Caracterizaçăo morfo-ecológica do sistema dunar de Peniche Baleal (costa
ocidental portuguesa)
I. SISTEMAS DUNARES LITORAIS: IMPORTÂNCIA E VULNERABILIDADE
Os sistemas dunares litorais são muito dinâmicos e complexos, providos de
mobilidade devido à localização estratégica que ocupam na interface oceano-
plataforma litoral. Apresentam uma distribuição geográfica global em estreita
relação com a existência de praias arenosas fornecedoras de sedimentos e de
condições favoráveis de vento, agitação marítima e vegetação dunar.
Constituem, por excelência, uma protecção natural das terras emersas à acção
erosiva das ondas. Esta função torna-se particularmente relevante no contexto
da generalização do fenómeno de litoralização do território e da subida
relativa e centenária do nível médio do mar, uma vez que os sistemas dunares
litorais constituem muitas vezes o único obstáculo entre o oceano e populações,
bens e infraestruturas litorais. A subida relativa do nível médio do mar, com
valores estimados na ordem dos 470 mm até final do século XXI em Portugal
(Antunes e Taborda, 2009), será particularmente gravosa para os sistemas
dunares litorais, muito vulneráveis por serem compostos por sedimentos não
consolidados, transportados pelo vento e parcialmente estabilizados pela
vegetação dunar (Carter, 1991; Viles e Spencer, 1995; Schwartz, 2005). Será
potencialmente um factor desencadeante de graves problemas litorais, sobretudo
os relacionados com a erosão marinha, o recuo da linha de costa e a destruição
de infraestruturas litorais.
Adicionalmente, os sistemas dunares litorais (i) detêm elevado interesse na
conservação da natureza e biodiversidade, porque acolhem inúmeras espécies de
flora e fauna, muitas delas endémicas e com estatuto de protecção (Lomba et
al., 2008; Maun, 2009); (ii) estabelecem uma relevante plataforma de
desenvolvimento económico, devido à elevada presença de actividades
relacionadas com o turismo e lazer.
O intenso desenvolvimento urbano e turístico dos últimos 40 anos resultou na
destruição e degradação antrópica de cerca de 75% dos sistemas dunares litorais
de países mediterrânicos, casos de França, Espanha, Portugal, Grécia, Israel e
Tunísia (van der Meulen e Salman, 1996). Com efeito, as actividades económicas
relacionadas com o turismo e lazer, ao elevarem a atractividade dos sistemas
dunares litorais enquanto espaços de lazer, incrementam a sua pressão antrópica
(ocupação e uso antrópico), principalmente durante os meses de Verão,
originando fortes modificações geomorfológicas e ecológicas que condicionam a
sua capacidade de resiliência e vulnerabilidade biofísica, com consequente
degradação, como evidenciam Carter (1988), Viles e Spencer (1995), Schwartz
(2005) e Ramos-Pereira (2008). A este propósito, Carter (1988) e Maun (2009)
afirmam que o pisoteio e o desenvolvimento de redes de caminhos não ordenados
(trilhos), decorrentes da acção antrópica directa sobre o sistema dunar,
resultam na sua degradação geomorfológica e ecológica. Caminhos não ordenados
com elevada intensidade de uso são preponderantes na redução ou eliminação da
vegetação dunar. Em consequência, verifica-se um aumento das áreas não
vegetadas que, com o tempo, são erodidas pelo vento e evoluem para brechas e
blowouts.
A vegetação dunar é considerada essencial por diversos autores para a evolução
dos sistemas dunares litorais porque (i) constitui um obstáculo ao livre-
trânsito dos sedimentos eólicos, permitindo a sua deposição; (ii) favorece a
estabilização da duna, fixando e agregando os sedimentos não consolidados com o
seu sistema radicular (Carter, 1988; Neto, 1993; Viles e Spencer, 1995; Costa,
2001; Ramos-Pereira, 2001, 2008; Hesp, 2002, 2004; Goudie, 2003; Maun, 2009).
Aqueles autores concluem que o aumento da intensidade e frequência do pisoteio
varia inversamente com a diversidade, a taxa de cobertura e o estado de
conservação da vegetação dunar. Muito interessante é também a relação que
Carter (1988) e Short e Hesp (1982 in Hesp, 2002) estabelecem entre a
morfologia da duna frontal e a vegetação dunar, verificando que a elevada taxa
de cobertura da vegetação (90-100%) tende a definir e preservar a morfologia da
duna frontal e, ao invés, que a diminuição da taxa de cobertura da vegetação
origina a sua fragmentação morfológica.
Assim, a monitorização da vegetação dunar – número de espécies, diversidade
florística, taxa de cobertura, estado de conservação, associações
fitossociológicas – constituiu um importante indicador da degradação,
resiliência e vulnerabilidade biofísica dos sistemas dunares litorais, uma vez
que a resposta da vegetação dunar a mudanças ambientais no ecossistema,
induzidas por factores naturais ou antrópicos, é imediata.
II. OBJECTIVOS E METODOLOGIA
O estudo do sistema dunar litoral de Peniche-Baleal tem como objectivo
identificar as suas características morfo-ecológicas avaliadas por
levantamentos de campo em todo o sistema dunar e, particularmente, ao longo de
seis perfis morfo-ecológicos. Esta metodologia permite (i) caracterizar a
morfologia da frente dunar e do sistema dunar; (ii) identificar os diferentes
tipos morfo-ecológicos de duna; (iii) reconhecer a diversidade da vegetação
dunar e das principais manchas de vegetação; (iv) determinar o número de
espécies dunares presentes nos diferentes tipos morfo-ecológicos de duna.
Permite avaliar, simultaneamente, o estado de degradação geomorfológica e
ecológica do sistema dunar, o que é de grande utilidade para propor medidas de
ordenamento e gestão que assegurem o seu uso sustentável.
Saliente-se que os seis perfis morfo-ecológicos não consideram qualquer método
fitossociológico ou escala de abundância-dominância. A informação recolhida
enumera as espécies dunares para cada um dos perfis, de acordo com a sua
presença nos diferentes tipos morfo-ecológicos de duna: duna branca, duna
cinzenta e duna verde. Esta diferenciação fundamentou-se em critérios (i)
topográficos; (ii) de mobilidade e instabilidade dos sedimentos; (iii) de
presença ou ausência de espécies características de vegetação dunar; (iv) de
taxa de cobertura da vegetação dunar.
Os perfis morfo-ecológicos – P1, P2, P3, P4, P5 e P6 – foram realizados na
Primavera de 2008 (dia 2 de Maio de 2008), período em que as espécies dunares
iniciam o seu ciclo de vida e/ou época de floração, transversalmente ao sistema
dunar. Iniciaram-se a sotavento, junto à estrada Municipal nº578, e
finalizaram-se na face da praia (fig._1).
As espécies dunares presentes foram identificadas numa faixa de quatro metros
de largura (2 m para cada lado do perfil). Na impossibilidade de identificar in
situ algumas das espécies, foram recolhidos exemplares de folhas e flores para
posterior identificação. Utilizaram-se duas unidades GPS com correcção
diferencial em tempo real ou pós-processamento, marca Magellan® Professional
ProMarktM3, que permitiram recolher sistematicamente coordenadas x, y, z em
modo cinemático stop&go (a aquisição de cada ponto teve a duração de 15
segundos). Estes instrumentos apresentam uma fiabilidade no posicionamento
horizontal de 0,012 m+2,5ppm e no posicionamento vertical de 0,015m+2,5ppm. O
pós-processamento dos dados realizou-se com recurso a uma base virtual de
referência disponibilizada pelo serviço rede SERVIR (sistemas de estações de
referência de GPS Virtuais) no site do instituto Geográfico do exército
(iGeoe), que possibilitou a correcção das coordenadas WGs 84 para coordenadas
rectangulares referentes ao datum de Lisboa (Lisboa Hayford Gauss iGeoe),
utilizando o software Gnss solutions 3.00.07. Após a correcção, os ficheiros
foram incorporados num sistema de informação Geográfica (arcGis 9), onde foi
efectuada a projecção dos perfis.
Adicionalmente consultou-se documentação cartográfica e estatística, que foi
fundamental no apoio aos levantamentos de campo, na realização dos perfis
morfo-ecológicos e na caracterização das condições climáticas e do clima de
agitação marítima representativas da área de estudo. A documentação
cartográfica utilizada foi: (i) a Carta Militar na escala de 1:25 000, folha
nº337 Peniche, em formato analógico, nas várias edições disponíveis (1938,
1942, 1965 e 2004), do iGeoe; (ii) o ortofotomapa na escala de 1:10 000, em
formato raster, ano de 2005, do iGeoe. A documentação estatística consultada
consistiu (i) nas normais Climatológicas da região de “ribatejo e Oeste”, 1951-
1980, do instituto nacional de Meteorologia e Geofísica (INMG, 1991),
referentes à estação meteorológica de Cabo Carvoeiro (coordenadas geográficas
39°21’n, 09°24’W, altitude 32 m); (ii) nos dados das bóias ondógrafo de Leixões
(coordenadas geográficas 41°19’00’’N, 08°59’00’’W, profundidade 83 m) e sines
(37°55’16’’N, 08°55’44’’W, profundidade 97 m), período de 1999-2009,
disponibilizadas no site do instituto Hidrográfico (IH).
III. ÁREA DE ESTUDO: SISTEMA DUNAR LITORAL DE PENICHE-BALEAL
O sistema dunar de Peniche-Baleal localiza-se na costa ocidental de Portugal
Continental, no concelho de Peniche. A área de estudo possui 1,06 km2, e
restringe-se ao troço litoral compreendido entre os tômbolos de Peniche e do
Baleal, com limite interior a coincidir com a estrada Municipal nº578, que liga
os núcleos urbanos de Peniche e Baleal, atravessando o sistema dunar (fig._1).
O clima regional é temperado húmido, com Verão seco e quente. De acordo com os
dados de 1991 do instituto nacional de Meteorologia e Geofísica (INMG, 1991), a
precipitação anual atinge 591,2 mm e o período chuvoso estende-se de Outubro a
abril. A temperatura média anual do ar é 15,0º C, e a média máxima anual é
17,3º C. Os meses mais quentes, agosto e setembro, registam uma temperatura
média máxima anual de 20,4º C. A humidade atmosférica média anual é 83,3%. O
vento é dominante de norte durante grande parte do ano, sobretudo nos meses a
que corresponde o período estival (Maio a setembro), facilitando a mobilização
eólica das areias de praia, com um total de 35,3% das observações anuais,
atingindo uma velocidade média anual de 19,4 km/h.
O clima regional de agitação marítima é caracterizado pelo contraste entre
Verão, com ondulação mais moderada (Hs≤2,5 m e Hmax≤5 m), e Inverno, com
ondulação mais energética (H ≥2,5 m e H ≥5 m), verificando-se situações
extremas em que H ≥7,5 m e H10 m, como revelam os dados do Instituto
Hidrográfico (IH). Com efeito, Pires (1989 in neves, 2006) e Ramos-Pereira
(2001) reconhecem que a hidrodinâmica é mais energética no inverno marítimo,
devido a situações atmosféricas caracterizadas por organismos ciclónicos e
sistemas frontais no oceano. A direcção da ondulação incidente é proveniente do
quadrante nw, a mais frequente na costa ocidental portuguesa, ocorrendo em
média 280 dias/ano, como afirma Ramos-Pereira (2001).
O sistema dunar constitui, de acordo com França et al. (1960), uma vasta área
de acumulação de sedimentos herdados do Holocénico. É um troço litoral baixo e
arenoso, marginado por imponentes relevos constituídos por rochas jurássicas,
calcários e arenitos com cerca de 70 milhões de anos (França et al., 1960),
talhadas em arriba – os promontórios rochosos contíguos aos tômbolos de Peniche
e do Baleal – que atingem 30 m de altitude. Apresenta uma praia estreita (com
largura ≤ 80 m), em forma de arco, que se estende porcerca de 3,5 km com
exposição Norte. A largura do sistema dunar é variável, atingindo nos troços
mais largos cerca de 500 m. No extremo ocidental, junto ao núcleo urbano de
Peniche, na praia da Gamboa, a duna frontal foi estabilizada artificialmente na
década de 1980, de acordo com Henriques e Neto (2002).
O sistema dunar exerce elevada atractividade turística, em consequência (i) da
sua posição geográfica, inserido numa das mais populosas e desenvolvidas
regiões de Portugal Continental – a região Oeste – a apenas 90 km de distância
de Lisboa; (ii) das óptimas condições de acessibilidade, em virtude da
proximidade da estrada municipal nº578, da estrada nacional nº114 e do IP6;
(iii) das suas características climáticas e geomorfológicas, com clima ameno e
uma praia extensa; (iv) da presença de praias sucessivamente galardoadas com o
prémio Bandeira azul desde 2004 (exemplo das praias da Gamboa, da Cova da
alfarroba e do Baleal sul); (v) da presença de vários estabelecimentos
hoteleiros (hotéis, apartamentos turísticos,surfcamps) e parques de campismo;
(vi) da forte aposta do concelho de Peniche nas práticas desportivas ligadas
aosurf(surf, windsurf, bodyboard, kitesurf), sustentada pela realização anual
de diversos eventos desportivos nacionais e internacionais e pelo
desenvolvimento da marca territorial “Peniche – Capital da onda”.
Esta elevada atractividade turística tem consequências no incremento da acção
antrópica directa sobre o sistema dunar, sobretudo pelo pisoteio, que estará na
origem de uma disseminada rede de caminhos não ordenados, com 27,4 km de
extensão, particularmente densa sobre a duna frontal, como salientam Ramos-
Pereira et al. (2008) e Paixão (2011a, 2011b). Os caminhos não ordenados sobre
a duna frontal têm largura entre 0,5-7,0 m, e cerca de 9 km de extensão (fig.
2), valor excessivamente elevado tomando em consideração que a área do sistema
dunar tem apenas 1,06 km2. Como se observa na figura_2, a densidade de caminhos
na crista da duna frontal é muito elevada.
Segundo Carter (1998) e Hesp et al. (2010) as cristas de duna são elementos
morfológicos muito vulneráveis ao pisoteio, uma vez que nestas áreas declivosas
e elevadas, a acção do vento e da gravidade favorece a sua degradação,
reduzindo a sua resiliência.
IV. CARACTERIZAÇÃO MORFO-ECOLÓGICA
O litoral é um ambiente específico para a vegetação, devido à influência de
diversas condicionantes ecológicas: (i) a instabilidade dos sedimentos; (ii) a
acção mecânica do vento e do oceano; (iii) a salinidade do solo e do ar; (iv) a
deficiente disponibilidade de água e nutrientes (Carter, 1988; neto, 1993;
Costa, 2001; Maun, 2009). A vegetação dunar sobrevive a tais condições, porque
desenvolveu diversas adaptações morfológicas que lhe permitem colonizar
condições ambientais muito específicas (Costa, 2001; Lomba et al., 2008).
Em resultado da estabilização dos sedimentos, da diminuição do gradiente de
salinidade e do aumento de nutrientes no solo, do litoral para o interior, a
vegetação dunar apresenta maior complexidade, diversidade e abundância. Este é
o princípio básico da sucessão morfo-ecológica, i.e., o processo natural de
substituição progressiva das comunidades de plantas pioneiras por comunidades
de plantas mais com- plexas e evoluídas, que ocorre em resultado de mudanças
dos factores bióticos e abióticos do ecossistema (Maun, 2009), característico
dos sistemas dunares litorais, que relaciona padrões morfológicos –
morfodinâmica – com a presença de determinadas espécies dunares.
No sistema dunar litoral de Peniche-Baleal, as dunas embrionárias, também
designadas por nebkhas(Neto, 1993; Hesp, 2002, 2004; Goudie, 2003), que
correspondem a pequenas acumulações de sedimentos formados no limite interior
da praia alta, acima do nível do mar em preiamar viva, onde a ondulação e as
marés depositam detritos orgânicos que fornecem abrigo e nutrientes necessários
para o crescimento de algumas plantas pioneiras herbáceas, exemplo do Elymus
farctus (feno-das-areias), são incipientes ou ausentes. Foram identificadas
principalmente a barlavento das armadilhas de areia implementadas na praia de
Peniche de Cima. A sua ausência na restante área de estudo será justificada
pela degradação precoce destas formas, por acção da erosão marinha ou da acção
antrópica, como foi possível observar nos levantamentos de campo. A primeira,
devido à ocorrência de ondas de tempestade com picos de H max ≥10 m, que
facilmente galgam a praia alta e atingem a frente dunar formando micro-arribas
de erosão; a segunda, devido ao incorrecto uso das dunas embrionárias e da duna
frontal como extensão da praia, por parte dos veraneantes.
A duna branca, ou duna móvel, equivalente à duna frontal (Hesp, 2002), é
caracterizada pela elevada instabilidade dos sedimentos e reduzida colonização
vegetal. Apresenta uma morfologia fragmentada, moldada em cristas em forma de
cúpula devido à presença de brechas e blowouts, alguns de dimensão considerável
(largura entre 2-10 m, ou mesmo superior, fig._2), localizadas sobretudo nos
troços que correspondem às praias de Peniche de Cima e do Baleal Campismo. Esta
morfologia corresponderá à morfologia tipificada pelos estágios 3 e 4 da
classificação morfodinâmica proposta por Carter (1988) e Short e Hesp (1982 in
Hesp, 2002), caracterizada pela menor taxa de cobertura da vegetação dunar
(entre 20-75%) e pela degradação da morfologia da frente dunar (maior
fragmentação dunar e presença de blowouts). A duna branca está colonizada por
tufos de vegetação descontínua, onde predomina a espécie pioneira Ammophila
arenaria (estorno), muito importante na retenção e fixação de sedimentos
eólicos (fig._3a e fig._3b).
fig._3a
fig._3b
Esta espécie é considerada por diversos autores, como Carter (1988) e Maun
(2009), a planta por excelência “construtora” de dunas. A parte aérea da planta
constitui um obstáculo ao livre-trânsito dos sedimentos eólicos, acumulando-os,
e o seu sistema radicular, composto por raíz e rizoma, permite a propagação
vertical e horizontal da planta, aglomerando os sedimentos e estabilizando-os.
As plantas desenvolvem-se rapidamente, mesmo quando soterradas temporariamente,
e as raízes podem atingir 5 m de profundidade. Investigação preliminar
realizada por Olson (1958 in Maun, 2009) revela que o efeito de rugosidade da
espécie Ammophila chega a ser 30 vezes superior em relação a areias não
vegetadas.
A duna cinzenta, ou duna penestabilizada, que sucede para sotavento à duna
branca, está parcialmente colonizada por vegetação subarbustiva. Apresenta
grande diversidade e abundância de vegetação dunar, exemplo de Artemisia
crithmifolia (madorneira), Crucianella marítima (granza-da-praia), Eryngium
maritimum (cardo-marítimo), Euphorbia paralias (morganheira-das-praias),
Helichrysum italicum ssp. picardii (perpétua-das-areias), Malcolmia littorea
(goivo-da-praia), Ononis natrix ssp. ramosissima (jóina-dos-matos), Otanthus
maritimus (cordeirinho-da-praia), Pancratium maritimum (narciso-das-areias),
Sedum sediforme (pinheirinha-das-areias), entre outras (fig._3a e fig._3b).
A duna verde, ou duna estabilizada, que sucede à duna cinzenta, corresponde a
áreas mais interiores do sistema dunar litoral, onde os sedimentos estão
completamente estabilizados pela elevada presença de vegetação que pode atingir
porte arbóreo. É caracterizada pela presença descontínua, em pequenos núcleos,
de uma formação arbustiva, por vezes alta e densa, de Juniperus turbinata
(zimbro-das-areias), localizada em algumas áreas junto à estrada Municipal
nº578 (fig._3a e fig._3b). Esta espécie, segundo Costa (2001), representa a
etapa mais evoluída dos sistemas dunares litorais mediterrâneos e é acompanhada
por espécies características como o Antirrhinum majus (boca-de-lobo) e a Rubia
peregrina (granza-brava).
Em toda a extensão do sistema dunar, nos distintos tipos morfo-ecológicos de
duna, é notória a presença de Carpobrotus edulis (chorão-da-praia) (fig._3a e
fig._3b). Esta planta exótica de origem sul-africana, disseminada por todo o
litoral português e mundial!), possui estatuto legal de planta invasora em
Portugal, instituído pelo Decreto-Lei nº565/99 de 21 de Dezembro. Constitui uma
ameaça à biodiversidade dos sistemas dunares litorais, devido ao seu vigoroso
crescimento em manchas impenetráveis e à capacidade de acidificar o solo para
seu próprio proveito, competindo activamente com as espécies autóctones,
substituindo-as, e impedindo o seu correcto desenvolvimento.
Por fim, importa referir a presença de duas importantes espécies endémicas
lusitanas – Armeria welwitschii (erva-divina) e Verbascum litigiosum (verbasco-
de-flores-grossas) – típicas da duna cinzenta, mas também presentes em áreas
limítrofes da duna verde (fig._3a e fig._3b). Ambas as espécies possuem
estatuto legal de protecção em Portugal (instituído pelo Decreto-Lei nº140/99
de 24 de abril, anexos B ii b e B iV b) e estão incluídas na rede natura 2000
(Directiva do Conselho 92/43/Cee de 21 de Maio – Directiva habitats, anexos ii
b e iV b). A sua importância é tão significativa que, para efeitos de
conservação da natureza e bio-diversidade, a rede natura 2000 distinguiu o
sítio de importância Comunitária Peniche/santa Cruz PtCOn0056 (resolução do
Conselho de Ministros nº76/2000 de 5 de Julho). Este documento classifica cinco
habitats com diversidade florística muito relevante: (i) dunas móveis
embrionárias (habitat 2110); (ii) dunas brancas com Ammophila arenaria (habitat
2120); (iii) dunas cinzentas com vegetação herbácea dominada por Armeria
welwitschii (habitat 2130); (iv) depressões húmidas interdunares (habitat
2190); (v) dunas litorais com espécie Juniperus (habitat 2250). Destes, são
habitats prioritários as dunas cinzentas com vegetação herbácea dominada por
Armeria welwitschii e as dunas litorais com espécie Juniperus.
O quadro_I resume as características específicas dos perfis morfo-ecológicos,
de ocidente para oriente.
V. PERFIS MORFO-ECOLÓGICOS: RESULTADOS E DISCUSSÃO
A duna frontal ergue-se sobranceira à praia alta, exibindo uma micro-arriba de
erosão marinha em todos os perfis, mais pronunciada em P3, P4 e P5 (fig._4A). A
acção do mar origina danos na morfologia da duna frontal e na vegetação dunar,
como é possível constatar em P3 (fig._4B). Essa parte da duna atinge altitudes
entre 10-15 m, é máxima em P1 devido à artificialização a que foi sujeita. Em
P1, a crista de duna frontal é interrompida por um caminho não ordenado com
cerca de 12 m de largura (fig._4C).
A morfologia da duna frontal encontra-se bastante fragmentada em todos os
perfis, como se vê pela presença de várias brechas, que em P6 possuem largura
≥6 m (fig._4D). Apresenta uma dimensão atípica, sobretudo nos perfis P2 e P6,
devido ao comportamento claramente transgressivo dos sedimentos, como foi
possível observar nos levantamentos de campo. A instabilidade dos sedimentos
eólicos será consequência da menor taxa de cobertura da vegetação dunar e da
maior degradação antrópica devido ao pisoteio (fig._1 e fig._2). Com efeito,
estes perfis localizam-se nos extremos oriental e ocidental do sistema dunar,
nas proximidades dos núcleos urbanos de Peniche e Baleal, respectivamente, onde
a pressão antrópica e a atractividade turística são mais elevadas devido ao
maior desenvolvimento da actividade balnear e à proximidade de vários
empreendimentos turísticos, condição que atrai maior número de veraneantes,
turistas e desportistas.
O sistema dunar prolonga-se para o interior na plataforma litoral, evidenciando
uma topografia caracterizada pela presença de algumas cristas e depressões
interdunares, elementos apenas observáveis em P4, P5 e P6, os mais extensos no
conjunto dos perfis (fig._4F).
A vegetação dunar presente nos seis perfis morfo-ecológicos tem correspondência
com a vegetação característica tanto da duna branca, como da duna verde e da
duna cinzenta.
A Ammophila arenaria é dominante na duna branca e cresce vigorosamente,
sobretudo nas cristas de duna frontal. Ocorre ainda a sotavento da duna frontal
e nas áreas limítrofes da duna cinzenta em P3, P4, P5 e P6. A duna branca é
atipicamente extensa em P2 e P6 atingindo 125 m e 165 m de largura,
respectivamente, devido à mobilidade/instabilidade dos sedimentos originada
pela clara degradação antrópica da morfologia da frente dunar.
A duna cinzenta está ausente em P1 e P2. É mais desenvolvida em P4 e P5
atingindo 240 m e 350 m, respectivamente. Destacam-se como espécies dominantes
a Armeria welwitschii, a Artemisia crithmifolia, a Malcolmia littorea, e o
Pancratium maritimum.
A duna verde, presente em todos os perfis com excepção de P1, exibe extensão
máxima em P3 (120 m). Em P2, atinge apenas 40 m devido ao já mencionado
comportamento transgressivo da duna branca. A duna verde é dominada por
Juniperus turbinata, apresentando maior taxa de cobertura em P3 e P6. Nos
perfis P4 e P5 a mancha ocupada por Juniperus turbinata é dispersa e
fragmentada, consequência da presença de alguns caminhos não ordenados,
iniciados por um único trilho que depois se ramifica com a aproximação à duna
frontal e à praia (fig._2).
No conjunto dos perfis identificaram-se 32 espécies dunares distintas (quadro
II).
A duna branca apresenta menor número de espécies dunares (≤11) e a duna
cinzenta e a duna verde um número mais significativo, compreendido entre 11-17
espécies em todos os perfis, excepto em P1. Aqui, na ausência de duna cinzenta
e de duna verde, estão presentes na duna branca e talude artificial, 16
espécies distintas, algumas atípicas deste ecossistema: Arctotheca calendula
(erva-gorda), Plantago coronopus (diabelha), Senecio gallicus e Vulpia
alopecurus. Destas, destaca-se o Senecio gallicus, por estar presente em todos
os perfis, colonizando a duna branca em P1 e a duna cinzenta e a duna verde em
P2, P3, P4, P5 e P6.
De acordo com García-Mora et al. (2000), estas espécies designadas por
sinantrópicas, i.e., espécies exóticas e vegetação resultante de actividades
agrícolas ou cultivadas, estão associadas a solos mais consolidados e ricos em
água e nutrientes, colonizando sobretudo o talude artificial de P1. Carter
(1988) afirma que a espécie Senecio é uma “espécie oportunista”, uma vez que
utiliza em sua vantagem quaisquer alterações ambientais favoráveis no
ecossistema.
A presença destas espécies sinantrópicas no sistema dunar será indicativa de
alterações nos factores bióticos (nomeadamente a competição entre espécies) e
abióticos (por exemplo compactação do solo, soterramento da vegetação dunar,
modificações no teor de água, pH, ar e nutrientes do solo) do ecossistema, que
favorecem a sua presença. No caso de P1, a sua presença resulta ainda da
introdução artificial de Carpobrotus edulis, espécie exótica também considerada
sinantrópica. Investigação mais detalhada será fundamental para clarificar com
rigor a magnitude e as consequências destas alterações na vegetação dunar da
área em estudo.
Os perfis P3, P4, P5 e P6, por serem os mais extensos e possuírem uma sucessão
morfo-ecológica natural típica (duna branca, duna cinzenta e duna verde),
apresentam maior diversidade florística, sendo possível identificar mais de
duas dezenas de espécies dunares distintas.
O endemismo lusitano Armeria welwitschii está presente em todos os perfis com
excepção de P1, pelas razões já referidas. Outro endemismo lusitano, Verbascum
litigiosum, está apenas presente em P4 e P5. Na verdade, estes perfis
localizam-se no troço mais central e largo do sistema dunar, que oferece maior
dificuldade de transposição para aceder à praia, dissuadindo muitos
utilizadores de o atravessar. A reduzida pressão antrópica a que este troço é
sujeito favorecerá a presença destes endemismos.
Verifica-se a coexistência de espécies na duna branca, duna cinzenta e duna
verde. Este fenómeno testemunhará alguma degradação da vegetação natural
típica, provocada pela acção do vento e do mar – principais agentes
geomorfológicos naturais da génese e evolução do sistema dunar – mas sobretudo
pela aceleração dos processos de degradação, em consequência da acção
antrópica: o pisoteio e o desenvolvimento de uma rede de caminhos não
ordenados.
A vegetação dunar exige condições ambientais muito específicas e quaisquer
alterações ou distúrbios no ecossistema podem resultar na substituição da
vegetação dunar natural típica por espécies mais competitivas e melhor
adaptadas às novas condições ambientais do ecossistema, induzindo modificações
na sucessão morfo-ecológica natural típica do sistema dunar.
VI. CONCLUSÃO
A vegetação dunar apresenta grande robustez, elevada diversidade e bom estado
de conservação, sobretudo a sotavento da duna frontal, onde é possível
reconhecer as espécies dunares características dos distintos tipos morfo-
ecológicos de duna, e um núcleo importante de Armeria welwitschii e Verbascum
litigiosum, endemismos lusitanos com estatuto legal de protecção.
No sistema dunar litoral de Peniche-Baleal existem indícios preocupantes de
degradação geomorfológica da duna frontal, induzidos por erosão marinha e
pisoteio, com algumas consequências na vegetação dunar aí presente e,
sobretudo, na grande extensão que a duna branca, transgressiva, possui
localmente.
Todos os perfis apresentam uma micro-arriba de erosão marinha talhada na duna
frontal. No inverno e em situações de tempestade, quando a hidrodinâmica é mais
energética, as ondas galgam a praia alta e invadem as brechas e blowouts
existentes na duna frontal. Estas formas de erosão constituem depressões que
facilitam a penetração do mar que causa danos na morfologia da duna frontal e
na vegetação dunar, promovendo a degradação da frente dunar. A ocorrência de
erosão marinha na duna frontal é recorrente, de acordo com o testemunho de
alguns locais. foi anteriormente reconhecida e documentada por Ferreira (1902,
in Henriques e Neto, 2002), no início do século XX, e mais recentemente por
Henriques (1996).
O pisoteio, fortemente disseminado por todo o sistema dunar, sobretudo na duna
frontal, ocorrerá devido à ausência ou insuficiência de caminhos sobrelevados,
que permitam o acesso ordenado à praia através do sistema dunar.
A degradação geomorfológica da duna frontal será preponderante na mobilização
dos sedimentos eólicos para áreas mais interiores da plataforma litoral,
originando a redução da área ocupada pela duna cinzenta e a duna verde e,
consequentemente, a sua “compressão” ecológica.
A implementação de caminhos sobrelevados em pontos estratégicos do sistema
dunar litoral de Peniche-Baleal favorecerá a sua regeneração natural, através
da redução da pressão antrópica e do desenvolvimento da vegetação dunar
(Paixão, 2011b). Esta medida de ordenamento e gestão será essencial para
compatibilizar a função recreativa e turística com a conservação da natureza e
biodiversidade.
O diagnóstico da situação existente em 2008 deverá funcionar como referência
para o acompanhamento da evolução deste extenso sistema dunar, no contexto da
subida relativa do nível médio do mar e do incremento das novas funcionalidades
de turismo e lazer que o município de Peniche tem vindo a promover e a
implementar.