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EuPTHUAp0872-34192015000100005

EuPTHUAp0872-34192015000100005

variedadeEu
ano2015
fonteScielo

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Redes sociais no recrutamento de imigrantes: fundamentos teóricos de uma proposta de explicação

Introdução1 O recrutamento ativo de trabalhadores migrantes constitui o argumento central na explicação de migrações de trabalho, numa das teorias mais referenciadas sobre o tema (Piore, 1979). De acordo com Piore, as migrações de trabalho com destino a países industrializados acontecem porque empregadores ou governos (ao serviço dos empregadores), através do estabelecimento de acordos com outros países, recrutam migrantes.

As redes sociais e o capital social são, nas migrações, genericamente concetualizados como meios de obtenção de informação, pelos migrantes, acerca de destinos. Através deles, os indivíduos podem compensar situações de acesso limitado a recursos instrumentais para alcançarem objetivos nas suas trajetórias de vida que impliquem mudanças migratórias.

No estudo de migrações, as duas perspetivas enunciadas não têm sido complementadas no estudo do surgimento dos fluxos migratórios: não se explora o papel das redes na perspetiva do recrutamento apresentada, que é utilizada para explicar a emergência das migrações; o papel atribuído às redes na explicação das migrações é, geralmente, o de que contribuem para a reprodução dos fluxos (e não são, por si , responsáveis pela sua emergência), e nas migrações laborais referem-se frequentemente também as redes organizadas.

A articulação entre o recrutamento e as redes e/ou o capital social pode ser elencada em dois eixos fundamentais, de acordo com a revisão da literatura: 1) as redes são associadas a atividades de lucro como o tráfico, contrabando e crime, e distintas do que se passa entre família e amigos, estando os (aspirantes a) migrantes numa situação vulnerável relativamente à migração; 2) as redes que se associam à migração constituem-se de relações familiares e de amizade, bem como amigos de amigos, e têm um desempenho muito influente no desenvolvimento das migrações. Nestas podem ou não encontrar-se atividades de lucro associadas à ajuda ao movimento, mas não é o crime que sobressai. O tráfico e o contrabando também têm ligação a atividades de recrutamento em redes organizadas, mas a reflexão sobre estas atividades não terá lugar neste texto.2 Neste artigo pretende-se promover a perspetiva de que, na ausência de programas governamentais de recrutamento de mão de obra, e num contexto favorável de oportunidades de trabalho no destino, é plausível que exista uma articulação forte entre o processo de recrutamento de trabalhadores para fluxos migratórios e as redes sociais dos migrantes e potenciais migrantes, com o capital social que mobilizam. Estas redes sociais podem ser entendidas como equivalentes funcionais de outro tipo de recrutamento, numa perspetiva relacional do estudo das migrações. O recrutamento pode ser explicado com a perspetiva da análise de redes sociais.

Para o objetivo enunciado, procede-se, nas duas primeiras secções, a uma revisão de literatura sobre as origens dos conceitos de redes sociais e de capital social, bem como as suas propriedades e as relações entre eles, contribuindo para uma maior aproximação e diálogo entre a sociologia das redes sociais e os estudos das redes de migração3, neste caso com a lente do recrutamento em migrações laborais, em língua portuguesa. Na secção seguinte apresenta-se como as redes (de migrantes) têm sido concetualizadas em estudos de migração. Na penúltima seção responde-se à necessidade inevitável de refletir sobre o papel das redes sociais de configuração cibernética, e de como estas se relacionam com a estruturação das migrações. Nas reflexões finais desenha-se um enquadramento teórico que articula algumas das contribuições, para explicar como as redes de migrantes e o capital social podem ser responsáveis pelo desenvolvimento de fluxos migratórios, em particular laborais, em contextos de escassez de mão de obra e de ausência de recrutamentos estatais com objetivos de a colmatar.

1. Redes sociais: análise, conceitos e propriedades A análise das redes sociais engloba teorias, modelos e aplicações que se expressam através de conceitos ou processos relacionais; a sua unidade de análise não é o indivíduo, mas as relações que se estabelecem entre um conjunto de indivíduos (Wasserman e Faust, 1994: 4-5).

A investigação das estruturas relacionais foi impulsionada por Radcliffe-Brown, autor que se tornou uma referência para sociólogos e antropólogos com a conceptualização da estrutura como rede de relações realmente existentes (Radcliffe- Brown 1940 in López e Scott, 2000: 46).

Mas é na sociologia formal de Simmel que se identifica a origem sociológica do conceito de rede e respetiva análise. O autor define a sociedade como processo, a sua existência depende das ações recíprocas entre indivíduos (Simmel, 1999) e assume dois significados separáveis cientificamente: 1) um conjunto de indivíduos socializados, entendidos como o material humano com forma social que tem uma realidade histórica; 2) o conjunto de todas as possibilidades relacionais entre os indivíduos, que vêm a ser responsáveis pela forma social que surge no primeiro sentido do termo. A ciência da sociedade assim concetualizada tem por objeto as forças, as relações e as formas pelas quais os homens se socializam. As formas são, entre outras, as hierarquias, as corporações, as concorrências, as amizades. De acordo com o autor, o conteúdo e a forma social constituem uma realidade concreta unitária em todos os fenómenos sociais (Simmel, 1999); o conteúdo das redes sociais foi o menos desenvolvido em análises posteriores.

Três tradições assinaláveis na análise contemporânea das redes sociais encontram-se na revisão dos trabalhos que a compõem (Scott, 2000)4 1) a sociometria, orientada para os grupos pequenos, da qual resultaram alguns avanços técnicos com os métodos da teoria dos gráficos; 2) a investigação de Harvard nos anos 1930, através da qual foram explorados os padrões de relações interpessoais e a formação de sub-redes, ou cliques; 3) a investigação da estrutura das relações de comunidade em sociedades tribais e aldeãs, por antropólogos de Manchester, que se apoiaram nas correntes anteriores.

Na primeira tradição referida, psicólogos e psiquiatras como Jacob Moreno pretendiam explorar os modos como as relações de grupo podiam ser simultaneamente constrangimentos e oportunidades para as ações e desenvolvimento psicológico dos indivíduos. Também se pretendia a compreensão de como o bem-estar psicológico se relaciona com as configurações sociais, que Moreno considera produto de padrões de escolhas interpessoais. A inovação daquele autor reside na produção do sociograma, que representa graficamente as propriedades formais das configurações sociais, onde os indivíduos constam como pontos e as relações entre si como linhas. Este diagrama descreve os canais, que estabelecem laços, onde ocorrem os fluxos de comunicação (ou outros) entre os indivíduos. Trabalhos posteriores na mesma linha (Carwright e Harary, 1956, inScott, 2000) acrescentaram sinais de (+) e (-) para a valoração da relação representada graficamente, ou setas a indicar a direção da relação (para distinguir, por exemplo, ausência de reciprocidade do afeto).

A segunda tradição da análise das redes sociais remete para a investigação de como as redes se decompõem em elementos, em trabalhos desenvolvidos na Universidade de Harvard, nos anos 1930 e 1940 (durante a tradição sociométrica), por académicos liderados por W. Lloyd Warner (Freeman, 2004).

Foram pesquisados subgrupos das redes, como os cliques, agrupamentos ou blocos.

A investigação destas relações informais em sistemas de escala macro conduziu à descoberta empírica de que estes continham subagrupamentos coesos. Radcliffe- Brown e Durkheim foram influências desta tradição.

Homans conjugou estas duas correntes, entre si desconhecidas. No fim dos anos 1940, o autor começou a investigação de grupos pequenos, sobre os quais pretendia elaborar uma teoria geral (Homans, 1992) construída a partir do trabalho experimental de psicólogos sociais e da observação e análise por sociólogos e antropólogos. De acordo com o autor, a teoria social deveria ter como fundamento a compreensão da interação social à escala micro, sem a elevação ao nível mais alargado de abstração. Na síntese do autor lê-se que as atividades humanas orientam as pessoas para a interação e sentimentos assim produzidos, que varia de acordo com a frequência, duração ou direção daquelas (Homans, 1992).

O conceito de grupo pequeno aproxima-se do conceito de rede social, porque é definido pelas interações (participar junto), atividades e os sentimentos dos membros do grupo. As suas relações interdependentes, nas quais o grupo está ativo, constitui o sistema social; fora, encontra-se o ambiente envolvente (Homans, 1992: 84). Apesar das sinergias estabelecidas entre o grupo humano e as redes sociais, Homans não inspirou trabalhos subsequentes na segunda abordagem.

A análise das redes sociais foi renovada com os investigadores associados ao departamento de antropologia social da Universidade de Manchester, entre os quais Mitchell (1974), durante a terceira tradição da análise contemporânea das redes sociais. Mitchell transpôs a teoria dos gráficos e a sociometria para um quadro sociológico que enfatiza as características das organizações informais e interpessoais salientadas por Homans. As configurações das relações que surgem do exercício do conflito e do poder, e a sistematização dos conceitos de teia e rede de relações sociais, foram salientadas nesta perspetiva, em detrimento dos conceitos de normas internalizadas e de instituições. Aqui privilegia-se a rede social no estudo de diferentes fenómenos e nas análises com diferentes níveis de abstração, para ultrapassar limitações das abordagens estruturais rígidas (Mitchell, 1974).

Mitchell considera que, na análise, deve ser estabelecida a diferença entre a morfologia da rede social e a interação. Características importantes da forma das redes sociais são a sua densidade, os agrupamentos que se podem distinguir no interior, a ancoragem (ponto de referência da rede social) e o alcance (número de ligações que intervém entre a pessoa que as origina e a pessoa alvo, ou seja, o número de pessoas com quem um membro de uma rede tem ligações). Como critérios de interação das redes sociais, identifica o conteúdo, a direção, a intensidade e a frequência (Mitchell, 1974).

Para colmatar a deficiência identificada relativamente à análise de conteúdos das redes sociais, Mitchell categoriza-os como podendo ser de comunicação, transação/troca, e normas, o que tem muita proximidade com os mecanismos do capital social. As ligações entre as pessoas representam a categoria da comunicação, as relações de troca estão representadas no comportamento dos atores e o conteúdo normativo corresponde à construção do significado que a relação tem para o ator, i.e., a sua compreensão sobre a expectativa que a outra pessoa tem do seu comportamento (Mitchell, 1974).

Passam a abordar-se as propriedades globais das redes, visando a sua aplicação a todos os campos da vida social. No seguimento desta abordagem e do surgimento de duas inovações matemáticas (a criação de modelos algébricos de grupo e o desenvolvimento de escalas multidimensionais para traduzir relações em distâncias sociais e para as mapear no espaço social) emerge um novo grupo de Harvard, com White e outros (citado em Scott, 2000) no início dos anos 1970, década a partir da qual pode dizer-se que a análise das redes sociais se instalou e tornou-se largamente reconhecida como um campo de investigação (Freeman, 2004).

Granovetter popularizou esta abordagem na sociologia americana e estimulou estudos posteriores. Com o trabalho de 1973, o autor teve como objetivo mostrar como a utilização da análise das redes permite relacionar a interação micro, com variados fenómenos sociais macro. Esta ligação seria feita através de um aspeto particular das redes sociais, a força das ligações fracas (Granovetter, 1973).

O estado da arte no que concerne à análise das redes sociais permite afirmar que não existe a presunção de construção de uma teoria específica. Mas a análise das redes sociais contribui para informar a construção de teorias específicas, ao oferecer um enquadramento compreensivo de análise da estrutura relacional e complementa outras abordagens na compreensão sociológica de fenómenos sociais (López e Scott, 2000; Scott, 2000). Estas propriedades da análise conduzem à definição da sociologia das redes sociais como o conjunto de métodos, conceitos, teorias e modelos de inquérito postos em prática em sociologia, para tomar como objeto de estudo as relações entre os indivíduos (e não as suas caraterísticas) e as regularidades que apresentam. O objetivo é descrever estas relações, dar conta da sua formação e transformação e explicar os seus efeitos nos comportamentos individuais (Mercklé, 2004). Os modelos das redes concetualizam a estrutura como padrões duradouros de relações entre atores (Wasserman e Faust, 1994).

Depois das contribuições apresentadas, como se definem redes sociais e que propriedades têm? Uma rede social pode ser definida como o conjunto de unidades sociais e das relações estabelecidas direta ou indiretamente entre elas, através de cadeias de comprimento variável; pode acrescentar-se à definição a propriedade de que as características destas ligações como um todo podem ser usadas para interpretar o comportamento social das pessoas envolvidas (Mitchell, 1969: 2). Devido à interdisciplinaridade que caracteriza o estudo das redes5, as unidades que lhe estão encastradas podem ser indivíduos, posições, atores coletivos ou outras entidades.

As ligações sociais podem ter força mensurável e variável de acordo com a sua densidade emocional, a quantidade de tempo passada entre os atores sociais, o seu grau de intimidade, a confiança mútua e os serviços recíprocos. O resultado desta combinação origem à tipificação de laços como fortes, fracos ou ausentes (Granovetter, 1973).

Nos contributos sobre a análise das redes consultados, podem identificar-se, entre as propriedades das redes, a densidade, a multiplexidade e a latência (Portes, 1998, (1995); Turner, 1991). A densidade remete para o número de ligações incluídas e é uma medida de coesão ou solidariedade na rede, e serve para estudar a fragmentação em componentes. Por isso, as redes podem ter a designação homónima ou, dependendo da densidade que têm, designar-se cliques ou agrupamentos (Portes, 1998 (1995)). alianças temporárias (Boissevain, 1974) com diversas formas (gang, conjuntos de ações, fações). Destacam-se, para efeitos do estudo das redes nas migrações, o clique, que tem subjacente uma base de afeto e interesse comuns (Boissevain, 1974: 174) e o conjunto de ações, como um conjunto de pessoas que coordenam as suas ações para atingir um objetivo particular (Boissevain, 1974: 186).

A multiplexidade é o grau de sobreposição de esferas institucionais nas relações existentes entre participantes na rede (ser-se familiar e colega de trabalho, por exemplo) (Portes, 1998 (1995)). A propriedade da latência significa que as redes podem ser acionadas pelos indivíduos quando estes pretendem, mesmo sem que reconheçam a sua forma.

As componentes das redes têm propriedades relevantes e com efeitos nos objetos de estudo, neste caso nas dinâmicas das migrações. Os pontos (posições ou atores) podem ser centrais ou intermediários. O intermediário social coloca pessoas em contacto direto ou indireto e estabelece pontos de comunicação entre pessoas, grupos, estruturas e até culturas (Boissevain, 1974). Nesta intermediação está sempre envolvida uma transação de serviços, informação, boa vontade ou satisfação psicológica (Boissevain, 1974). O intermediário das redes, o broker, é equiparado, por Boissevain, a um empresário que controla recursos e que os manipula para o seu próprio interesse. Recursos esses entendidos como contactos estratégicos com pessoas que controlam diretamente outros recursos, por exemplo, o acesso a informação sobre oportunidades de trabalho; este controlo adquire importância na consideração do intermediário para o recrutamento em migrações.

As ligações ou laços podem representar informação, sentimentos, preferências, controlo, influência, honra/prestígio, realidades materiais e ideias, que podem ser organizados em três tipos de fluxos genéricos: materiais (bens físicos e símbolos que dão acesso a tais bens físicos, como o dinheiro), símbolos (informação, ideias, valores, normas, mensagens, etc.) e emoções (aprovação, respeito, etc.) (Turner, 1991).

A análise sociológica do conteúdo e do funcionamento dos laços sociais remete para o conceito de capital social, de tal forma que chega a ser definido indistintamente de redes sociais: de uma maneira geral, redes sociais, as reciprocidades que surgem delas, e o valor destas para os objetivos mútuos a alcançar (Schuller, Baron e Field, 2000: 1). Interessa-nos analisar o capital social como componente ou conteúdo das redes sociais, dissociando-o de sinónimo destas.

2. Capital social A formulação sociológica do conceito de capital social enquadra-se originalmente no conjunto da produção teórica de Pierre Bourdieu sobre outras formas de capital (o económico, o cultural e o simbólico). Define-se como o conjunto de recursos reais ou potenciais ligados à posse de uma rededurável de relaçõesmais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter- reconhecimento; ou, por outras palavras, à pertença a um grupo, como conjunto de agentes que não são dotados de propriedades comuns (suscetíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos) mas são também unidos por ligações permanentes e úteis (Bourdieu, 1980: 2).6 O capital social exerce um efeito multiplicador sobre o capital que o agente possui.

Coleman é o responsável pela divulgação do conceito na sociologia norte- americana. Utiliza-o para desenvolver a orientação teórica do princípio da escolha racional ou propositada (Coleman, 1988).

Para este autor, o capital social define-se pela função de facilitar determinadas ações dos atores, enquanto dimensão das estruturas sociais (Coleman, 1988: s98). Ao contrário dos capitais económico ou humano, é inerente à estrutura das relações entre dois ou mais atores (Coleman 1988: s98) e permite alcançar objetivos que de outra forma estariam inacessíveis.

Redes sociais e capital social são, nesta definição, indissociáveis.

Nesta perspetiva funcionalista do conceito, o capital social assume seis diferentes formas: i) as obrigações, expectativas e a confiança das estruturas; ii) os canais de informação; iii) as normas e sanções eficazes (Coleman, 1988); iv) relações de autoridade; v) organização social apropriável; e vi) organização intencional (Coleman, 2000 (1990)).

Deve salientar-se um aspeto do capital social que é, em Coleman, divergente de outros autores. As normas eficazes dependem de uma propriedade das relações sociais que o autor designa por fechamento, um facilitador do capital social, porque permite a proliferação das obrigações e expectativas de reciprocidade e assim a confiança das estruturas sociais (Coleman, 2000 (1990)). Esta perspetiva de laços fechados diverge da que atribui mais força a laços fracos para o acesso a recursos e a conhecimento novo (Granovetter, 1973).

Robert Putnam (1993, 1995a, 1995b) foi quem introduziu o conceito no discurso político (Schuller, Baron e Field, 2000). Nesta concetualização também se privilegia a consecução de objetivos comuns, pois o capital social compõe-se de características da organização social, como redes, normas e confiança, que facilitam a coordenação e a cooperação para benefício mútuo (Putnam, 1995a: 67).

O autor sustenta que o capital social incorporado em normas e redes de ocupações de âmbito cívico impulsiona o desenvolvimento económico. Porque, em primeiro lugar, o capital social origina normas de reciprocidade generalizada, o que resulta como uma lubrificação da vida (Putnam, 1993) e torna a sociedade eficiente.

As redes de atividades cívicas facilitam a coordenação e a comunicação e amplificam a informação sobre a confiança noutros indivíduos. Por último, o sucesso da colaboração anterior é incorporado nestas redes, portanto os stocksde capital social tendem a ser auto reforçadores e cumulativos, ao contrário da depreciação que sofrem se não tiverem utilização (Putnam, 1993).

Coleman também referia que, como recurso que depende das relações entre as pessoas, o capital social desvaloriza se estas não são renovadas (Coleman, 2000 (1990)).

Putnam segue a mesma linha do acesso a benefícios através de capital social, mas é o único, destes três autores, que expõe efeitos negativos, ao referir haver normas e redes que servem certos grupos e podem prejudicar outros, em particular se as normas são discriminatórias e as redes socialmente segregadas.

Coleman refere que uma dada forma de capital social que é valiosa para facilitar certas ações pode ser inútil ou, mesmo, prejudicial para outras (Coleman, 1988: s98) e implicitamente assume aquela vertente menos benéfica.

Em Coleman ou Putnam, as próprias relações sociais (as redes) têm capital social encastrado, o que diferencia a conceção de Bourdieu em que o capital social se constitui de recursos para serem usados pelos indivíduos. É aquela sobreposição que origina a crítica de tautologia e a afirmação de que o tratamento sistemático do conceito deve distinguir entre possuidores, fontes e recursos de capital social propriamente ditos, todos eles confundidos na conceção de Coleman (Portes, 2000).

As investigações mais recentes apontam para as funções de controlo social, apoio familiar e de benefícios através de relações extrafamiliares do capital social (Portes, 2000). O núcleo consensual associa o capital social à capacidade de os atores garantirem benefícios em virtude da pertença a redes sociais ou a outras estruturas sociais (Portes, 2000: 138). Ou seja, o conceito não se refere aos recursos em si, mas à sua mobilização por parte dos indivíduos quando precisam deles. Aos recursos adquiridos através do capital social associam-se expectativas de reciprocidade.

Retomando a questão dos efeitos negativos do capital social, também Portes e Sensenbrenner os apresentam como tal, num artigo publicado no início dos anos 1990, explicitamente em desacordo com Coleman. Nele se refere que os mesmos mecanismos sociais que dão origem a recursos apropriáveis para uso individual, também podem constranger a ação ou mesmo desviá-la dos seus objetivos iniciais (Portes e Sensenbrenner, 1993: 1338) e associados ao exacerbamento dos sentimentos de solidariedade ou de confiança.

Ao recuperar a problemática mais tarde, Portes elenca as consequências negativas do capital social que encontra na literatura (Portes, 2000: 148-149): 1) a exclusão do acesso a recursos e benefícios por quem não partilha dos mesmos laços fortes que permitem obtê-los; 2) o reverso do primeiro, como a exigência excessiva a membros do grupo para impedir iniciativas empresariais; 3) as restrições à liberdade individual e exigência de conformidade às comunidades ou grupos; 4) as normas de nivelação descendente para manter os membros de um grupo oprimido no seu lugar (pode levar os mais ambiciosos a querer dele sair); 5) a reprodução da solidariedade resultante de uma experiência comum de subordinação. Em suma, os processos relacionados com o capital social podem significar o controlo sobre comportamentos desviantes ou o acesso favorecido a recursos, mas podem também limitar liberdades individuais e discriminar terceiros no que respeita ao acesso a esses recursos.

Os desenvolvimentos do conceito de capital social originaram uma teoria de estrutura social e ação que tem como objetivo fazer a ligação macro e micro na análise sociológica (Lin, 2002). De acordo com o autor da teoria do capital social, o conceito deve ser utilizado no contexto da rede social, como recursos acessíveis através de laços sociais que ocupam localizações estratégicas na rede (Lin, 2002: 24) e, operacionalmente, recursos encastrados nas redes sociais, acedidos e usados pelos atores para as ações (Lin, 2002: 25). Para este autor, o capital social contém três elementos que intersetam estrutura e ação: estrutura (o encastramento), a oportunidade (acessibilidade através das redes sociais) e a ação (uso dos recursos). Os recursos permanecem nas redes (e não nos indivíduos) e o seu acesso e utilização são apanágio dos atores individuais. Os recursos definem-se como bens valorizados através de julgamentos normativos, como a riqueza, a reputação e o poder (Lin, 2002).

No seguimento da teoria marxista do capital, Lin (2002) salienta que o capital social também é um investimento em relações sociais, com expectativa de retorno no mercado (que pode ser económico, político, de trabalho, de comunidade, etc.). O enfoque desta análise é o de perceber como o indivíduo investe e como adquire os recursos encastrados nas relações, para deles obter benefícios, ou seja, para ter sucesso numa ação intencional. Como cenário é possível pensar na procura de trabalho, uma das áreas em que se podem medir os efeitos do capital social. O capital social contém recursos (riqueza, poder e reputação, bem como redes sociais) de outros atores individuais, aos quais um ator individual pode ganhar acesso através de laços sociais diretos ou indiretos. São recursos encastrados nos laços das redes de cada um.

3. Redes de migrantes nos fluxos migratórios: benefícios e condicionantes As redes sociais na migração têm sido estudadas em diversas dimensões e contextos, e nos fluxos migratórios é-lhes genericamente atribuído o papel de reprodução e retroalimentação (Faist, 2000; Massey et al., 1993; Massey, Goldring e Durand, 1994). São explicitamente consideradas insuficientes para constituir originalmente os fluxos migratórios de grande dimensão (Faist, 2000; Krissman, 2005).

Quando se analisam as redes sociais nas migrações atribui-se a designação de redes de migração ou redes de migrantes, que se podem definir como conjuntos de ligações interpessoais que ligam migrantes, migrantes pioneiros e não migrantes nas áreas de origem e de destino, através de laços de parentesco, amizade e de origem comum (Massey, 1988: 396).7 Em migrações internacionais podemos identificar, de entre os migrantes aqui considerados: os que integram o fluxo, os que retornam do país de imigração para o de emigração e os que residem no país de imigração (Faist, 2000:52).

A migração pode ser a mudança que ocorre nas relações sociais para facilitar outras ações, obedecendo à definição de capital social como o que é criado quando as relações entre as pessoas mudam para facilitar a ação. Isto é, os migrantes movimentam-se não como aventureiros solitários mas como atores ligados a outros associados aqui e , com os laços sociais lubrificando e estruturando a sua transição de uma sociedade para a seguinte (Waldinger e Lichter, 2003: 11). Assim, cada ato de migração produz capital social entre pessoas com quem o novo migrante se relaciona e aumenta as probabilidades da migração destas (Massey, Goldring e Durand, 1994).

A associação de redes de migração a uma forma de capital social terá sido feita pela primeira vez por Massey e colegas no fim dos anos 1980 (Massey, Alarcon, Durand e Gonzalez, 1987). A ligação entre redes e o seu conteúdo, nas migrações, é desenvolvida na teoria de Faist, que sintetiza a componente individual e coletiva do capital social remetendo para mecanismos que têm na sua base o problema da mobilização de recursos versusrecursos encastrados: capital social constitui-se de recursos que ajudam as pessoas ou grupos a conseguir alcançar os seus objetivos através de laços e os recursos inerentes nos laços sociais e simbólicos padronizados que permitem aos atores cooperar em redes e organizações, servindo como mecanismo para integrar grupos e comunidades simbólicas (Faist, 2000: 102).

Faist (2000) pretende explicar os enigmas das migrações internacionais: porque é que poucos migrantes dispersos por muitas origens? E porque é que tantos migrantes concentrados em tão poucas origens? Um dos pontos de partida nesta teoria, e nas teorias das redes de migração, consiste em considerar que as decisões dos potenciais migrantes no lugar de origem têm de ser colocadas no contexto dos seus laços sociais, fonte do seu capital social. Retoma- se a ideia de que o capital social consiste em recursos (obrigações, reciprocidade e solidariedade) e os benefícios que deles se retiram (o acesso a recursos de outros significativos, informação e controlo sobre outras pessoas) (Faist, 2000). Esta postura contraria a perspetiva clássica do potencial migrante individualizado e calculista na decisão, homo economicus, e estuda o impacto das redes no comportamento dos indivíduos e a forma como o constrangem ou possibilitam. Desta forma apresenta-se a possibilidade de analisar o recrutamento em fluxos migratórios laborais numa perspetiva relacional, com tanto potencial como se fosse ativada por empregadores ou acordos governamentais, ao contrário do que Piore (1979) preconizava quando referia serem os empregadores e não os trabalhadores os elementos estratégicos da explicação de migrações de massa.

Este contexto de redes tende a ser, na literatura das migrações, a explicação de desenvolvimento das migrações, porque permite dotar os potenciais migrantes da capacidade de relacionarem fatores de repulsão e atração específicos, nomeadamente através dos fluxos de informação recebidos dos migrantes pioneiros, que fazem desencadear a avaliação negativa do seu contexto e o desejo de partir (Haberkorn, 1981). Contudo, e perante a evidência de que a maioria da população mundial é sedentária8, analisar os mecanismos do capital social permite perceber que a manutenção de laços de base comunitária pode ter o papel de retardar, ou favorecer, a permanência (De Jong e Fawcett, 1981; Hugo, 1981).

As redes de migrantes não explicam, sozinhas, as dinâmicas da migração internacional e é necessário analisar as funções do capital social, porque este conteúdo específico dos laços sociais não é um dado adquirido (Faist, 2000: 303). Ou seja, o comportamento de um indivíduo não é determinado pela estrutura da rede, nem pela participação numa série de laços (Faist, 2000: 16).

Uma das particularidades dos laços e dos recursos que compõem as redes sociais é a de que não são facilmente transferíveis, em especial quando se trata de transpor fronteiras internacionais, e é esta especificidade local dos laços e dos recursos que contém a principal explicação para a generalizada imobilidade (relativa) da população (Faist, 2000). Vantagens acumuladas pelo investimento dos atores sociais em relações com outros são frequentemente impossíveis de transferir, ou a sua manutenção à distância tem custos, e a mudança leva à sua perda parcial ou completa. Ainda, recursos como a experiência ou a qualificação profissional, têm aplicação em meios específicos.

Por isso, os custos da mudança são mais elevados para os migrantes pioneiros, que têm as tarefas acrescidas de manter os laços sociais anteriores e de criar novos laços no destino. Os que lhes seguem podem dispor de mais informação sobre o destino, do acesso a postos de trabalho, a alojamento, a formas de aceder a empréstimos para aquisição do bilhete, entre outros recursos.

Quando as redes de migrantes se alargam e permitem que os recursos sejam mais facilmente transmissíveis através das fronteiras, e nelas flui informação sobre as condições em que a experiência profissional pode ser válida, a cadeia de migração desenvolve-se e vem a significar um leque maior de opções para a seleção por parte dos potenciais migrantes. O crescimento das redes, que ocorre através da redução progressiva dos custos, também pode ser explicado teoricamente pela progressiva redução de riscos (Massey et al., 1998: 43). Os migrantes precisam de laços para encontrar casa, trabalho e um ambiente cultural semelhante, e apenas quando existem redes de migração é que existe migração em cadeia e de massa.

Nas migrações, o capital social é o recurso local que limita o movimento no início, mas poderá funcionar como acelerador do seu desenvolvimento. Esta energia permite que o fluxo funcione independentemente das políticas com o objetivo de o controlar (Gurak e Caces, 1992: 159).

Assim, as dimensões do capital social e seus benefícios são um suporte de qualidade ambígua, porque constituem recursos locais que explicam a imobilidade relativa por causa das ligações e dos laços múltiplos à envolvente direta e porque o capital social encastra-se nas redes de migrantes, permitindo o seu alargamento geográfico e a ligação a dois ou mais estados-nação (Faist, 2000).

A análise do capital social fornece a ligação meso da análise das migrações: as suas dimensões indicam que são recurso para os indivíduos e constituem simultaneamente um dos dispositivos que integram grupos, organizações e comunidades simbólicas (Faist, 2000). Este aspeto concilia a perspetiva individualista (de Coleman e Bourdieu) com a perspetiva coletiva (Putnam) do capital social.

Na fase inicial do fluxo migratório, enquanto as redes de migrantes ainda não estão formadas, os intermediários e outras organizações são os seus equivalentes funcionais, que podem formar o que se designa como indústria de migração (Castles e Miller, 2009). Na perspetiva do capital social, os intermediários esperam pelos benefícios do pagamento pelo movimento e ajudas para o estabelecimento ou o reconhecimento social. Na perspetiva das redes, os intermediários representam a ligação entre dois agrupamentos de rede, como a localidade da emigração e a de imigração. Os intermediários podem ser: migrantes pioneiros que aproveitam para capitalizar socialmente a experiência sendo recrutadores; os transportadores de migrantes ilegais (ou contrabandistas); e os gatekeepers(encaminham os migrantes para os empregadores, senhorios, outros) (Faist, 2000).

Portanto, existem genericamente dois tipos de redes de migrantes no desenvolvimento dos fluxos: as que se criam espontaneamente em relações de sociabilidade e parentesco e as de recrutamento de mão de obra estrangeira visando alguma forma de lucro. As últimas surgem porque poucos migrantes teriam os contactos pessoais necessários para a migração ser bem-sucedida quando as suas envolventes são de restrição política (Castles e Miller, 2009).

Na integração na sociedade recetora, a confiança nas redes de migrantes aumenta a possibilidade dos novos imigrantes se estabelecerem nas zonas geográficas de residência dos pioneiros (Hugo, 1981) e nos mesmos setores laborais (Waldinger e Lichter, 2003). Além de fontes de trabalho no interior da comunidade, as redes também fornecem fontes de crédito e de apoio a iniciativas empresariais (Portes, 1999).

Também é importante referir as condições objetivas limitadoras destas redes sociais que se estendem à sociedade recetora, na vertente menos benéfica, numa perspetiva que refere as manifestações menos desejáveis do capital social: 1) nivelamento descendente, sempre que os primeiros migrantes ajudam os mais recentes e lhes transmitem que não devem ter aspirações superiores ao que detêm, o que pode vir a significar uma permanência nas mesmas condições de chegada (laborais, residenciais, etc.) (Portes, 1998 (1995): 2) por causa do enunciado, os imigrantes mais recentes podem ter qualificações elevadas e permanecerem nas ocupações que têm, sob pena de deixarem de usufruir dos apoios fornecidos (Portes, 1999).

Um estudo sobre salvadorenhas nos Estados Unidos da América (Menjívar, 2000) problematiza a mobilização mal sucedida de capital social pelas redes e salienta que a origem social, os tempos de migração (migrantes estabelecidos versusmigrantes acabados de chegar), entre outras variáveis, deverão ser consideradas para explicar o enfraquecimento das redes sociais na sociedade recetora. Reforça-se o facto de as redes sociais de imigrantes serem sensíveis às condições materiais e físicas nas quais existem (Menjívar, 2000: 235).

É importante reforçar que têm estado a ser consideradas as redes de amizade e de parentesco que podem sustentar fluxos migratórios específicos através do capital social cuja mobilização representa entreajudas no movimento e na receção e, eventualmente, alguma capitalização da experiência pela parte dos primeiros migrantes que auxiliam outros, visando lucro. O tráfico de migrantes e atividades de redes organizadas e associadas a atividades criminosas não é, propositadamente, o objetivo deste texto.

4. Redes, capital social, internet e migrações Um dos domínios de mobilização de capital social e de ativação de redes pelos atores, na vida social conduz, no mundo contemporâneo, ao tema da Internet e da world wide web(precisamente a rede que percorre o mundo através dos computadores portáteis, cabos de ligação, estruturas de Asymmetric Digital Subscriber Line, fibra ótica, sistemas de wireless...). Na presente exposição importa destacar as potencialidades da Internet na disponibilização de doses massivas de informação gratuita na comunicação mediada, sem constrangimentos de espaço nem de tempo, o que assume importância quando o tema do artigo remete para migrações internacionais e para o destaque da importância do capital social e das redes no recrutamento laboral para fluxos migratórios. É uma rede que representa uma das propriedades das redes sociais, a latência, e uma das distinções relativamente aos grupos pequenos, como se referiu atrás: pode ser ativada quando necessária e não se tem um conhecimento real das suas fronteiras.9 À Internet associa-se a virtualidade a este desconhecimento.

A existência das redes cibernéticas potencia o aumento e o desenvolvimento do capital social (Hiller e Franz, 2004; Lin, 2002), devido precisamente às características enunciadas. São redes de relações entre indivíduos e grupos de indivíduos às quais se acede na Internet, através das diferentes formas permitidas por esta rede, para prosseguir objetivos comuns de obtenção de informações, defesas de causas, realização de transações económicas, entretenimento, entre outros.

Redes especialmente criadas para estabelecer contactos com pessoas novas e/ou encontrar pessoas de quem se perdeu o contacto têm-se desenvolvido nos últimos 10 anos, sendo o Facebooko exemplo atualmente mais popular.10 Além deste, o Hi5, ou o Orkut, são redes onde cada pessoa se inscreve com um perfil, pode convidar outras a juntar-se, e vai adicionando amizades e relações no seu espaço, assim alargando as suas fronteiras. Esta rede intersetar-se-á com a(s) que se tem na vida real. Uma parte das atividades que se realizam através das redes cibernéticas envolve a criação e o uso de capital social, e os relacionamentos onlinepodem, no domínio dos conceitos das redes, ser classificados pelo objetivo com que surgem e mantêm: desenvolver novos laços, solidificar laços antigos e/ou reencontrar laços perdidos (Hiller e Franz, 2004).

A comunicação assim mediada por computador pode criar pontes entre pessoas anteriormente desconhecidas entre si, transcendendo o tempo e o espaço físico, e pode sustentá-las mesmo sem contacto físico. A não ser nas salas de conversação ou, por exemplo, no programa Skype, em que as conversas são mantidas em simultâneo, as outras formas de comunicação permitidas pelas redes e pela Internet são assíncronas e derrubam as fronteiras geográficas, não importando de onde comunicam os elementos (indivíduos) das redes que, geralmente, se formam com base em relações criadas por interesses em comum.

Pensando na estruturação e desenvolvimento das migrações, e nas potencialidades da Internet referidas, pode dizer-se que os progressos nas novas tecnologias de comunicação permitem, de uma forma geral, diminuir custos inerentes à mudança migratória. Embora tenha que ser sempre tido em consideração cada migração particular e o desenvolvimento das novas tecnologias nos países em causa, a sua generalização em países desenvolvidos permite pensá-las como recursos disponíveis em migrações não qualificadas ou de tipo laboral entre estes. No processo de decisão, assim redefinidos os enquadramentos de tempo e de espaço, disponibilizam-se recursos que permitem a simulação de cenários de vida futuros e a apresentação de alternativas. A mudança também se realiza de forma menos impactante, uma vez que a Internet permite uma comunicação frequente entre migrantes e quem permaneceu, seja por escrito, mas também visualmente (com o advento das webcams) e oralmente (através da utilização de microfones para ligações telefónicas nomeadamente através do Skype).

Enquanto utilizadores da Internet, os migrantes partilham o que pode constituir um critério para o estabelecimento de laços em linha: a origem comum, que pode tornar-se critério definidor da criação ou desenvolvimento de uma rede.

A utilização da Internet nas migrações será diferente consoante a fase do ciclo de migração, nomeadamente quando se é pré-migrante, migrante recente ou estabelecido (Hiller e Franz, 2004), porque em cada uma se convocam diferentes relacionamentos com os países de origem e de destino. Enquanto pré-migrantes, a Internet poderá servir propósitos de pesquisa de informações sobre o destino, por exemplo através de motores de busca ou de comunicação por correio eletrónico com pessoas que pertençam a alguma comunidade virtual que as possa fornecer; logo após a migração, a Internet servirá para manter a proximidade do migrante com a origem (e também induzir novos movimentos através da retroalimentação com informação e disponibilização de apoio ao movimento); e, como migrantes integrados, a ligação passará ou não a ser mais esporádica.

Conclusões Pretendeu-se, neste texto, contribuir para a análise do recrutamento em fluxos migratórios laborais no âmbito das redes sociais dos migrantes e potenciais migrantes, não necessariamente redes organizadas e visando o lucro, muito menos as de âmbito criminoso, em contextos de ausência de acordos governamentais. Uma condição inicial semelhante ao cenário considerado por Piore terá de existir para que possamos pensar a articulação entre redes sociais e a atividade de recrutamento: necessidade de preenchimento de vagas no mercado de trabalho.

Mas, naquela perspetiva, as migrações laborais que não são precedidas por recrutamentos estatais ou de empregadores, ficariam por explicar.

Deste modo, o recrutamento não é apanágio somente dos recrutadores, nem as redes se ocupam apenas dos aspetos mais emocionais relativos à mudança. As migrações laborais surgem, nesta perspetiva, pela articulação entre os fatores estruturais societais de repulsão e atração (onde um mercado de trabalho com vagas abundantes existe no destino), os processos migratórios individuais baseados em escolhas de movimento, e a articulação entre estes e a maior ou menor organização da migração por redes intramigrantes e pela indústria de migração no contexto da relação migratória entre os países, na qual também intervêm as políticas de migração (assim como as possibilidades de contorno, com as redes sociais, de obstáculos por estas criados em contexto de restrição aos movimentos). Faz sentido, assim, analisar como aconteceu o recrutamento dos migrantes para o fluxo, e depois para o mercado de trabalho do destino, tentando a reconstituição das suas redes na origem e no destino (com o auxílio da análise das redes sociais), mediante a identificação dos elementos que estabeleceram a ponte entre os países os intermediários e de quem os migrantes em estudo poderão ter sido intermediários. Todos estes processos ocorrem, ainda, num contexto global em que um número crescente de indivíduos está envolvido e inscrito nesta nova forma de redes e relações sociais suportadas pela Internet, as quais descrevem uma multiplicação e amplificação de criação e uso de capital social.

Na abordagem relacional das migrações laborais, é central o facto de cada migração significar a ligação a um conjunto de outros indivíduos, em que cada um está, por sua vez, ligado a outros tantos (e por diante); não é difícil prever a exponenciação de movimentos migratórios subsequentes através da ponte que se estabelece entre dois mercados de trabalho de países diferentes quando outros fatores estruturais contribuem para que estes existam (por exemplo, desemprego na origem e oportunidades no destino).

Aos diferentes estádios de desenvolvimento histórico do fluxo migratório e respetivos canais de fluência de informação sobre o país estrangeiro, como as redes sociais (incluindo cibernéticas), será possível atribuir maior ou menor margem de manobra para a operacionalidade dos recrutadores profissionais que, ainda assim, tenderão a existir. Mas o capital social na forma de recursos (obrigações, reciprocidade e solidariedade) e os benefícios que deles se retiram (o acesso a recursos de outros significativos, informação e controlo sobre outras pessoas) é a fonte mais importante para a colocação dos migrantes no mercado de trabalho, bem como para obter informação sobre melhores oportunidades noutros setores, atividades ou postos de trabalho, quando aqueles se encontram no destino. Estas abordagem contraria e corrige a perspetiva clássica do potencial migrante individualizado e calculista na decisão e estuda o impacto das redes no comportamento social dos indivíduos e a forma como constrangem ou possibilitam o movimento e a fixação.


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