Novos indicadores para o comércio internacional
INTRODUÇÃO
Ao nível internacional, para se aferir acerca da capacidade exportadora de um
país e do seu grau de abertura face ao exterior, é normalmente utilizado um
indicador que reflecte a relação entre as exportações e o somatório das
exportações com as importações e o Produto Interno Bruto (PIB),
respectivamente.
No entanto, tal como procuraremos demonstrar neste artigo, a construção
daqueles indicadores padecem de uma incoerência interna e, por isso, não
traduzem adequadamente a capacidade exportadora e o grau de abertura de uma
economia face ao exterior.
Com base na contabilidade nacional, o presente artigo tem como objectivo
apresentar uma nova metodologia para a construção de indicadores que traduzam,
de uma forma mais fidedigna, a posição de cada país no comércio internacional.
Primeiro, comparamos a metodologia tradicional com a nova metodologia proposta
e, com base nesta, propomos também um indicador relativo ao Grau de Importação
da Economia. Depois, apresentamos os resultados de acordo com ambas as
metodologias, demonstrando as insuficiências da metodologia tradicional e as
vantagens da nova metodologia. Concluímos o artigo salientando as alterações
resultantes da aplicação da nova metodologia.
METODOLOGIA TRADICIONALVERSUSNOVA METODOLOGIA
De acordo com a metodologia tradicional, a capacidade exportadora e o grau de
abertura face ao exterior, é calculado a partir do rácio das exportações e do
somatório das exportações com as importações em relação ao PIB,
respectivamente.
Na perspectiva da contabilidade nacional, e de acordo com a óptica da produção,
o valor acrescentado bruto (B.1g) traduz o saldo entre a produção (P.1) e o
consumo intermédio (P.2). O PIB resulta do somatório do valor acrescentado
bruto com os impostos líquidos de subsídios aos produtos (D.21-D.31) (ver
caixa). Logo, a metodologia tradicional padece de uma incoerência: relaciona os
valores das importações mensurados a preços base e das exportações mensurados a
preços de aquisição, com o valor acrescentado de uma economia.
De acordo com o Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC95), a
produção (P.1) é constituída por todos os produtos criados durante o período
contabilístico. O consumo intermédio (P.2) consiste no valor dos bens e
serviços consumidos como elementos de um processo de produção, excluindo os
activos fixos, cujo consumo é registado como consumo de capital fixo. Os bens e
serviços podem ser transformados ou utilizados no processo produtivo.
Os impostos sobre os produtos (D.21) são impostos devidos por cada unidade de
um bem ou serviço produzido ou comercializado. Os subsídios aos produtos (D.31)
são subsídios pagos por cada unidade de um bem ou serviço produzido ou
importado.
Na óptica da produção, a relação entre estas variáveis e o PIB é apresentada na
tabela seguinte:
TABELA
Na Figura 1, apresenta-se um exemplo da metodologia tradicional aplicado a dois
países.
FIGURA 1
Exemplo da metodologia tradicional
Como se pode constatar, para o mesmo nível de produção, de impostos líquidos de
subsídios aos produtos e de exportações, o país B regista um rácio exportações/
PIB superior em 10 p.p. ao do país A. Isto ocorre devido ao facto do volume de
consumo intermédio ser maior no país B (500) do que no país A (400), o que
implica um menor denominador da fracção (PIB) e, logo, um maior rácio.
Neste sentido, ao relacionar as exportações com o PIB acaba-se por comparar
realidades económicas mensuradas de forma distinta: exportações mensuradas a
preços de aquisição e PIB mensurado como um valor acrescentado da economia.
Para ultrapassar esta insuficiência, propomos, de seguida, uma nova metodologia
de construção de indicadores para o comércio internacional.
Segundo o Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC95, Comissão
Europeia, 1996), na conta de bens e serviços o somatório dos recursos (produção
e importações) é igual ao somatório dos empregos (consumo intermédio, despesa
de consumo final, formação bruta de capital e exportações) da economia,
conforme a Figura 2.
FIGURA 2
Fórmula da conta de bens e serviços
Como se pode verificar, adicionou-se ainda os impostos líquidos dos subsídios
aos produtos porque «dado o modo de avaliação da produção, a preços de base, e
dos empregos, a preços de aquisição, é necessário acrescentar os impostos
líquidos dos subsídios aos produtos, na parte da conta relativa aos recursos»
( Comissão Europeia, 1996, §8.80).
As exportações são apenas um dos empregos que são satisfeitos pelos recursos
disponíveis na economia. Neste sentido, para se aferir da capacidade
exportadora de uma economia basta dividir as exportações pelos recursos (ou
pelos empregos), de acordo com a seguinte fórmula:
FIGURA 3
Grau de exportação da economia
Apesar de os impostos líquidos de subsídios aos produtos poderem incidir sobre
os diferentes recursos e empregos, entendemos, por simplificação de cálculos,
inseri-lo na totalidade nesta fórmula, em virtude de o Eurostat não publicar
dados mais desagregados sobre as várias tipologias de impostos e subsídios aos
produtos1
Quanto ao Grau de Abertura da Economia, propomos a seguinte fórmula:
FIGURA 4
Grau de abertura da economia
Com base nesta fórmula conseguimos saber, ao nível da conta de bens e serviços,
qual o peso das exportações e importações nos recursos da economia.
Adicionalmente, asseguramos a coerência global das várias componentes da
fracção:
· As exportações estão relacionadas directamente com os recursos, ambos
valorizados a preços de aquisição;
· Os recursos também incluem as importações.
No entanto, à semelhança do indicador tradicional, este indicador tem como
limitação considerar duas vezes o valor das exportações que tiveram origem em
importações. Em rigor, apenas se deveria considerar o valor das exportações
líquidas das respectivas importações.
Com base nesta metodologia, propõe-se ainda um novo indicador denominado Grau
de Importação da Economia, tal como se apresenta na Figura 5.
FIGURA_5
Grau de importação da economia
À semelhança do Grau de Exportação da Economia, o Grau de Importação da
Economia pretende aferir a percentagem de utilização de importações nos
recursos de uma economia.
Analisando este indicador com o Grau de Exportação da Economia, conseguimos
avaliar a posição de cada país no comércio internacional com indicadores
directamente comparáveis e coerentes.
RESULTADOS
No Quadro I, apresentamos os resultados dos indicadores de ambas as
metodologias para um conjunto seleccionado de 28 países e referentes ao ano de
20072.
QUADRO_1
Análise comparativa dos indicadores de comércio internacional ' Ano 2007
Com esta nova metodologia, verificamos que a escala de variação dos indicadores
se modifica substancialmente. Ao contrário da metodologia tradicional, não
existem indicadores com percentagens superiores a 100%.
As elevadas percentagens obtidas nos indicadores habitualmente usados acabavam
por reflectir a incoerência dos mesmos: misturar valores brutos com valores
acrescentados, tal como iremos demonstrar nos pontos seguintes.
No Quadro I observa-se também que os países mais pequenos tendem a ter um maior
peso das exportações sobre o total dos recursos utilizados na economia. Isto
pode ser parcialmente explicado pela menor dimensão dos mercados domésticos e,
no caso de alguns países como a Holanda e a Bélgica, por serem pontos de
passagem de mercadorias.
Portugal pertence ao grupo de países que não altera a sua posição relativa em
ambos as metodologias, mantendo-se sempre no 22.º lugar dos respectivos
rankings.
Exportações em % do PIB versus grau de exportação da economia
Da análise do Quadro I verificamos também que as posições relativas de cada
país nos dois conjuntos de indicadores não se alteram substancialmente, com
excepção de um número restrito de países onde se destacam a Noruega, a Holanda
e a República Checa.
A República Checa e a Holanda3(vd. Quadro II e III) são dois exemplos que
ilustram as insuficiências da metodologia tradicional e reforçam a robustez da
metodologia aqui apresentada, em virtude de serem os países que registam maior
alteração na sua posição relativa (Holanda mais 5 posições e República Checa
menos 5 posições).
QUADRO II
Resumo dos agregados da República Checa e Holanda ' Ano 2007
QUADRO III
Comparação dos indicadores entre a República Checa e Holanda ' Ano 2007
De acordo com a metodologia tradicional, a República Checa apresenta um rácio
de exportações em percentagem do PIB de 80,1%, alcançando a 7.ª posição no
ranking de países seleccionados, e a Holanda regista um rácio de exportações em
percentagem do PIB de 74,5%, alcançando por sua vez a 8.ª posição.
No entanto, de acordo com a nova metodologia, o Grau de Exportação da Economia
da República Checa é de 23,1% e o da Holanda é de 27,8%, revelando-se este país
com maior capacidade exportadora face aos recursos que utiliza. Esta alteração
na posição relativa é principalmente explicada pelos diferentes pesos do
consumo intermédio no total dos empregos que os dois países apresentam: 49,5%
na República Checa e 37,9% na Holanda.
Assim sendo, não faz sentido que a República Checa, ou qualquer outro país,
seja beneficiado na sua posição relativa porque incorpora uma maior percentagem
de consumo intermédio na sua produção, apresentando uma ineficiência
comparativa. Ao dividir-se as exportações pelos recursos obtém-se um resultado
mais fidedigno da real capacidade exportadora da economia e da sua posição
relativa, face aos restantes países.
Exportações mais importações em % do PIB versus grau de abertura da economia
Da leitura dos resultados constantes no Quadro_I, verificamos ainda que, com
excepção de Chipre, Holanda e República Checa, as posições relativas de cada
país nos dois conjuntos de indicadores não se alteram substancialmente.
Mais uma vez, os exemplos da República Checa e da Holanda (Quadro IV) são
paradigmáticos das insuficiências da metodologia tradicional e da maior
robustez da metodologia proposta.
QUADRO IV
Comparação dos indicadores entre a República Checa e Holanda ' Ano 2007
Segundo a metodologia tradicional, a República Checa apresenta um rácio de
exportações mais importações em percentagem do PIB de 155,1%, mais do que os
140,8% da Holanda. No entanto, de acordo com a metodologia proposta o Grau de
Abertura da Economia da República Checa (44,8%) é inferior ao da Holanda
(52,6%) em 7,8 p.p.
A explicação para esta diferença é semelhante ao caso anterior. Devido ao maior
peso do consumo intermédio nos recursos da República Checa relativamente ao da
Holanda, o PIB da República Checa é comparativamente mais pequeno e, por isso,
o rácio de exportações em percentagem do PIB é maior. Mas representando as
importações e exportações uma tipologia de recursos e empregos de uma economia,
respectivamente, não faz sentido que um país como a República Checa, que tendo
uma menor utilização percentual das importações e das exportações no total dos
recursos e dos empregos utilizados na conta de bens e serviços, acabe por ser
apresentado como tendo um grau de abertura maior que o da Holanda.
Grau de importação da economia
No Quadro V apresentamos o Grau de Importação da Economia, introduzido na
Figura_5.
QUADRO V
Grau de importação da economia ' Ano 2007
Entre os países considerados, Portugal encontra-se em 21.º lugar no ranking com
16,7% de Grau de Importação da Economia. O Luxemburgo encontra-se em 1.º lugar
com, 33%, e a Itália em 28.º e último lugar, com 12,2%. À semelhança do que
acontece no Grau de Exportação da Economia, os países pequenos tendem a
apresentar valores mais elevados neste indicador, sugerindo que o peso das
exportações e das importações de cada país tende a ser similar.
A Figura 6 confirma esta ideia ao conjugar o Grau de Exportação da Economia com
o Grau de Importação da Economia.
FIGURA 6
Grau de importação da economia e grau de exportação da economia
O eixo horizontal e vertical representa a média ponderada pelos recursos dos 28
países. A diagonal de 45.º representa o ponto de equilíbrio na Balança
Comercial dos países. Acima da diagonal, aparecem países com exportações
líquidas positivas, como Luxemburgo, Holanda ou Noruega. Abaixo da diagonal
países com exportações líquidas negativas, como Portugal, Espanha, França ou
Reino Unido. A figura mostra que os países mais pequenos apresentam graus de
exportação e de importação superiores e a disposição das observações em torno
da diagonal indica que, independentemente da dimensão do país, os respectivos
valores em percentagem dos recursos não são divergentes.
Finalmente, observa-se que Portugal regista um Grau de Exportação inferior a
alguns países de dimensão semelhante (Bélgica, Hungria, República Checa),
indicando que tanto as exportações como o grau de abertura apresentam potencial
de crescimento.
CONCLUSÕES
A metodologia que é habitualmente usada para aferir a capacidade exportadora e
o grau de abertura de uma economia face ao exterior padece de uma incoerência
em virtude de se misturar, em ambos os indicadores, valores brutos no numerador
e valores acrescentados no denominador.
Para evitar esta incoerência, propôs-se o indicador de Grau de Exportação da
Economia (aferido pelo rácio exportações/recursos) e o Grau de Abertura da
Economia (dividindo-se o somatório das exportações e importações pelo total dos
recursos da conta de bens e serviços de uma economia).
Com base nesta metodologia, os valores dos indicadores relativos às exportações
e ao grau de abertura são substancialmente reduzidos e a posição relativa dos
países é apresentada de forma mais realista. Com os novos indicadores, Portugal
registou, em 2007, um Grau de Exportação da Economia e um Grau de Abertura da
Economia de 13,4% e de 30%, respectivamente (32,3% e 72,6% na metodologia
antiga). O Grau de Importação da Economia de Portugal é de 16,7%.
O autor agradece os preciosos comentários de Ricardo Pinheiro Alves, Vanda
Dores e Paulo Lérias Júlio.