Vale a pena prevenir e tratar a diarreia provocada por antibióticos com
probióticos?
CLUBE DE LEITURA
Vale a pena prevenir e tratar a diarreia provocada por antibióticos com
probióticos?
Do probiotics prevent and treat antibiotic-associated diarrhea effectively?
Liliana Sousa*, Miguel Azevedo**
*Interna de Medicina Geral e Familiar do 4.o Ano, UCSP Barão do Corvo, ACES
Gaia
**Assistente de Medicina Geral e Familiar, USF Arca d’Água, ACES Porto Oriental
Hempel S, Newberry SJ, Maher AR, Wang Z, Miles JN, Shanman R, et al. Probiotics
for the prevention and treatment of antibiotic-associated diarrhea: a
systematic review and meta-analysis. JAMA 2012 May 9; 307 (18): 1959-69.
A antibioterapia pode apresentar uma considerável iatrogenia, podendo a
diarreia surgir em até 30% dos pacientes.
Os probióticos são microorganismos dos quais se espera um efeito benéfico para
a saúde quando consumidos; apelidam-se simbióticas as preparações contendo
probióticos e prebióticos (nutrientes não digeríveis). Os primeiros têm,
potencialmente, um efeito positivo no reequilíbrio ecológico do tracto
intestinal após antibioterapia através do favorecimento do crescimento de
espécies não patogénicas ou da estimulação da imunidade.
Tem sido produzido conhecimento científico sobre a interessante utilização de
probióticos na prevenção ou tratamento da diarreia associada a antibioterapia
(DAA); no entanto, os estudos existentes referem-se a populações específicas ou
a determinadas estirpes de probióticos.
O objectivo desta revisão sistemática e meta-análise é avaliar a evidência das
intervenções com probióticos e simbióticos na prevenção e tratamento da DAA.
Métodos
Foi efectuada uma pesquisa em 12 bases de dados, sem restrições para a língua
ou ano de publicação dos estudos (até Fevereiro de 2012). Foram incluídos na
pesquisa ensaios clínicos aleatorizados e controlados (ECAC) que comparassem o
uso de probióticos de forma adjuvante à antibioterapia com grupos controlo
recebendo placebo, diferentes probióticos ou dosagens de probióticos ou não
recebendo qualquer tratamento adjuvante, e tendo como objectivos a prevenção e
tratamento da DAA, bem como o aumento da eficácia do tratamento antibiótico. Os
estudos abrangeram participantes de qualquer idade, independentemente da
indicação da antibioterapia e/ou sintomatologia. As intervenções utilizadas
foram as estirpes vivas – Lactobacillus, Bifidobacterium, Saccharomyces,
Streptococcus, Enterococcus e Bacillus – quer activos, quer liofilizados.
O outcome primário avaliado foi o número de participantes com diarreia. Foram
ainda avaliados a severidade da diarreia e os efeitos adversos dos probióticos.
Para aferição da qualidade dos estudos foi utilizada a ferramenta de risco de
viés da Cochrane. Foi efectuada a análise por subgrupos de estirpes de
probióticos, idade dos participantes, estado clínico e local de prestação de
cuidados de saúde.
Resultados
Um total de 82 ECAC cumpriu os critérios de inclusão. Destes, 63 mencionaram o
número de indivíduos com diarreia e o número de indivíduos alocados para cada
um dos grupos. A maioria dos ECAC abrangeu utentes em idade adulta (52/82
ECAC). A indicação clínica para antibioterapia foi variada, sendo a erradicação
do Helicobacter pylori a mais comum. Dezasseis estudos abordaram o uso de
apenas um antibiótico, enquanto outros incluíram vários.
A maioria dos ECAC aleatorizaram um número moderado de participantes (mediana:
93,5; média: 161,3) para tratamento adjuvante com probióticos versus placebo
(56/82 ECAC); sem qualquer tratamento (isto é, apenas os antibióticos; 23/82
ECAC); tratamento com microorganismos mortos semelhantes a probióticos (3/82
ECAC); tratamento padrão com antidiarreico (1/82 ECAC). As intervenções foram
maioritariamente da estirpe Lactobacillus, quer isoladamente, quer com outras
estirpes (57/82 ECAC).
A qualidade dos estudos foi globalmente reduzida, sendo que 59 ensaios não
forneceram informação adequada para avaliar o risco global de vieses.
A utilização de probióticos (tendo em conta 63 ECAC que reportaram o número de
doentes com diarreia e o número de participantes aleatorizados para cada grupo,
num total de 11 811 participantes) esteve associada a uma redução do risco de
desenvolver DAA quando comparada com o grupo controlo sem probióticos [risco
relativo (RR): 0,58; intervalo de confiança (IC) 95%: 0,50-0,68; P <0,001;I2:
54%], com um Number Needed to Treat (NNT) de 13. Não houve evidência de viés de
publicação (Egger P:0,26; Begg P:0,34).
Entre os 17 estudos que utilizaram apenas Lactobacillus, verificou-se uma
redução de 36% de risco de DAA (RR: 0,64; IC 95%: 0,47-0,86; P=0,004;I2:56%;
NNT: 14), enquanto o risco diminuiu 52% entre os 15 ECAC em que foi empregue a
estirpe Saccharomyces (RR: 0,48; IC 95%: 0,35-0,65; P <0,001;I2:56%; NNT: 10).
As diversas análises por subgrupos de estirpes não mostraram diferenças
estatisticamente significativas entre probióticos.
Foram identificados 3 grupos etários nos quais se comprovou um RR menor que um,
sendo que a redução do risco foi similar para crianças (0-17 anos), adultos
(18-65 anos) e idosos (> 65 anos).
A maioria dos ECAC recrutaram pacientes em ambulatório, mas 24 incluíram
pacientes internados.
Apenas 4 publicações referiram ausência de infecções ou de efeitos laterais
graves; 59 não comunicaram quaisquer dados acerca da iatrogenia dos
probióticos.
A maioria dos estudos, ou não especificou o período de acompanhamento ou a
avaliação foi limitada ao tempo de antibioterapia. Em 7 ECAC, em que foi
notificada DAA após a cessação da antibioterapia, o número de indivíduos com
diarreia foi menor nos grupos experimentais do que nos grupos controlo.
Discussão
O uso de probióticos como terapia adjuvante reduz o risco de DAA, sendo este
resultado consistente e mantendo-se na análise por subgrupos.
Os autores identificaram como principais limitações a heterogeneidade residual
por explicar, a falta de documentação sobre as estirpes e preparações de
probióticos e a escassa verificação/aferição de efeitos adversos.
O potencial dos probióticos pode ser dependente da estirpe; no entanto, não foi
encontrada evidência de que a eficácia varia sistematicamente por estirpe ou,
até mesmo, por género; poucos ensaios descreveram as estirpes utilizadas.
Dada a potencial e perigosa iatrogenia dos probióticos, deveria ter sido dada
maior atenção aos efeitos laterais.
Não se demonstraram diferenças estatisticamente significativas entre os vários
grupos etários, indicações clínicas, duração de antibioterapia, tipos de
probióticos incluídos ou outras características do estudo. Uma das possíveis
razões poderá ser a falta de robustez da maioria dos estudos para comprovar a
redução de um evento relativamente raro.
Uma questão fica por responder – quais são as populações que mais beneficiariam
da toma de probióticos? Curiosamente, a DAA não ocorre na maior parte dos
doentes e, quando surge, é geralmente autolimitada.
Alguns antibióticos podem causar mais diarreia do que outros, mas poucos
estudos incluídos especificaram os antibióticos utilizados ou seleccionaram
doentes com prescrição de múltiplos antibióticos.
Em futuras investigações será pertinente avaliar qual a dose óptima de
probióticos recomendada e determinar a eficácia comparativa de diferentes
intervenções, na prevenção e tratamento da DAA.
Conclusão
Os resultados demonstram que a administração de probióticos se relaciona com
uma redução da DAA. No entanto, a evidência é insuficiente para determinar se
esta associação varia sistematicamente com a população, com as características
dos antibióticos ou da preparação de probióticos.
COMENTÁRIO
Hempel e colaboradores efectuaram esta meta-análise no contexto de um relatório
mais genérico sobre a segurança dos probióticos na prevenção e tratamento de
doenças gastrointestinais.1 Este último foi efectuado a pedido da Agência para
a Investigação e Qualidade da Saúde, um departamento governamental dos Estados
Unidos, que procurou alicerçar informação credível para um uso seguro de
probióticos.
A diarreia é tida popularmente como uma iatrogenia comum decorrente da toma de
antibióticos. No entanto, a sua incidência varia entre grupos farmacológicos,
desde um máximo de 10-25% dos que são tratados com amoxicilina e ácido
clavulânico a 2-5% dos que são tratados com aminoglicosídeos ou macrólidos.2
De acordo com os resultados desta meta-análise, será necessário tratar 13
pacientes com probióticos para que um deles venha a beneficiar, evitando-se a
DAA. No entanto, dada a escassez de estudos, não foi possível determinar o
Number Needed to Harm, tendo em conta os possíveis efeitos laterais/iatrogenia
pelo uso de probióticos, de extremo interesse na avaliação do risco/benefício
desta terapêutica.
Um outcome interessante para análise deste tema é a duração da diarreia; embora
a literatura não demonstre haver consenso quanto à homogeneização dessa medida,
nesta meta-análise não foi quantificado «o quanto se melhora», ou seja, não há
uma equivalência entre a diminuição do RR e a redução do número de dias ou
horas de DAA.3 Esta informação é fundamental, uma vez que a melhoria de um
episódio de diarreia em menos de 48 horas num utente imunodeprimido de 6 meses
é, por óbvias razões, diferente da melhoria em 6 horas num adulto saudável.
Será assim importante, num futuro próximo, estabelecer quais os subgrupos de
indivíduos que mais poderão lucrar com esta terapêutica.
A falta de informação acerca da dosagem de probióticos utilizada levanta
problemas de aplicabilidade. O mercado dos produtos de saúde tem tido um
dinamismo invejável ao providenciar múltiplas opções/escolhas ao utente.
Contudo, esta prática nem sempre tem sido alicerçada na melhor evidência
científica. Por outro lado, o rigor e a infalibilidade da investigação médica
não se coadunam com pressões comerciais, o que pode explicar a existência no
mercado de probióticos em concentrações inferiores às consideradas eficazes.4
A diosmectite, um antidiarreico natural composto por silicato de alumínio e
magnésio, vem sendo utilizada como um adjuvante no tratamento da diarreia aguda
em muitas partes do mundo. Embora o seu uso não esteja ainda aprovado em
Portugal, é considerada um medicamento seguro, sendo frequentemente
administrada quer em crianças quer em adultos. Benhamou e colaboradores
compararam o uso desta substância com o uso de probióticos na redução da DAA em
população pediátrica, não se obtendo contudo quaisquer resultados
estatisticamente significativos.5
Assim, apesar dos resultados desta meta-análise associarem o uso de probióticos
a uma redução da DAA, ainda permanecem muitas questões por responder, que não
permitem que este tratamento seja recomendado por rotina na evicção da DAA, até
que surjam mais estudos de boa qualidade utilizando probióticos em comparação
com placebo ou com outras substâncias potencialmente efectivas, para aferir
melhor a sua eficácia na prevenção e tratamento da DAA.