Ingestão de sal na hipertensão arterial: quem e quanto deve reduzir?
CLUBE DE LEITURA
Ingestão de sal na hipertensão arterial: quem e quanto deve reduzir?
Filipa Deveza
Interna de Medicina Geral e Familiar, USF S. Julião – ACES Oeiras
Frisoli TM, Schmieder RE, Grodzicki T, Messerli FH. Salt and hypertension: is
salt dietary reduction worth the effort? Am J Med 2012 May; 125 (5): 433-9.
Introdução
O tratamento farmacológico da hipertensão arterial (HTA) é eficaz na redução da
pressão arterial (PA) e da morbi-mortalidade das doenças cardiovascular (CV) e
renal. Contudo pode ter efeitos adversos e requer uma supervisão médica
contínua. As modificações de estilos de vida já mostraram ter efeito real e
significativo na redução da PA. Esta revisão visa especificamente a redução da
ingestão de sal, sobre a qual há provavelmente a mais variada e forte evidência
entre as intervenções em estilos de vida, e pretende clarificar para quem, e em
que extensão, a redução da ingestão de sal reduz a PA.
Durante a maior parte da evolução o Homem consumiu menos de 0,25 g/dia de sal.
Actualmente, o consumo deste é elevado, devido ao seu uso no tempero dos
alimentos mas especialmente devido à sua grande quantidade nos alimentos
processados.
Embora a HTA e o aumento da PA relacionada com a idade esteja virtualmente
ausente em populações cuja ingestão de sal é baixa, a maioria das pessoas que
ingere sal em excesso mantém-se normotensa. Assim, o sal é necessário mas não
suficiente para o desenvolvimento da HTA existindo uma variabilidade individual
na sua sensibilidade que parece depender da susceptibilidade genética.
O consumo de sal, que inicialmente aumenta aquando da diversificação alimentar,
mantém-se elevado nas crianças e adolescentes. Nos jovens, a redução da PA
associada a redução moderada da ingestão de sal ocorre de forma relativamente
rápida e pode ter um efeito prolongado que se mantém na terceira e quarta
décadas de vida.
Os idosos, obesos e os americanos de origem africana são mais sensíveis ao sal,
pelo que, para um mesmo valor de redução de sal, a PA descerá mais do que nos
jovens, o que demonstra nesses um maior benefício desta medida.
A relação entre a ingestão de sal e a PA é directa e progressiva. Uma redução
de 3 g/dia prediz um decréscimo de PA de 3,6-5,6/1,9-3,2 mmHg em hipertensos e
1,8-3,5/0,8-1,8 mmHg em normotensos e uma redução de 6 g/dia de sal por quatro
ou mais semanas diminuiu a PA 7,11/3,8 mmHg em hipertensos e 3,57/1,66 mmHg em
normotensos. De notar que alguns estudos que contrariam estes dados são
frequentemente de curta duração ou implicam restrições salinas severas, o que
não produz o efeito anti-hipertensor a longo prazo que uma redução persistente,
ainda que moderada, produz.
Cada vez mais evidência sugere que o consumo elevado de sal aumenta
directamente (isto é, para além da PA) o risco de acidente vascular cerebral
(AVC), hipertrofia ventricular esquerda e proteinúria. Apesar de escassez de
evidência que estabeleça a relação entre ingestão salina e incidência ou
progressão da insuficiência cardíaca, os resultados favorecem a redução de sal
nestes doentes para prevenir retenção de líquidos e deterioração sintomática.
Ainda não há suficiente poder para excluir importantes efeitos clínicos da
redução da ingestão de sal na morbi-mortalidade cardiovascular. Não obstante,
para reduções pequenas não se detectaram diferenças na actividade da renina
plasmática ou no perfil lipídico. Uma dieta pobre em sódio associa-se à
estimulação do sistema renina-angiotensina e sistema nervoso simpático, os
quais compensam a redução da PA.
Em doentes de alto risco cardiovascular, um aumento da excreção de sódio foi um
forte determinante de morte por todas as causas, enfarte do miocárdio, AVC e
hospitalização por insuficiência cardíaca congestiva, mas uma ingestão baixa
também se relacionou a um aumento de morte por causa cardiovascular, sugerindo
uma relação em J ou U entre a ingestão de sal e a morbi-mortalidade. A
restrição salina parece diminuir os eventos cardiovasculares enquanto a
ingestão não for abaixo de 2,4 g/dia. Dado o actual consumo de sal ser 10-12 g/
dia, em média, é muito pouco provável aproximarmo-nos desses valores num futuro
próximo. Contudo, um estudo recente mostrou resultados diferentes: uma
consistente e inversa, embora fraca, associação entre mortalidade
cardiovascular e excreção urinária de sódio em 24 horas. Actualmente, não é
fácil conciliar os resultados deste estudo com os estudos contraditórios
prévios; talvez este estudo questione os índices usados para medir a ingestão
de sal tanto quanto a actual associação entre ingestão de sal e PA.
É difícil reduzir a ingestão de sal a nível comunitário. O desafio deve ser
abordado entre consumidores e produtores e requer uma cooperação da indústria
alimentar. Mais de 80% do excesso de sal consumido, especialmente nos países
desenvolvidos, vem dos alimentos processados e não da adição de sal pelo
consumidor enquanto cozinha. A estratégia de redução da ingestão de sal de 10-
20% anual/bi-anualmente provavelmente não seria detectada pelo paladar e
alcançaria os níveis pretendidos (5-6 g/dia) em aproximadamente cinco anos.
Em vários países, europeus e norte-americanos, têm sido já aplicadas medidas
para reduzir a ingestão de sal das suas populações que, no limite, se reflectem
numa poupança económica considerável.
Valerá a pena esta iniciativa de saúde pública? Pode um diurético, por exemplo,
conferir uma redução da PA da população de forma mais fácil? O efeito anti-
hipertensor de um diurético deve ser ponderado com os seus possíveis efeitos
adversos. Estes não se verificam quando utilizadas doses baixas, contudo, nesse
caso, o efeito terapêutico desejado pode não ser atingido. Assim, os efeitos
adversos dos anti-hipertensores mais usados são significativos em comparação
com a relativa segurança da redução da ingestão salina.
Para a obtenção do valor alvo de PA não basta a correcção da ingestão salina e
parece que a modificação de mais do que um dos seus factores de risco (ex.
alimentação e peso) tem um efeito aditivo em comparação com a modificação de um
factor isoladamente.
Conclusão
A redução da ingestão de sal pode atrasar ou prevenir a incidência ou o
tratamento da HTA em indivíduos normotensos e contribuir para a redução da PA
em hipertensos já a receber terapêutica farmacológica. Há cada vez mais
evidência de que a redução da ingestão salina tem um efeito redutor do risco de
doença CV, em parte pela redução da PA.
Comentário
As referências ao sal vêm desde a antiguidade. Inicialmente usado como
conservante de alimentos, o sal era extremamente valioso e chegou a servir como
forma de pagamento, dando origem à palavra «salário». Hoje em dia a população
reconhece-lhe valor sobretudo por dar sabor aos alimentos.
Esta revisão narrativa permite-nos sumarizar dois pontos. Primeiro, a redução
da ingestão salina tem maior impacto nos valores de PA da população idosa.
Segundo, a redução do consumo de sal implica não só a evicção de adição de sal
«de mesa» mas também de alimentos pré-cozinhados.
A associação entre consumo excessivo de sal e aumento da PA é actualmente bem
reconhecida pela nossa população, em especial quando discutida a saúde dos
idosos. Admitido o excesso de sal como causa de HTA resistente, a diminuição do
consumo deste é referida como uma das principais intervenções nos estilos de
vida.1 Na norma da Direcção-Geral da Saúde «Abordagem terapêutica da
Hipertensão Arterial» são recomendados valores de sal inferiores a 5,8 g/dia.2
Importa contudo questionar como podem os doentes quantificar o sal que ingerem
diariamente.
Conhecendo-se o impacto das doenças cardiovasculares em Portugal, este artigo
reafirma a influência da redução da ingestão salina na diminuição da morbi-
mortalidade destas, por efeito directo para além da redução dos valores
tensionais.
Não ignorando a possibilidade de malefícios por um consumo de sal muito
reduzido, a quantidade mínima de sal necessária ao organismo é a que geralmente
existe nos próprios alimentos.
Em última análise esta problemática requer medidas de saúde pública que
dificultem o acesso da população a alimentos prejudiciais, que a longo prazo
poderão prevenir custos em terapêutica farmacológica e em complicações da HTA.