Suporte social, empowerment e doença crónica
Introdução
As doenças crónicas são consideradas uma epidemia, constituindo um sério
problema de saúde pública a nível mundial, sendo-lhe atribuído 84,0% das mortes
em 2008, (World Health Organization, (2011). Neste tipo de doenças está
incluída a diabetes, cuja incidência e prevalência têm aumentado, a nível
mundial, prendendo-se este facto com diversos fatores tais como: o
envelhecimento da população, a crescente urbanização e a adoção de estilos de
vida pouco saudáveis tais como o sedentarismo, a alimentação inadequada, entre
outros (Temprão, 2006 cit por Ribeiro, 2010). Também em Portugal, se mantém
essa tendência de crescimento da diabetes, existindo de acordo com o Relatório
Anual do Observatório Nacional da Diabetes (Boavida et al., 2012), 991 mil
pessoas com diabetes, o que corresponde a 12,4% da população com idade entre os
20 e os 79 anos.
Neste âmbito, é particularmente preocupante a elevada incidência e prevalência
da diabetes mellitus tipo 2 cujo aumento se traduz em proporções epidémicas,
com repercussões ao nível da incapacidade e mortalidade prematura, dos gastos
elevados com os tratamentos, para além das implicações e impacto pessoal,
familiar e social da doença. Por estes motivos emerge a necessidade de educar
sobre a gestão da diabetes, no intuito de desenvolver no indivíduo
conhecimento, atitudes e habilidades necessárias ao adequado desempenho e
autocontrolo da doença (Ribeiro, 2010).
Em termos clínicos, o bom controlo metabólico de uma pessoa com diabetes só
será conseguido se existir monitorização diária dos níveis de glicémia capilar,
controlo da pressão arterial, peso corporal, toma correta da medicação,
cuidados com os pés, prática de exercício físico e alimentação adequada. Todas
estas exigências acarretam, por vezes, stresse físico e psicológico quer no
doente, quer nos seus familiares (Martire et al., 2004 cit por Ribeiro, 2010).
Daí que as equipas de saúde deverão proporcionar ao cidadão ferramentas, que,
livremente, possam potenciar o seu empowerment,desenvolvendo na pessoa com
diabetes maior autonomia e ganhos em saúde (Pereira, Fernandes, Tavares e
Fernandes, 2011).
O foco de atenção do sistema de saúde deve por isso centrar-se no cidadão,
perspetivando-o como alguém livre com capacidades e habilidades de liderança no
seu processo de vida e de saúde. Hammerschmidt & Lenardt (2010, p. 363)
advogam mesmo que o empoderamento da pessoa idosa com diabetes, é entendido
como uma tecnologia educacional inovadora, pois permite a aprendizagem
dialógica e o desenvolvimento de consciência crítica na qual o idoso com
diabetes encontra sentido para um modo de viver saudável próprio/autónomo/
personalizado. Assim, a capacitação resultará da colaboração entre o
profissional de saúde e o idoso com diabetes perspetivando a construção e
reconstrução do conhecimento por parte deste, acerca da doença e suas
consequências, de forma a poder tomar decisões informadas sobre o seu
autocuidado. Trata-se pois de um processo educativo, relacional e progressista,
que valoriza a experiência das vivências, o modo e o contexto de vida,
transformando o idoso num ser crítico e agente da mudança da sua própria
realidade, constituindo-se como cidadão e protagonista da sua vida
(Hammerschmidt & Lenard, 2010, p. 363-364).
O atual Plano Nacional de Saúde 2011/2016 salienta que o desenvolvimento da
cidadania em saúde passa pelo reforço do poder e da responsabilidade do cidadão
para a melhoria individual e coletiva, exigindo um investimento na promoção de
uma dinâmica contínua de desenvolvimento, aumentando a literacia em saúde,
proporcionando pro-atividade, compromisso e autocontrolo do cidadão, com a
finalidade de o tornar autónomo e responsável, fomentando o empoderamento
(Campos e Carneiro, 2011).
As pessoas com doenças crónicas, como a diabetes, são confrontadas, no seu dia-
a-dia, com a tomada de decisão acerca da autogestão da sua doença, tornando-se
necessária a educação para essa autogestão. Através de ações de apoio social
são desenvolvidos mecanismos de aproximação dos doentes, atingindo objetivos
comuns, contribuindo favoravelmente para o empowerment, no sentido do
desenvolvimento e da descoberta de capacidades individuais do aumento de
autoestima e de um papel mais ativo no tratamento. (Andrade & Vaintsman,
2002).
Neste âmbito, sabe-se, atualmente, que a disponibilidade de apoio social,
facultado por familiares, amigos ou outros poderá ser uma mais-valia para o
controlo de doenças crónicas como a diabetes.
No que aos profissionais de saúde diz respeito, a maioria dos estudos revela
que o suporte social facultado quer pelos prestadores formais quer informais é
de extrema importância nas práticas de gestão do autocuidado na diabetes
(Tanqueiro, 2013). Os cuidadores formais ensinam, orientam, aconselham,
confirmam, modificam e monitorizam os idosos com diabetes sobre questões de
gestão de autocuidado, alterando as estratégias sempre que é necessário e
ajudando a desenvolver habilidades e regimes de autogestão de cuidados(Huang
et al., 2004; Morrow et al., 2008; Moser et al.,2008 cit por Tanqueiro, 2013,
p. 158).
Por sua vez, Correia (2007) cit por Ribeiro (2010), advoga que a
disponibilidade de apoio social facultado por familiares, amigos ou outros
poderá ser uma mais-valia para o controlo da diabetes. A perceção de apoio
social num indivíduo com doença crónica tem efeitos positivos no controlo da
doença, tendo implicações práticas, na medida em que uma pessoa que percecione
um bom apoio social terá maior facilidade em se adaptar física e
psicologicamente a uma doença crónica (Saborit, 2003 cit por Boas, 2009).
Os estudos de Sousa & Zausziewski (2005) citados por Tanqueiro (2013)
revelaram que os conhecimentos sobre a diabetes parecem ser fundamentais para o
reforço da capacidade de autocuidado e confiança (autoeficácia), que em
conjunto ( ) com a promoção do apoio social contribuem para a melhor gestão da
doença. Deste modo, o apoio social tem um papel importante na adaptação à
doença, nomeadamente, no que se refere à doença crónica, na medida em que esta
impõe elevadas exigências adaptativas. O apoio social é por isso, considerado
como um vetor que promove benefícios físicos e psicológicos para a saúde, dado
que os doentes que o percecionam e o experienciam, recuperam mais rapidamente
da doença, reduzindo, a longo prazo, a mortalidade e servindo, de igual modo,
como uma ferramenta de autonomia na gestão do processo saúde/doença na
comunidade (Mendoza & Faro, 2009).
Metodologia
O presente estudo caracteriza-se por ser transversal, de natureza observacional
e análise descritivo-correlacional e teve como finalidade determinar o grau de
capacitação das pessoas com diabetes e avaliar em que medida o apoio social
percecionado pelas mesmas prediz a variabilidade do seu empoderamento.
Participantes
A amostra foi selecionada de forma não probabilística e por conveniência, sendo
constituída por 150 pessoas com diabetes seguidas na Consulta de Diabetes das
unidades de saúde de cuidados de saúde primários da região centro.
Foram participantes os que reuniram os seguintes critérios: - idade superior a
18 anos; - diagnóstico de diabetes há mais de um ano.
Instrumentos
O instrumento de colheita de dados incluiu: - Um questionário sociodemográfico
e clínico;
- A Escala de Empowerment: The Diabetes Empowerment Scale(Anderson et al.,
2000); versão traduzida e adaptada para português por Coimbra e Cunha (2011).
Inclui 28 questões, avaliadas numa escala tipo Likert (de 1 a 5 pontos) e
constituída por três subescalas, as quais avaliam a gestão dos aspetos
psicossociais da diabetes; a insatisfação/prontidão para a mudança e a
capacidade de estabelecer e alcançar metas na diabetes.
- A Escala de avaliação do Apoio Social de Matos e Ferreira (2000) é
constituída por um conjunto de 16 questões, avaliadas numa escala tipo Likert
(1 a 5 pontos), correspondendo o último valor a níveis mais elevados de apoio
social, com exceção dos itens 2; 5; 12; 13; 14 e 16 que apresentam cotação
inversa. Esta escala avalia a disponibilidade do apoio informativo, emocional e
instrumental percecionado pelo indivíduo.
A utilização de ambos os instrumentos foi autorizada pelos seus autores.
Procedimentos
O estudo obteve parecer positivo da Comissão de Ética da Escola Superior de
Saúde de Viseu e a colheita de dados foi autorizada e realizada nos meses de
outubro, novembro e dezembro de 2012, na Consulta de Diabetes, em unidades de
saúde de cuidados de saúde primários da região centro.
O instrumento de colheita de dados foi auto preenchido pelos utentes/
investigadores. Foram explicadas a finalidade e o objetivo do estudo a cada
participante e, obtido o seu consentimento informado, garantindo o anonimato e
a confidencialidade.
Os dados referentes a cada escala e subescala foram calculados seguindo as
recomendações dos autores. Foi utilizado o software informático SPSS 21.0 para
o tratamento estatístico.
Análise dos Resultados
A amostra ficou igualmente representada face ao sexo (50,0%). A idade oscilou
entre os 28 e os 90 anos, com uma média de idades de 66,85 anos (± 9,72), sendo
72,7% casados/ em união de facto, possuindo baixo nível de escolaridade, cerca
de 64,7% detêm o 1º ciclo do ensino básico e cerca de 13,3% são analfabetos.
Residiam, predominantemente, em meio rural (56,0%), possuindo como fonte de
rendimento maioritariamente, a reforma/pensão (74,7%), relatando, a maioria ter
dificuldades financeiras (48,7%).
A diabetes tipo 2 é predominante (88,0%) e em média, a doença foi diagnosticada
há cerca de 11,56 anos (±10,62). Maioritariamente, os inquiridos usam um
registo que os identifica como diabéticos (58,0%), dos quais 71,3% mencionam
tratar-se do Guia do diabético.
A maioria dos participantes efetua a pesquisa da glicémia capilar (90,7%) e
desses, 83,3% fazem-no sem ajuda de terceiros. A prática de exercício físico é
indiciada como a maior dificuldade sentida (82,7%).
Dos participantes, 38,0% apresentam excesso de peso e 51,3% apresentam
obesidade, dos quais 1,3% revelam obesidade mórbida (grau III). O risco
metabólico e cardiovascular está presente em 89,3% dos homens, dos quais, 60,0%
evidenciam risco muito aumentado (perímetro da cintura ≥ 102cm) e cerca de
98,7% das mulheres também apresentam risco metabólico e vascular, salientando
risco muito aumentado em 86,7%. Da amostra, 64,4% revela mau controlo glicémico
e, por conseguinte, encontram-se com risco metabólico, apresentando valores de
hemoglobina glicosilada iguais ou superiores a 6,5%. O risco cardiovascular
associado à existência de hipertensão arterial sistólica está patente em 82,0%
dos participantes.
A análise da variabilidade dos valores do empowermentpermitiu constatar que em
36,7% dos participantes ele é elevado, em 30,0% razoávele 33,3% evidenciam
fraco empowerment. Quanto à relação deste com as variáveis sociodemográficas
verificou-se que: - os homens possuem em média scores de empowerment mais
elevados(80,28 vs70,72); - os mais jovens também pontuaram com valores médios
de empowermentsuperiores aos das pessoas idosas (94,89 vs71,39); - os casados/
em união de facto revelaram melhor pontuação de empowermentdo que os que viviam
sozinhos (77,28 vs 70,76), porém em todas as situações sem significância
estatística.
A escolaridade, a profissão e o modo como a exercem estão positivamente
relacionados com ao empowermentdos sujeitos, mostrando os resultados que as
pessoas com habilitações mais elevadas apresentaram valores de
empowermentsuperiores(123,71 vs47,78), (H = 17,028, p = 0,001) e os
trabalhadores por conta própria são também os que pontuam com melhor
empowerment, (H = 11,879; p = 0,003).
No referente às variáveis clínicas, apesar do empowerment ser mais elevado nas
pessoas cuja duração da diabetes é mais longa e naquelas cujo valor de HbA1c é
mais baixo,não se apurou significância estatística na relação entre o tempo de
diagnóstico da diabetes e o empowerment (t = 0,045; p = 0,964), nem entre este
e o estado metabólico. (t = -1,059; p = 0,291).
Observamos que 44,0% dos inquiridos evidenciam bom apoio social, 25,3%
revelam razoável apoio social e 30,7% manifestam fraco apoio social. As
pessoas que percecionam auferir de melhor apoio social evidenciam também melhor
empowerment.Aqueles que percecionam ter bom apoio emocional, informativo e
instrumental revelam empowermentmais elevado (r = 0,410, p = 0,000; r = 0,403,
p = 0,000; r = 0,288, p = 0,005 respetivamente). O apoio social explica em
17,1% a variabilidade do empowermentdas pessoas com diabetes.
Discussão dos Resultados
Observámos que alguns aspetos sociodemográficos guardam neste estudo relação
com o empowerment, nomeadamente: a situação na profissão, o modo como exerceu/
exerce a profissão, o nível de escolaridade, isto é, os grandes industriais e
comerciantes, gestores de topo de grandes empresas/administração pública,
profissionais liberais, os trabalhadores por conta própria, com habilitações
literárias mais elevadas pontuaram com melhor empowermentglobal. Similarmente,
Tol, Shojaeezadeh, Sharifirad, Alhani & Tehrani (2012), concluíram que o
género, a idade e o nível de escolaridade influenciam, significativamente o
empowermentdas pessoas com diabetes.
As pessoas com diabetes podem ser habilitadas para gerir a sua doença crónica
se forem adequadamente formadas/informadas (Liu, Tai, Hing, Hsieh & Wang,
2010). Também Tol et al. (2012) advogam que qualquer melhoria na capacitação
das pessoas com diabetes, pode promover melhor controlo da doença, pressuposto
que não foi verificado no presente estudo, pois a associação inversa entre o
HbA1c e o empowerment não apresentou significância estatística significativa.
O apoio social reforça as capacidades pessoais e sociais, através do
empowerment, o qual é um processo e resultado da ação social, favorável ao
controlo das próprias vidas pelos próprios doentes (Canesqui & Barsaglini,
2012). Em consonância, os nossos resultados patenteiam a existência de uma
associação positiva entre o apoio social e o empowerment, inferindo-se que os
utentes com melhor apoio social, possuem melhor empowerment.
Concretizando, observamos uma associação positiva de elevada significância
entre o apoio emocional e o empowerment (r = 0,410; p = 0,000). Factores
psicossociais e comportamentais como crenças em saúde, grau de aceitação da
doença, ( ), suporte social, influências contextuais, habilidades para o
autocuidado, prontidão para mudanças, ajustamento psicossocial, estratégias
para enfrentamento da situação, locus de controlo, bem-estar emocional,
maturidade cognitiva, estado de saúde, complexidade dos regimes terapêuticos e
estruturação dos serviços de saúde são determinantes dos comportamentos
relacionados com a diabetes (Grossi & Pascali, 2009, p.21). Também Cunha,
Nunes e Aparício (2009) advogam que a aprendizagem de um conjunto de
estratégias do tipo instrumental no conforto com a diabetes, como a resolução
de problemas específicos, (administração de insulina, pesquisa de glicemia,
adesão ao plano alimentar ( ), aliada à procura de ajuda e da adequada
informação sobre as implicações metabólicas dela decorrentes, tornam-se
relevantes para a gestão da diabetes (Cunha et al., 2009, p.444).
O suporte social contribui ainda para o controlo da vida, beneficiando o estado
de saúde das pessoas e, por conseguinte, é um elemento facilitador do
empowerment (Valla, 1999 cit por Amorim, 2009). Relativamente à diabetes, o
contexto social dos doentes portadores desta doença é reconhecido como um
propulsor para a aquisição de capacidades que facilitam a gestão da doença de
forma eficaz (Fragoso, 2009).
Na revisão da literatura realizada por Nunes (2005), está documentado que o
apoio social induz benefícios físicos e psicológicos, facultando às pessoas,
que dele usufruem, um melhor ajuste aos acontecimentos indutores de stress, uma
melhor recuperação de uma doença diagnosticada recentemente e reduz o risco de
mortalidade a determinadas doenças, como é o caso da diabetes (Nunes, 2005).
Conclusões e Implicações para a Prática Clínica
Esta pesquisa apesar de não representar a população dos diabéticos portugueses,
mostrou-nos resultados pertinentes, evidenciando a importância do suporte
social no empoderamento/capacitação dos idosos com diabetes. Como limitações do
estudo assinalamos a existência de um baixo nível de escolaridade assim como
baixa literacia em saúde dos participantes que condicionaram, por vezes, o auto
preenchimento do instrumento de colheita de dados. Estes aspetos deverão ser
considerados na prática de cuidados e de investigação.
Tendo em consideração os resultados obtidos, considera-se que as relações
sociais que a pessoa mantém podem facilitar ou promover comportamentos
promotores e/ou protetores de saúde e que o apoio social pode ser um valioso
recurso, capaz de promover uma melhor adaptação da pessoa às exigências
impostas pela diabetes, constituindo, assim, uma ferramenta importante para o
incremento do empowermentdas pessoas com diabetes.
Neste sentido, consideramos que a nova filosofia de intervenção proposta aos
profissionais de saúde/ajuda como os enfermeiros, deverá sustentar-se em
estratégias que promovam o empowerment das pessoas, facultando-lhes apoio
informativo, emocional e instrumental que favorecem a capacitação para a
autonomia e autogestão da diabetes.
Para que tal aconteça, dever-se-á incentivar à mudança de comportamentos de
ajuda especializada por parte dos profissionais de saúde, focando o seu empenho
nas boas práticas de cuidados de saúde humanizados, ricos em calor humano,
técnica e cientificamente corretos com especial enfoque para considerar os
determinantes sociais facilitadores do empoderamento/capacitação dos doentes.