Promoção da saúde mental na gravidez e no pós-parto
Introdução
A gravidez e a maternidade é uma experiência única que envolve adaptações
fisiológicas significativas a nível físico, psíquico, social e emocional, que
têm diferentes implicações no bem-estar materno (Ministério da Saúde, 2006;
Alderdice, MacNeill, & Lynn, 2013), que implicam a aprendizagem de tarefas
relacionadas com o exercício da maternidade e que requerem a aquisição de
saberes e competências associadas ao cuidado da criança, que podem trazer
grande ambivalência de emoções e interferência no bem-estar materno (Cantwell
& Cox, 2003). O pós-parto é um tempo de ajustamento psicológico e de
adaptação ao desempenho do novo papel. Neste período correm alterações
hormonais bruscas e significativas às quais acresce o cansaço decorrente do
processo de parturição (Raynor, 2006).
Durante a gravidez a mulher vivencia níveis elevados de ansiedade relacionados
com preocupações sobre o bem-estar do feto e com o do seu próprio bem-estar
(Alderdice, MacNeill, & Lynn, 2013). Os desconfortos associados às
adaptações fisiológicas da gravidez comportam problemas de saúde a nível do
bem-estar físico e psicológico da mulher. A prevalência e incidência destes
sintomas podem implicar que, em algumas mulheres, estes problemas podem afetar
a sua qualidade de vida e ter um efeito negativo na sua relação com a criança,
parceiro e outros membros da família (Schmied, et al., 2013).
Segundo o Conselho Internacional de Enfermeiros, o conceito de bem-estar está
relacionado com o conceito de saúde, sendo apresentado como: Saúde: imagem
mental de se sentir bem, de equilíbrio, contentamento, amabilidade ou alegria e
conforto, usualmente demonstrada por tranquilidade consigo próprio, e abertura
para as outras pessoas ou satisfação com a independência (Conselho
Internacional de Enfermeiros, 2011, p. 41).Na conceção apresentada nos Padrões
de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem de Saúde Mental, A pessoa, no decurso
do seu projeto de vida e de saúde, confronta-se com inúmeros desafios, cujo
sucesso na resolução, reside nas suas capacidades de adaptação (Ordem dos
Enfermeiros, 2011, p. 2).
Considerando então que a gravidez e o pós-parto são períodos críticos para a
saúde mental da mulher, e que estes eventos constituem desafios no decurso do
seu projeto de vida, que implicam processos de adaptação para a sua resolução
saudável, desenvolveu-se a presente revisão integrativa com a finalidade de
identificar os fatores de risco para a saúde mental e bem-estar da grávida/
puérpera, e ainda os achados sobre as estratégias promotoras da saúde mental da
população alvo. As questões de investigação orientadoras do estudo são:
· Quais são as situações de risco para a saúde mental e bem-estar da
grávida/puérpera?
· Quais são as estratégias promotoras da saúde mental tanto na grávida
como no puérperio
Metodologia
Foi realizada uma revisão integrativa da literatura recorrendo a pesquisa
bibliográfica através dos motores de busca ISI Web of Knowlegde e EBSCOhost e
ScienceDirect da Elsevier utilizando como descritores nursing, pregnancy,
maternal mental health e postpartum. Esta pesquisa foi realizada entre os meses
de agosto e setembro de 2013.
Como critérios de inclusão foram considerados os artigos que contivessem no
título um dos descritores considerados e com data de publicação compreendida
entre 2008 e 2013. Foram encontrados 17 artigos, que respondiam a estes
critérios. Tendo em conta as questões de investigação e a finalidade do estudo
e após leitura integral dos mesmos foram selecionados 12 artigos. Destes
verificamos que eram: um estudo de caso controle, seis revisões sistemáticas da
literatura, um estudo quase experimental, dois estudos longitudinais e um
estudo com metodologia de focus group.
Os resultados da análise dos artigos foram organizados tendo por base um
processo de categorização. As duas categorias selecionadas dão resposta aos
objetivos do trabalho: Situações de risco para a saúde mental da mulher durante
o seu processo gravídico; Intervenções promotoras da saúde mental.
Resultados
A análise dos dados permitiu obter dados consistentes sobre as finalidades do
estudo (Tabela_1) e que se apresenta na seguinte sistematização:
Situações de risco para a saúde mental da mulher durante o seu processo
gravídico
Os dados a nível internacional indicam que cerca de 18,4% das mulheres sofrem
de depressão durante a gravidez e 19,2% das mulheres têm depressão durante os
três meses após o parto (Gaynes et al., 2005).
A identificação precoce da presença de fatores de risco ou dos fatores
preditores para a depressão no pós-parto é considerada fundamental para a
promoção da saúde mental. Assim foram identificados como fatores preditores
para a ocorrência de uma depressão pós-parto a baixa condição social, o stress
durante a gravidez, uma gravidez ou parto complicados, dificuldades no
relacionamento com o parceiro e/ou família, falta de suporte por parte da
família, amigos, o estado civil, história de psicopatologia, história de abuso
sexual, má relação com a própria mãe, falta de autoconfiança, gravidez não
planeada, o temperamento da criança, situação de desemprego ou de instabilidade
no trabalho e o stress crónico (Wylie, Holiins Martin, Marland, Martin, &
Rankin, 2011). O estado de humor materno quer durante a gravidez quer no pós-
parto é considerado um preditor importante para a depressão (McQueen,
Montgomery, Lapan-Gracon, Evans, & Hunter, 2008).
Existe evidencia no sentido de que as mulheres com história de alteração da
saúde mental antes da gravidez e parto, estão mais vulneráveis ao stress
durante o desempenho do papel maternal (Seimyr, Welles-Nyström, & Nissen,
2013).
Schmied, et al. (2013) destaca que a falta de suporte marital e a maternidade
precoce como situações de risco de saúde mental materna. Além destes foram
identificados como fatores preditores a gravidez não planeada ou situações
como: mudança de casa, dificuldades financeiras, morte de alguém próximo,
desemprego, separação e situação de doença, violência ou agressão. Salienta de
maior vulnerabilidade para a depressão no pós-parto os consumos de substâncias
aditivas como por exemplo o álcool e baixo nível de instrução.
O estigma associado ao facto de ser mãe solteira pode contribuir para uma menor
saúde mental. A falta de suporte familiar, assim como os problemas conjugais
foram identificados como fatores de risco para a perturbação mental e bem-estar
das mulheres no período pré e pós-natal (Sawyer, Ayers, & Smith, 2010).
Existem estudos que enfatizam igualmente a importância do suporte social como
um significativo e independente fator preditor da qualidade de vida e bem-estar
da maternidade e consequentemente para a saúde mental, sendo o parceiro um dos
principais vértices desse suporte (Emmanuel, St John, & Sun, 2012). Como
fatores de risco ainda da depressão materna, consideram o blues,o temperamento
da criança, o cuidado à criança e o stress no desempenho do papel parental
(Seimyr, Welles-Nyström, & Nissen, 2013).O conhecimento produzido mostra
que as mulheres que experienciaram uma situação de blues intenso têm uma maior
probabilidade, no pós parto, de apresentar processos de depressão materna
(McQueen, Montgomery, Lapan-Gracon, Evans, & Hunter, 2008; Wylie, Holiins
Martin, Marland, Martin, & Rankin, 2011).
Intervenções promotoras da saúde mental
As visitas domiciliárias realizadas pelas enfermeiras especialistas de saúde
materna e obstétrica, durante o primeiro mês pós-parto, surgem como uma
intervenção preventiva da depressão pós-parto, devendo englobar como objetivos
o reconhecimento precoce dos sintomas, e a referenciação para um acompanhamento
especializado na área da saúde mental (Wylie, Holiins Martin, Marland, Martin,
& Rankin, 2011) A preparação para o parto também se mostra como um
significativo contributo na redução do risco de sintomas depressivos
imediatamente após o parto (Alderdice, MacNeill, & Lynn, 2013).
Os cursos de preparação para a parentalidade é outra intervenção identificada
como promotora da saúde mental materna dados os significativos ganhos obtidos
(Alderdice, MacNeill, & Lynn, 2013; Fisher, Wynter, & Rowe, 2010).
A intervenção por parte da enfermagem, segundo o modelo de intervenção familiar
de Calgary, em casais com grávidas que apresentam maiores dificuldades na
gestão das emoções pela sintomatologia depressiva, ansiosa, ou pela baixa
autoestima, consegue diminuir os níveis de ansiedade do casal e a
sintomatologia depressiva, melhorando a autoestima (Thome & Arnardottir,
2012).
Num dos estudos considerados, foram identificadas 10 recomendações para a
prática, duas na perspetiva da prevenção, seis relacionadas com a confirmação
de sintomas depressivos e duas dirigidas ao tratamento da depressão pós-parto
(McQueen, Montgomery, Lapan-Gracon, Evans, & Hunter, 2008). Na perspetiva
da prevenção recomenda-se que os enfermeiros providenciem cuidados,
individualizados e flexíveis, no pós-parto, baseados na identificação dos
sintomas depressivos e na preferência materna.
São apresentadas como estratégias para o acompanhamento de puérperas, a relação
terapêutica e de confiança estabelecida entre a enfermeira especialista em
saúde materna e obstétrica e a mulher, a utilização do método canguru, o apoio
na amamentação, o encorajamento à expressão dos sentimentos, o envolvimento do
pai, irmãos, avós e outros membros da família (Kantrowitz-Gordon, 2013).
Demissie, et al.(2013) refere ainda não existe suficiente evidência para
fundamentar que o exercício físico pode influenciar positivamente a saúde
mental da mulher durante a gravidez e pós-parto. Um estudo com 450 450
mulheres, verificou que 86% acreditavam que o passeio com o seu filho no
carrinho de bebé reduzia o risco de depressão pós-parto (Currie & Develin,
2002 cit por Wylie, Holiins Martin, Marland, Martin, & Rankin, 2011)
Intervenções promotoras da saúde mental: Planeamento de Cuidados
Os enfermeiros e os enfermeiros especialistas em saúde materna, que acompanham
as mães, precisam de estar consciencializados das circunstâncias sociais
maternas, particularmente nas situações onde se evidenciam dificuldades em
realizar um ajustamento saudável à maternidade (Emmanuel, St John, & Sun,
2012).
Byatt, et al.(2012) acentua que um inadequado treino da equipa diminui a
confiança da mulher e a sua predisposição para enfrentar os problemas. A
formação e treino da equipa têm assim particular importância, sendo um fator
importante a ter em conta também para Schmied, et al.(2013), com a finalidade
de melhorar a assistência de enfermagem às mulheres durante esta etapa da sua
vida de particular vulnerabilidade. Só assim, serão os enfermeiros, capazes de
avaliar as necessidades psicossociais da mulher e de prestar o apoio e
implementar as intervenções adequadas.
Intervenções promotoras da saúde mental: Programas psicoeducacionais
Dados mostram que programas psicoeducacionais dirigido a ambos os membros do
casal, com o objetivo de minimizar as experiências de humilhação através do
aumento da compreensão e da empatia, por parte do companheiro sobre o impacto,
do isolamento a que leva o cuidado ao bebé, através da promoção da partilha do
cuidado, como um esforço comum, em que os pais ficam com competências
semelhantes de forma a possibilitar momentos de independência e de lazer para
cada um (Fisher, Wynter, & Rowe, 2010). É necessário ensinar os pais com o
objetivo de promover uma resposta cognitiva e menos emocional ao choro da
criança, incrementando as suas competências na resposta assertiva às
necessidades da criança (Fisher, Wynter, & Rowe, 2010).
Discussão
A análise dos dados permite-nos inferir que há diversas condicionantes que
podem precipitar o aparecimento de vários sintomas que apontam para alteração
da saúde mental quer no período da gravidez quer no pós-parto. Apresenta-se em
forma de esquema a sistematização dos preditores de risco identificados nos
estudos considerados nafigura_1.
Pudemos inferir que há algumas intervenções que podem promover o bem-estar com
ganhos significativos e nas suas relações sociais e na saúde mental da mulher
(Fig._2).
A depressão pós-parto e o bem-estar a nível da saúde mental, durante todo o
processo de tornar-se mãe, requere um aprofundamento do conhecimento quer na
prevenção, através da identificação dos fatores de risco, quer na identificação
das estratégias a utilizar, sendo fundamental a realização de um maior número
de estudos sobre estas questões, na procura de uma prática baseada na evidência
(McQueen, Montgomery, Lapan-Gracon, Evans, & Hunter, 2008; Wylie, Holiins
Martin, Marland, Martin, & Rankin, 2011; Schmied, et al., 2013). Existe
também a necessidade de se realizar outros estudos que avaliem a perceção das
mulheres sobre o suporte social, especialmente nas situações de mulheres
jovens, desempregadas e as que não têm companheiro (Emmanuel, St John, &
Sun, 2012).
Conclusões
O enfermeiro tem um papel privilegiado, desde o planeamento da gravidez, no
acompanhamento da mesma e no pós-parto, no despiste de situações de risco e no
planeamento da intervenção ou encaminhamento das mesmas.
A Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstétrica tem um papel importante
na: identificação, suporte e referenciação das grávidas/puérperas vivenciando
problemas sociais e de saúde mental durante o período perinatal.
Durante o primeiro ano, e no cumprimento do plano nacional de saúde, há vários
momentos de contacto da díade com os enfermeiros (Saúde Infantil e Pediátrica,
Comunitária, Saúde Materna e Obstétrica), nomeadamente para a vacinação e
vigilância de saúde, sendo fundamental que os profissionais sejam capazes de
despistar precocemente situações de risco e orientar/referenciar para o
profissional adequado, como o enfermeiro especialista em Saúde mental e
psiquiátrica.
No nosso país é-nos possível seguir o preconizado pelo Ministério da Saúde
(2006) publicado no Manual de Orientação para Profissionais de Saúde. Realçamos
o facto dos estudos consultados e os resultados obtidos estarem consentâneos
com estas diretrizes.