A socialização antecipatória para a profissão docente: estudo com estudantes de
Educação Física
Introdução
Nos últimos anos, os processos de formação para a docência têm sido alvo de
alterações profundas, designadamente com o processo de Bolonha, que aportou
transformações não apenas na estrutura dos cursos, mas também nos próprios
propósitos. Cornelissen e van Wyk (2005) referem que se no passado a
preocupação recaía nos processos e métodos de formação aplicados aos programas
de formação, atualmente a atenção incide, sobretudo, na compreensão do modo
como os estudantes apreendem os conhecimentos, os valores, as habilidades
técnicas e as atitudes necessárias ao exercício da profissão (Flores e Day,
2006; Marcon, Nascimento, e Graça, 2007). Deste modo, importa também atentar
que é necessário pensar a aprendizagem como resultado de uma conjugação de
fatores que interagem entre si, designadamente as caraterísticas individuais
dos estudantes e as experiências anteriores à formação (Entwistle, 1995).
A tentativa de perceber o modo como os estudantes constroem a sua identidade
profissional, implica considerar que se trata de um processo de construção que
é, fundamentalmente, influenciado pelas sucessivas socializações ao longo da
vida (Dubar, 1997). Processo este que se inicia antes da formação superior, com
a socialização antecipatória (Cornelissen e van Wyk, 2005; Flores e Day, 2006),
prossegue durante a formação inicial e continua ao longo de todo o percurso
profissional (Albuquerque, Pinheiro e Batista, 2008). Este é, portanto, um
processo marcado pela natureza pessoal e social de cada indivíduo, refletindo
claramente o caráter interativo e multidirecional da socialização, que não
sendo adquirida num só espaço e num só tempo, passa por renegociações
permanentes no seio dos vários subsistemas de socialização.
Na verdade, como refere Dubar (1997) ao reporta-se a Percheron (1974), a
socialização não é apenas, nem exclusivamente, a transmissão de valores, normas
e regras, mas antes o desenvolvimento de uma dada representação do mundo. No
caso concreto da profissão de professor várias questões se colocam: O que é
ser professor?, Qual o papel e função do professor?, Que posição ocupa o
professor na sociedade?. Na tentativa de lhes dar resposta, é crucial
considerar que as representações constroem- se não apenas por imposição de
agentes exteriores, nomeadamente da família, escola ou outros, mas também
através de um processo gradual de múltiplas influências que cada indivíduo vai
tendo ao longo do seu percurso, que o levam, ele próprio, a reinterpretar e a
formar novas representações. Como aponta Dubar (1997), estas representações
adquiridas pela socialização são o produto das influências presentes e passadas
dos múltiplos agentes de socialização. Esta socialização latente, também
designada de socialização antecipatória, é muitas vezes impessoal, informal e
intencional, e adquire um papel de tal forma importante que tem
responsabilidades no alargar das escolhas profissionais, influenciando as
aprendizagens no decorrer de toda a formação. Trata-se de um processo pelo qual
o indivíduo aprende a interiorizar, ao longo das suas vivências, os valores de
grupos que servem de referência e aos quais desejam pertencer, e que, de alguma
forma, interfere na interpretação das novas aprendizagens.
Neste quadro, vários têm sido os estudos (e.g. Bastick, 2000; Kiziaslan, 2010;
Kyriacou e Kobori, 1998) que têm perscrutado as razões pelas quais os
estudantes escolhem seguir a profissão docente, porquanto entendem que uma
melhor compreensão das razões, das perspetivas e dos preconceitos acerca da
profissão, pode ter implicações importantes nos processos de formação. Estes
autores incidem fundamentalmente em três fontes de motivação: razões
altruístas, razões intrínsecas e razões extrínsecas. As razões altruístas
decorrem de uma visão do ensino como uma profissão importante e útil para a
sociedade. As razões intrínsecas incluem aspetos como a relação com as
crianças, a vocação para o ensino, o sentir-se capaz e o desejo de servir-se
do conhecimento da matéria. As razões extrínsecas abarcam as condições que são
atrativas para o desempenho da profissão.
Assumindo que os aspetos relacionados com a socialização antecipatória
influenciam o modo como os estudantes incorporam as aprendizagens ao longo do
percurso formativo e que, por sua vez, os cursos de formação devem atender ao
perfil de estudantes que têm (partindo das suas representações), na tentativa
de as desconstruir e reconstruir, este estudo pretende responder às seguintes
questões de pesquisa:
1. 1) Qual o perfil dos estudantes que ingressam no 2º Ciclo (mestrado) em
Ensino de Educação Física nos ensinos Básico e Secundário (EEFEBS) na
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP)?
2) Que razões apontam para a escolha de um curso de formação para a
docência?
3) Quais os agentes de socialização que identificam para a escolha da
profissão docente e qual o seu papel?
2. Metodologia
O presente estudo, de natureza descritiva e interpretativa, representa a
primeira componente de um projeto de investigação de Doutoramento em Ciências
do Desporto, cujo objetivo é compreender o modo como cada estudante do 2º Ciclo
em EEFBS constrói a sua identidade profissional (IP), enquanto futuro
professor, ao longo dos dois anos de formação conducente à aquisição da
habilitação para a docência. Nesta pesquisa o foco central é a socialização
antecipatória para a profissão docente. Em termos de estrutura, o estudo tem
duas componentes, uma extensiva e outra intensiva. Na primeira fase os
participantes foram todos os alunos que ingressaram no curso de 2º ciclo em
EEFEBS, no ano letivo de 2012/2013; na segunda fase participaram 10 estudantes,
selecionados a partir de critérios qualitativos explicitados no ponto seguinte.
2.1. Procedimentos de recolha dos dados
Na primeira componente recorreu-se a um questionário aplicado a todos os 155
estudantes inscritos no 1º ano do 2º Ciclo em EEFEBS, do ano letivo de 2012/
2013. Para o presente estudo foi utilizado o questionário tipo inquérito, com o
objetivo de obter dados demográficos, bem como aceder a aspetos relativos à
socialização antecipatória dos estudantes. O questionário contém três blocos
temáticos: a) percurso académico; b) percurso desportivo; e c) agentes de
socialização. O instrumento foi aplicado a todos os estudantes, no início do
ano letivo, durante a primeira aula de uma unidade curricular do 1º ano do
curso. Posteriormente, tendo como objetivo selecionar um conjunto de estudantes
com perfis distintos, com base na análise dos dados obtidos, foram selecionados
20 participantes, atendendo aos seguintes critérios: 1º) prioridade no concurso
ao 1º e 2º ciclo de estudos na área da Educação Física (EF); 2º) instituição de
conclusão do 1º ciclo de estudos; 3º) média de acesso ao ensino superior; 4º)
perfil de prática desportiva (modalidade, razões, tempo de prática); 5º)
experiências profissionais na área do Desporto; 6º) disponibilidade e prazer
pela escrita. Os estudantes foram contatados e aqueles que demonstraram
disponibilidade para participar no estudo (10 estudantes) foram entrevistados,
recorrendo a um guião semiestruturado. O objetivo foi aceder a dados mais
detalhados da sua socialização antecipatória. A entrevista foi objeto de
gravação em áudio, sendo constituída por três blocos temáticos: a) experiências
significativas para a escolha do curso de formação para a docência; b) momento
(s) de descoberta para a profissão docente; e c) representação do que é ser
professor.
2.2. Procedimentos de análise dos dados
Para a análise dos dados de natureza quantitativa (questionário) utilizaram-se
medidas descritivas básicas (frequências, medidas centrais e de dispersão), com
o objetivo de caraterizar o perfil e a socialização (agentes e vivências) para
a profissão docente dos estudantes que ingressam no 2º ciclo em EEFEBS.
Já nos dados de natureza qualitativa (entrevistas e questão aberta do
questionário), depois de efetuada a transcrição integral do conteúdo verbal do
discurso dos participantes, estes foram sujeitos a uma análise de conteúdo
(Patton, 2002), porquanto este método permite tratar de forma organizada dados
diversos que apresentam um certo grau de profundidade e de complexidade
(Bardin, 2004; Quivy e Campenhoudt, 2005). Recorrendo a procedimentos dedutivos
e indutivos, os temas e as categorias foram definidos a priorie as
subcategorias a posteriori. Para tal, recorreu-se ao programa de análise
qualitativa Nvivo 10para a organização dos dados pelos temas, categorias e
subcategorias (Quadro_1)4.
Na temática da socialização antecipatória, foram consideradas duas categorias:
agentes de socialização para a prática desportiva e agentes de socialização
para a profissão. Na especificação dos agentes de socialização foram
identificados os seguintes: família, amigos, treinadores e professores,
particularmente o professor de EF.
Relativamente à temática das razões para a escolha da profissão docente,
adotou- se uma taxonomia em resultado de uma síntese dos conceitos veiculados
por um conjunto de autores (Bastick, 2000; Kiziaslan, 2010; Kyriacou e Kobori,
1998), resultando em três fontes de motivação: razões altruístas; razões
intrínsecas; razões extrínsecas.
As razões altruístas decorrem de uma visão do ensino como uma profissão
importante e útil para a sociedade, onde o desejo de ajudar as crianças e
jovens surge no sentido de contribuir para a melhoria da sociedade (Kiziaslan,
2010). Mencione-se a título de exemplo: o gosto pela partilha do conhecimento
com os outros; o contributo para a sociedade; ser um exemplo para os alunos. As
razões intrínsecas incluem aspetos como o desejo de trabalhar com crianças, a
vocação para o ensino, o gosto pela matéria de ensino e a profissão que
sempre desejou (Kiziaslan, 2010). Como refere Caires (2002), esta tipologia de
razões reporta-se às recompensas intrínsecas ou psíquicas decorrentes do
exercício da profissão. Já as razões extrínsecas abarcam as condições que são
atrativas para o desempenho da profissão, tal como o salário, a segurança, as
férias, os horários, o prestígio ou o poder sobre os outros (Kiziaslan, 2010).
3. Resultados e Discussão
Na tentativa de procurar dar resposta às questões de pesquisa, numa primeira
fase são apresentados os dados de natureza demográfica, de modo a traçar o
perfil dos estudantes que ingressam no 2º Ciclo em EEFEBS, na FADEUP. Numa
segunda fase apresentam-se as razões para a escolha da profissão docente e os
agentes de socialização. De referir ainda que, na segunda fase, são utilizados
dados do estudo extensivo e intensivo.
3.1 O perfil dos estudantes que ingressam no 2º Ciclo de EEFEBS
Traçar o perfil dos estudantes que se candidatam ao Ensino é o primeiro
objetivo desta pesquisa. Neste aspeto mais de dois terços dos estudantes que
ingressaram no 2º Ciclo do curso de EEFEBS da Universidade do Porto são do sexo
masculino (64,2%). Esta caraterística é bastante distinta do perfil de
candidatos a outras áreas de ensino (e.g. Almeida et al., 2002; Caires e
Almeida, 2005; Caires, 2002), em que o número de candidatos do sexo feminino é
manifestamente superior. Em termos de idade, esta oscila entre os 20 e os 48
anos. A maioria dos estudantes tem idades compreendidas entre os 20 e os 23
anos (84,3%), entre os 24 e 26 anos estão 12,3% e apenas 3,4% entre os 27 e 48
anos.
Em termos de percurso académico, os dados encontrados espelham o referido por
Almeida et al. (2002), que afirmam que o perfil dos candidatos ao ensino
superior é revelador de percursos escolares e expetativas claramente
diferenciadas. Contudo, e não obstante os percursos distintos dos candidatos, é
possível identificar a existência de espaços de encontros e desencontros em que
os interesses e necessidades, bem como as circunstâncias socioculturais que
mediaram o seu modo de agir e de pensar, deram lugar a constantes
(re)negociações nos vários subsistemas de socialização admitidos por Dubar
(1997). Assim, pode afirmar-se que, apesar dos candidatos terem sido
influenciados por fatores distintos, todos passaram por um processo de
sucessivas socializações que acabaram por conduzir a uma mesma opção: a de
escolher um curso na área do desporto. A natureza pessoal e social do estudante
fica aqui bem patente. No Quadro_2 podem ser observados os dados relativos ao
acesso ao ensino superior e respetivo percurso académico.
Observando a prioridade do concurso de acesso ao ensino superior, constata-se
que 74,3% colocaram como primeira prioridade o curso de Desporto na FADEUP,
sendo que apenas 46,5% o conseguiram. Por outro lado, embora 22,1% dos
participantes desejasse, igualmente, o curso de Desporto, estes colocaram como
primeira opção outra instituição que não a FADEUP. Verifica-se ainda que,
apenas 3,7% dos candidatos veio para o curso de Desporto como segunda opção,
revelando que a generalidade dos candidatos tinha como primeira opção este
curso.
Relativamente à instituição em que realizaram a licenciatura, quase metade dos
candidatos (46,5%) são da FADEUP, sendo os restantes estudantes oriundos de
instituições distintas: 11,6% provêm de outras universidades públicas, 9,3% das
Escolas Superiores de Educação e 32,6% de instituições superiores privadas.
Este processo de circulação de estudantes entre instituições tornou-se uma
realidade em resultado da recente implementação de Bolonha. Na verdade, nos
últimos anos, muitos estudantes frequentam o 1º ciclo numa instituição e o 2º
ciclo noutra. Este trânsito aporta um perfil de estudantes muito heterogéneo
no que se refere aos conhecimentos, competências e mesmo conceções, colocando
novas e renovadas exigências às instituições de formação. De facto, esta
circulação de estudantes entre instituições aporta a coexistência de conceções,
de escolhas e de olhares (Almeida e Fensteerseifer, 2007), as quais, de alguma
forma, vão influenciar as reinterpretações e representações de cada estudante
(Dubar, 1997). Na formação inicial, concretamente no decorrer do 2º ciclo de
estudos, estas representações e perspetivas estão presentes, sendo a partir
delas que os alunos interagem, aprendem e constroem a sua identidade enquanto
futuros professores. Assim, tendo em conta que as novas aprendizagem resultam
da influência das vivências e aprendizagens antecedentes (Entwistle, 1995),
importa que as instituições reajustem e adequem os processos de formação aos
diferentes perfis dos estudantes na tentativa de os direcionar para a
formação pretendida.
No que concerne às médias de acesso ao Ensino Superior (ES) estas são muito
similares às médias finais de licenciatura, evidenciando que o rendimento
académico se mantém relativamente constante (14,57 e 14,16, respetivamente no
ensino secundário e na licenciatura).
3.2 Razões para a escolha do curso de formação conducente à profissão docente
Ao analisar as três fontes de motivação consideradas ' altruístas, intrínsecas
e extrínsecas ' é visível que as intrínsecas são as de maior relevo (47,2%),
seguida das extrínsecas (30,2%) e, por último, as altruístas (22,6%). Estes
resultados parecem contrariar a tendência de outros estudos realizados em áreas
distintas da docência, designadamente nas línguas (e.g. Bastick, 2000;
Kiziaslan, 2010), nos quais se destacam as razões altruístas e extrínsecas,
como sendo as principais fontes de decisão. Já nos estudos realizados em EF
(e.g Israel e Duarte, 2000; Santini e Molina Neto, 2005), as razões intrínsecas
são as principais fontes de motivação para a escolha de um curso na área do
Desporto. Especificamente, aquando da opção pela via de ensino de EF, passam a
ser as razões altruístas as principais fontes (Israel e Duarte, 2000). Também
Carvalho (1996), reportando-se a uma pesquisa realizada por Dewar (1989),
refere que, no caso dos alunos atraídos pela carreira em EF, a escolha da
profissão docente resulta da possibilidade de continuarem associados ao
desporto e à oportunidade de trabalharem com crianças, numa atmosfera de
trabalho que lhes é familiar e positiva. Ou seja, continuar as suas vivências
de vida desportiva, podendo transmiti-las a outros.
Assim, não obstante as alterações sociais, designadamente a perda de estatuto
social da profissão docente, os estudantes continuam a elencar a mesma
tipologia de razões aquando da opção por um curso superior. Neste quadro, é
visível, mais uma vez, que a natureza pessoal e social de cada indivíduo ocupa
um lugar central nas opções de cada um, isto não obstante a continuidade e
descontinuidade dos processos de socialização, que levam os indivíduos a
colocarem a descoberto e a reformularem as suas crenças.
Partindo deste entendimento, e tendo em conta os vários percursos que
distinguem os estudantes participantes neste estudo, é percetível que, nas
diferentes relações estabelecidas com o outro social, os sujeitos constituem
a sua individualidade (Almeida e Fensterseifer, 2007). Na verdade, é no
processo de internalização de signos que os participantes produzem
referenciais próprios, em consonância com as suas convicções, que os levam a
agir, a pensar e a refletir de forma distinta perante experiências de vida
iguais ou diferentes. Com refere Dubar (1997), são significados que os sujeitos
atribuem e adquirem nas sucessivas socializações, numa constante alternância
entre os espaços e o tempo. Alternância esta designada por Chaix (2002) de
transação. Estas situações transitórias mobilizam a organização conjunta
entre os espaços de socialização, enquanto passagem de um estado para outro,
de uma situação para outra (Kaddouri, 2008: 62) nas mais variáveis vivências.
Estas múltiplas transações de cada indivíduo caraterizam-se por serem
temporárias e limitadas no tempo e no espaço, sendo neste espaço de transição
que a história de cada um é construída. Por esta razão, compreende-se que as
respostas às motivações de cada um sejam o resultado da história e significados
individuais.
Ao examinar de forma mais específica cada fonte de motivação, verifica-se que,
ao nível das razões intrínsecas, alguns participantes colocam a ênfase no gosto
pela prática desportiva, não especificando, porém, uma área de intervenção no
Desporto, em que efetivamente gostassem de atuar:
Há alguma coisa que me diz que eu quero ser professor de EF, há
outra que também me diz que quero ser treinador, há outra que me diz
que quero ir para o ginásio... eu gosto de todas as áreas.
(E1.Daniel)
Este elemento parece apontar para a ideia defendida por Carvalho, que advogava
que alguns estudantes optavam por esta formação inicial apenas como pré-
requisito para outra atividade que não o ensino (Carvalho, 1996: 44). Israel e
Duarte (2000) reforçam esta noção ao mencionarem que atividades como o treino,
a recuperação e a reabilitação, a administração e a gestão desportiva, poderão
constituir algumas das possíveis saídas profissionais almejadas pelos
estudantes. Depreende-se assim que, para estes estudantes, o comprometimento
com o desporto é mais relevante que o papel que poderão vir a desempenhar em
termos profissionais. Neste mesmo sentido, Becker, Ferreira e Krug (1999)
advogam que o gosto pelo desporto é o principal motivo pelo qual as pessoas
escolhem a EF como profissão. Efetivamente, tal como Santini e Molina Neto
(2005) destacam, a maioria dos candidatos à área da EF não aspiram, desde logo,
a serem professores. Na verdade, o facto de serem ex-atletas ou pessoas que
mantiveram contato com a área desportiva, quando confrontados com a decisão de
escolher a profissão, acabam por optar por uma atividade que lhes é familiar e
pela qual têm gosto. Tal como verificado acima, talvez esta evidência explique
o porquê de, no presente momento, alguns estudantes ainda terem dúvidas quanto
ao exercício da profissão docente:
Ainda hoje não sei propriamente aquilo que eu quero seguir. Qual é a
área específica, dentro do curso de Ciências do Desporto, que eu
quero seguir mas sabia que este era o meu lugar. (E1.Cátia)
Como evidenciaram estudos anteriores (Becker, Ferreira e Krug, 1999; Israel e
Duarte, 2000; Krug e Krug, 2008), o gosto por aceder a mais conhecimentos e a
identificação com os conhecimentos necessários para intervir na área, além do
gosto por ensinar, foram outras razões indicadas pelos estudantes para a
escolha do curso:
( ) sociologia, a antropologia, as fisiologias, as pedagogias, as
psicologias, todas as aulas teóricas eu também me identifiquei com
elas. Não só a ginástica e a natação, a natação para mim que também é
outra modalidade que gosto, não só essas, mas as bases teóricas que
aqui estão nesta licenciatura... adorei história do desporto (...)
portanto todos esses fundamentos eu identifiquei-me bastante com
eles. (E1.Índia)
Outro elemento que ficou visível foi a elevada determinação por parte de alguns
estudantes, porquanto a não entrada no curso na primeira candidatura não os
dissuadiu de tentar o concurso na instituição almejada para o prosseguimento de
estudos:
( ) consegui, fiz o curso de Desporto, não consegui entrar aqui logo
no 1º ano, fui para o ISMAI e depois pedi transferência para vir para
a FADEUP, que era onde eu queria acabar e onde queria fazer o curso
( ). (E1.Mateus)
O gosto pela prática em alguns estudantes surge ainda mais fortalecido pelo seu
envolvimento em atividades onde tiveram oportunidade de interagir com crianças
ou jovens e de experimentar situações aproximadas ao papel de professor
(Caires, 2002). Uma parte substancial dos estudantes revelou ter exercido ou
ainda exercer funções enquanto treinador (38,0%) ou professor, nomeadamente
professor de dança, de natação ou de Atividades de Enriquecimento Curricular
(11,0%), ou ainda estarem envolvidos em atividades de Fitness(5,8%). Os
restantes (45,2%) não revelaram prática profissional no âmbito do Desporto ou
apenas realizaram estágios curriculares ou pequenas colaborações junto de
algumas entidades.
Efetivamente, tal como patenteiam os dados do estudo intensivo, a relação com
as crianças revelou ser significativa no sentido de fortalecer as escolhas para
a profissão:
A vontade de ser professor, descobri há muito tempo, derivado da
vontade de interagir e de trabalhar com pessoas, principalmente com
crianças. (E1.Maria)
O facto de alguns estudantes revelarem já ter tido oportunidade de assumir
responsabilidades enquanto treinadores pode explicar a compreensão que
revelaram acerca da importância desse papel e a similitude de algumas situações
com o papel de professor. Mas os momentos que mais os marcaram foram o
reconhecimento de outros (e.g. professores de EF e/ou colegas, diretores de
clube, atletas, amigos) da sua aptidão para a prática desportiva, para a
dinamização de atividades desportivas e principalmente para o ensino:
Como eu tinha facilidade de prática acabava também por ser uma
segunda professora que acabava por ir ajudar em vários exercícios.
(E1.Cátia)
Os estudantes denunciaram que para eles era importante os professores de EF
reconhecerem-lhes vocação para o ensino, responsabilizando-os pela aprendizagem
dos colegas e confiando-lhes tarefas de exemplificação de habilidades motoras.
O reconhecimento dos colegas ou atletas, que valorizavam a sua ajuda e o seu
trabalho foi também um aspeto realçado:
( ) nas turmas de 7º e 8º anos eu era dos escolhidos, quer por fazer
bem, quer por fazer com segurança, por exemplo na ginástica era eu
que ajudava os professores estagiários (...) Sempre gostei de estar
nesse papel... no outro lado sem ser o de aluno. (E1.Mateus)
Particularmente para alguns estudantes, a vivência de estágio no ensino
secundário do curso Tecnológico de Desporto foi especialmente relevante no
reconhecimento do gosto pelo ensino:
Foi quando eu comecei a dar aulas a outros alunos. Foi quando eu
comecei a estar perante uma turma, e essa turma estava sob a minha
responsabilidade e eu transmitia conhecimentos. Eu, é isto que eu
quero, é isto que me preenche, é isto que me realiza. Foi um momento
marcante quando nós passamos para a prática, quando assumimos o papel
de professor. (E1.João)
A variabilidade de experiências e vivências aqui apresentadas mais uma vez
conduzem ao questionamento acerca do porquê de diferentes percursos
encaminharem à escolha de um mesmo curso de habilitação para a docência.
Perante esta evidência, pode considerar-se que o período que antecede a
formação profissional para a docência, é geralmente influenciado pelo que as
pessoas querem e precisam, e, portanto, tende a existir um relativo grau de
conexão entre os indivíduos e as suas conceções e futuros papéis (Cornelissen e
van Wyk, 2007).
Percebe-se, portanto, que o ingresso nesta área profissional, não se trata
somente de uma situação de escolha do ofício, mas da construção pessoal de
uma estratégia identitária profissional, que põe em jogo a imagem do eu
(identidade para si e reconhecida pelos outros), a apreciação das suas
capacidades e a realização dos seus desejos (Dubar, 1997).
No que se reporta às razões extrínsecas, foi notório que a família, para a
maioria dos estudantes, funcionou como elemento desincentivador. Estes destacam
a pressão exercida pelos pais para a escolha de uma profissão com maiores
índices de empregabilidade:
Quando eu escolhi EF, a minha mãe quase que me batia, porque eu só
pus EF, foi a primeira e única opção. Foi EF e foi a FADEUP, eu não
pus mais nenhuma faculdade. (E1.Anita)
Neste quadro, Greene e Magliaro (2005) num estudo com estudantes estagiários,
detetaram que uma das estudantes referenciou a desilusão que a sua escolha
provocou no seio familiar, porquanto os seus pais sempre a incentivaram para
aquilo que desejavam e julgavam ser o melhor para a sua filha. Também nesta
pesquisa esta sensação de desilusão ficou patente:
E foi uma desilusão para a minha família porque eles estavam a
contar que eu fosse para medicina, aquelas áreas que toda a gente vê
como de topo. (E1.Anita)
Assim, enquanto a família emergiu como elemento desincentivador, o professor de
EF surgiu como o principal incentivador à opção para ser professor:
( ) com a influência dos professores que tive de EF, quer pela forma
como davam as aulas, como pela forma como me motivaram, levaram-me a
essa escolha. (E1.Sissa)
Este relato vai de encontro à ideia de Krug e Krug (2008), que advogam que o
professor pode influenciar os alunos quer como pessoas, quer como
profissionais, tanto pelo que ensina, como pelo que faz, bem como pelo bom
exemplo que dá. Em contraponto com o trabalho de Kyriacou e Kobor (1998),
desenvolvido na área das línguas, para estes estudantes, o papel de outras
pessoas revelou ser bastante significativo.
Ainda dentro das razões extrínsecas, tal como no estudo de Kiziaslan (2010),
percebe-se que, para alguns participantes, a escolha do curso de ensino de EF
deve-se ao facto de considerarem que esta via lhes permite exercer outras
atividades profissionais, além de professor de EF:
Eu não posso ir para o alto rendimento sem saber dos pressupostos
básicos de lidar com grupos diferentes, em contexto diferentes (...)
Escolhi este precisamente porque acho que é o mestrado mais complexo
e mais completo que nós temos. Acho que é aquele que mesmo que nós
não tenhamos a escolha ou a opção de seguir o ensino dá-nos saberes e
conhecimentos que nos vão ser transversais a todas as áreas.
(E1.Anita)
Por último, ao nível das razões altruístas destaca-se a necessidade que alguns
estudantes evidenciaram de poderem vir a influenciar as crianças, ou seja, de
contribuir para a sua formação e, consequentemente, de colaborar na melhoria da
sociedade, transmitindo não só conhecimentos específicos da matéria, mas também
valores:
( ) essa foi uma das coisas que eu mais gostei. Não só ao nível do
ensino da dança, mas transmitir-lhes valores a nível do empenho, do
esforço e até da cooperação entre eles. (...) Porque o meu objetivo
sempre foi formar pessoas. Portanto, todo o professor tem o dever de
formar não só a nível da sua área disciplinar de ensino, mas também
ao nível pessoal e social porque vai formar um ser. (E1.Índia)
Uma das participantes considerou importante também estimular a prática de
atividade física na sociedade, pelo que perceciona que a atuação do professor
na escola junto das crianças é preponderante, na medida em que também pode
influenciar os pais:
( ) por exemplo no meu caso, eu tenho uma prima que é tipo um bicho
do quarto, ela passa a vida em casa e isso partiu da minha tia. Ela
incutiu essa postura na minha prima. (...) Eu acho que a função do
papel do professor de EF é também este, não só o de mudar a
mentalidade dos mais pequenos (E1.Anita)
3.3 Socialização Antecipatória (agentes)
A socialização antecipatória corresponde à etapa prévia à entrada na vida
ativa, na qual têm lugar um conjunto de experiências e aprendizagens relevantes
(Caires, 2002), neste caso concreto para a profissão docente. É durante esta
etapa que têm lugar a aquisição de atitudes e a formação de modos de desempenho
do trabalho, bem como a formação de expetativas em relação ao trabalho,
resultando, em parte, dos agentes de socialização que assumem um papel
preponderante nos comportamentos, atitudes e crenças dos indivíduos. De entre
os aspetos de socialização antecipatória consideraram- se duas categorias de
agentes de socialização: para prática desportiva e para a profissão docente.
3.3.1 Agentes de socialização para a prática desportiva
O percurso desportivo dos estudantes, até ao momento de ingresso no 2º ciclo de
estudos, nas vertentes de prática de desporto federado, desporto escolar ou
universitário e de atividades físicas de lazer parece indiciar uma interligação
entre a escolha pela área de Desporto e a prática desportiva. De facto, todos
os participantes revelaram no seu percurso anterior algum tipo de prática
desportiva, embora em diferentes vertentes. A prática que prevalece é ao nível
do desporto federado (50,0%), seguida das atividades físicas de lazer (39,2%)
e, por último, o desporto escolar e/ou universitário (respetivamente 9,8% e
1,0%). Já ao nível das modalidades, o equilíbrio entre as modalidades coletivas
e individuais tendeu a prevalecer (55,1% e 44,9%, respetivamente). No que
concerne à idade de início da prática desportiva regular, o escalão etário
entre os 6 e os 10 anos é o que mais se destaca (58,4%), seguido dos períodos
entre os 2 e os 5 anos (24,8%) e os 11 e os 14 anos (15,3%). Estes dados
ilustram que o gosto pela prática desportiva, que os estudantes evidenciaram
como sendo uma das razões para a escolha do curso, teve início em idades
precoces, maioritariamente incutida pelos pais (19,4%), seguido dos amigos e
professor (6,5% e 5,2%, respetivamente). Com valores menos relevantes surgem
outros familiares (2,1%) e treinadores (0,7%). Em escalões etários mais
avançados o início da prática desportiva por iniciativa própria ganha
supremacia (66,1%), em busca do prazer e satisfação pessoal.
Efetivamente, a imagem global dos resultados obtidos no estudo intensivo, vem
comprovar os dados anteriores, denunciando que os principais agentes para a
prática desportiva dos estudantes foram a família, seguido dos amigos e da
escola. Já em 1992 Anderssen e Wold afirmavam que todo o ambiente imediato à
atuação ou participação do indivíduo num determinado meio é fator de
influência, seja o grupo de amigos, a família ou a comunidade. Dias (1996)
também corrobora a ideia de que a família e a escola são dois agentes de
socialização fundamentais ao longo da vida das pessoas, porquanto são elementos
enraizados na infância, na rede de relações e na história pessoal (Dubar,
1997).
Assim, embora cerca de 66,1% dos estudantes tenha mencionado que começou a
praticar desporto por iniciativa própria, os que iniciaram por influência de
outros, foram os pais os principais agentes, principalmente numa fase mais
precoce. As razões invocadas devem-se não tanto ao facto de os pais serem
praticantes, mas por estes valorizarem um estilo de vida ativo para os seus
filhos, considerando, assim, a prática desportiva como uma das principais
atividades determinantes para a sua educação:
( ) quando entrei na escola primária os meus pais sempre foram muito
rígidos quanto a notas e resultados finais, mas também achavam o
Desporto muito importante. Conciliar as duas coisas era assim o
objetivo principal deles. (E1.Anita)
Inclusive, alguns participantes assumiram que a prática de certas modalidades,
incutidas pelos pais (19,4%), não eram atrativas para eles:
Comecei por fazer natação, que eu odiava mas que via que era
precisa. É sempre bom nadar, mas mal eu consegui nadar razoavelmente
bem, pedi aos meus pais para desistir porque não gostava nada
daquilo. (E1.Anita)
Como plasmado nos excertos abaixo a alteração das modalidades de prática
desportiva ocorreu em resultado da influência de colegas (6,5%) e pelas boas
experiências com determinados professores de EF (5,2%):
( ) à medida que fui avançando na escola, fui conhecendo gente nova,
que praticava outras coisas e foi aí que eu conheci o voleibol...
Então eu pedi à minha mãe...eu queria futebol no início, queria
futebol porque toda a gente na minha turma jogava futebol ( )
(E1.Anita) Além de ter boas aulas de EF, também não eram
professores que se limitavam aos desportos tradicionais, ao futebol,
ao basquetebol e ao andebol. Tive desporto da natureza, tive desporto
de água mas cheguei a fazer canoagem, caiaque. (E1.Daniel)
3.3.2 Agentes de socialização para a profissão
Relativamente à socialização para a profissão docente, os dados do estudo
intensivo destacam como principais agentes de socialização os professores
(80,0%), seguidos da família (9,0%) e, por último, os amigos e os treinadores
(ambos com 5,5%).
Neste enquadramento, Carvalho (1996) recorre ao conceito atrativos (potenciais
benefícios para a ocupação profissional) e facilitadores (mecanismos sociais)
para distinguir os fatores que influenciam a escolha pela formação inicial em
EF. Como atrativos, o autor refere os benefícios de natureza física
(vencimento, mobilidade), de natureza simbólica (prestígio, poder) ou de
natureza emocional (prazer, satisfação). E como fatores facilitadores, o autor
enuncia a identificação com determinados agentes de socialização.
Assim, no que se refere aos fatores facilitadores, embora cerca de um terço dos
estudantes revelasse a existência de familiares professores, aquando do estudo
intensivo (entrevistas), estes não reconheceram que eles tivessem influenciado
as suas decisões na escolha da profissão. Pelo contrário, tal como no estudo de
Barros, Gomes, Pereira e Batista (2012), o professor de EF emergiu como sendo
um dos agentes determinantes à decisão, funcionando como um modelo de
referência:
( ) os meus modelos foram os meus professores de EF porque eu nunca
tive nenhuma outra relação com a atividade física. Há um professor
que me marcou muito, ele era super divertido e super brincalhão, uma
pessoa espetacular e um amigo dentro da aula ( ) (E1.Cátia)
Neste entendimento, Almeida e Fensterseifer (2007) destacaram que um dos
motivos que leva as pessoas a escolher a área da EF como profissão é a relação
da pessoa com a referida disciplina na escola. Esta influência surge não apenas
pela vertente positiva, mas também pela vertente negativa, pois quando aos
olhos dos alunos o professor revela uma prática pedagógica pouco eficiente, o
estudante tem o desejo de instituir novas ações para a EF na escola, refletindo
a possibilidade e a vontade de contribuir para um novo referencial na
disciplina:
( ) tive outros professores de EF que me fizeram pensar em tirar
este curso, se calhar, para mudar um bocado essa mentalidade. Mas
nesses que me serviram de exemplo via-se que havia trabalho.
Planeavam, preocupavam-se em adaptar as coisas aos alunos (...)
faziam muita competição que estimulava a aprender e a superar.
(E1.Joana)
De facto, já Schempp (1989) descrevia este período de socialização
antecipatória como um tempo em que os futuros professores se familiarizavam com
as tarefas de ensino e começavam a formular critérios de avaliação das práticas
dos seus professores, distinguindo o que consideravam ser boas práticas e um
profissional ideal. Assim, ao apelar aos mecanismos da socialização
antecipatória, Carvalho (1996) reporta-se aos estudos que recorrem ao conceito
de aprendizagem por observação, utilizado como representação de uma
aprendizagem invisível, intuitiva e imitativa de modelos de ensino, de um
conjunto de crenças, conhecimentos e habilidades adquiridas enquanto alunos e
que depois é transportada para a formação e para as situações de trabalho.
Aqui, tal como referido por Ross (1987), destaca-se o papel determinante da
qualidade das relações estabelecidas com figuras adultas que lhes são
significativas. De um modo positivo, o autor concebe o tornar-se professor
como uma tentativa inconsciente ou deliberada de se transformar numa dessas
figuras de referência ou de reproduzir as relações vividas. A identificação com
esses agentes originava uma maior proximidade com essas figuras que,
inconscientemente ou não, os estimulava a seguir os mesmos passos:
Eu sou treinador de uma equipa no Boavista e já tenho uma lógica do
que sou. O que eu revejo em mim, não sei se está certo ou não, é
muito o que eu via no meu professor. (E1.Mateus)
Com efeito, são as relações passadas que tendem a pautar o tipo de relações
estabelecidas ao longo do percurso do individuo, bem como o tipo de professor
em que este se irá tornar (Ross, 1987), pois é através das interações com o
outro que os estudantes vão construindo os seus referenciais.
Na verdade, os estudantes destacaram a imagem dos professores de EF como sendo
os principais modelos profissionais que desejam seguir. Além disso, a maioria
dos participantes valorizou mais o papel destes agentes nas suas escolhas
profissionais do que as experiências e vivências:
Foi mesmo decidir um caminho, descobrir uma paixão e dentro dessa
paixão estavam aqueles que me ensinavam, aqueles que estavam ao meu
lado e foram surgindo ídolos. Os modelos. Não foram bem experiências,
foi mesmo olhar para os ídolos e dizer eu quero ser como eles, eu
quero ser assim forte como eles, quero conseguir fazer tudo o que
eles fazem. (E1.Índia)
Dois dos participantes referiram ainda que o facto de terem tido professores
estagiários de EF se revelou uma motivação adicional, porquanto a sua
envolvência no processo de ensino os fascinou e cativou para o desempenho do
papel de professor:
( ) eu tive o prazer de estar com professores estagiários, que ao
contrário de outros professores normais (com quem eu gostei de
trabalhar), com eles tinha outra vontade, tinha outro querer, tinha
motivação. Isso deu-me um gosto e uma vontade para seguir esta área
também. (E1.Mateus)
Paralelamente, embora o treinador tenha sido mencionado com menor incidência,
uma das estudantes referiu que foram algumas das caraterísticas dos treinadores
e alguns dos valores por eles transmitidos que despertaram nela a atenção e
motivação para a profissão.
De referir ainda que, para um dos participantes, o amigo das brincadeiras de
rua foi um elemento significativo para a sua opção. O facto de se identificar
com ele nos gostos e na personalidade e este ter optado pela profissão docente
levou-o a seguir o mesmo percurso:
( ) mas a forma como ele encarava as coisas, porque também era um
apaixonado pelo desporto, fez-me querer explorar aquilo um bocado
(...) essas coisas fizeram- me pensar e comecei a refletir sobre isso
(...) e foi o principal influenciador. (E1.Daniel)
Como mencionado anteriormente, os dados revelaram também que os agentes de
socialização identificados, além de terem influenciado os estudantes na escolha
da futura profissão, marcaram indelevelmente o seu entendimento acerca do que é
ser professor. Assim, nas suas conceções do que é ser professor de EF na
escola, o conhecimento e a competência para transmitir o conteúdo da matéria,
bem como a capacidade de envolver os alunos no processo de ensino-aprendizagem,
ensinando-lhes a dar significado às próprias aprendizagens, foram valorizados
em resultado das experiências tidas em contexto de aula:
A maneira como os professores tratavam a EF, a elevação, a superação
das dificuldades, a transmissão de conhecimento não era só o facto
de colocar a fazer, de nos ocupar e não nos explicar o porquê, ou
seja, não é tanto a transmissão de conteúdos mas a forma com que eles
transmitiam os conteúdos era totalmente diferente daquilo que
estávamos até então habituados. (E1.João) ( ) eles deram-me tantas
vivências que cada vez fui gostando mais. (E1.Daniela)
Além disso, os estudantes destacaram a relação com os alunos e a oportunidade
que a natureza da disciplina dá aos professores de estabelecer relações de
maior proximidade, levando-os a exercer o papel de amigo capaz de auxiliar na
resolução de problemas:
São professores bastante comunicadores, principalmente. São
professores que não se restringem só ao processo de ensino-
aprendizagem, são professores que para além das aulas nos dão
conselhos e se preocupam com o nosso real estado dentro da escola,
não só na EF mas em todas as disciplinas. São professores que são
competentes naquilo que estão a fazer. (E1.João)
Nos diálogos estabelecidos com os estudantes participantes foi possível
percecionar alguns dos sentidos que estes atribuem às suas histórias pessoais.
Sentidos estes resultantes da constante interação que estabeleceram com o meio
físico e social, com a cultura e com o próprio percurso. Pelas palavras de
Tardif (2002: 72), ao longo de sua história de vida pessoal e escolar, supõe-
se que o futuro professor interiorize um certo número de conhecimentos, de
competências, de crenças, de valores, etc., os quais estruturam a sua
personalidade e suas relações com os outros (especialmente com as crianças) e
são reatualizados, de maneira não reflexiva mas com grande convicção do
ofício.Por outro lado, e como referem Almeida e Fensterseifer (2007: 29),
cabe lembrar que vivenciando espaços e tempos distintos, realizamos a
produção, reprodução e transformação da cultura de determinado grupo social em
que nos inserimos e, consequentemente, significamos nossas ações com referência
em alguém quem um dia nos espelhamos.
Esta socialização antecipada envolve, portanto, a interiorização de modelos e
representações do que é ser professor, que importa reconhecer na formação
inicial como pontos de partida no processo de aprender a ser professor e no
desenvolvimento de uma identidade profissional, que emerge como sendo
claramente pessoal.
Conclusões
Ao contrário da maioria dos estudantes candidatos a professores, os que
pretendem ser professores de EF são, sobretudo, estudantes do sexo masculino.
Em termos de percurso académico destacam-se as diferenças no perfil do
estudante que concorre ao 2º ciclo de estudos, resultantes da implementação do
processo de Bolonha e da consequente movimentação de estudantes, já que mais de
metade dos estudantes provém de outras instituições que não a FADEUP.
No que respeita às razões para a escolha do curso em Ensino de EF, a maioria
dos estudantes reconheceu que foi o gosto pelo Desporto que os atraiu para a
opção, sendo que só posteriormente, em resultado de algumas experiências
marcantes e da vivência com alguns agentes de socialização, passaram a
considerar a opção de se tornarem professores de EF. Com efeito, verificou-se
um predomínio das razões intrínsecas ao nível das motivações para a profissão
docente. Na perceção dos estudantes esta era uma profissão que lhes
possibilitaria manter o contato com o Desporto, acedendo a novos conhecimentos,
e que simultaneamente lhes daria a possibilidade de transmitir esses
conhecimentos a outros. As vivências anteriores em contextos desportivos
fortaleceram a vontade de serem professores, ajudando-os a valorizar a
profissão. Seguidamente, sobressaíram as razões extrínsecas, onde o incentivo,
ou não, de outras pessoas afetou as suas decisões. Por um lado, os pais tendiam
a desincentivá-los para a profissão docente, na medida em que lhe atribuíam
fraca empregabilidade e pouco reconhecimento social. Por um lado, os pais que
tendiam a desincentivá-los para a profissão docente, na medida em que lhe
atribuíam fraca empregabilidade e pouco reconhecimento social. Por outro lado,
os professores que os incentivavam, porque reconheciam-lhes aptidão e vocação
para o exercício da profissão. Por último, surgiram as fontes de motivação
altruístas, onde os estudantes evidenciaram o gosto por interagir e trabalhar
com pessoas, ajudando-as a aprender e, assim, contribuir para a melhoria da
sociedade. Assim, não obstante as semelhanças ou as diferenças de percursos dos
estudantes, percebe-se que são os significados pessoais e as representações que
cada um vai construindo e reconstruindo, em resultado de socializações
sucessivas (Dubar, 1997) e de diferentes situações transitórias (Chaix, 2002),
que assumem o papel de mediador da história de cada um, influenciando, assim, a
motivação para a profissão.
Os principais agentes de socialização para o desporto referenciados foram os
pais, tendo sido este o ponto de partida para os estudantes se apaixonarem
pelo Desporto e se reverem nele numa futura profissão (professor de EF). De
entre as vivências positivas na prática desportiva (mesmo quando imposto pelos
pais), foi a interação com outros, principalmente com o professor de EF, que
determinou a escolha da profissão. Além disso, servindo de modelo, os
professores de EF marcaram indelevelmente o entendimento dos estudantes acerca
do que é ser professor. Observando estes agentes de socialização, os estudantes
perceberam que não só o conhecimento e a competência para transmitir o conteúdo
da matéria são importantes, como também a capacidade de envolver os alunos no
processo de ensino-aprendizagem. Deste modo, depreende-se que a escolha da
profissão começa muito antes da entrada para o ensino superior e que as
experiências prévias, neste caso na prática desportiva, bem como a influência
de outros significativos, induzem a processos de valorização de determinados
profissionais que, quando associados ao gosto pela área, acabam por ser
determinantes na tomada de decisão da profissão futura.
Notas
1 Doutoranda em Ciências do Desporto na Faculdade de Desporto da Universidade
do Porto (Porto, Portugal). Endereço de correspondência: Faculdade de Desporto
da Universidade do Porto, Rua Dr. Plácido Costa, 91, 4200-450 Porto, Portugal.
E-mail: pgomes@fade.up.pt
2 Professora Auxiliar no Departamento de Pedagogia do Desporto na Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto e investigadora do Centro de Investigação,
Formação, Inovação e Intervenção em Desporto (CIFI2D) (Porto, Portugal). E-
mail: pqueiros@fade.up.pt
3 Professora Auxiliar no Departamento de Pedagogia do Desporto na Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto e investigadora do Centro de Investigação,
Formação, Inovação e Intervenção em Desporto (CIFI2D) (Porto, Portugal). E-
mail: paulabatista@fade.up.pt
4 Todos os excertos das entrevista, objeto de menção no texto, foram
codificadas com um nome fictício de forma a garantir o anonimato e a
confidencialidade dos participantes do estudo.