Disfunção sexual feminina em idade reprodutiva: prevalência e fatores
associados
Introdução
Uma vida sexual satisfatória é parte integrante da saúde global do ser humano e
do bem-estar individual, sendo muito importante numa relação afetiva. A
sexualidade é multifatorial e influenciada por todas as dimensões do indivíduo,
nomeadamente a personalidade, a biologia, o ciclo de vida e as experiências
sexuais prévias.1 A resposta sexual feminina é complexa e foi caracterizada
pela primeira vez por Masters e Jonhson, em 1966, sendo constituída por quatro
fases: excitação, plateau, orgasmo e resolução.2 Em 1979, Helen Kaplan abordou
a importância do desejo, como uma fase cerebral prévia e propôs um modelo
trifásico: desejo, excitação e orgasmo.3 Este modelo é a base das atuais
classificações da disfunção sexual feminina (DSF) que se baseiam na falência de
uma ou mais fases deste ciclo.4,5,6
A disfunção sexual entende-se por toda a situação em que o indivíduo não
consiga concretizar uma relação sexual ou em que esta seja insatisfatória para
si e/ou para o seu companheiro.7 Esta pode caracterizar-se por uma alteração no
desejo sexual, na presença ou manutenção da excitação sexual e respostas
somáticas à mesma, na capacidade de obter o orgasmo, na perturbação dolorosa da
função sexual ou na sobreposição de qualquer uma destas alterações. Qualquer
disfunção sexual pode estar, ou não, associada a mal-estar, avaliado
subjetivamente por cada indivíduo.4,5,8
A classificação das DSF foi amplamente discutida na comunidade científica,
levando à elaboração de um painel de consenso pela Fundação Americana de
Doenças Urológicas, em 1998. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a
disfunção sexual define-se na Classificação Internacional de Doenças (CID-10)
como uma incapacidade frequente, há pelo menos seis meses, de o indivíduo ter a
vida sexual que desejaria e inclui várias categorias, dando ênfase aos fatores
físicos que influenciam esta satisfação.9 Por outro lado, a Associação
Americana de Psiquiatria, através do Manual de Diagnóstico e Estatística das
Perturbações Mentais, 4ª edição (DSM-IV), define a disfunção sexual como uma
desordem psicofisiológica em qualquer fase do ciclo de resposta sexual, numa
vertente mais relacional e emocional, considerando ainda a disfunção sexual
associada ao consumo de substâncias.10
Para uniformizar estas classificações surgiu o painel de consenso já referido,
que dividiu as disfunções sexuais em quatro categorias de classificação: desejo
sexual hipoactivo (DSH), onde se inclui a aversão sexual; transtornos da
excitação (inclui problemas de lubrificação, relaxamento muscular,
sensibilidade clitoriana, fatores psicológicos e medicação); transtornos do
orgasmo e transtornos sexuais dolorosos (onde se inclui a dispareunia e o
vaginismo). Este consenso definiu ainda a presença de mal-estar como
fundamental ao diagnóstico de determinadas desordens.11
Existem vários fatores de risco associados a disfunção sexual, entre eles a
doença neurológica, endócrina ou vascular, a cirurgia genital, o abuso sexual,
o nível educacional e socioeconómico, fatores psicológicos e interpessoais
(depressão, ansiedade, má relação com o parceiro), doenças físicas (cancro,
infertilidade), medicação (anticoncecionais orais e antidepressivos) e
alterações hormonais fisiológicas como a menopausa e a amamentação.1,4,5,6,8,12
A prevalência da disfunção sexual é elevada,8 situando-se entre os 25 e os 63%
a nível mundial, mas os estudos realizados são escassos4 e os dados observados
são bastante heterogéneos e usam diferentes modelos de classificação.5,12 Num
estudo realizado nos EUA, em 31.581 mulheres entre os 18 e os 102 anos,
estimou-se que cerca de 43% apresentassem alguma queixa neste sentido. O mesmo
estudo evidenciou uma prevalência de 22% de distúrbios sexuais subjetivamente
associados a mal-estar. O problema sexual mais comummente identificado foi o
DSH (38,7%), tendo sido o transtorno do orgasmo o menos prevalente (20,5%).13
Num estudo realizado em 1.219 mulheres brasileiras obteve-se uma prevalência de
49%, tendo sido o transtorno da excitação sexual o distúrbio mais comum
(26,7%).14 Existem poucos estudos na população portuguesa mas as prevalências
encontradas variam de 40 a 74%.5,15,16 Num estudo de 2005 foi estimada uma
prevalência global de DSF de 56% (35% apresentavam DSH, 31,6% transtornos de
excitação ou orgasmo e 24,1% transtornos dolorosos na relação sexual).17 Num
estudo com uma amostra de 47 mulheres, o DSH foi o problema mais comum,
estimando-se uma prevalência de 40,4%.15 Noutro estudo realizado no norte do
país, numa amostra de 422 mulheres, a prevalência da disfunção sexual foi
bastante mais elevada, situando-se nos 74,2%, tendo sido a dispareunia o
distúrbio sexual mais comum.5 A heterogeneidade destes dados revela a
necessidade de se realizarem mais estudos neste âmbito e em diferentes regiões
do país.
Na maioria dos estudos realizados nesta área, a prevalência da disfunção sexual
aumenta com a idade.8,18,19 No climatério e na pós-menopausa aumentam
significativamente as queixas no âmbito sexual como a falta de desejo, a dor
durante o coito, a falta de lubrificação e a dificuldade em atingir o
orgasmo.8,20 As mudanças hormonais associadas a esta fase do ciclo de vida,
como o decréscimo de estrogénios e de testosterona (na fase pré e pós-
menopausa) estão associadas a estas queixas como vários estudos
demonstram.8,18,20,21 Com a idade, diminui a frequência das relações sexuais,
acompanhada contudo pela diminuição da angústia associada a este facto.19,21,22
A prevalência do DSH ronda os 40 a 50% nas mulheres pós-menopausa, ficando-se
pelos 15 a 25% nas mulheres em idade reprodutiva. Foi encontrada uma
prevalência de disfunção sexual de 36% num estudo que avaliou 100 mulheres
entre os 20 e os 39 anos, sendo a anorgasmia a perturbação mais comum (18%),
seguida da dispareunia (13%) e da disfunção do desejo sexual (11%). No mesmo
estudo foi encontrada associação entre o baixo nível de escolaridade e a
presença de disfunção sexual, tal como noutros estudos.23,24
O presente trabalho de investigação tem como objetivos determinar a prevalência
global da disfunção sexual e dos seus subtipos em mulheres em idade reprodutiva
e determinar se existe associação com fatores sociodemográficos, método
contracetivo ou pré-existência de experiencias sexuais negativas.
Métodos
Tratou-se de um estudo observacional, transversal e analítico com recurso a um
questionário de autorresposta, confidencial e anónimo, selecionando as
participantes pelo método de amostragem aleatória a partir de uma população de
4.114 utentes do sexo feminino, entre os 18 aos 58 anos, utentes da Unidade de
Saúde Familiar (USF) Novo Cuidar, do Centro de Saúde de Fafe.
Para garantir significância estatística aos resultados do estudo, a amostra foi
calculada, com recurso ao programa informático Epi InfoTM (disponível
gratuitamente na página do Center for Disease Control and Prevention, Atlanta,
USA) e utilizando a função STATCALC, tendo-se chegado a uma dimensão amostral
de 346 utentes. Para este cálculo foi utilizada uma prevalência estimada de 57%
(média das prevalências encontradas para a disfunção sexual em Portugal), uma
precisão de 5% e um nível de confiança de 95%. Através de informação constante
do processo clínico ou do respetivo médico assistente foram excluídas da
amostra selecionada: as utentes acamadas, internadas ou institucionalizadas, as
mulheres analfabetas ou portadoras de deficiência mental e as mulheres virgens
ou em menopausa. As utentes selecionadas foram convidadas a participar
pessoalmente (no caso de já terem consulta agendada por outro motivo durante o
período de recolha de dados) ou por envio de postal. As utentes que não
aceitaram participar foram substituídas por outras também selecionadas de forma
aleatória da população em estudo. Após obtenção do consentimento informado os
questionários foram autopreenchidos de forma anónima e confidencial.
O questionário aplicado foi baseado na «Entrevista de Disfunções Sexuais –
versão feminina» criada por Sbrocco, Weisberg e Barlow em 1992 e traduzida e
adaptada para a população portuguesa por Nobre et al em 2003.25 Este
instrumento facilita a atribuição de diagnósticos clínicos consistentes e
válidos com base nos critérios definidos pelo DSM-IV.
O questionário é constituído por 43 questões e dividido em quatro secções,
levando cerca de 10 a 15 minutos a ser preenchido. A primeira parte refere-se a
dados sociodemográficos (aos quais foi acrescentada pelos autores uma questão
sobre contraceção), a segunda parte avalia a frequência da atividade sexual, a
terceira visa a existência e caracterização de disfunção sexual e seus subtipos
e a última pesquisa a existência de experiências sexuais indesejadas.
Foi considerado pelos autores: i) disfunção sexual a existência de pelo menos
um subtipo de DSF; ii) disfunção sexual associada a mal-estar a existência de
respostas «algum» ou «muito» na pergunta relacionada com mal-estar em cada
secção; iii) perturbação do desejo sexual, as respostas «baixo» ou «muito
baixo» na pergunta relativa ao interesse na atividade sexual; iv) perturbação
da excitação a resposta «sim» na pergunta sobre a dificuldade em atingir a
lubrificação; v) perturbação do orgasmo a resposta «sim» na pergunta relativa a
dificuldade em atingir o orgasmo; vi) dispareunia a existência de dor associada
à atividade sexual; vii) vaginismo a contração involuntária da parede vaginal.
Foram considerados válidos os questionários com resposta às questões que
avaliam a existência de cada um dos subtipos de disfunção sexual (3.1, 3.2.1,
3.3.1, 3.4.1 e 3.5.1). A escolaridade baixa foi considerada do 1º ao 3º ciclo e
a alta desde o secundário até à pós-graduação. Em relação ao nível de atividade
profissional, foram consideradas ativas as mulheres empregadas, estudantes ou
domésticas e não ativas as desempregadas ou reformadas.
Para a análise dos dados obtidos, estes foram codificados e posteriormente
informatizados, utilizando o programa SPSS versão 19.0. A abordagem inicial
passou por análise descritiva da amostra e posteriormente foram utilizados
testes estatísticos como o teste Qui-Quadrado para comparar proporções e o
teste de Fisher quando uma das frequências esperadas no Qui-quadrado era menor
que 5. Para determinar a força de associação entre variáveis foi utilizado o
Odds Ratio (OR) com um intervalo de confiança de 95% (nível de significância de
0,05). Foram utilizados também o teste t-Student e o teste de Mann-Whitney para
testar a associação entre variáveis qualitativas e quantitativas com um
intervalo de confiança de 95% (nível de significância de 0,05).
Resultados
Da amostra inicial de 346 utentes foram recebidos 299 questionários, o que
traduz uma taxa de resposta de 86,4%. Após remoção dos questionários inválidos,
obteve-se uma amostra final de 214 participantes.
A média de idades encontrada foi de 35,6 anos, sendo a idade mínima 18 anos e a
máxima 57. A maioria das mulheres era casada (64,2%), com o 12º ano de
escolaridade (23,3%) e empregada (72,6%). A mediana do número de filhos por
mulher era de 1, com o mínimo de 0 e máximo de 4 (Quadro_I).
O método contracetivo mais usado pelas mulheres era o hormonal, 60,5%, sendo
que 11,6% das mulheres não utilizava qualquer método contracetivo. A mediana de
frequência de relações sexuais mensais situava-se nos 8, com um mínimo de 0 e
um máximo de 30. A mediana da frequência ideal referida pelas mulheres foi de 8
relações sexuais mensais (Quadro_II).
A prevalência encontrada para a DSF nesta amostra de mulheres foi de 77,2%
(IC95% 72,0-82,7), sendo a DSF em 49,3% associada subjetivamente a mal-estar. A
perturbação do orgasmo foi a mais prevalente, referida por 55,8% das mulheres
(IC95% 51,0-63,9). Dos fatores associados a esta perturbação, o stress foi o
mais prevalente (30,7%). A dispareunia foi a segunda perturbação mais referida
pelas mulheres (40,9%, IC95% 35,6-49,0), sendo o momento referido como mais
doloroso (27,4%), «durante o ato sexual». O vaginismo registou 16,7% de
prevalência (IC95% 12,1-22,8) e as experiências sexuais indesejadas prévias,
6,5% (IC95% 3,4-10,6) (Quadro_III).
A existência de DSF foi independente de: grau de escolaridade, profissão
(Quadro_IV), média de idade das mulheres, média de idade do parceiro, mediana
do número de filhos por mulher e uso de contracetivo hormonal (Quadro_V e
Quadro_VI).
A mediana da frequência mensal de relações sexuais entre as mulheres com DSF
foi diferente da das mulheres sem qualquer perturbação (p = 0,038) (Quadro_V).
A existência de experiências sexuais indesejadas prévias também não foi
estatisticamente associada a DSF; no entanto, quase todas as mulheres com estas
experiências apresentaram algum tipo de disfunção sexual (92,9%). Pelo
contrário, foi encontrada uma associação estatisticamente significativa entre a
aversão sexual e a existência de uma história prévia de abuso sexual, a qual
parece conferir uma probabilidade superior de vir a desenvolver esta disfunção
(OR= 7,818, IC = 95%) - (Quadro_VII).
Quanto à perturbação do desejo, as mulheres que usavam contracetivo hormonal,
em relação às que usavam outro método contracetivo ou nenhum, tinham uma
probabilidade 2,6 vezes superior de vir a sofrer de diminuição do desejo sexual
(OR = 2,598, IC = 95%) (Quadro_VIII).
Discussão
Os objetivos propostos neste estudo foram atingidos, tendo-se obtido uma
prevalência de DSF de 77,2%, concordante com outros estudos realizados em
Portugal.5,7 Quando avaliado o critério «mal-estar» associado a DSF, a
prevalência encontrada diminuiu para 49,3%, valor que, apesar de elevado,
demonstra a desvalorização deste problema por muitas mulheres.
Os transtornos da excitação (particularmente falta de lubrificação) aumentam de
10-15% para 25-30% após a menopausa, situando-se a dispareunia nos 12-45%
nestas mulheres, sendo raros na fase reprodutiva (5%). Os problemas associados
ao orgasmo parecem andar pelos 20% em todas as faixas etárias.20 No entanto,
existem outros estudos que contrariam esta tendência e que consideram a DSF na
idade reprodutiva como subestimada. Num estudo realizado numa população de
mulheres em idade reprodutiva, a prevalência do DSH atingiu os 77%, o
transtorno da excitação os 62% e a dificuldade em atingir o orgasmo foi
referida por 56% das mulheres.13 Outro estudo realizado em 384 mulheres (entre
os 21 e os 45 anos) estimou uma prevalência global de 68,3%, verificando-se um
pico etário de disfunção sexual entre os 26 e os 30 anos de idade.6
A perturbação do desejo neste estudo foi de 25,7%. Contudo, não foram
consideradas como diminuição do desejo sexual as respostas «médio», o que pode
subestimar a real prevalência desta perturbação. A toma de anticoncecionais
hormonais esteve associada a uma diminuição do desejo, o que não aconteceu com
outros métodos contracetivos ou nenhum (p = 0,003). Esta relação já foi
verificada em estudos anteriores, nomeadamente num estudo alemão com cerca de
1.000 mulheres.26 Alguns estudos mostram como fundamental para o desejo sexual
a atração pelo parceiro e também a não existência de algumas perturbações
psiquiátricas como ansiedade e depressão,4,13 tratando-se de pontos importantes
a abordar clinicamente.
A perturbação da aversão foi referida por 14% das mulheres e a da excitação por
21,4%. Esta última perturbação foi avaliada somente com base em dificuldades em
atingir ou manter a lubrificação, pelo que seria importante medir outras
variáveis como o fluxo sanguíneo pélvico e o intumescimento da genitália
externa, mais difíceis de serem autoavaliadas pela mulher. A dispareunia
apresentou a segunda prevalência mais elevada (40,9%), tendo sido mais referida
a dor durante o ato sexual (27,4%). O vaginismo apresentou uma prevalência de
16,7%, ligeiramente inferior à de 25,5 a 34,3%, de outros estudos.5,15 A
prevalência de mulheres com experiências sexuais indesejadas no passado foi de
6,5%. Estatisticamente, não foi encontrada associação entre experiências
indesejadas anteriores e disfunção sexual (p = 0,310), apesar de quase todas as
mulheres com este background apresentarem algum subtipo de disfunção. Foi
encontrada uma relação estatisticamente significativa entre aversão sexual e
história de experiências sexuais indesejadas (p = 0,001), o que faz sentido
dada a componente traumática destes acontecimentos. Alguns estudos anteriores
já tinham relacionado a DSF com história de abuso sexual no passado.4,12 O
nível de escolaridade das mulheres e a sua posição socioeconómica já foi
discutida na literatura, tendo vários estudos correlacionado positivamente o
baixo nível de escolaridade com a disfunção sexual.1,12,13,23,24 No entanto,
neste estudo não foi verificada associação entre o nível educacional das
mulheres e uma maior prevalência de DSF, resultado similar a um estudo
brasileiro de 2010.27 Neste estudo também não foi encontrada associação
estatisticamente significativa entre a média de idade das mulheres, média de
idade do parceiro, a mediana do número de filhos e a DSF. No entanto, seria
importante no futuro indagar sobre o papel do parceiro e do relacionamento
sexual e emocional no desenvolvimento de disfunções sexuais, apontado em alguns
estudos como fundamental.4 A mediana de frequência mensal de relações sexuais
entre as mulheres com DSF foi superior à das mulheres sem DSF, o que pode
sugerir que mais importante que relações sexuais frequentes será o prazer
tirado nas mesmas e a qualidade do relacionamento com o parceiro.
Este estudo é dos primeiros a avaliar a DSF em mulheres portuguesas somente na
idade reprodutiva, o que poderia levar-nos a esperar uma prevalência menor, uma
vez que a menopausa e as alterações hormonais esperadas nessa fase são
comprovadamente fatores importantes para o desenvolvimento de disfunções
sexuais.20,21,22 No entanto, as prevalências encontradas foram elevadas,
subvalorizando fatores hormonais e emocionais próprios da idade não reprodutiva
da mulher, o que já tinha sido demonstrado em estudos realizados noutros
países, onde se apuraram prevalências de DSF, antes da menopausa, na ordem dos
45 a 63%.6,18 Alguns fatores a serem abordados em estudos futuros são a toma de
alguns medicamentos (não especificados no questionário), a instabilidade da
relação ou problemas sexuais entre parceiros e, uma vez que estamos a estudar
mulheres em idade reprodutiva, seria interessante questionar a fase do ciclo
reprodutivo em que a mulher se encontra, a importância da gravidez e a
existência de filhos como fatores possivelmente associados a DSF.
A existência de múltiplos critérios de diagnóstico, ao invés da universalidade
na avaliação de DSF, pode levar a um viés de classificação. Relativamente à
definição de DSF e seus subtipos utilizou-se a descrita no DSM-IV, uma vez que
o questionário se baseia nesta classificação. Contudo, apurou-se também o
critério subjetivo «mal-estar», fundamental no diagnóstico proposto pelo
consenso de 1999 da Associação Americana de Doenças Urológicas. Outra limitação
do estudo prende-se com a delicadeza e intimidade do tema em questão, que pode
ter levado algumas mulheres a responderem de acordo com o que pensariam ser
mais aceite socialmente e não de acordo com a sua situação. No entanto, o fato
de o questionário ser anónimo e de autopreenchimento tentou contornar o
possível enviesamento de respostas. Outra limitação possível do estudo é a
existência de um viés de seleção, ao excluírem-se as mulheres analfabetas,
acamadas e institucionalizadas. Por outro lado, e apesar de a amostra ter sido
selecionada aleatoriamente, o estudo dependeu da colaboração voluntária das
mulheres, o que pode levar a um viés de seleção, podendo as que tiveram mais
disponibilidade para se deslocarem à USF serem as que se sentiram mais
confortáveis com o tema. Reconhece-se, ainda, como limitações a não formulação
de hipóteses a testar a priori, assim como a não realização de uma análise
multivariável (regressão logística) para determinar a força de associação entre
variáveis e detetar fatores de confundimento.
Os dados obtidos neste estudo permitem-nos concluir que a DSF, tal como
definida, tem uma prevalência muito elevada também na idade reprodutiva. A
prevalência dos subtipos de DSF é elevada, tendo sido a disfunção do orgasmo a
mais prevalente, o que nos leva a questionar o papel do parceiro e da medicação
em estudos futuros. Apesar da sua difícil avaliação e da disparidade de
definições de DSF, este é um problema real e que muito pode afetar a qualidade
de vida das mulheres e dos seus parceiros. No entanto, um dos resultados
importantes deste estudo foi que quase metade das mulheres com algum tipo de
disfunção sexual não a considerava um problema, pelo que o médico deve estar
atento a este problema mas também ter a perceção de que a sexualidade da mulher
é complexa e multifatorial e que, se não é vista como um problema pela própria
mulher, não deve ser medicalizada e colocada no espectro de doença. A DSF é
actualmente um tópico controverso pela excessiva publicitação e medicalização
de que tem vindo a ser alvo, particularmente pela parte da indústria
farmacêutica.28,29 Nos últimos anos esta indústria tem mostrado um interesse
agressivo na DSF, registando-se um crescendo de estudos, muitos deles
patrocinados por essa mesma indústria. Alguns desses estudos levaram a
conclusões redutoras de que este seria um problema muito prevalente e passível
de tratamento farmacológico, não tendo em conta a história individual de cada
mulher, a sua esfera relacional, cultural, social e psicológica. É por isso
importante que o médico de Medicina Geral e Familiar tenha esta visão global da
mulher, antes de fazer um diagnóstico ou prescrever um fármaco para este
problema que, muitas vezes, necessita de uma abordagem holística e
multidisciplinar.