Autonomia, autoridade e confiança em tempo de novas TIC: atitudes e práticas
diferenciadas entre os alunos do secundário
ARTIGOS
Apresentação
O propósito do estudo que está na base do presente artigo foi o de evidenciar a
relação entre os processos de interação na sala de aula do ensino secundário e
os contextos juvenis exteriores à escola. Num primeiro plano, encontramos
elementos que orbitam à volta da relação pedagógica; noutro incluem-se
sociabilidades de amizade e familiares, redes sociais virtuais, relações
afetivas, etc.
A relação entre os dois planos traz à luz aspetos como a autonomia e a
confiança, bem como elementos de um ethos2 que é indissociável da própria ação
e identidade juvenis, transversal aos mais diversificados quadros de interação.
A investigação original (Ferreira, 2013), mais abrangente e com dados mais
apro- fundados, pretendia evidenciar alguns fenómenos de mudança nas práticas e
atitudes de alunos do secundário. Entre outros, destacou-se o plágio crescente
e respetivas consequências para a avaliação ou uma tolerância intermitente e
diminuta relativa à atenção ' ambos os fenómenos observados em sala de aula e
exaustivamente referidos por profes- sores entrevistados.
De entre alguns aspetos constituintes da análise do meio escolar ' com especial
incidência na sala de aula ' é pertinente destacar-se a existência de dois
papéis fundamenais em jogo. Se num dos planos da análise (processos
extraescolares) temos apenas o ator aluno-jovem como protagonista central, já
no plano da sala de aula, coexistem, tanto o professor como o aluno. Apesar de
a presente análise se centrar nos sujeitos que atravessam ambos os planos
(alunos), é imprescindível tomar em consideração a própria natureza da relação
pedagógica, visto que encerra pistas importantes para o propósito em causa.
A relação pedagógica é o principal motor em campo que reclama em tempo real o
jogo interativo entre regras e autoridade e as possíveis atitudes por parte dos
alunos. A competência legítima (e institucionalizada) de que é dotada a
autoridade é sustentada na ordem, na palavra de ordem ou no discurso ritual
(Bourdieu, 1998: 62). De facto, os performativos explícitos ' atos de fala,
ordens, etc. ' são, frequentemente, a parte visível da autoridade estatutária,
tendo como pano de fundo as condições e circunstâncias sociais
extralinguísticas que a sustentam (idem: 64).
Inerente à relação pedagógica, está a confiança enquanto processo fundamental
da consistência e constância de que a relação em si necessita. A própria
autoridade (pedagógica) de que se faz valer um dos elementos da relação (o
professor) depende de tais processos de confiança. Ainda no âmbito da relação
professor-aluno, é possível desenhar-se um quadro de análise que contempla o
grau de autonomia que o aluno adquire, na prática, relativamente às regras
escolares e demais injunções pedagógicas.
Parte importante dos objetivos da pesquisa consistiu em chegar à compreensão de
algumas lógicas agenciais (por parte dos jovens alunos), transversais aos dois
planos, e, ainda, proceder a uma diferenciação de atitudes relativa às questões
da autonomia ' tão caras à ação quotidiana num espaço de regras impostas, mas
também presentes na afirmação das culturas juvenis; a relação com as regras e a
autoridade ' indissociável da questão anterior, mas diretamente focada num
aspeto fulcral da relação pedagógica; a perceção da proximidade à figura do
professor ' indicador de confiança, igualmente relevante no quadro de uma
autoridade pedagógica ' e as atitudes face ao aproveitamento da informação (por
via das TIC) ' decorrentes de práticas em contextos sociabilidade, mas também
nos próprios processos de aprendizagem. Há um entrecruzamento, como se verá, ao
nível destes aspetos fundamentais em análise.
1. Novas tecnologias, novos desafios sociológicos
O papel das novas TIC nas práticas quotidianas dos jovens alunos foi tido em
conta como uma dimensão essencial da análise. O seu potencial transformador é
considerável a vários níveis. Desde as mudanças quotidianas operadas pela
comunicação móvel, que reconfiguraram profundamente as temporalidades, as
agendas, os processos de comunicação a curto, médio e longo prazo, até ao
modelo de sociedade em rede. Para Castells, as redes constituem a nova
morfologia das sociedades e a difusão da sua lógica modifica substancialmente
as operações e os resultados dos processos de produção, experiência, poder e
cultura (2002: 605). Também ao nível da instituição escolar, os desafios
emergem, tal como argumenta Pinto, na sua análise da escola e da sala de aula
perante as transformações tecnológicas ' não apenas por via da flexibilização
da produção e do emprego, mas também através das transformações no campo das
práticas culturais e ainda dos valores e formação de identidades juvenis
(Pinto, 2007).
Tanto a autonomia quanto a confiança surgem noutras lógicas de ação exteriores
à escola muito menos pautadas, é certo, por imposições normativas de caráter
institucional. Aqui incluem-se práticas grupais de sociabilidade, de
estabelecimento de relações afetivas, de relação (de autonomia) com os pais,
etc. É nesses contextos, muitas vezes complementados ou auxiliados pelo uso das
novas TIC, que as dinâmicas de autonomia e de confiança se reconfiguram. A
propósito desta última, veja-se, por exemplo, as ameaças à privacidade,
concomitantes com uma crescente facilidade de gestão de relações afetivas em
paralelo com outras práticas ou outras relações.
Quanto à autonomia, surge fortemente potenciada através do uso das TIC. Note-se
a proposta de Castells (2002), no sentido de se associar a capacidade de ação
em função de critérios e iniciativa pessoais (ou coletivos) a algumas
operacionalidades que as infraestruturas informacionais permitem. Para o mesmo
autor, os sujeitos protagonistas dos processos comunicativos reforçam
consideravelmente a sua autonomia por via do uso de sistemas de comunicação
móvel ( ). A questão central é que o sujeito da comunicação reforça o seu
controlo sobre o processo de comunicação (Castells et al., 2009: 320).
2. Ao encontro do objeto empírico
A análise de cariz quantitativo que aqui é apresentada contou com uma recolha
prévia de informação sociológica, tanto ao nível do terreno (observação em sala
de aula e entrevistas), como na própria teoria que lhe serviu de fundação. A
perspetiva dramatúrgica (Goffman, 1993) na observação da sala de aula, aliada a
uma análise sistémica do impacto que as novas TIC têm, porventura, na vida
social moderna (Castells, 2002; Castells et al., 2009), constituem duas linhas
fundamentais para um modelo analítico de articulação, tal é a complexidade dos
fenómenos em estudo.
Pôr em marcha um dispositivo metodológico que desse conta de, pelo menos, parte
destes processos em relação, exigiu várias frentes3. Neste artigo é apresentada
um delas, respeitante à análise de dados extensiva.
A amostra recolhida para a pesquisa extensiva, no âmbito do presente estudo,
contou com a participação de 409 alunos do secundário4, a quem foi aplicado,
por intermédio dos professores, um questionário no final das aulas, findo o ano
letivo em observação. Escolheu-se estudar um conjunto de escolas secundárias da
zona da Grande Lisboa. Provenientes de grandes centros urbanos, os alunos
dificilmente estariam afastados da influência das novas formas de comunicação e
das cada vez mais vastas e diversificadas fontes de informação.
Foram observadas de forma continuada e sistemática 12 turmas, de 12 escolas da
AML5, durante o 3º período do ano letivo de 2008/2009 e o 1º período do ano
letivo de 2009/2010. No que diz respeito à caracterização dos inquiridos, vale
a pena apresentar uma panorâmica da amostra estudada.
Em termos de género, a distribuição amostral apresenta-se equilibrada,
verificando-se, ainda assim, uma feminização ligeira (cerca de 55%) em relação
à população masculina. Os anos letivos representados na amostra centraram-se,
sobretudo, nos 11º e 12º anos do ensino secundário ' com cerca de 53% e 46%,
respetivamente ', apesar de a observa- ção de aulas ter incluído igualmente
turmas de 10º ano.
No que diz respeito à área vocacional escolhida ' no âmbito do regime dos
cursos científico-humanísticos ', mais de metade da amostra pertence às
Ciências e Tecnologias (52,6%), havendo ainda valores significativos nas
Línguas e Humanidades (24%) e nas Ciências Socioeconómicas (18,8%).
Em relação à classe profissional, enquanto indicador relevante da classe social
de origem ' indicador familiar de classe (tal como sugerido por Machado et al.,
2003) ' verifica-se que mais de metade dos pais dos alunos se insere na
categoria de Profissionais e Técnicos de Enquadramento (52,1%), seguidos dos
Empregados Executantes (21,8%) e dos Empresários, Dirigentes e profissionais
Liberais (14,2%). Todas as outras classes profissionais apresentam valores
residuais.
3. A construção das variáveis
Em termos de análise estatística, a análise de clustersrevelou-se a técnica
mais adequada para a problemática e a própria natureza dos dados recolhidos.
A análise de clustersé útil para dar conta das diferentes atitudes possíveis
num con- junto alargado de atores, de acordo com as respetivas idiossincrasias.
A diferenciação de atitudes, que aqui se apresenta, é um passo importante para
se trabalharem refinadamente alguns fenómenos que, por vezes, são analisados de
forma aglutinadora e até generalizável, esquecendo particularidades e até
alguns mecanismos subjacentes à própria ação (dinâmica) dos agentes envolvidos.
Os resultados da sua aplicação constituem o cerne interpretativo da análise
extensiva. Esta análise foi feita com variáveis que correspondem a índices
construídos6 a partir de variáveis originais do questionário aplicado.
No seguimento da observação sistemática de aulas e entrevistas a jovens alunos,
considerou-se pertinente testar extensivamente os indicadores correspondentes
aos quatro aspetos fundamentais, já atrás referidos. São eles a perceção da
autonomia, a perceção da relação com a autoridade e regras, a perceção da
relação com o professor e as práticas de aproveitamento e capitalização da
informação. Seguidamente, estes aspetos serão explicados em detalhe quanto à
sua operacionalidade7.
3.1. Perceção da autonomia
A construção do índice Sentimento de Autonomia e Individualismo foi feita a
partir de quatro variáveis escolhidas pela sua relação com a temática
específica. Pretendeu-se aferir o posicionamento dos indivíduos perante o
seguinte: 1) Uma pessoa que faz o que lhe apetece mas que nunca pretende
prejudicar ninguém'; 2) Uma pessoa para quem os seus direitos estão sempre em
primeiro lugar, mais do que outra coisa qualquer'; 3) Uma pessoa que gosta de
fazer as coisas à sua maneira, independentemente da opinião dos outros'; e 4)
Uma pessoa para quem é importante tomar as suas próprias decisões sobre o que
faz. Gosta de ser livre e não estar dependente dos outros'. A escolha das
variá- veis visou ir ao encontro da perceção, por parte dos indivíduos, da
capacidade de conse- guirem diferenciar-se dos demais e até que ponto fazem, de
livre vontade, as escolhas e decisões acerca das suas vidas.
Existem diferentes atributos associados à adolescência relacionados com os pro-
cessos de autonomização, quer enquanto forma de viver o dia a dia, quer como
fator de diferenciação, constituindo um pilar importante de construção da
identidade pessoal. Ter a capacidade de fazer escolhas ou de tomar decisões são
indicadores importantes da autonomia dos agentes8.
3.2. Perceção da relação com a autoridade
Quanto ao índice Relação com a Autoridade e Regras, é constituído por
variáveis cuja estrutura segue a mesma linha do índice anterior, embora
orientada para uma atitude diferente: 1) Uma pessoa para quem é importante
portar-se sempre como deve ser. Evita fazer coisas que os outros digam que é
errado'; 2) Uma pessoa que acha que as pessoas devem fazer o que lhes mandam e
que devem cumprir sempre as regras mesmo quando ninguém está a ver'; 3) Uma
pessoa para quem é fundamental cumprir deveres. Ainda mais importantes que os
direitos, são os deveres perante os outros'; 4) Uma pessoa para quem é
importante ouvir pessoas diferentes de si. Mesmo quando discorda de alguém
continua a querer compreender essa pessoa'; 5) Uma pessoa que acha importante
assumir sempre a culpa de algo que fez menos correto ou de errado'. Quanto mais
elevado for o valor do índice, neste caso, maior é o respeito ou
correspondência para com a autoridade e as regras.
A relação com a autoridade e as regras permite dar conta de uma atitude
importante na pesquisa, na medida em que se liga com os quadros normativos com
peso ritual e institucional no quotidiano dos jovens. É possível olhar a
questão sob vários ângulos e com diferentes implicações.
A internalização de disposições normativas concordantes com as diversas formas
de autoridade (Bourdieu, 2002), refletindo-se nas maneiras e modos da interação
(Goffman, 1993; Elias, 1995), sustenta sistemas de regras, estabelecendo laços
de normatividade importantes para o funcionamento das instituições que delas
dependem. A relação pedagógica, sendo um modelo fundado na assimetria
pedagógica depende, em boa parte, da maior ou menor concordância entre
disposições e injunção pedagógica. A relação com a autoridade permite, ainda,
aferir o locusda autoridade, algo que se pode associar ao sentimento de
controlo sobre si próprio.
3.3. Perceção da proximidade ao professor
O índice Proximidade ao Professor é constituído pelas variáveis originais
referentes ao posicionamento dos indivíduos face: 1) à implicação do professor
nas questões dos alunos; 2) àquilo que o professor representa, na prática.
Trata-se do índice mais diretamente relacionado com a questão da confiança,
nomeadamente a confiança depositada na figura da autoridade. Analisou-se,
anteriormente, a importância deste aspeto, enquadrado em dinâmicas que
atravessam papéis institucionais e contingências relacionais.
Embora surja associada à questão da relação com a autoridade, torna-se
importante distinguir esta atitude da que diz respeito ao índice anterior, já
que a confiança não depende diretamente da autoridade preestabelecida ou dos
processos de internalização normativa, ainda que possa facilitar a sua
construção.
A confiança surge aqui como uma espécie de conquista numa relação quotidiana
sujeita a contingências várias. Impõe-se saber até que ponto o agente
institucional (professor) estabelece laços de confiança com os alunos que sejam
reconhecidos ' nem sempre de forma manifesta ' por estes. Não se trata aqui de
aferir uma reciprocidade na relação pedagógica (embora ela possa acontecer),
mas sim de aferir o papel tácito e o grau de proximidade relacional que é, na
prática, estabelecido. Ressalve-se ainda que uma maior confiança não implica
uma maior obediência ou conformidade com as normas, embora tal possa depender
de uma base de confiança previamente trabalhada. Este assunto será retomado
mais adiante, na interpretação dos resultados dos clusters.
A proximidade ao professor pode assumir contornos de confiança, mas também de
dependência. Apesar de ter contornos bem distintos de uma relação de
intimidade, não deixa de fazer sentido considerar, no âmbito da relação
pedagógica, a existência de elementos afetivos, sendo que a dependência em que
assentam muitas relações afetivas (Giddens, 2001) faz-se sentir quando a
confiança não está suficientemente estabelecida. A possibilidade da existência
de uma certa procura (se não mesmo dependência) por parte de alguns alunos,
face a um papel pedagógico mais próximo do ponto de vista afetivo, e sem
comprometer uma funcionalidade mínima em sala de aula foi observada no terreno.
Uma forma observada, relativamente comum desta possibilidade, encontra-se em
turmas com professores muito assertivos e ao mesmo tempo próximos (dir-se-ia
afetivamente) dos alunos, tal como foi observado numa fase anterior da
pesquisa.
3.4. Aproveitamento e capitalização da informação
O quarto índice agrega duas variáveis originais cuja estrutura assenta no
modelo de resposta das variáveis usadas nos dois primeiros índices. Assim, o
índice Aproveitamento da Informação' foi construído com base no posicionamento
dos indivíduos em relação a: 1)Uma pessoa que não se importa nem se sente
confusa com o facto de que a informação hoje em dia vir de várias fontes e
entrecruzada de várias formas' e 2)Uma pessoa que aproveita, sem hesitar, toda
a informação que lhe possa ser útil, mesmo que não tenha tempo para saber se é
correta'. Não será, porventura, inesperada a estreita ligação deste índice com
o índice de sentimento de autonomia e individualismo. Se for tida em
consideração para a análise a crescente expansão das novas TIC, faz sentido
associar-se a autonomia dos agentes à capacidade de se expandir o alcance da
experiência mediada (Giddens, 2000), algo que se conjuga com a ideia de projeto
de autonomia, anteriormente referida. Para Castells (Castells, 2002; Castells
et al., 2009), lembre-se, as novas TIC, e nomeadamente a comunicação móvel
tendem a ajudar o desenvolvimento do próprio projeto. Faz sentido, ainda assim,
diferenciar os dois índices. Tratar-se, por um lado, a autonomia enquanto
atributo genérico ' com todo o potencial analítico que daí advém; e tratar-se,
noutros moldes, as potencialidades das novas TIC, indutoras não só de
autonomia, mas igualmente associadas a outros processos importantes.
Tais aspetos prendem-se, num primeiro momento, com a desenvoltura mais ou menos
adquirida face às novas tecnologias e também com o pragmatismo quotidiano que
as novas TIC permitem. Indo mais longe, é pertinente ' ainda que tentativamente
' aferir as potenciais transformações ao nível de valores e premissas éticas. O
aproveitamento da informação possibilita contornar quadros normativos
preestabelecidos, sendo as implicações éticas associada à obtenção de conteúdos
' o plágio nas suas mais diversas formas, a subversão da autoria e do mérito
pessoal ' apenas alguns exemplos.
Admitindo um impacto das novas TIC na transformação de valores ou de práticas '
nomeadamente o acesso praticamente ilimitado a fontes de informação e conteúdos
digi- tais, com consequências ao nível da ética de partilha e apropriação, do
espírito de diligência e sentimento de autoria ' pretendeu-se, sobretudo,
destacar, no âmbito da apresentação do índice Aproveitamento da Informação', a
possibilidade de maximização de oportunidades (nos mais diversos domínios da
vida quotidiana) por parte de quem utiliza um computador, acede à internet ou
usa o telemóvel.
4. Análise de clusters
O procedimento estatístico escolhido ' a análise de clusters' corresponde a uma
técnica de caráter multivariado que mede, em simultâneo, as variâncias dos
índices de cada indivíduo ou objeto de análise. Foram utilizados, como
variáveis de inputde uma K-Means Cluster Analysis9, os 4 índices criados a
partir das variáveis originais atrás explicitadas. O objetivo passou por
agrupar os inquiridos da amostra de acordo com as suas proximidades e
afastamentos nas referidas variáveis, de forma a maximizar tanto a
homogeneidade intragrupo, quanto a heterogeneidade intergrupal. Após uma série
de tentativas, a solução mais satisfatória apontou para cinco clusters. Importa
ver como foram distribuídos os casos e como se diferenciam entre si os grupos
criados. A média dos índices por clusterpermite uma primeira leitura das suas
características, proximidades e afastamentos (ver Quadro_1).
No que diz respeito ao número de casos ' e tendo em conta que foram excluídos
29 casos (missing values) ' três dos cinco clusters(1, 2 e 5) apresentam
dimensões semelhantes, totalizando cerca de 50% da amostra. O cluster3 é
ligeiramente maior do que os anteriores (78 casos: 20,5%) e o cluster4 é o
maior de todos totalizando 110 indivíduos e com uma percentagem de 28,9%.
Tomando em consideração as respetivas amplitudes de cada índice, com especial
atenção para os extremos das mesmas e o valor intermédio10, no âmbito de cada
clusterformado, é possível definir arranjos das médias. Cada arranjo vai
definir a especificidade de um dado clustere dar informação relevante acerca da
posição relativa de cada índice em relação aos demais. Isto permitirá construir
uma tipologia de atitudes para a amostra.
Os 5 clustersobtidos correspondem a 5 perfis básicos em que cada designação, e
na senda de estudos como o de Costa et al., não pode deixar de ter um caráter
em larga medida convencional (Costa, Ávila e Mateus, 2002: 61). Na nomeação de
cada clusterescolheu-se destacar os atributos mais evidentes, pelo que não
existe necessariamente um critério uniforme, já que se conjugam temáticas
diversificadas. Note-se que, no que toca à diferenciação obtida, se trata de um
conjunto de posições relativas e não absolutas. Seguidamente, é apresentada uma
caracterização estrutural sumária dos perfis obtidos:
Dependentes passivos Correspondem ao 1º clustere, analisando o quadro_1, pode
verificar-se que o que se destaca é o valor mais baixo da amplitude do índice
de aproveitamento da informação'; verifica-se também o valor mais baixo da
autonomia; um valor ligeiramente acima da média da amplitude da relação com a
autoridade e regras; e um dos valores mais elevados da amplitude da proximidade
ao professor. Trata-se de indivíduos cuja fraca autonomia conjugada com uma
proximidade grande ao professor sugere a designação de dependentes. O fraco
aproveitamento da informação conjugado com a fraca autonomia e até uma
aceitação da autoridade e regras acima da média sugere uma atitude de
passividade.
Autónomos normativos e integrados Correspondem ao cluster2, onde se distingue o
valor mais elevado da relação com a autoridade e regras; um valor elevado para
a auto- nomia, assim como para a proximidade ao professor; e um valor
intermédio (dentro da amplitude respetiva) do aproveitamento da informação. Os
indivíduos pertencentes a este grupo possuem valores elevados na autonomia e,
simultaneamente, no respeito pela autoridade e pelas regras. Esta conjugação,
associada a uma proximidade igualmente elevada, sugere que se trata de
indivíduos que, de algum modo, integram de forma harmoniosa a vertente
institucional, pessoal e relacional, daí o epíteto complementar de integrados.
Autónomos desligados Correspondem ao cluster3, onde sobressai o valor mais
elevado da autonomia. Todos os outros índices são baixos neste perfil. Os
indivíduos pertencentes a este grupo são relativamente desrespeitadores das
regras e autoridade, são distantes do professor (comparativamente com outros
grupos) e possuem um interesse baixo pelo aproveitamento da informação. A forte
autonomia que apresentam é concomitante com um distanciamento grande a nível
institucional e relacional.
Dependentes funcionais e utilitaristas Correspondem ao cluster4, o maior dos
cinco. Apresentam uma relação com a autoridade e uma autonomia baixas, um
aproveitamento intermédio da informação, mas uma proximidade grande ao
professor. São indivíduos que, apesar da grande proximidade ao professor,
apresentam um (relativamente) baixo respeito pela autoridade e regras, mas que
ainda assim vão gozando de algum pragmatismo (dir-se-ia até utilitarismo) no
aproveitamento da informação. O termo funcionais' justifica-se com uma adesão
mínima aos compromissos do trabalho escolar embora, em boa parte, rebocada
pela ação do professor.
Autónomos pragmáticos e utilitaristas Correspondem ao cluster5 e apresentam uma
elevada autonomia, associada a um igualmente elevado aproveitamento da
informação. Em contrapartida, são dos menos próximos ao professor e dos que
possuem uma relação com a autoridade e regras mais baixa. São utilitaristas e
pragmáticos conjugando a sua forte autonomia com a forte propensão para
aproveitarem da melhor forma a informação ao seu dispor.
5. Cruzamento dos perfis com variáveis chave
As designações dos perfis iniciais serão seguidamente complementadas com o
cruza- mento dos clusters(enquanto variáveis) com uma seleção de indicadores
posterior. Tal seleção pretende abrir caminho para o confronto dos resultados
específicos da análise de clusters, com os aspetos mais marcantes da observação
no terreno, que numa fase posterior foram incluídos no questionário, adquirindo
um caráter quantitativo. Trata-se de um conjunto de práticas e atitudes
específicas da interação em sala de aula e também de quadros extraescolares. Os
gráficos de barras obtidos, representam o cruzamento das variáveis clustercom
as variáveis escolhidas com vista a analisar, não apenas dados da
caracterização dos inquiridos, mas ainda alguns aspetos centrais da pesquisa
efetuada.
5.1. Classe socioprofissional de origem
As profissões foram agrupadas de acordo com a matriz de construção do indicador
familiar de classe (Machado et al., 2003), construído a partir da conjugação da
classe profissional do pai com a classe profissional da mãe dos inquiridos. As
categorias socioprofissionais têm por base a tipologia de classes sociais de
uso mais corrente na sociologia portuguesa (Almeida, Costa e Machado, 1988).
Para efeitos de simplificação o indicador familiar de classe contempla 9 grupos
de profissões (dos quais, no âmbito do presente estudo, apenas 7 estão
presentes na amostra): Empresários, Dirigentes e Profissionais Liberais (EDL);
Profissionais Técnicos e de Enquadramento (PTE); Trabalhadores Independentes
(TI); Agricultores Independentes (AI); Empregados Executantes (EE); Operários
Industriais (OI); Assalariados Agrícolas (AA); Trabalhadores Independentes
Pluriactivos (TIpl) e Assalariados Executantes Pluriactivos (Aepl).
Antes de poder ser avaliada a distribuição relativa das diferentes classes
socioprofissionais nos diferentes clusters, terá de se tomar em consideração o
facto de o grupo dos PTE's ser o mais representativo da amostra geral
recolhida. Assim sendo, não será estranho o facto de este grupo constituir, em
todos os clusters, metade ou mais dos indivíduos representados
proporcionalmente. Ainda assim, a proporção mais elevada de PTE's verifica-se
no clusterdos indivíduos Autónomos Pragmáticos Utilitaristas, (63%).
Os EDL têm a sua maior percentagem relativa (cerca de 22%) no clusterdos
Autónomos Normativos e Integrados. E a menor percentagem (cerca de 10%) nos
Dependentes Passivos (que registam igualmente a maior proporção de EE, com mais
de 27%).
O clustermais diversificado ao nível das classes socioprofissionais é o dos
Depen- dentes Funcionais Utilitaristas. Este é também o grupo com o maior
número de indivíduos, correspondente a mais de um quarto da amostra. De resto,
de uma forma geral todos os clustersnão se distanciam significativamente do
padrão descrito (forte presença de PTE ' a maior fatia em todos os casos;
presença de EE entre os 20% e os 30%; e EDL entre 10% e 20% em todos os casos,
à exceção dos Autónomos Normativos e Integrados, com cerca de 22%)
5.2. Negociação
A negociação entre professor e aluno(s) tem sido tema de análise já com alguma
tradição no âmbito da sociologia da sala de aula (Perrenoud, 2002; Eggleston,
1977; entre outros). Testa-se, entre outras coisas, a eficácia da autoridade do
professor num saldo entre padrões de disciplina e comportamentos e práticas dos
alunos. Durkheim (2001) destacou esse aspeto, com base numa aprendizagem moral
como fator central da questão educativa e, desde então, a problemática da
disciplina tem sido tratada em numerosas investigações. Em Portugal, Gomes
(2009: 99, 184) refere a adaptação situacional de alunos e professores às
circunstâncias do momento, que passam, inevitavelmente, pela disciplina e pelas
maneiras, e em que se testa a eficácia da autoridade pedagógica. Na análise, o
clusterdos indivíduos Autónomos Pragmáticos Utilitaristas (cluster5) é o que
possui a maior percentagem de indivíduos que negoceiam mais, com cerca de 42%
(soma das duas categorias de maior incidência de negociação), ao passo que os
Dependentes Passivos (cluster1), possuem, relativamente às mesmas categorias, o
valor mais baixo (cerca de 29%). Este grupo, é também aquele cuja soma das
categorias mais baixas da negociação é a mais elevada (cerca de 70%).
5.3. Uso do telemóvel
O telemóvel desempenha um papel fundamental na cultura juvenil. Em Portugal, e
de acordo com Cardoso, Espanha e Lapa (2009) são descritos alguns hábitos
comunicacionais de jovens entre os 16 e os 18 anos; designadamente a
preferência pelas mensagens SMS em detrimento das chamadas telefónicas.
Autores como Ling chamam a atenção para o facto de o telemóvel interromper o
fluxo normal de interação em copresença (2008: 21). Muitos adolescentes estão
cons- tantemente a ser interrompidos nas suas situações privadas e em espaços
públicos (Stald, 2008: 153). A interrupção abrange conversas com amigos ou
família, tomando o telemóvel, quase sempre, a precedência na ação. De acordo
com os dados do presente estudo, o grupo de alunos que mais utiliza o telemóvel
nas aulas é o dos Autónomos Desligados, com cerca de 65% (soma das categorias
mais elevadas). É seguido pelos Autónomos Pragmáticos Utilitaristas, com cerca
de 58%. Proporcionalmente, o grupo com menor percentagem de liberdade de uso do
telemóvel é o dos Dependentes Passivos (cerca de 31%), seguido pelos Autónomos
Normativos e Integrados (com cerca de 50%).
5.4. Atitude face à pergunta do professor
A estratégia, por parte dos alunos, de mostrar trabalho, visando-se cultivar
uma aparência de dedicação e empenho corresponde a uma forma de decoro, um
pouco na linha de Goffman (1993: 132). Este dopingdramatúrgico surge
associado a uma antecipação das sanções do mercado, sendo, por vezes,
inconsciente e inscrita no habituslinguístico (Bourdieu, 1998: 68). Dá para
perceber essa atitude ao observar-se a prontidão dos alunos face a algumas
solicitações do professor, acompanhada, harmoniosamente, de uma cortesia
linguística oportuna.
Olhando para os dados extensivos, a maior percentagem relativa a uma
predisposição para (cor)responder a todo o custo a uma pergunta do professor
(de que a graxa é um exemplo) encontra-se no grupo dos Autónomos Pragmáticos
Utilitaristas (33%). Apesar disso, a estratégia de se recorrer de forma sub-
reptícia ao manual, é mais valorizada, proporcionalmente, pelos Dependentes
Funcionais Utilitaristas (26,4%). A percentagem mais elevada relativa a uma
atitude mais contida (não estratégica) relativamente a este aspeto, verifica-se
nos indivíduos Autónomos Normativos e Integrados (68%).
5.5. Atitude face ao uso da internet nos trabalhos de casa
As tensões emergentes entre autoria e plágio constituem um problema em aberto
para as instituições escolares, na medida em que é um desafio grande para as
avaliações dos alunos. O acesso muito facilitado a todo um conjunto de fontes
de informação (independentemente da fiabilidade das mesmas) abre certamente
caminho a novas formas de realizar os trabalhos escolares. Porém, não explicam,
por si só, a frequente tendência, entre os alunos, para não haver hesitação em
plagiar informação. Apesar de em todos os clustersmais de metade dos casos,
praticar plágio (pelo menos parcial), os grupos que mais assumem, no mínimo,
copiar partes de conteúdos da netpara fazerem os trabalhos de casa são os
Autónomos Desligados (72%) e os Autónomos Pragmáticos Utilitaristas (75%).
Especial destaque para a atitude de se copiar indiscriminadamente os conteúdos
da Internet para fazer os trabalhos de casa, ser mais elevada nos indivíduos
Autónomos Pragmáticos Utilitaristas (10,5%). A percentagem mais elevada, dentro
de um só grupo, daqueles que não copiam (40%) surge da parte dos Dependentes
Passivos.
5.6. Aproveitamento de informação sem critérios de seleção
No seguimento do aspeto anterior, sublinhem-se os desafios em torno da autoria
e da ética subjacente. Tais encruzilhadas éticas estendem-se às questões da
honestidade perante o trabalho escolar, o qual, é sabido (Ponte et al., 2009),
é, atualmente, largamente afetado pela facilidade de acesso a informação
praticamente ilimitada e facilmente plagiável. Entre riscos e oportunidades
derivados de uma nova cultura da partilha (James et al., 2009: 44), redefinem-
se atitudes e comportamentos em torno da autoria.
Nos dados analisados, e relativamente ao aproveitamento da informação sem
critérios de seleção, o grupo mais concordante com esta atitude é dos Autónomos
Pragmáticos Utilitaristas (não surpreendentemente, uma vez que o aproveitamento
da informação é uma das suas características estruturais mais definidas), com
mais de 40% de respostas muito favoráveis. O grupo mais afastado desta atitude
é dos Dependentes Passivos, com mais de 80% de respostas muito desfavoráveis e
valores muito residuais de respostas favoráveis.
5.7. Atenção
A questão da atenção é um fator determinante na conduta, tanto de um ponto de
vista mais cognitivo, como também, e sobretudo, do lado do desempenho e das
dinâmicas de papéis que se revelam na interação. De acordo com a informação
recolhida, os grupos com menor tolerância relativa à atenção na sala de aula,
são os Dependentes Passivos, os Autónomos Desligados e os Autónomos Pragmáticos
Utilitaristas (todos acima dos 70%). Estes últimos são, ainda, os que possuem
(proporcionalmente) a maior percentagem de indivíduos com a menor tolerância de
todas relativamente à atenção (17%). Por outro lado, o grupo com maior
tolerância ao tempo seguido de aula é o dos Autónomos Normativos e Integrados,
mas, ainda assim, não passam dos 50% dentro do seu cluster. O grupo dos
Dependentes Funcionais Utilitaristas apresenta também uma tolerância
relativamente elevada em relação ao tempo de atenção seguido na sala de aula.
5.8. Atitude face ao espaço da sala de aula
O desempenho dos alunos no que toca ao respeito pelas convenções da civilidade
e dos modos de cortesia é uma das valências presentes no confronto com a
autoridade pedagógica. A atitude face ao espaço da sala de aula é um indicador
possível desse mesmo desempenho. A este respeito, os dois grupos que possuem,
proporcionalmente, percentagens maiores relativas à liberdade dentro da sala de
aula são os Autónomos Desligados e os Autónomos Pragmáticos Utilitaristas (com
54% e 53% respetivamente). O grupo dos Autónomos Normativos e Integrados é o
que possui a maior percentagem relativa a uma atitude mais normativa na sala de
aula (73%), seguidos do grupo dos Dependentes Passivos (66%).
5.9. Vontade de estar/fazer em vários sítios ao mesmo tempo
A distinção entre tempos monocromáticos e tempos policromáticos, sugerida por
Pais (2001: 71), e igualmente descrita por Hall (1996), proporciona um
interessante ponto de partida para a inclusão de uma análise temporal das
dinâmicas juvenis. De facto, os ritmos de mudança ' sobretudo como consequência
do uso das novas TIC ' sugerem uma série de mudanças estruturais, das quais a
compressão do espaço-tempo constitui uma vertente importante (Giddens, 1986;
2000). Os grupos do presente estudo que revelam, proporcionalmente, uma maior
vontade de estar em vários sítios e fazer várias coisas ao mesmo tempo são os
Autónomos Normativos e Integrados (com a maior percentagem relativa de
respostas muito favoráveis), seguidos dos Autónomos Desligados e dos Autónomos
Pragmáticos Utilitaristas. A autonomia parece aqui ser um fator decisivo na
predisposição para um modo de ação multitarefa.
5.10. Tolerância à falta do telemóvel
Debruçando-se especificamente sobre a relação dos jovens com a comunicação
móvel, Stald (2008), ' e contando com o testemunho de entrevistados para o
efeito ' relata o stress que ocorre quando o telemóvel não está disponível e,
mais frequentemente, o cuidado extremo para não se perder uma qualquer mensagem
ou chamada telefónica (Stald, 2008: 151-153).
Ao cruzar-se a variável dos clusterscom a variável que permite aferir a
tolerância à falta do telemóvel, verifica-se, nos dados analisados, que o grupo
mais tolerante em relação à falta do telemóvel é o dos Autónomos Normativos e
Integrados, com cerca de 57% de respostas favoráveis. Os grupos mais
intolerantes (lendo nas categorias correspondentes) são os Autónomos Desligados
(com o valor relativo mais alto de cerca de 42% de respostas desfavoráveis e,
simultaneamente, o valor relativo mais baixo de respostas favoráveis), os
Autónomos Pragmáticos Utilitaristas (com 38% de respostas desfavoráveis no seu
grupo) e ainda os Dependentes Funcionais Utilitaristas (com cerca de 37% de
respostas desfavoráveis).
5.11. Necessidade de comunicação permanente
São vários os autores que referem esta possibilidade de uma comunicação per-
manente (Katz e Aakhus 2002; Licoppe, 2004; Ling, 2008; Castells et al. ,
2009). Com a conectividade permanente, é reforçado o sentimento de união, de
pertença, sendo possível a todo o momento a confirmação, o feedback dos outros.
Nos dados analisados no presente estudo quanto à necessidade de comunicação
permanente, destacam-se os Autónomos Pragmáticos Utilitaristas (com cerca de
43% de respostas muito concordantes com essa necessidade) e os Autónomos
Desligados (com cerca de 41% de respostas muito concordantes). O grupo com
menor necessidade de comunicação permanente é dos Dependentes Funcionais
Utilitaristas (com cerca de 23% de respostas concordantes).
6. Apontamentos conclusivos dos perfis atitudinais
Após a elaboração de uma tipologia estrutural resultante da análise de
clusters, seguida de um cruzamento destes com outras variáveis relevantes para
a pesquisa, sugere-se uma revisitação dessa mesma tipologia, acrescentando uma
descrição mais conclusiva dos grupos atitudinais. As descrições seguintes dizem
respeito aos atributos de cada clusterem função das variáveis escolhidas no
ponto anterior.
6.1. Dependentes Passivos (cluster1)
* Trata-se do grupo com a menor percentagem de EDL e, simultaneamente, uma
maior percentagem de EE
São os que negoceiam menos com o professor na sala de aula
Usam muito pouco (comparativamente com os outros grupos) o telemóvel na
sala de aula
São o grupo que possui mais alunos que não plagiam (com auxílio da
internet) nos trabalhos de casa
Recusam categoricamente o aproveitamento a todo o custo da informação
(independentemente da veracidade)
Ainda assim, possuem uma tolerância baixa relativamente ao tempo seguido de
atenção na sala de aula
Possuem uma atitude mais normativa na sala de aula
Os alunos do grupo correspondente ao cluster1 revelam uma atitude mais
normativa e com menor predisposição para infringirem as regras. Ainda assim, o
seu empenho não é relevante e parecem assentar a sua atitude numa dependência
da autoridade e das normas, sugerindo uma certa passividade perante as
oportunidades. Respeitam as normas, mas a sua autonomia é baixa.
Neste caso, a proximidade ao professor, tendo em conta a baixa autonomia,
sugere, provavelmente, mais uma dependência do que uma confiança intrínseca.
Algumas implicações em termos identitários podem ser esboçadas a partir deste
quadro.
Neste sentido, James Marcia, que estudou as fases de formação da identidade em
estudantes universitários, identifica uma predisposição para a formação da
identidade a que chama de insolvência identitária. De acordo com o autor, esta
fase corresponde a um evitamento de escolhas autónomas, sendo os indivíduos
mais orientados pela ação dos outros em detrimento da sua. Ao mesmo tempo, o
seu espírito crítico é baixo, preferindo aceitar, em larga medida, o papel que
as figuras de autoridade ou pessoas influentes lhe impõem (Marcia, 1966).
6.2. Autónomos Normativos e Integrados (cluster2)
* É o grupo com a maior percentagem de EDL
Usam pouco o telemóvel na aula
Face a uma pergunta do professor têm uma atitude mais contida/normativa
(não estratégica)
São o grupo com maior tolerância ao tempo seguido de aula
O grupo com uma atitude mais normativa na sala de aula
Apresentam uma proximidade grande ao professor
O grupo com maior vontade de estar em vários sítios ao mesmo tempo e fazer
várias coisas ao mesmo tempo
O grupo mais tolerante em relação à falta do telemóvel
Sendo um dos grupos mais pequenos, o cluster2 é também o que inclui a maior
percentagem de alunos oriundos de classes sociais mais altas. Trata-se de
alunos dotados de autonomia elevada, ao mesmo tempo que possuem uma atitude
mais normativa. Aproveitam as oportunidades. Trata-se de um grupo de alunos com
recursos económicos e culturais sólidos e com trajetórias estáveis e
duradouras.
A juntar a isto, e uma vez que tendem a ser regrados, ao mesmo tempo querendo
aproveitar as oportunidades e revelando uma predisposição para a ação
multitasking, os alunos deste grupo estão, provavelmente, num patamar de
integração social elevado, com papéis bem definidos. A este propósito, Lewis
Coser lembra que os mecanismos de articulação de papéis estão mais facilmente
acessíveis a pessoas de estatuto social elevado, em vez do contrário (Coser,
1995: 18, traduzido do inglês).
Refira-se, ainda, que a elevada proximidade ao professor registada neste grupo,
exprimirá mais facilmente ' ao contrário do que acontece no cluster anterior '
uma confiança intrínseca maior.
6.3. Autónomos Desligados (cluster3)
* Grupo com a segunda maior percentagem relativa de EDL; tem uma das maiores
percentagens relativas de Aepl.
O grupo de alunos que mais utiliza o telemóvel nas aulas
Um dos grupos que mais assumem copiar partes de conteúdos da netpara
fazerem os trabalhos de casa
Muito baixa tolerância relativa ao tempo seguido de atenção na sala de aula
Atitude de grande liberdade dentro da sala de aula
Vontade de estar em vários sítios e fazer várias coisas ao mesmo tempo
Os mais intolerantes relativamente à falta do telemóvel
Necessidade de comunicação permanente elevada
O grupo dos Autónomos Desligados é o que mais utiliza o telemóvel e possui uma
atitude de grande liberdade de movimentos na sala de aula e com uma necessidade
elevada de comunicação permanente. Corresponde, em parte, ao que Pais
identificou, há duas décadas, quando denominou baldas aos alunos com um
comportamento de alheamento em relação à escola e à formalidade que nela se
vive (1993: 233).
Um dos aspetos importantes nestes alunos é o facto de apresentarem uma
intolerância elevada face ao tempo de atenção na sala de aula. Conjugando esse
aspeto com uma utilização intensa do telemóvel em sala de aula e uma
necessidade grande de comunicação permanente, dir-se-ia que são alunos cuja
ação facilmente está sujeita a uma inflexão súbita da atenção.
Outro aspeto relevante reside na conjugação da necessidade de comunicação
permanente elevada, com uma proximidade ao professor baixa, o que pode sugerir
uma confiança (nos outros, e também na autoridade) baixa e uma compulsividade
elevada na comunicação móvel (enquanto substituto da confiança).
6.4. Dependentes Funcionais Utilitaristas (cluster4)
* O clustermais diversificado ao nível das classes socioprofissionais, apesar
de haver, a par dos demais clusters, uma predominância clara dos PTE, EE e
EDL; possui a maior percentagem relativa de TI
O grupo que mais adota a estratégia de, sub-repticiamente, recorrer ao
manual face a uma pergunta do professor
Apresenta uma tolerância relativamente elevada em relação ao tempo seguido
de atenção na sala de aula
Muito próximos do professor
Intolerantes à falta do telemóvel
O grupo com menor necessidade de comunicação permanente
Quanto aos alunos do cluster4, lembre-se, têm uma proximidade grande ao
professor, ao mesmo tempo que um baixo respeito pelas autoridade e regras.
Ainda assim, comprometem-se com um mínimo de esforços no trabalho escolar, em
grande parte, rebocado por uma assertividade externa presente no professor. São
um dos grupos cujo locusde controlo (e autoridade) é externo (Rotter, 1966).
A grande proximidade ao professor verificada neste caso é, à semelhança do que
acontece no primeiro cluster, mais decorrente de uma dependência funcional do
que propriamente numa confiança intrínseca.
6.5. Autónomos Pragmáticos Utilitaristas (cluster5)
* Grupo com a proporção mais elevada de PTE's
O grupo com a maior percentagem de indivíduos que negoceiam mais
Um dos grupos que mais utiliza o telemóvel na sala de aula
A maior predisposição para corresponder a todo o custo a uma pergunta do
professor
O grupo que mais assume copiar partes de conteúdos da netpara fazer os
trabalhos de casa
Quanto ao aproveitamento da informação independentemente da veracidade da
mesma, é o grupo mais concordante (não surpreendentemente, uma vez que o
aproveitamento da informação per si é uma das suas carac- terísticas
estruturais mais definidas)
Muito pouca tolerância ao tempo seguido de atenção na sala de aula (o grupo
menos tolerante)
Grande liberdade dentro da sala de aula
Grande vontade de estar em vários sítios ao mesmo tempo e fazer várias
coisas ao mesmo tempo
Relativamente intolerantes à falta de telemóvel
Grande necessidade de comunicação permanente
O grupo de alunos do cluster5 é, como já se tinha referido anteriormente,
dotado de grande autonomia e pouco próximo do professor, não sem revelar uma
predisposição para o plágio ou para corresponder a todo o custo a uma imagem
mínima de alunos aplicados. A isto junte-se um pragmatismo grande no
aproveitamento da informação.
Verifica-se que são os mais descontraídos; os que apresentam tendência para uma
liberdade grande na sala de aula ' que inclui o uso do telemóvel ' e uma
necessidade grande de comunicação permanente. São, neste sentido, alunos mais
propensos a desviarem facilmente a atenção noutro sentido, estando mais
vulneráveis a estímulos estranhos ao registo escolar que, inclusivamente, levam
para dentro da sala de aula (caso do telemóvel). Contudo, não deixam de gerir
esses momentos de forma a não comprometer o seu aproveitamento escolar.
Distinguem-se dos alunos Autónomos Desligados (cluster3), precisamente, por
terem todo o interesse em mostrar trabalho feito, apesar dos meios que usam
(descontraidamente) para o fazer.
Considerações finais
Na análise, o grupo que registou o maior número de indivíduos foi o dos
Dependentes Funcionais Utilitaristas (cluster4), seguido dos Autónomos
Desligados (cluster3) e dos Dependentes Passivos (cluster1). Em todos os
clustersconseguidos, a classe profissional de origem com a maior percentagem
relativa foi a dos PTE, seguida dos EE e EDL em menor escala.
É interessante verificar o entrecruzamento dos aspetos em análise através das
combinações possíveis de atitudes obtidas. Em termos conclusivos gerais, a
autonomia surge como o elemento que serve de móbil para outras despistagens no
que toca às diferentes atitudes dos jovens alunos. É um dos eixos analíticos
com maior poder diferenciador, a par da relação com a autoridade e regras. A
autonomia condiciona e é elemento explicativo de quase todos os outros índices
utilizados.
Elementos exteriores à escola, nomeadamente as práticas de acesso à informação
mediante as novas TIC, são importantes e articulam-se também com o eixo da
autonomia. Associada a uma diferenciação no uso das TIC, está uma diferenciação
em termos de autonomia ' o que confirma, de certa forma, a ideia de potenciação
de autonomia defendida por Castells (Castells, 2002; Castells et al., 2009) '
mas também na relação com a autoridade.
Um desligamento relativo às regras e autoridade poderá sugerir uma maior
autonomia, mas também uma dependência grande. Se a presença do aluno nas aulas
for assegurada mediante uma chamada de atenção constante, numa permanente
tensão ao nível da relação pedagógica, tal não deve ser interpretado como
apenas uma atitude de rebeldia. Pelo contrário, a necessidade de um controle
externo constante por parte do professor pode estar associado a uma atitude
mais passiva por parte do aluno.
Mas um desrespeito pelas regras e pela autoridade pode significar uma adesão à
causa escolar feita de forma disfarçada, porque instrumentalista concomitante
com a incorporação de regimes de regras alternativos ou mesmo de éticas
distintas. Veja-se, por exemplo, no caso dos Autónomos Pragmáticos
Utilitaristas (cluster5), onde existe uma autonomia consolidada, uma relação
muito chegada com as novas TIC ' e um aproveitamento da informação já mais
sofisticado.
Na análise verificou-se, por exemplo, que a intolerância face à espera ou à
ausência do telemóvel era significativa na grande maioria dos jovens da
amostra. Nos casos em que estas tendências se cruzam com uma fraca autonomia, e
onde a proximidade ao professor é elevada, pode-se falar de uma procura do
professor enquanto referente, não somente da autoridade (independentemente da
aceitação de regras), mas de estabilidade normativa, num vínculo mais
equilibrado, em contraste com os atropelos e o sentimento de renovação urgente
da confiança presente nos quotidianos e relações exteriores à relação
pedagógica.
Neste sentido, como já se referiu, a relação pedagógica funcionará, para alguns
alunos, enquanto âncora de normatividade, independentemente da aceitação de um
método compassado e sistemático de transmissão de saberes e orientações. Assim,
onde a autonomia é menor, a proximidade ao professor tende a representar uma
confiança menos sustentável (porque menos autorreferencial).
Por outro lado, nos casos onde a autonomia é maior, assim como a proximidade ao
professor e o respeito pelas regras e autoridade, a confiança parece emergir
como uma explicação que encaixa melhor na atitude dos alunos ' tal é o caso dos
Autónomos Normativos e Integrados (cluster2).
Notas
1 Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa ' Instituto
Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL); Centro de Investigação e Estudos de
Sociologia (CIES-IUL) (Lisboa, Portugal). Endereço de correspondência: Edifício
ISCTE, Avenida das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal. E-mail:
nuno.melo.ferreira@iscte.pt
2 Estudar as culturas juvenis é, também, de certa forma, entrar no seu conjunto
de hábitos, valores e preceitos éticos partilhados voluntariamente, ou não, com
ligação às homologias estruturais de índole classista inerentes.
3 Apesar da importância e do contributo das entrevistas a professores '
sobretudo na fase explora- tória ' foi na sala de aula e acompanhando de perto
a relação pedagógica, que a matéria-prima da pesquisa se foi desvendando de
forma sistemática. Pretendeu-se ir ao encontro do desempenho e da interação
focando a atenção na relação entre aluno(s) e professor. A abordagem
metodológica feita aos processos extraescolares foi dupla. Por um lado,
procedeu-se à recolha de depoimentos de cerca de 20 jovens, entre os 15 e os 17
anos de idade, de classe média e a frequentar o ensino secundário. Apesar de a
amostra conter alunos de diferentes estratos sociais, o intuito de partida do
estudo foi o de ir ao encontro das classes médias. A classe média representa um
conjunto de estratos sociais ' diversificados, é certo ' com potencial
heurístico para se perceber a força motriz de muitos aspetos que rodeiam a
cultura mediática juvenil. Afinal de contas, o marketinge as novas práticas de
consumo (e também as novas práticas informacionais) são, em grande medida,
dirigidas às massas, tal é o seu potencial de mercado. Assim, alguns aspetos
mais vincados, característicos de classes sociais mais uniformes em termos
estruturais (ex.: classes populares ou classe alta), não interfeririam (tanto),
por hipótese, numa certa análise da cultura de massas, tal é o peso desta no
universo simbólico de referentes e condutas juvenis de uma parte considerável
da população. Houve a preocupação de se controlar a amostra por via de uma
informação prévia acerca das condições socioeconómicas (em traços gerais e
aproximados) das turmas em causa. Certamente que a amostra recolheu alunos de
estratos diferenciados; contudo, o peso das classes socioprofissionais mais
ligadas à classe média fez-se sentir, como se poderá observar mais adiante. O
outro lado importante da abordagem metodoló- gica, incluiu a pesquisa extensiva
de aspetos relacionados com a relação com as TIC, valores, atitudes e práticas
quotidianas.
4 Refira-se que, dadas as limitações logísticas do projeto, não foi possível
fazer este número situar-se num intervalo aceitável de representatividade,
valendo por isso, enquanto amostra ilustrativa.
5Os concelhos abrangidos na amostra das escolas foram os seguintes: Lisboa (5
escolas); Oeiras (2 escolas); Almada (2 escolas); Sintra (2 escolas); Loures (1
escola).
6 Cada índice corresponde à média aritmética dos valores das variáveis
constituintes do mesmo.
7 Importa referir que a construção de parte do questionário, além das variáveis
construídas de raiz, contou com o contributo de indicadores inspirados no
modelo de aferição da escala de valores huma- nos (Schwartz, 2003), também
utilizados no European Social Survey.
8 As variáveis podem, ainda, se se preferir, subdividir-se em dois aspetos
estreitamente ligados à autonomia, e que se cruzam com outras áreas do saber '
a autoconfiança e o autocentramento. Deixa-se, para já, de parte um
aprofundamento dos fatores diferenciadores destas duas subcategorias, cen
trando-se a atenção na coerência e da pertinência do índice como um todo.
9 Trata-se de um método não hierárquico, adequado para bases de dados de
dimensão moderada (no caso presente, n = 409) e ideal para lidar com variáveis
quantitativas. Implica a definição prévia de número de clustersa constituir, ao
contrário de outros métodos que devolvem o número calculado declusters. Isto
implica que tem de haver um processo de experimentação, por parte do
investigador, ao definir várias hipóteses de números de clusters, comparar as
diferentes configurações e encontrar aquela que lhe parece mais diferenciadora
entre grupos e agregadora dentro de cada grupo.
10 Dizer-se que determinado valor de um índice é mais ou menos elevado é ter em
conta a amplitude de valores desse mesmo índice. Por exemplo, se o índice de
proximidade ao professor oscila entre 2,77 e 3,44 (ver quadro_1), adotam-se,
serão esses o valor mais baixo e o valor mais alto, respetivamente. Assim, o
valor mais baixo registado do índice de proximidade encontra-se, no mesmo
cluster(3), um valor de 4,89 para o índice de autonomia (valor mais alto
registado neste índice e, portando, correspondente aos indivíduos que possuem o
sentimento de autonomia maior da amostra).