ' Desaprovo plenamente) que avalia as opiniões acerca
da doença mental no que respeita à natureza, causa e tratamento.
Resultados elevados em cada fator correspondem a níveis superiores de atitudes
estigmatizantes, à exceção do fator Ideologia de Higiene Mental, no qual os
níveis elevados de atitudes negativas resultam de scores baixos. Assim, valores
elevados no fator Autoritarismo indicam uma opinião sobre a pessoa com doença
mental como pertencente a uma classe de pessoas inferiores. O fator
Benevolência representa uma visão moralista, paternalista e protetora face a
pessoas com doença mental. Pontuações elevadas no fator Ideologia de Higiene
Mental expressam uma opinião da pessoa com doença mental como sendo uma pessoa
igual às outras. No fator Restrição Social, resultados elevados traduzem-se
numa perspetiva da pessoa com doença mental como um perigo para a sociedade
defendendo, assim, a restrição da liberdade destas pessoas. Por fim, scores
altos no fator Etiologia Interpessoal apontam uma opinião de que a saúde mental
é objeto das escolhas individuais feitas ao longo da vida.
Para efeitos do estudo das qualidades psicométricas, foi realizada uma Análise
Fatorial Exploratória, em componentes principais, com rotação Varimax. Após a
análise interpretativa dos itens da versão original e versão portuguesa, optou-
se por considerar a análise fatorial apresentada pelos autores originais
(Struening, & Cohen, 1963), conforme as caraterísticas do instrumento
expostas na Tabela 1.
Tabela 1: Fatores, cotação e consistência interna do instrumento (OMI)
Programa de Sensibilização SMS Estigma (Saúde Mental Sem Estigma)
O programa de sensibilização realizado nas escolas é constituído por uma
campanha anti estigma e por uma sessão de educação e contacto direto.
Campanha Anti Estigma: Esta campanha integra a divulgação de informação sobre
estigma e saúde/doença mental através da distribuição de folhetos informativos
e do blog construído para o efeito (www.smsestigma.blogspot.pt).
Foram disponibilizados, nas escolas, cartazes com 10 mitos associados à doença
mental, que se traduz em informação errada e a respetiva informação correta. Os
mitos foram, também, divulgados através de marcadores de livros e ainda,
individuais de mesa nos refeitórios das escolas.
Sessão de Educação e Contacto: As sessões foram estruturadas com a duração de
90 minutos, com grupos entre 10 a 25 alunos, em sala de aula, e assentes nas
estratégias propostas por Corrigan (2000a).
A vertente de Educação foi dinamizada por duas psicólogas e após a apresentação
da equipa e do projeto, procurou refletir, com os alunos, conteúdos cuja
informação assentou em dois temas principais: 1. Estigma: a) explorar o
conceito e desenvolvimento do processo de estigmatização, em diferentes grupos
sociais; b) manutenção e consequências do estigma social face à doença mental;
c) desconstrução de mitos e adoção de atitudes inclusivas. 2. Saúde e Doença
Mental: a) apurar possíveis causas e fatores de risco para o desenvolvimento de
doenças mentais; b) analisar o contínuo entre saúde e doença mental, primeiros
sinais e manifestações; c) diagnóstico, prevalência, prognóstico, tratamento e
recursos em saúde mental.
A vertente do Contacto traduziu-se no testemunho de uma pessoa com diagnóstico
de Perturbação Bipolar desde há 12 anos e que se encontra em acompanhamento
pelo Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor. Esta descreveu, sobretudo o
processo de desenvolvimento da sua perturbação e reabilitação psicossocial
(sintomas, adaptação social, estigma, dificuldades no acesso ao emprego).
Procedimentos
Após a autorização oficial por parte dos Agrupamentos das Escolas Secundárias e
o Consentimento Informado assinado pelos encarregados de educação, para a
participação dos seus educandos, deu-se início ao estudo com a primeira recolha
de dados realizada entre Novembro de 2011 e Fevereiro de 2012.
Posteriormente, estabeleceram-se dois grupos experimentais para a aplicação do
Programa de Sensibilização: o grupo 1 (N = 437) teve acesso à campanha anti
estigma. O grupo 2 (N = 298) para além da campanha anti estigma participou na
Sessão de Educação e Contacto.
O primeiro momento da avaliação, através do instrumento OMI, foi realizado a
todos os participantes antes de dar início ao Programa de Sensibilização. O
segundo momento de avaliação foi realizado quinze dias após a campanha anti
estigma para o grupo 1, e no final de cada sessão para o grupo 2.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Análise de dados: A análise estatística dos dados recolhidos foi realizada
através do Statistical Package for Social Sciences (SPSS, v. 17). Recorreu-se à
estatística descritiva para a caraterização sociodemográfica, para avaliação
dos níveis de conhecimento / literacia e das opiniões dos estudantes acerca da
doença mental.
As comparações em função do sexo realizaram-se através das análises dos testes-
t.
A fim de avaliar as diferenças dos resultados pré-pós Programa de
Sensibilização utilizou-se a Análise da Variância (ANOVA) a um fator.
Opiniões dos estudantes acerca da doença mental: As opiniões dos estudantes
acerca da doença mental situam-se numa posição intermédia (entre o 2,81 e
4,55). Os resultados deste estudo, quando comparados com os da amostra obtida
para a realização da versão portuguesa da escala (N = 261), revelam maiores
níveis de estigma no fator Benevolência (M = 63,64 vs. M = 39,45), tendo-se
verificado, menores níveis de estigma nos fatores Restrição Social (M = 30,27
vs. M = 37,03), Etiologia Interpessoal (M = 19,63 vs. M = 28,45), Ideologia de
Higiene Mental (M = 39,65 vs. M = 25,79) e Autoritarismo (M = 40,05 vs. M =
42,09).
Preconceitos e atitudes negativas após a intervenção: A análise dos resultados
do Programa de Sensibilização revelou a existência de diferenças
estatisticamente significativas, na comparação pré-pós intervenção, em todos os
fatores analisados neste tópico[3] tendo-se verificado uma melhoria das
opiniões nos fatores Autoritarismo, Restrição Social e Etiologia Interpessoal
(Gráfico 1).
Gráfico 1: Resultado dos participantes antes e depois do Programa de
Sensibilização para os cinco fatores
No que se refere ao Grupo 1 (Campanha Anti Estigma), registou-se uma melhoria
das opiniões dos estudantes no segundo momento de avaliação nos fatores
Autoritarismo, Restrição Social e Etiologia Interpessoal.
No grupo 2 (Campanha Anti Estigma + Sessão de Educação e Contacto) verificam-se
diferenças mais positivas, nas opiniões sobre a doença mental antes e após a
intervenção em todos os fatores com exceção do fator Benevolência que aumentou
com a intervenção.
Os resultados da comparação entre os dois grupos demonstraram que os
participantes do grupo 2 revelaram uma diminuição mais significativa dos níveis
de estigma nos fatores Autoritarismo e Restrição Social. No entanto, maior
estigma é percebido no fator Benevolência (Tabela 2).
TABELA_2: Resultados da Análise da Variância (ANOVA) a um fator, segundo os
diferentes momentos de avaliação e os fatores do instrumento (OMI)
No que concerne às diferenças entre sexo, antes da intervenção, verifica-se que
o sexo masculino apresenta maiores níveis de estigma nos fatores Autoritarismo,
Restrição Social e Etiologia Interpessoal. No fator Benevolência os rapazes
revelam menor estigma. No segundo momento da avaliação, a tendência dos
participantes mantém-se tanto no grupo 1, como no grupo 2 (Tabela 3).
Tabela 3: Diferenças das médias obtidas através dos fatores do instrumento OMI,
em função do sexo, nos diferentes momentos de avaliação.
Níveis de conhecimento e literacia: A avaliação dos níveis de conhecimento e
literacia, através do fator Ideologia de Higiene Mental (OMI), via análise dos
testes Post Hoc, revelaram diferenças estatisticamente significativas antes e
depois da intervenção, apenas, para o grupo 2 (Tabela_2
).
Os resultados demonstram um aumento da capacidade de reconhecimento de sinais e
sintomas relacionados com a saúde mental, no próprio, quando comparados os
resultados do pré-teste (1%) e do pós-teste, no grupo 2 (2,7%).
No que respeita à identificação/conhecimento de alguém com problemas de saúde
mental, os resultados foram mais relevantes em ambos os grupos, quando
comparadas com o pré-teste (18,2%). O grupo 1 aumentou a identificação dos
sinais e sintomas no outro para 24,5% e o grupo 2 para 40,6%.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A existência de crenças irrealistas associadas a pessoas com problemas de saúde
mental e a necessidade da sua diminuição têm sido amplamente estudadas. Da
mesma forma, esforços têm sido feitos no sentido de diminuir o estigma e
promover a aceitação destas pessoas.
Os resultados de vários anos de trabalho, desenvolvidos um pouco por todo o
mundo, têm demonstrado que campanhas anti estigma generalistas podem mostrar-se
ineficazes e insuficientes. Programas direcionados a grupos específicos com
recurso a estratégias de contacto direto, parecem ser mais benéficos e
promotores de mudança de atitudes (Stuart, 2005). A importância de incluir o
contacto direto nos programas de intervenção é corroborada pelo presente
estudo. As opiniões mais favoráveis face à doença mental são verificadas, no
grupo de estudantes que participaram nas Sessões de Educação e Contacto
diminuindo, assim, as opiniões de que as pessoas com doença mental pertencem a
uma classe inferior, precisam de estar internadas em hospitais psiquiátricos e,
portanto, afastadas da sociedade, nunca irão recuperar e são responsáveis pela
doença devido a escolhas feitas ao longo da vida. Com isto, a presença da
estratégia de Contacto, neste trabalho, parece ser uma iniciativa com
resultados positivos que justificam a sua futura replicação.
Importa, porém, evitar que as opiniões sejam deslocadas de uma perspetiva mais
autoritária para outra mais protetora, paternalista e moralista[4], igualmente
negativa. Para isso, pode ser fundamental um maior enfoque nas competências e
autonomia das pessoas com doença mental, em grande parte, possibilitados pelas
condições de tratamento farmacológico e psicossocial atuais e que podem
contribuir para uma melhoria significativa da sua qualidade de vida.
No que respeita às diferenças em função do sexo, a literatura não apresenta
resultados conclusivos. No estudo de Schumacher, Corrigan e Dejong (2003),
apesar de verificarem que as raparigas revelam mais preocupações quanto à
violência, não se aferem diferenças entre sexo significativas face às opiniões
sobre a doença mental. Outro estudo verificou que as mulheres manifestam menos
preconceitos negativos e comportamentos de discriminação do que os homens
(Corrigan, & Watson, 2007). Os resultados que obtivemos corroboram a
tendência menos estigmatizante e aceitante nas raparigas, porém, verifica-se
uma maior tendência para a adoção de uma visão benevolente, significativamente
superior nas raparigas que nos rapazes.
Atendendo à necessidade de desconstruir mitos e crenças discriminatórias mas
também prevenir problemas de saúde mental o mais precocemente possível, é
fundamental o aumento da informação no que respeita às doenças mentais,
especificamente, quanto aos fatores de risco, caraterísticas de cada doença
mental, recursos profissionais e tratamentos (Kelly et al., 2007), mas também
no que toca à tendência para a procura tardia de ajuda profissional devido,
maioritariamente ao estigma e, em parte, à falta de capacidade em identificar,
em si próprio, sinais de problemas de saúde mental (Gulliver, Griffiths, &
Christensen, 2010). Esta situação torna-se, inevitavelmente, mais importante
quando se trata de adolescentes, por ser uma fase de desenvolvimento na qual
tendem a surgir os primeiros sintomas e são os jovens que mais carecem de
informação para reconhecimento dos mesmos (Jorm, 2011). Concordando com esta
necessidade e com base nos resultados deste estudo, conclui-se que as
estratégias utilizadas tiveram influência no aumento da literacia. Concluímos,
pois, que a utilização de materiais informativos por si só revelaram-se
insuficientes para a mudança de opiniões, bem como, para aumentar a capacidade
de identificar/reconhecer sinais e sintomas relacionados com problemas de saúde
mental em si próprio e nos outros. A este nível, destaca-se que as sessões de
Educação e Contacto revelaram o dobro da eficácia quanto à literacia e uma
melhoria significativa em relação às opiniões face à doença mental. Assim,
podemos considerar que as estratégias de Educação e Contacto parecem
influenciar, positivamente, os níveis de a literacia em saúde mental, cujos
resultados poderão ser melhor aprofundados com estudos especificamente
direcionados para esta questão.
Finalmente, este estudo apresenta algumas limitações: o facto de não ser
possível distinguir os efeitos da estratégia de Educação face ao Contacto.
Tambéma brevidade de implementação deste Programa não facilitou o
aprofundamento e desmistificação de crenças erradas específicas e associadas
aos diferentes tipos de doença mental (Corrigan, 2000b). A ausência de follow
up limitou a avaliação da eficácia do Programa de Sensibilização SMS Estigma,
dado tratar-se de um estudo piloto, que procurou testar estratégias de
intervenção reconhecidas como mais eficazes. Tampouco possibilitou verificar se
a alteração das opiniões se traduzirá em comportamentos de maior aceitação,
nomeadamente, em outros contextos.
CONCLUSÕES
A aplicação do Programa SMS Estigma permitiu sensibilizar alunos do ensino
secundário para as problemáticas do estigma associado aos problemas de saúde
mental.
A eficácia da combinação de estratégias de Educação e Contacto no combate ao
estigma ficou demonstrada, quer ao nível da diminuição das opiniões
estigmatizantes face à doença mental, quer no que diz respeito ao aumento dos
níveis de literacia, nomeadamente, através da melhoria das capacidades de
identificação/ reconhecimento de sinais e sintomas em si próprio e nos outros.
Este tipo de intervenção assume-se da maior relevância pois, por um lado, os
jovens são a geração futura de utilizadores e profissionais de saúde, mas
também porque, embora se verifique que a falta de conhecimento e de informação
parece conduzir a comportamentos de rejeição e ao aumento de atitudes
estigmatizantes, estes não são apenas adotadas pelos membros menos informados
da sociedade mas também por profissionais de saúde, e até mesmo os mais
treinados e experientes (Keane, 1990, cit. por Corrigan, & Watson, 2002).
Justificar-se-ia, pois, a integração destas questões nas componentes letivas em
vários graus de ensino e áreas de formação, mas também em contextos
plurissectoriais, com inclusão de diversos interventores, desde os próprios e
seus familiares, profissionais e organizações que trabalham neste setor e
outros que os representam, bem como órgãos de gestão e decisão política.
Projetos futuros deverão ter em conta a redução do estigma noutros públicos-
alvo e tornar o combate ao estigma uma realidade diária dos diferentes serviços
públicos e privados (Sartorius, 2010).
Informação: O Programa de Sensibilização SMS Estigma, está integrado no
Projecto PAR (Programa de Ajuda-mútua e Reabilitação) e financiado pela
Direcção-Geral de Saúde.