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EuPTCVHe1647-21602015000100010

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variedadeEu
ano2015
fonteScielo

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Vulnerabilidade ao stress e qualidade de vida em familiares de pessoas com alcoolismo ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

Introdução Portugal apresenta, entre os países da União Europeia, um dos maiores consumos de bebidas alcoólicas e uma maior prevalência de problemas ligados ao álcool (Balsa, Vital, Urbano e Pascueiro, 2011). O alcoolismo, também denominado Síndrome de Dependência do Álcool (SDA), é considerado uma doença crónica, multifatorial, que se deteta quase sempre numa fase tardia, devido ao seu curso insidioso e prolongado. Além disso, tem implicações físicas, psicológicas, sociais, profissionais e familiares (Kiritzé-Topor & Bénard, 2007).

Um conjunto de pesquisas tem documentado o impacto da SDA na vida dos familiares, em que a Qualidade de Vida (QV) diminui quando estes têm de enfrentar as consequências da SDA (Fleck, 2008). Porém, o impacto do álcool sobre as pessoas que convivem com alguém com SDA é uma área considerada ainda como pouco estudada (Casswell, You & Huckle, 2011). A QV é descrita como um conceito dinâmico, multidimensional e a forma como é percebida não é a mesma para todas as pessoas (Fayers & Machin, 2007), sendo reconhecida em alguns estudos como uma medição de resultados que é importante para tomadas de decisões respeitantes aos recursos e à criação de programas, nomeadamente no tratamento de dependência do álcool (Luquiens, Reynaud, Falissard & Aubin, 2012).

O alcoolismo, sendo uma situação de stress, coloca exigências significativas no que se refere aos recursos e capacidades de todos os membros da família ao lidarem com o problema. A qualidade da adaptação familiar a essa situação está dependente das estratégias pessoais que cada um tem para lidar com o stress, as quais, por sua vez, dependem da VS (Vaz-Serra, 2007). A vulnerabilidade do indivíduo é determinada não apenas pelo deficit de recursos, mas também pela sua perceção do acontecimento e pela importância que ele lhe atribui. A VS, no nosso estudo, é definida como o risco aumentado de se reagir de uma forma negativa perante um dado acontecimento de vida (Vaz-Serra, 2007). Os conceitos de vulnerabilidade e resiliência, embora distintos, encontram-se interligados.

Segundo Assis, Avanci e Pesce (2006), quanto mais se desenvolver a resiliência, menor será a vulnerabilidade e vice-versa.

No caso da família, a vulnerabilidade poderá ser explicada pela fraca capacidade desta se adaptar a novas situações, mostrando uma menor resistência a fatores de risco (biológicos, económicos, sociais ou psicossociais) (McCubbin, McCubbin, Thompson, Han, & Allen, 1997). Famílias resilientes são aquelas que evitam não apenas os efeitos negativos associados aos fatores de risco, mas que conseguem desenvolver também, muitas vezes, competências específicas para lidar com os problemas (McCubbin & McCubbin, 1993). Assim, o presente estudo teve como objetivo descrever a VS e a sua relação com a QV, com a finalidade de identificar intervenções de enfermagem promotoras da resiliência com vista a melhorar a perceção de QV dos familiares de pessoas com SDA.

Metodologia Estudo transversal, descritivo e correlacional. Participantes: 200 familiares de pessoas com Síndrome de Dependência Alcoólica (SDA), tratando-se de uma amostra não probabilística, de conveniência. A amostra foi selecionada em serviços e/ou consulta de alcoologia em diferentes sub-regiões do País (Norte, Centro, e Lisboa e Vale do Tejo) e grupos de autoajuda. Considerámos como critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos; serem familiares de pessoas com diagnóstico clínico de SDA , pelo menos, um ano; com capacidade de leitura e compreensão de português e que não apresentassem dependência alcoólica. Instrumentos: Questionário de caracterização sociodemográfica (idade, sexo, anos de escolaridade, situação profissional e conjugal, se tem e/ ou vive com um familiar com SDA e se frequenta grupos de autoajuda) e informação clínica relativa ao familiar com SDA (inicio do consumo de álcool, tempo de diagnóstico de SDA e de abstinência, número de internamentos e de recaídas); Questionário de Vulnerabilidade ao Stress – 23QVS (Vaz-Serra, 2000), composto por uma escala tipo likert, com cinco possibilidades de escolha (de 0 a 4). Quanto mais alto for o valor da nota global, maior é a VS. Uma classificação de 43 representa o ponto de corte acima do qual uma pessoa se encontra vulnerável ao stress. No estudo de validação para a população portuguesa foi obtido um Alfa de Cronbach da escala global de 0,82 (Vaz-Serra, 2000) e, no presente estudo, de 0,86; Questionário de Estado de Saúde SF-36V2, validado para a população portuguesa por Ferreira (2000a, 2000b).

É um questionário de autoadministração, constituído por 36 itens que avaliam a QV em oito dimensões do estado de saúde: Função Física, Desempenho Físico, Dor Corporal, Saúde em Geral, Vitalidade, Função Social, Desempenho Emocional e Saúde Mental. Os resultados das subescalas e componentes variam entre 0 e 100, sendo que os resultados mais elevados representam uma melhor QV.

Nos estudos de validação para a população portuguesa, o Alfa de Cronbach das subescalas situou-se entre α=0,60 e α=0,87, sendo que, no presente estudo, esses valores se situaram entre α=0,70 e α=0,94. Procedimentos: Respeitaram-se as normas éticas constantes da declaração de Helsínquia. Depois de obtida a autorização, por parte das Unidades de Alcoologia, dos grupos de autoajuda, dos autores das respetivas escalas e recolhido o consentimento informado dos participantes neste estudo, foram colhidos os dados entre outubro de 2008 e janeiro de 2010. Utilizámos a análise exploratória e descritiva dos dados, recorrendo ao Statistical Program for Social Sciences (SPSS), versão 20.0.

Para a comparação de dois grupos independentes recorreu-se ao teste U de Mann- Whitney ou ao teste de Kruskal-Wallis sempre que, pelo menos, um grupo não apresentava distribuição normal (Marôco, 2011). Para o estudo da forma e intensidade da relação entre duas variáveis contínuas, recorreu-se ao coeficiente de correlação de Pearson. Os resultados são considerados significativos para um nível de significância de p≤0,05.

Resultados A amostra era maioritariamente do sexo feminino (72%, n=144), casados/união de facto (71%, n=142), trabalhadores, com uma média de 47 anos de idade (DP=14,66) e 8 anos de escolaridade (DP=4,32). Além disso, 61,5% (n=123) vivia com pessoas com alcoolismo e 60,0% (n=120) tinha, como antecedente familiar, uma pessoa com alcoolismo. A maioria dos inquiridos não frequentava grupos de autoajuda (57,5%, n=115). Relativamente à pessoa com SDA, os familiares responderam desconhecer a idade em que iniciou o consumo de álcool, que o diagnóstico da SDA tinha sido realizado cerca de 14 anos (M=14,10; DP=10,07; ampl.=1-35), e que em média tinham tido um internamento (M=1,49; DP= 2,85; ampl.=0-24) e duas recaídas (M=2,08; DP=1,99; ampl.=0-10). Da análise da Tabela_1, verificamos que os familiares que constituíram a amostra são pouco vulneráveis ao stress (escala global) (M=39,92; DP=13,13), embora sejam vulneráveis relativamente ao Perfecionismo e Intolerância à Frustração, Subjugação e Dramatização da Existência. Quanto à QV, pode dizer-se que, em média, os familiares demonstraram uma perceção de QV positiva em todas as suas dimensões do SF-36.

As subescalas, em que apresentam valores mais elevados, foram a Função Física (M=78,39; DP=23,43) e o Desempenho Físico (M=71,89; DP=25,85). Em contrapartida, as subescalas com maior comprometimento (embora ainda positivas) foram a Vitalidade (M=50,30; DP=21,51) e a Saúde Mental (M=56,78; DP=22,94).

Na comparação dos resultados da VS, de acordo com as várias categorias do estado civil, detetaram-se diferenças estatisticamente significativas na subescala Condições de Vida Adversas (χ2kw(3)=8,62, (p=0,035), verificando-se que os divorciados diferem dos solteiros (p=0,010) e dos casados (p=0,021), apresentando os divorciados uma menor capacidade para lidar com as adversidades da vida (Md=6,00) do que os casados (Md=3,50) e os solteiros (Md=3,00). A situação profissional influencia a VS dos familiares, pois observaram-se diferenças estatisticamente significativas relativamente à VS global (χ2kw (3)=12,52, p=0,006), ao Perfecionismo e Intolerância à Frustração (χ2kw (3)=24,19, p˂0,0001), às Condições de Vida Adversas (χ2kw(3)=22,28, p˂0,0001) e à Subjugação (χ2kw(3)=11,12, p=0,011) (Tabela_2). Entre as várias situações profissionais, destacam-se os familiares desempregados, apresentando estes valores mais elevados de VS relativamente às outras categorias profissionais.

Os resultados da Tabela_3 demonstram que quanto maior a idade dos familiares, maior é a Subjugação. Também os familiares com maior escolaridade são menos vulneráveis ao stress em geral, menos submissos, sentem uma menor necessidade de perfecionismo e maior tolerância à frustração e referem ainda menos condições de vida adversa. Ainda quanto maior o tempo de dependência alcoólica do familiar, menor é o Perfecionismo e a Intolerância à Frustração.

Na avaliação das várias subescalas da VS e a escala global, entre os sexos e entre quem frequentava e quem não frequentava grupos de autoajuda, não se detetaram diferenças estatisticamente significativas (p>0,05).

Face ao exposto na matriz de correlações apresentada na Tabela_4, de uma forma geral, encontramos correlações negativas entre as todas as dimensões da QV (SF- 36) e as da VS e escala global (23QVS), indicando que os familiares das pessoas com SDA menos vulneráveis ao stress apresentam melhor perceção de QV em todas as suas dimensões.

Discussão O alcoolismo de um membro da família condiciona e limita, muitas vezes, a vida familiar, embora também possa funcionar como um organizador existencial para a família (Roussaux, Faoro-Kreit & Hers, 2002). Ao contrário do que se verificou no estudo de Valentim, Santos e Pais-Ribeiro (2014), sobre a VS em pessoas com alcoolismo, os familiares, em geral, são pouco vulneráveis ao stress e, apesar das consequências associadas à doença alcoólica, têm uma razoável perceção sobre a sua QV. Parece-nos que estes familiares desenvolveram alguma resiliência, que os capacitou a responderem de forma efetiva às exigências da vida quotidiana, ou, então, adaptaram-se e organizaram-se de acordo com a problemática da SDA. Contudo, sentem-se pior quando não são perfeitos naquilo que fazem e dedicam mais tempo às solicitações das outras pessoas do que às suas próprias necessidades (Perfecionismo e Subjugação).

Os familiares apresentaram valores mais elevados de QV relativamente à Função e Desempenho Físico, o que significa que não apresentam problemas físicos graves, realizam todos os tipos de atividade física, sem quaisquer limitações por motivos de saúde. De notar que a maioria destas pessoas estão profissionalmente ativas. Porém, como era esperado, percecionam pior Vitalidade (menos energia) e menos Saúde Mental. Esta perceção pode estar relacionada com as tensões e a insegurança ocasionadas pelo comportamento da pessoa com SDA, que é, muitas vezes, negligente no que diz respeito às responsabilidades familiares (Roussaux et al., 2002).

Tal como no estudo de Valentim e colaboradores (2014), também no presente estudo, o estar casado/união de facto e o estar empregado ou a estudar, poderão ser fatores protetores e promotores de resiliência. O domínio escolar é considerado importante para o desenvolvimento da resiliência (Assis et al., 2006). Os familiares com menos instrução parecem ser mais vulneráveis ao stress (escala global), os mais velhos poderão não pensar tanto nas suas necessidades, dedicando-se mais às solicitações das outras pessoas (Subjugação), e quanto maior é o tempo de dependência alcoólica, menor é a necessidade de aprovação por parte dos outros e maior a tolerância à frustração.

Parece que, à medida que o tempo passa, os familiares vão-se adaptando ao problema do alcoolismo e vão sendo capazes de proporcionar o apoio necessário para desenvolver e sustentar os sentimentos de autoestima e autoconfiança dos seus membros, ou seja, tornando-se resilientes (McCubbin & McCubbin, 1993).

No que diz respeito ao estudo da relação entre a VS e a QV, verificámos que os familiares, que percecionavam de forma mais negativa a sua QV, eram mais vulneráveis ao stress, o que parece confirmar os resultados encontrados por alguns autores (Shyu, 2006; Valentim et al., 2014).

Conclusão A SDA tornou-se um dos mais complexos problemas de saúde pública, pela progressão lenta e, por vezes, silenciosa da doença. No decorrer da doença, o impacto do diagnóstico, a convivência com a doença e o início do tratamento, constituem situações de stress que poderão afetar a QV, dependendo da vulnerabilidade de cada um. As pessoas mais vulneráveis apresentam uma menor capacidade de resolução de problemas e de adaptação, quer seja porque avaliam a situação como ameaçadora, quer porque sentem que não têm à sua disposição recursos suficientes para a enfrentar (Vaz-Serra, 2007). Apesar dos valores baixos de VS e de valores moderados de perceção de QV, os resultados apontam para uma associação entre as variáveis estudadas, confirmando-se a importância da VS para a perceção de QV. Mostram ainda que, em geral, a VS deve ser tida em consideração no desenho de estratégias de intervenção em enfermagem, com o objetivo fundamental de manter ou melhorar a QV.

Implicações para a Prática Clínica Segundo Pereira (2001, p. 87-88), "Uma das grandes apostas para o próximo milénio será tornar as pessoas mais resilientes e prepará-las para uma certa invulnerabilidade que lhes permita resistir a situações adversas que a vida proporciona...". Resiliência não é algo inato ou genético, é uma competência pessoal e social que poderá ser apreendida e desenvolvida (Sória, Souza, Moreira, Santoro, e Menezes, 2006). Assim, na prática, a intervenção do enfermeiro deverá centrar-se em aumentar a resistência ao stress e capacitar a família para lidar adequadamente com os fatores indutores de stress, através de programas de gestão de stress (técnicas de relaxamento, entre outras), e estimular atitudes positivas que permitam enfrentar problemas, resolvê-los e prever consequências (resolução de problemas). Estas intervenções devem dar uma atenção especial às pessoas divorciadas, desempregadas, mais velhas, com menos escolaridade e que têm um familiar com SDA diagnosticado à pouco tempo.

Estas intervenções deverão integrar-se, principalmente, num trabalho em equipa multidisciplinar. Torna-se importante salientar que este tema precisa de ser mais explorado, permitindo aos profissionais de saúde refletirem sobre intervenções que permitam promover a resiliência e melhorar a perceção de QV, pois parece-nos ser este um dos caminhos mais adequados para se obterem ganhos em saúde. Sugerimos alguns estudos futuros, entre eles a continuação do presente estudo, estudos longitudinais em que se investigue a VS e a sua relação com a QV, em utentes e familiares, em momentos diferentes da SDA e estudos de caráter quasi-experimental, em que seja analisada a eficácia de um conjunto de intervenções de enfermagem específicas e pré-selecionadas.


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