Evolução ponderal na gravidez, preditores e consequências: estudo retrospetivo
Introdução
A obesidade tornou-se nos últimos anos um grave problema de saúde pública, com
um aumento progressivo da sua prevalência a nível mundial.1 A prevalência de
obesidade na mulher em idade fértil, em tempos uma condição rara, tem aumentado
drasticamente nos últimos anos. Um estudo realizado em 2009 pela Sociedade
Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação refere uma prevalência de pré-
obesidade nas mulheres de 27,8% e de obesidade de 10,4%.2
A obesidade na mulher grávida aumenta o risco de complicações obstétricas e
perinatais, tais como diabetes gestacional, hipertensão arterial, pré-eclâmpsia
ou atraso de crescimento intrauterino.3,4,5 Mulheres com aumento de peso
excessivo durante a gravidez têm também maior risco de retenção de peso pós-
parto ou obesidade pós-parto.3,4 O aumento de peso excessivo durante a gravidez
também aumenta a frequência de eventos adversos para a criança.3,4
Um dos mais importantes indicadores do ganho de peso gestacional e do seu
impacto na saúde da mãe e do filho é o peso pré-concecional ou o peso da
grávida no início da gravidez.4 Em 2009, o Institute of Medicine (IOM) publicou
uma revisão das recomendações para o ganho de peso gestacional, de acordo com o
índice de massa corporal (IMC) pré-concecional, publicadas pela primeira vez em
1990. Segundo estas recomendações, as mulheres com IMC menor que 18,5 devem ter
um ganho ponderal entre 12,5 e 18 kg; as mulheres com IMC entre 18,5 e 24,9
devem ter um ganho ponderal entre 11,5 e 16 kg; as mulheres com IMC entre 25 e
29,9 devem ter um ganho ponderal entre 7,0 e 11,5 kg e as mulheres com IMC
superior a 30 devem ter um ganho ponderal entre 5,0 e 9,0 kg.4,6
Não foram encontrados estudos em Portugal referentes ao aumento de peso durante
a gravidez. Tendo em conta as comorbilidades associadas e os elevados custos em
saúde que condicionam, é essencial estudar a prevalência e as consequências do
aumento ponderal excessivo durante a gravidez.
Os objetivos deste trabalho foram avaliar o aumento ponderal das grávidas
seguidas no Centro de Saúde de Vagos entre 2003 e 2010 e verificar se existe
alguma associação entre o aumento de peso na gravidez e o IMC pré-concecional,
paridade, tipo de parto, complicações obstétricas e peso do recém-nascido (RN).
Métodos
Realizamos um estudo retrospetivo e analítico tendo como população todas as
mulheres inscritas no Centro de Saúde de Vagos que estiveram grávidas entre
janeiro de 2003 e dezembro de 2010. Foram excluídas: grávidas não vigiadas no
Centro de Saúde até às 36 semanas; gravidezes gemelares, gravidezes que
resultaram em aborto e partos pré-termo. Recolhemos os dados através de
consulta dos processos clínicos (informático e/ou papel). Os dados recolhidos
foram: ano do parto, idade materna, paridade, pesos no início e no final da
gravidez, altura, existência de complicações obstétricas, tipo de parto e peso
do RN.
O aumento de peso na gravidez foi calculado pela diferença entre o peso final e
inicial. O peso inicial foi o peso reportado pela grávida como sendo o peso
anterior à gravidez. Na ausência desta informação foi considerado o peso da
primeira consulta, sendo que todas as primeiras consultas ocorreram antes das
12 semanas. O peso final foi o peso registado na última consulta antes do
parto, sendo esta depois das 36 semanas de gestação, inclusive. Consideramos
três classes de aumento de peso (adequado, maior que o recomendado e menor que
o recomendado) de acordo com os valores recomendados pelo IOM para o respetivo
IMC. Consideramos as seguintes complicações obstétricas: diabetes gestacional
(DG), hipertensão arterial (HTA), pré-eclâmpsia e atraso de crescimento
intrauterino (ACIU). O parto foi considerado eutócico ou distócico, incluindo-
se neste último os partos por cesariana, ventosa e/ou fórceps. Quanto ao peso
do RN, consideramos três classes: baixo peso (inferior a 2.500 g); normal
(entre 2.500 e 4.000 g) e macrossómico (superior a 4.000 g).
Os dados obtidos foram analisados através do software SPSS® (Statistical
Package for Social Sciences) versão 18.0. As variáveis quantitativas foram
caraterizadas através da média, máximo, mínimo e desvio-padrão e as
qualitativas recorrendo às frequências absolutas e relativas. Para comparação
das grávidas com aumento de peso adequado, menor ou maior que o recomendado
utilizou-se ANOVA de fator único para as variáveis quantitativas e teste de
Qui-Quadrado para as qualitativas. Para analisar as diferenças entre as
categorias de aumento de peso utilizou-se o teste Least Significant Difference
(LSD). Todos os testes foram avaliados ao nível de significância de 0,05.
Resultados
No Centro de Saúde de Vagos, entre os anos de 2003 e 2010, registaram-se 545
mulheres grávidas, das quais 50 foram excluídas após aplicação dos critérios de
exclusão. A amostra foi assim constituída por 495 grávidas, cujas idades se
compreenderam entre 14 e 44 anos, sendo a média de 27,3 anos, com desvio padrão
(DP) de ± 4,88 anos. Das grávidas estudadas, 52,5% eram nulíparas.
Previamente à gravidez, a maioria das grávidas, 307 (62%), apresentava um IMC
pré-concecional normal, enquanto 35% apresentavam excesso de peso ou obesidade
(122 com excesso de peso e 50 com obesidade). Apenas 16 (3%) tinham baixo peso.
Ao longo dos 8 anos do estudo, houve uma média de 62 partos por ano (DP ± 9,1).
O ano em que ocorreram menos partos foi 2004 (52 partos), e o ano em que
ocorreram mais partos foi 2006 (78 partos).
Relativamente ao aumento de peso, a média do ganho ponderal foi 14,5 kg (DP ±
6,04 kg), com um mínimo de –2,0 kg e um máximo de 31,0 kg. Quando analisamos o
aumento de peso recomendado de acordo com o IMC pré-concecional, verificamos
que 34,7% das grávidas tiveram um aumento de peso adequado ao seu IMC, 46,3%
aumentaram mais do que o recomendado e 19,0% tiveram um aumento de peso
inferior ao recomendado. A figura_1 representa a distribuição de cada uma das
classes de aumento de peso ao longo dos oito anos do estudo.
Registaram-se 37 complicações obstétricas (7,5%): 21 casos de DG, 10 casos de
HTA, 4 casos de pré-eclâmpsia e 2 casos de ACIU.
Quanto ao tipo de parto, 50,5% dos partos foram distócicos, tendo a maioria
destes sido cesarianas (152; 30,7% de todos os partos).
A média de peso dos RN foi 3.306,5 g (DP ± 481,90 g), o peso mínimo registado
foi 2.065,0 g e o máximo foi 4.490,0 g. Cerca de 90% dos RN apresentavam peso
considerado normal (entre 2.500 e 4.000 g). A percentagem de RN macrossómicos e
com baixo peso foi idêntica, correspondendo a cerca de 5%.
O quadro_I resume a distribuição das complicações e tipo de parto de acordo com
as categorias de aumento ponderal durante a gravidez.
Observou-se uma associação estatisticamente significativa entre o aumento do
peso e o IMC pré-concecional (p < 0,001). No grupo das grávidas obesas, 85,7%
tiveram um aumento ponderal superior ao recomendado. Nas grávidas com excesso
de peso esta proporção foi de 60,2%. Nenhuma grávida obesa teve aumento de peso
inferior ao recomendado, tendo sido essa percentagem de 15,4% nas grávidas com
excesso de peso, 22,8% nas com IMC normal e 31,3% naquelas que eram magras.
Relativamente às grávidas que tiveram um aumento ponderal entre os valores
recomendados, 31,3% eram magras, 42,3% tinham peso normal, 24,4% tinham excesso
de peso e 14,3% eram obesas (Quadro_II).
Neste estudo o tipo de parto, a paridade e as complicações obstétricas foram
independentes do ganho gestacional de peso.
Observando-se diferenças estatisticamente significativas (Quadro_III) entre as
categorias de aumento de peso para o IMC inicial (p < 0,001), realizou-se o
teste de comparações múltiplas LSD para analisar entre que categorias existiam
diferenças. Constatou-se que estas ocorriam entre as grávidas com ganho médio
de peso inferior ao esperado e as com ganho médio de peso superior ao esperado
(inferior = 23,1 ± 2,7 vs superior = 25,7 ± 4,6; p < 0,001) e entre as grávidas
com ganho de peso adequado e as com ganho de peso superior ao esperado
(adequado = 22,9 ± 3,6 vs superior = 25,7 ± 4,6; p <0.001).
Observaram-se igualmente (Quadro_III) diferenças estatisticamente
significativas entre as categorias de acréscimo de peso e o peso do recém-
nascido (p = 0,024). Constatou-se, com base no teste LSD, que estas ocorriam
entre as grávidas com ganho médio de peso inferior ao esperado e as com ganho
de peso superior ao esperado (inferior = 3.217,0 ± 437,1 vs superior = 3.366,0
± 487,4; p = 0,011) e entre as grávidas com ganho de peso adequado e as com
ganho de peso superior ao esperado (adequado = 3.276,3 ± 490,0 vs superior =
3.366,0 ± 487,4; p = 0,044).
Discussão
A obesidade é um grave problema de saúde pública que tem aumentado na população
em geral e inclusivamente na mulher em idade reprodutiva.1 Na nossa amostra a
prevalência de excesso de peso pré-concecional foi de 20% e obesidade 10%.
Estes resultados são concordantes com outros estudos.7
Ao longo dos 8 anos do estudo, 46% das grávidas tiveram aumento de peso
superior ao recomendado. Noutros estudos realizados no Canadá, Austrália e
Estados Unidos da América, a percentagem de mulheres com ganho ponderal
gestacional excessivo variou entre 36 e 50%.3,8,9
Neste estudo concluímos que existe uma associação estatisticamente
significativa entre a classe de aumento de peso (adequado, maior que o
recomendado e menor que o recomendado) e o IMC pré-concecional, ou seja, a
percentagem de grávidas com aumento de peso superior ao recomendado foi
significativamente maior nos grupos de grávidas com obesidade e excesso de peso
do que nas grávidas que apresentavam IMC normal ou baixo peso no início da
gravidez. Estes resultados estão de acordo com a maioria dos estudos que
referem que as mulheres com excesso de peso ou obesidade têm maior risco de
aumento de peso excessivo na gravidez do que as mulheres com IMC normal.3,9
Neste estudo não foi possível verificar associação entre a classe de aumento de
peso e o tipo de parto, paridade ou complicações obstétricas. Este facto pode
dever-se, em parte, à pequena percentagem de complicações obstétricas detetada
na nossa amostra (7,5%), esta, por sua vez, muito provavelmente relacionada com
os critérios de exclusão aplicados. No entanto, existe evidência que demonstra
associação entre o excessivo aumento de peso na gravidez com maior risco de
parto por cesariana e complicações obstétricas, nomeadamente DG e HTA
gestacional.3,8,10,11 Relativamente à paridade, os estudos realizados
verificaram que o aumento de peso na gravidez está inversamente associado à
paridade.9,12 A justificação para estas diferenças poderá também estar
relacionada, por um lado, com diferenças metodológicas, uma vez que os estudos
referidos consideraram três categorias de paridade e neste estudo consideramos
apenas duas, e, por outro, com diferenças nas proporções de nulíparas e
multíparas, cerca de 60% de multíparas nos estudos referidos e 48% no nosso
estudo.
Vários estudos referem que o aumento de peso gestacional está diretamente
relacionado com o peso do RN, sendo que aumentos de peso inferiores ou
superiores ao recomendado estão associados a RN leves para idade gestacional ou
grandes para a idade gestacional, respetivamente.3,5,8 A longo prazo a
principal consequência do ganho de peso gestacional excessivo, para a criança,
é a obesidade, com todas as implicações e comorbilidades associadas.4 Apesar de
não se ter verificado associação estatisticamente significativa entre a classe
de aumento de peso e o tipo de peso do RN (baixo peso, normal ou macrossómico),
verificamos que as grávidas com aumento de peso excessivo têm em média filhos
mais pesados do que as grávidas com aumento de peso adequado ou inferior, o que
vem corroborar a evidência anterior.
Como principal limitação deste estudo destaca-se o facto de a maior parte das
grávidas que apresentaram complicações durante a gravidez serem habitualmente
referenciadas para os cuidados secundários e posteriormente seguidas a nível
hospitalar, pelo que foram excluídas do estudo. De facto verificou-se uma baixa
incidência de síndromes hipertensivos (2% HTA gestacional e 0,8% de pré-
eclâmpsia) em relação aos 8% descritos na literatura.13 Esta limitação poderá
ter comprometido os resultados do nosso estudo, nomeadamente no objetivo de
avaliar associação entre aumento de peso na gravidez e complicações
obstétricas.
Importa ainda referir o viés de informação, por um lado devido à colheita dos
dados, que teve em conta os registos clínicos, por outro lado devido à
subjetividade do peso pré-concecional, que foi o reportado pela grávida na
primeira consulta de gravidez ou o medido nessa ocasião, sendo esta sempre
anterior às 12 semanas de gestação. Relativamente às variações de peso e à sua
relação com o IMC pré-concecional e com o peso do RN, os nossos resultados
estão globalmente de acordo com a literatura, pelo que não se espera que estes
viéses tenham afetado os resultados.
Este estudo teve em conta as recomendações atualmente aceites por instituições
internacionais, como o IOM e a Organização Mundial de Saúde que, no entanto,
não foram validadas para Portugal, pelo que admitimos que os valores
recomendados de aumento de peso possam não ser os mais adequados para a nossa
população. Um estudo sueco, realizado entre 1994 e 2004, estabeleceu outros
valores recomendados para aumento de peso, baseado na ocorrência de
complicações obstétricas e perinatais. Segundo este estudo, mulheres com IMC
normal devem aumentar entre 2 e 10 kg, mulheres com excesso de peso menos de 9
kg e mulheres obesas menos de 6 kg.7
A obesidade e o aumento de peso excessivo durante a gravidez são entidades que
podem ser corrigidas/prevenidas com mudança dos padrões comportamentais, sendo
as ações de educação para a saúde importantes estratégias terapêuticas.4 O
médico de família tem um importante papel não só na vigilância da gravidez, mas
também na sua preparação. A prevenção da obesidade na mulher em idade fértil é
uma medida importante para o desenvolvimento de uma gravidez saudável. Na
vigilância da gravidez o médico de família deve estar atento à adequada
evolução ponderal nas diferentes fases da gestação.
Uma vez que o aumento excessivo de peso na gravidez pode ser um fator promotor
do aumento da prevalência de obesidade na população (quer pela grávida, quer
pelo RN),14,15 são necessárias recomendações referentes ao aumento de peso
durante a gravidez de acordo com o IMC adaptadas à nossa população.
Em conclusão, o IMC pré-concecional elevado está associado a ganho ponderal
gestacional superior ao recomendado. Contrariamente às recomendações, as
mulheres com maior IMC têm maior aumento de peso.