Cancro do Colo do Útero: o que sabem as jovens?
Introdução
O CCU é uma das principais causas de morte por neoplasia, nas mulheres, em todo
o mundo. É hoje aceite que a principal etiologia do CCU é a infeção persistente
pelas estirpes oncogénicas do HPV.1 A adolescência constitui um período de
maior risco de infeção por este vírus e consequente displasia cervical.2,3 Na
maioria dos casos, a infeção por HPV é eficazmente eliminada; no entanto, pode
persistir e originar lesões pré-cancerígenas e cancerígenas.4,5 Segundo a
Organização Mundial de Saúde, os principais fatores de risco para CCU são
infeção por HPV, início precoce de atividade sexual, relações sexuais sem
preservativo, grande número de parceiros sexuais, outras infeções sexualmente
transmissíveis [ex.: infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)],
outras condições associadas a diminuição da imunidade, tabagismo e uso
prolongado de contracetivo oral. Os principais fatores protetores incluem uso
de preservativo, número reduzido de parceiros sexuais, início tardio de
atividade sexual, vacina contra o HPV e realização regular de exame
ginecológico, incluindo citologia cervical. A história natural da doença, desde
a infeção até ao CCU, é bem conhecida e a sua evolução lenta,6 pelo que o
programa de rastreio direcionado às mulheres entre os 25-64 anos é eficaz.7 Em
Portugal, existem cerca de 1000 novos casos de CCU todos os anos,8 o que nos
alerta para a importância deste rastreio na nossa população.
Tendo em conta que o conhecimento sobre CCU é um fator essencial na sua
prevenção, consideramos que a recente introdução da vacina no Plano Nacional de
Vacinação poderia ser uma oportunidade de promoção e educação para a saúde
nesta área.
Este estudo teve como objetivo determinar os conhecimentos sobre o CCU, os FR e
as FP.
Métodos
Tratou-se de um estudo observacional, transversal e analítico, realizado
durante o mês de maio de 2011, que teve por objetivo determinar os
conhecimentos das jovens sobre CCU.
A população do estudo foi composta por jovens do sexo feminino com idade igual
ou superior a 15 anos (tendo em conta o ano de aplicação do questionário), a
frequentar o ensino obrigatório público na freguesia de Paço de Arcos – Escola
Secundária Luís de Freitas Branco e Escola Básica Joaquim Barros no ano 2010/
2011.
A avaliação dos dados demográficos e dos conhecimentos foi feita através da
aplicação de um questionário anónimo (em anexo), elaborado pelos autores tendo
por base outros estudos que apresentavam objetivos semelhantes.9-16 Apesar de
não validado, o questionário foi submetido a um teste piloto com 20 jovens de
características demográficas semelhantes às da população alvo, que frequentavam
uma escola pública do mesmo concelho, mas de uma freguesia diferente, não tendo
sido efetuadas alterações ao questionário.
O estudo foi integrado no âmbito da saúde escolar na Escola Luís de Freitas
Branco, com existência prévia de consentimento informado por parte dos
encarregados de educação das jovens menores, para os projetos aplicados neste
contexto. Na Escola Joaquim Barros também se obteve o consentimento informado
por parte dos encarregados de educação, para este projeto específico, antes da
aplicação do questionário.
O questionário foi aplicado a uma amostra de conveniência da população em
estudo, constituída por jovens do sexo feminino, nascidas até 31 de dezembro de
1996, que aceitaram e/ou foram autorizadas a responder ao questionário e
estavam presentes no período de obtenção de dados, sendo estes os critérios de
inclusão.
As variáveis medidas foram idade, ano escolar, frequência de consulta na USF ou
UCSP no último ano, fontes de informação e conhecimentos sobre CCU,
nomeadamente quanto à sua etiologia, sintomatologia, meios de diagnóstico, FR e
FP. (Figura_1)
Os dados recolhidos foram registados e analisados através das aplicações
Microsoft Excel® e SPSS® 16.0. Inicialmente, foi utilizada uma análise
descritiva para caracterização da amostra estudada e das opções correta e
incorretamente assinaladas relativamente às variáveis que permitiam avaliar os
conhecimentos. Através do coeficiente de correlação de Pearson foi efetuada a
comparação entre a percentagem média de respostas corretas, relativamente aos
FR e às FP, com as variáveis idade e ano escolar. Para avaliar a relação entre
o número médio de respostas corretas (FR e FP) e a ida a uma consulta na USF ou
UCSP no último ano aplicou-se o teste de Mann-Whitney.
Resultados
Da população, constituída por 519 jovens, obteve-se uma amostra de 370 jovens
(71,29%) com média de idades de 16,8 anos (mínimo de 14 e máximo de 23 anos) e
de escolaridade o 10.o ano (mínimo o 7.o e máximo o 12.o ano). Destas, 344
(92,97%) afirmaram ter ido a uma consulta na USF ou UCSP no último ano. (Figura
2)
Os meios de comunicação social foram a principal fonte de informação
selecionada (69,7%), seguida dos profissionais de saúde (55,9%). (Figura_3)
Relativamente ao aparelho afetado pelo CCU, 97,8% das jovens identificaram o
aparelho genital feminino. A maioria das jovens identificou corretamente o HPV
como agente etiológico (69,5%), referiu que o CCU pode ser assintomático
(78,4%) (Figura_4), identificou a citologia como método diagnóstico (78,1%)
(Figura_5) e o CCU como uma doença que se pode prevenir e tratar desde que
diagnosticado precocemente (73,8% e 63,8%, respetivamente); uma percentagem
considerável de jovens referiu que a vacina é 100% eficaz (18,9%) (Figura_6).
O FR mais assinalado foi "relações sexuais sem preservativo", todos
os restantes fatores de risco foram identificados por metade ou menos das
jovens. O segundo fator mais escolhido foi a falta de higiene feminina (Figura
7). Dos FR assinalados, 76% eram verdadeiros e 24% falsos, o que corresponde a
um ratio de 3/1 (três respostas certas por cada resposta errada).
De acordo com os dados anteriores, a realização de higiene feminina adequada
foi identificada como forma de prevenção por mais de metade das jovens (Figura
8). Das FP assinaladas, 80% eram verdadeiras e 20% falsas, o que corresponde a
um ratio de 4/1 (quatro respostas certas por cada resposta errada).
Em média, cada jovem identificou apenas um terço dos FR e cerca de metade das
FP apresentadas.
Não se verificou qualquer relação entre os FR e as FP identificados e a idade
(coeficiente de correlação de Pearson ρ=0,084 para os FR e ρ=0,148 para as FP)
e/ou ano escolar (coeficiente de correlação de Pearson ρ=0,005 para os FR e
ρ=0,030 para as FP) e/ou existência de uma consulta na USF ou UCSP no último
ano (teste de Mann-Whitney p=0,402 para os FR e p=0.833 para as FP), o que está
de acordo com os resultados obtidos nas fontes de informação.
Discussão
Este trabalho permitiu melhorar a perceção dos conhecimentos sobre CCU das
jovens de duas escolas da área de abrangência da USF dos autores, na faixa
etária onde é maior o risco de infeção pelo seu principal agente
etiológico.9,17,18
Salienta-se o fato de 100% da amostra referir já ter ouvido falar do CCU, o que
está de acordo com outro estudo realizado em Portugal.15 No entanto, estes
valores variam bastante em vários estudos internacionais, desde 15% a 85%.9-
13,16
Os meios de comunicação social constituem o principal vetor de informação
assinalado, o que pode explicar a inexistência de relação entre os
conhecimentos demonstrados e a frequência de uma consulta na USF ou UCSP no
último ano. Isto traduz uma necessidade de melhoria na transmissão desta
informação pelos profissionais de saúde aos utentes e alerta para a importância
da qualidade das informações de promoção de saúde nos meios de comunicação
social. Estes dados são mais uma vez coincidentes com aqueles encontrados
noutro estudo português.15
A citologia do colo do útero foi identificada corretamente, pela maioria das
jovens (78,1%) como o meio de diagnóstico do CCU, resultado este semelhante ao
encontrado num estudo nacional15 e muito superior ao de um estudo internacional
(1,3%).19 Contudo, a percentagem de jovens que assinalou as restantes opções
("radiografia do colo do útero", "análises de sangue" e
"análises de urina") não é desprezável, salientando as dúvidas
existentes nesta área.
A maioria das jovens considera que o CCU é uma doença prevenível e com
potencial de cura quando detetada precocemente, o que poderá constituir um
fator preditor de adesão ao rastreio. No entanto, uma percentagem significativa
considera que a vacina é 100% eficaz, o que deverá ser prontamente esclarecido,
de forma a evitar uma falsa sensação de segurança após a vacinação, com
consequente desvalorização da importância do exame ginecológico.
Relativamente aos fatores de risco e formas de prevenção, as percentagens de
respostas corretamente identificadas foram semelhantes às apresentadas no
estudo nacional encontrado.15 A maioria dos estudos internacionais não
apresenta estes dados quantificados, referindo, no entanto um baixo nível de
conhecimento geral. Dos estudos que apresentam quantificação, os valores são
díspares: "Relações sexuais sem preservativo" [3%],13 "Grande
número de parceiros sexuais" [3%, 14% e 65%],10,13,14 "Ter outras
infeções sexualmente transmitidas" [7% e 87%],13,14 "Início precoce
de atividade sexual" [7% e 57%],13,14 "Tabagismo" [7%].13
A falta de higiene feminina foi o mito mais vezes identificado no nosso
trabalho (55,7%), apesar de este valor ser inferior ao encontrado num estudo
internacional [87%].14
De referir que os estudos internacionais encontrados foram realizados em países
em desenvolvimento ou em zonas sócio-culturais/económicas de risco de países
desenvolvidos, nos quais os níveis de conhecimento global são expectavelmente
mais baixos do que nos países "ditos desenvolvidos". Neste sentido,
considerando a nossa realidade, era de esperar que as jovens em estudo
apresentassem um nível de conhecimentos superior ao obtido na bibliografia
consultada, o que se verificou. No entanto, estudos demonstram não existir uma
associação direta entre nível de conhecimentos e atitudes,16 dado existirem
vários fatores que podem influenciar a aquisição de comportamentos saudáveis
(ex.: perceção de risco, influência social e autoeficácia).11 Deste modo,
parece ser fundamental aliar as duas estratégias: por um lado, avaliar os
conhecimentos da população alvo, de modo a identificar as lacunas que deverão
ser colmatadas e, por outro, identificar e combater as barreiras que possam
impedir a aplicação dos conhecimentos.
Como limites do estudo, salientamos que a população abrangida não foi
padronizada, pelo que os dados não poderão ser extrapoláveis para a população
portuguesa. A amostra utilizada é uma amostra de conveniência, que corresponde
a 73,4% da população (população: 504; amostra: 370). Por outro lado, o
questionário utilizado, apesar de ter sido sujeito a um teste piloto, não foi
validado para a população portuguesa e algumas das hipóteses de resposta
poderiam suscitar diferentes interpretações. O nível de conhecimento foi
aferido pela percentagem de respostas corretas e incorretas, em comparação com
os estudos encontrados, sem uso de um instrumento de quantificação do
conhecimento.
Apesar das limitações referidas, este estudo permitiu-nos avaliar uma parte da
população a quem prestamos diariamente cuidados de saúde, como médicos de
família, alertando-nos para possíveis lacunas que necessitem de ser colmatadas,
por forma a aumentar a nossa eficácia na prevenção da doença e promoção da
saúde.
Seria desejável a realização de outros estudos, com uma amostra representativa
da população portuguesa e aplicação de uma grelha de avaliação de
conhecimentos, assim como avaliar a associação entre nível de conhecimentos e
atitudes, permitindo uma intervenção mais eficaz por parte dos profissionais de
saúde.