Cuidados de Saúde Primários: Relação Brasil e Portugal, um exemplo de
longitudinalidade
EDITORIAL
Cuidados de Saúde Primários: Relação Brasil e Portugal, um exemplo de
longitudinalidade
Nulvio Lermen Junior*
*Presidente, Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
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Brasil e Portugal com suas singularidades e semelhanças têm traçado caminhos
distintos no que se refere aos seus sistemas de saúde e em especial aos
Cuidados de Saúde Primários - CSP (ou Atenção primária à Saúde - APS como
chamamos por aqui). Contudo, estes caminhos apresentam algumas intersecções e a
experiência de Portugal por diversas vezes nos serviu de inspiração para o
desenvolvimento de novas ações que contribuíram, em muito, para a melhoria dos
serviços prestados à população nessa área.
Enquanto Portugal, assim como outros países europeus, optou por um sistema de
saúde fortemente baseado nos CSP nos anos 70, o Brasil só iniciou este
movimento quase duas décadas depois, durante os anos 90 e, mesmo assim, de
forma paulatina, chegando a uma cobertura de 50% de sua população com serviços
de CSP somente no ano de 2010. Com tudo isso e pela estreita relação dos dois
países, por motivos históricos e linguísticos, o caminho mais lógico é que o
Brasil pudesse aprender muito da experiência portuguesa já bastante
estabelecida.
Além das similaridades culturais, há uma característica comum dos dois países
que nos aproxima muito na questão da gestão do sistema. Trata-se do vínculo
público direto dos profissionais que prestam serviços à população,
característica essa não encontrada na maioria dos outros países que optaram
pelos CSP. Esse fator faz ainda mais interessante a simbiose entre as nossas
experiências.
A cooperação entre a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade –
SBMFC e a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar – APMGF vem de
longa data e a atuação da APMGF no momento do grande crescimento dos CSP no
Brasil foi estratégico na retoma das atividades da SBMFC no início da década de
2000. Nesse sentido, podemos dizer que a nossa Sociedade e a Medicina de
Família e Comunidade em nosso país como um todo têm a APMGF como um irmão mais
velho que muitas vezes nos guiou no processo de crescimento e de reconhecimento
público como especialidade. Dessa data remontam a construção dos primeiros
eventos conjuntos entre as duas instituições que permanecem acontecendo até aos
dias de hoje através dos Congressos Luso-Brasileiros.
Além da relação ente a SBMFC e a APMGF, Portugal teve também uma importância
essencial na formulação de algumas estratégias de gestão do Sistema Único de
Saúde Brasileiro. Nesse sentido se destaca a atuação de especialistas
portugueses no desenvolvimento de instrumentos de avaliação e na disseminação
da cultura da melhoria da qualidade para um aprimoramento dos CSP. Essa
colaboração culminou na publicação da série de instrumentos de Avaliação para a
Melhoria da Qualidade – AMQ, que foi muito utilizado na última década pela
maioria das equipes de Saúde da Família do Brasil e continua a servir de base
para instrumentos mais atuais lançados nos últimos anos.
Quando falamos da contribuição portuguesa como modelo direto de Cuidados de
Saúde Primários prestados à população é estratégico destacar a influência da
experiência das Unidades de Saúde Familiar como modelo para a reforma da
atenção primária que vem ocorrendo no município do Rio de Janeiro nos últimos 4
anos. O Rio de Janeiro utilizou-se de vários instrumentos desenvolvidos em
terras lusitanas para a implantação das Clínicas da Família, nome pelo qual são
chamadas as unidades de CSP em terras cariocas. A experiência de Portugal
adaptada à realidade Brasileira da Estratégia de Saúde da Família foi capaz de
criar um sistema (ainda em desenvolvimento) com forte base nos CSP e com
características mais avançados do que vemos na média dos municípios
brasileiros.
Dentre as ações que sofreram essa influência direta não há como não destacar
três que foram mais fortemente baseadas na experiência Portuguesa. A primeira é
o próprio modelo de estrutura física das Clínicas da Família do Rio de Janeiro
em que o número de consultórios e a disposição das salas tem relação direta com
as observações realizadas em algumas Unidades de Saúde Familiar portuguesas. A
segunda é a instituição de uma Carteira de Serviços para as Clínicas de Família
do município que foi baseada no mesmo instrumento em circulação em Portugal,
embora, naturalmente, com algumas adaptações para a realidade brasileira. O
terceiro foi a implantação de um sistema de pagamento por resultados, também
muito semelhante ao sistema português.
Como exposto, a influência portuguesa foi e continua sendo um grande motor no
desenvolvimento dos CSP e da Medicina de Família no Brasil. Por conta dessa
aproximação com algumas experiências europeias, como também pela presença de
fatores políticos e económicos favoráveis, com o passar dos anos o Brasil
conseguiu desenvolver uma liderança dentro do conjunto dos países da América
Latina no campo dos CSP, o que nos proporcionou também algum destaque a nível
global culminando na escolha do nosso país para sediar os dois maiores eventos
da WONCA a nível global nos próximos três anos, a Conferência Mundial de Saúde
Rural da WONCA, que terá lugar na cidade de Gramado, Rio Grande do Sul, entre
22 e 25 de Maio de 2014, e a Conferência Mundial de Medicina de Família da
WONCA que acontecerá na cidade do Rio de Janeiro no período de 2 a 6 de
Novembro de 2016.
Coincidentemente, nesse mesmo período, Portugal receberá o maior evento europeu
de Medicina Familiar, o WONCA Europe, entre 02 e 05 de Julho de 2014, em
Lisboa, proporcionando mais uma oportunidade ímpar de cooperação e aproximação
entre as nossos governos, instituições e profissionais nos próximos anos. Com
esse rico histórico de trabalho conjunto, tenho a certeza que ambos os países
terão muito a contribuir e a ganhar nesse processo e que os três eventos
envolvidos têm tudo para se tornar grandes sucessos trazendo ganhos permanentes
para os CSP nos dois países.
Muito obrigado pela oportunidade de expor nossa gratidão pela parceria
estabelecida entre os nossos países neste campo. Espero ver a todos em Gramado,
Lisboa e no Rio de Janeiro nos próximos anos!
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nulvio@hotmail.com
Conflito de interesses
O autor declara não ter conflito de interesses.
