Aprendizagem ao Longo da Vida: Um conceito utópico?
Introdução
Ao longo dos últimos anos a abordagem dos problemas da formação, do emprego e do
desemprego tem ocupado um lugar de destaque na agenda internacional, em particular na União
Europeia.
A sociedade do conhecimento, bem como as tendências económicas e da sociedade em geral,
como a globalização, a evolução das estruturas familiares, a evolução demográfica e o impacto da
tecnologia digital, oferecem vantagens e colocam vários desafios potenciais para a União Europeia
e os seus cidadãos. Estes podem beneficiar de um conjunto de novas oportunidades de comunicação e
emprego. A aquisição contínua de conhecimentos e competências é essencial para poder tirar partido
dessas oportunidades e participar activamente na sociedade.
Paralelamente, a vantagem concorrencial depende cada vez mais dos investimentos em termos
de capital humano. Por conseguinte, os conhecimentos e as competências são pois um importante
catalisador para o crescimento económico. Dado o actual clima de instabilidade económica, investir
nos indivíduos assume uma importância acrescida.
Mas por outro lado, a sociedade de conhecimento acarreta riscos e incertezas consideráveis, na
medida em que é passível de reforçar desigualdades e a exclusão social. O germe da desigualdade
desponta numa fase prematura da existência, constituindo a participação na educação inicial um
factor primordial.
No espaço europeu, a Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV) tem sido objecto de discussões e
de desenvolvimentos políticos, reiterando-se como uma componente básica do modelo social europeu,
evoluindo no enquadramento estabelecido pela Estratégia Europeia para o Emprego (EEE), procurando
concretizar respostas para as especificidades do mercado de trabalho.
Neste contexto as instituições educativas, em geral, e as universidades, em particular, e as empresas
são chamadas para praticarem uma cooperação activa porque, enquanto instituições, integram um sistema
social que submete a ambas, e todas as outras espécies de unidades sociais, a certos imperativos de
solidariedade.
No entanto, e apesar dos avanços recentes na promoção da tão desejada cooperação, “permanece insípido o relacionamento entre universidades e empresas” (Gomes, 2006, p. 179), o que significa
que os malefícios, as insuficiências e as distorções produzidos em cada um desses campos, acabam
por ter repercussões, não só neles, mas sobretudo na sociedade.
Este artigo pretende analisar o desenvolvimento do conceito de aprendizagem ao longo da vida,
uma espécie de aprendizagem biográfica, nas suas diversas configurações principais, em particular
a sua realidade na actual prática educativa e empresarial.
O conceito de Aprendizagem ao Longo da Vida: uma breve incursão
O memorando sobre Aprendizagem ao Longo da Vida1 contém uma definição do conceito,
estabelecido no contexto da Estratégia Europeia para o Emprego, ponto de partida para o debate durante
o processo de consulta (Neves, 2005)2. Esta definição postula que a aprendizagem ao longo da vida
é “toda a actividade de aprendizagem em qualquer momento da vida, com o objectivo de melhorar
os conhecimentos, as aptidões e competências, no quadro de uma perspectiva pessoal, cívica, social
e/ou relacionada com o emprego”.
A amplitude desta definição chama a atenção para o leque das categorias básicas de actividades
de aprendizagem, nomeadamente a aprendizagem formal, não formal e informal, para além da inclusão
de todas as fases da aprendizagem, desde a infância à reforma.
A aprendizagem ao longo da vida é uma proposta de todo fascinante, tal como é apresentada
pelo Livro Branco que consagrou o ano de 1996 “Ano Europeu da Educação”. O objectivo fundamental é a procura de uma solução positiva no debate sobre o desemprego na Europa e de uma
situação em que a actualização dos conhecimentos profissionais se torne um imperativo para todos
os cidadãos.
Os primórdios
Todavia, esta ideia está longe de ser nova, e as fórmulas de aprendizagem ao longo da vida
do pós-guerra, tal como o demonstra o artigo de Denis Kallen (1996), estiveram longe de conhecer
um sucesso.
A ideia de aprendizagem nasce no século XIX, com o surgimento dos primeiros movimentos que
advogaram e promoveram a educação de adultos em ambientes não escolares, através de programas
para a nova classe trabalhadora industrial.
É claro que o principal objectivo destas iniciativas não era a preparação dos adultos para as
tarefas do trabalho. As suas razões eram, sobretudo, “de natureza cultural, social e, indirectamente,
política” (Kallen, 1996), facultando aos novos trabalhadores o acesso à cultura e ao conhecimento. Como
refere Kallen (1996), a “emancipação social e cultural”, o “poder cultural”, uma “cultura democrática
e popular”, e um “novo humanismo” estavam entre as palavras de ordem dos movimentos de “educação
popular” e de “educação dos trabalhadores”.
Assim sendo, a adaptação ao trabalho e a objectivos ligados ao trabalho ficaram postas de lado,
desempenhando um papel secundário, se não mesmo nenhum. O único elo de ligação com a vida
profissional dos adultos dizia respeito à capacidade dos trabalhadores de defenderem os seus interesses
laborais.
A ligação à educação formal também não ocupava um lugar de destaque nessas primeiras
tentativas de abordagem ao conceito de aprendizagem. É certo que muitas das actividades organizadas
no âmbito da educação de adultos podiam ser apelidadas de “educativas”, uma vez que, ocasionalmente, faziam-se tentativas no sentido de melhorar a prática dos participantes relativamente às
competências básicas, nomeadamente ler, escrever e contar, mas “não havia, na maioria dos casos,
uma intenção explícita de complementar a educação e formação inicial, nem tão pouco existia um
conceito abrangente de educação” (ibid., p. 17).
Os anos pós-guerra
As décadas após-guerra, sobretudo a década de sessenta, conduziram a muitos debates e reflexões
sobre o futuro da educação de adultos, sobre os méritos do que existia e a melhor maneira de satisfazer
o rápido crescimento das necessidades provocado pelos 30 anos dourados, após a grande crise económica
no final dos anos vinte.
Neste contexto foram desenvolvidos, pelo Conselho da Europa, da UNESCO e OCDE, os três
principais paradigmas de aprendizagem ao longo da vida, que continuam a orientar a filosofia
dominante. É interessante notar que os três tenham desenvolvido quase simultaneamente um conceito
de ALV, baseado nos mesmos objectivos globais.
O Conselho da Europa introduziu nos meados dos anos sessenta o tema da educação permanente,
que era considerada como um “conceito fundamentalmente novo e abrangente... um padrão de educação
global capaz de fazer face ao rápido crescimento das necessidades individuais cada vez mais diversificadas de jovens e adultos, no âmbito da educação da nova sociedade europeia” (Council of Europe,
1970, p. 9).
Por seu lado, a UNESCO deu um grande impulso para a política e actividades da organização
no domínio da educação ao longo da vida lançando, em 1972, o relatório Learning to Be, da Comissão
Internacional para o Desenvolvimento da Educação, presidido por Faure.
Este relatório foi precedido, em 1970, pelo trabalho de Lengrand, An Introduction to Lifelong
Learning. Este relatório lançou as bases conceptuais e preparou o terreno para uma política nova e
abrangente que pudesse inspirar e orientar todo o programa educativo da UNESCO, permitindo-lhe
ao mesmo tempo estabelecer uma ligação orgânica com as suas actividades científicas, culturais e
sócio-políticas (Kallen, 1996).
O trabalho da OCDE, Recurrent Education: a strategy for lifelong learning (Kallen & Bengtsson,
1973) tinha, de acordo com o subtítulo, um objectivo mais modesto: definiu a educação contínua (termo
usado) como uma “estratégia cuja essência consiste na disseminação de oportunidades educativas
menores ao longo da vida de um indivíduo por forma a que estejam disponíveis quando necessárias”
(Papadopoulos, 1994, p. 113).
O paradigma da educação contínua foi advogado como uma alternativa ao período sempre
crescente da educação inicial que mantinha os jovens na escola e afastados da vida “real” até pelo
menos aos últimos anos da adolescência.
Na linha dos objectivos globais da OCDE, a educação contínua tinha uma forte conotação
económica. Como refere Papadopoulos (1994), permitiu reunir a educação formal inicial e a educação
de adultos e a formação no trabalho num único enquadramento político, cujos objectivos se relacionavam
com um conjunto de objectivos educacionais, económicos e sociais comuns.
O fim dos anos dourados
O sincronismo dos três paradigmas de ALV, atrás mencionados, no início da década de setenta,
encontrou um paralelo na contemporaneidade de uma série de pronunciamentos e publicações muito
críticos sobre educação formal. Muitos deles inspiraram e influenciaram directamente o pensamento
sobre novos conceitos e políticas de aprendizagem ao longo da vida.
O sistema de educação formal tinha fracassado na promoção da igualdade de oportunidades
de educação e o impacto da escola no estatuto profissional era reduzido. No entanto, a mensagem básica
de todas as publicações relevantes apontava no sentido de que a educação inicial, por mais bem fundada
e organizada que fosse, tinha pouca capacidade de atingir os seus objectivos, quer se tratasse da
igualdade de oportunidades, de conhecimento de práticas pedagógicas e de competências e qualificações
para o mercado (Husén, 1974).
Neste período, segundo Kallen (1996), uma das principais críticas visava a escola enquanto
instituição e pretendia manter o monopólio da transferência do conhecimento que há muito perdera. A
escola, prossegue o autor, era um instrumento de doutrinação e de opressão da espontaneidade, nas
mãos de Estados obcecados pela necessidade de ensinar às crianças o respeito pela lei, o comportamento
disciplinado e outras virtudes que os seus “bons” cidadãos deveriam possuir, destruindo deste modo a
sua curiosidade inata.
Um dos autores mais críticos da altura, Paul Goodman, na sua famosa obra Compulsory
Miseducation, publicado em 1972, chega a citar Einstein quando dizia que “Constitui na realidade
um verdadeiro milagre que os métodos de instrução modernos não tenham ainda estrangulado a
bendita curiosidade da pergunta”.
Estas críticas foram no conjunto bem aceites pelos decisores políticos nos países mais desenvolvidos,
que viram aí uma fuga ao prolongamento e ao aumento de custos da educação inicial, assim como um
meio de melhorar a adaptação da educação às necessidades do mercado. Os países em desenvolvimento,
segundo Kallen (1996), deixaram-se impressionar pela lógica do Learning to Be, que respondia ao seu
desejo de uma abordagem inteiramente nova da educação, no quadro de um desenvolvimento global.
Mas, na realidade, não foram muito diligentes na sua tradução para as políticas educativas.
A OCDE refere que, a conferência dos Ministros Europeus da Educação, realizada em Berna, em
1973, endossou o princípio geral da educação contínua, mas depois disso poucos progressos foram
feitos e o que já fora conseguido “era ainda de natureza vaga, distribuído pelos países de modo não
uniforme” (Papadopoulos, 1994, p. 115).
Na UNESCO observa-se um desenvolvimento semelhante. Sucessivas Conferências Gerais
adoptaram o conceito de educação permanente, mas este foi rapidamente reduzido a algumas dimensões
específicas, programas de alfabetização nos países em desenvolvimento e apoio à educação “tradicional”
de adultos, em particular (Kallen, 1980).
O Conselho da Europa, de acordo com Kallen (1996), terá talvez permanecido na sua abordagem
geral mais fiel à filosofia da “educação permanente”; todavia, nos seus programas os sectores mais
tradicionais e implantados da educação têm sido dominantes ao longo dos anos e, na sua conotação
original, o conceito foi, de certa forma, posto de lado.
A realidade: uma miragem?
A aprendizagem ao longo da vida significa que, se uma pessoa tem o desejo de aprender, ela terá
condições de fazê-lo, independentemente de onde e quando isso ocorre. Para tanto, é necessária a
confluência de três factores: que a pessoa tenha a predisposição de aprendizagem, que existam ambientes
de aprendizagens (centros, escolas, empresas, etc.) adequadamente organizados e que haja pessoas
que possam auxiliar o aprendiz no processo de aprender (agentes de aprendizagem), para além de
que esta aprendizagem deve ir ao encontro das necessidades do mercado de trabalho se quiser fazer
face ao desemprego.
Entretanto, essa visão de aprendizagem ao longo da vida não é o que tem sido discutido na
literatura e praticado em instituições educacionais. Em geral, a aprendizagem ao longo da vida tem sido
usada para se referir à “educação de adultos” (Valente, 2005), o que se tem traduzido na criação
das universidades da terceira idade. É uma tentativa de proporcionar meios para as pessoas darem
continuidade a sua educação e obterem mais certificados. O resultado final está para “certificação ao
longo da vida” (lifelong certification), em vez de criar oportunidades para as pessoas se tornarem
autónomas e estarem dotadas de competências transversais, e até específicas, necessárias de modo
a responderem as necessidades do mercado.
A proposta a ser enfatizada é a de que a aprendizagem que acontece na escola e durante a
vida profissional deve ser uma extensão da aprendizagem que se dá na infância ou na terceira idade.
As pessoas devem ter meios para continuar a aprender, interagindo com o mundo e recebendo ajuda
dos agentes de aprendizagem.
A pergunta, portanto, é: como criar essas oportunidades de aprendizagem para que as pessoas
possam construir conhecimento como parte do seu dia-a-dia, desde o nascimento e estendendo-se ao
longo da vida?
Considerações finais
A aprendizagem ao longo da vida e os seus equivalentes reaparecem com regularidade, com
um destaque notável nestes últimos tempos, em afirmações de política internacional, sobretudo
para colocar numa perspectiva mais vasta e para dar um fundo conceptual mais alargado aos
muitos programas “lentos” que têm sido propostos.
A enumeração destas concretizações parciais do conceito de aprendizagem ao longo da vida
não se insere no âmbito deste artigo. Talvez seja proveitoso, no entanto, verificar de que forma os
programas actuais de educação de adultos de todo o tipo não correspondem na globalidade aos
conceitos originais:
- Poucos progressos têm sido feitos relativamente à osmose entre a educação e a formação,
por um lado, e o desenvolvimento cultural e social, por outro. O único sector em que esta osmose
há muito foi conseguida em larga escala é o dos programas tradicionais de educação de adultos
“liberal”, sobretudo aqueles que se centram no desenvolvimento da comunidade (Kallen, 1996);
- Os objectivos libertadores, emancipadores e politicamente progressistas da educação ao
longo da vida – que realmente não foram explicitamente adoptados pelas organizações
internacionais, nem pela maior parte dos países membros – abriram caminho para outros
objectivos mais “realistas” que servem para manter e melhorar os actuais sistemas sociais,
mas não prevêem a introdução de qualquer mudança radical (Papadopoulos, 1994).
Por outro lado, o clima político e económico actual é diferente do dos anos sessenta. Não sendo
favorável à filosofia um tanto utópica e idealista dos primeiros paradigmas de aprendizagem ao longo
da vida é, no entanto, propício a programas de “formação ao longo da vida simplesmente ligados
ao trabalho e ao emprego”.
É necessária uma boa dose de optimismo e de tolerância para endossar o ponto de vista de
que os conceitos de formação ao longo da vida têm, apesar de tudo, sobrevivido intactos. A ideia
geral tem permanecido nas afirmações dos decisores políticos e também em muitos programas de
educação e formação. No entanto, em nossa opinião, a sua conotação alterou-se profundamente sem
nunca ter conseguido atingir em pleno os seus objectivos, o que de certa forma seria de esperar,
considerando as mudanças no contexto político nas últimas décadas e a evolução das economias
dos países desenvolvidos, no sentido de um modelo liberal. Mas mesmo assim, a questão não deixa
de roçar o ouvido: Aprendizagem ao Longo da Vida – um conceito utópico? Só o tempo o dirá.