Valoração do capital natural: económica, ecológica ou política?
INTRODUÇÃO
Uma interrogação antiga em economia tem a ver com a razão pela qual o ar, um
elemento indispensável à própria vida, é um bem livre ou gratuito, ao passo que
os metais preciosos, embora supérfluos, têm uma cotação elevada nos mercados. A
isto se chama o «paradoxo do valor»1.
Georgescu-Roegen (1983) sustenta que, ao longo dos tempos, os economistas
procuraram resolver o paradoxo do valor, recorrendo ao conceito de escassez: o
ar é gratuito porque não é escasso, mas os metais preciosos têm valor
económico, porque são raros. E acrescenta que diferentes explicações do valor
foram, assim, surgindo, tendo sempre em atenção o fator que, a cada momento,
parecia ser mais raro, do bem específico cuja escassez se mostrava crucial para
a satisfação das necessidades dos seres humanos.
Esse bem ou fator passa então a ser aceite como causa ou origem do valor
económico. Assim aconteceu, em primeiro lugar, com o ouro e a prata, nos
Séculos XVII e XVIII, depois com os produtos da terra, mais tarde com a força
de trabalho, por fim com a própria procura efetiva dos bens e serviços.
Mercantilismo, fisiocracia, escola clássica de economia política, utilitarismo
neoclássico são correntes do pensamento económico, que procuram dar conta, cada
uma delas à sua maneira, da tendência humana normal para atribuir valor àquilo
de que, em cada fase histórica, necessitamos com a máxima urgência, mas não se
encontra disponível em quantidade suficiente. E nós podemos acrescentar que a
economia do ambiente e dos recursos naturais retoma este mesmo postulado,
quando sustenta que o capital ecológico se está a converter no fator restritivo
da função macroeconómica de produção.
As teorias usualmente propostas para explicar o valor dos bens têm-se apoiado
numa conceção «unimodal» do mesmo, dado que todas elas defendem a existência de
uma única fonte do valor. Essa fonte não é outra coisa senão o fator limitante,
o elemento cuja escassez se mostra determinante, em cada época. São, por esse
motivo, teorias «monistas»do valor económico.
A entrada recente da problemática ambiental na reflexão dos economistas,
nomeadamente a perceção do facto evidente de que a Natureza fornece serviços
gratuitos à economia e coloca recursos materiais e energéticos à disposição do
homem para a satisfação das suas necessidades a um preço que traduz somente o
custo do trabalho e do capital investidos na sua exploração, veio dar uma
importância acrescida à questão da valoração dos bens, em geral, tanto do ponto
de vista teórico, como prático e, simultaneamente, colocou-a numa perspetiva
inédita.
A partir de agora, deixa de fazer sentido, mesmo no quadro da análise económica
convencional, ignorar o contributo produtivo específico dos recursos da
Natureza e dos serviços ambientais. É que a valoração destes bens e serviços,
cuja escassez já não oferece dúvidas, é hoje, claramente, uma condição
fundamental da sua gestão eficaz, fazendo-os entrar na esfera da ação política
e podendo impedir, por esta via, a ocorrência de casos de sobre-exploração e de
degradação do ambiente.
Duas linhas de orientação têm-se confrontado neste domínio novo do conhecimento
que é a economia ambiental, entendida a expressão no seu sentido mais amplo:
• A primeira linha prolonga a «obsessão»monista tradicional com respeito à
valoração dos bens. Ela recorre a um de dois métodos de cálculo: por um lado,
ao cálculo monetário, com base no princípio do «consentimento marginal para
pagar» (pela aquisição de um bem ou serviço) ou «para receber» (uma compensação
pela sua perda) e na configuração de mercados fictícios; por outro, apoia-se na
contabilidade energética, com base em modelos biofísicos, que estimam o valor
dos bens em função da quantidade de energia solar que está neles incorporada.
No primeiro caso, falamos de valoração monetária ou económica dos bens, no
segundo de valoração energética ou ecológica.
• A segunda linha de orientação entra em rutura com as explicações monistas
tradicionais, em que uma única substância ou princípio explica o valor dos
bens. Na verdade, o núcleo central da moderna reflexão económico-ecológica
adota, nesta matéria, um ponto de vista «dualista» ou «bimodal», segundo o qual
o valor dos bens resulta da associação de dois parâmetros. Primeiro, do lado da
oferta, de um parâmetro físico: as coisas com baixa entropia e escassas têm
valor porque pressupõem o dispêndio de materiais, energia e informação para a
sua produção. Depois, do lado da procura, de um parâmetro psíquico, nos termos
do qual o valor depende da capacidade que os bens possuem para satisfazer as
necessidades humanas, um dado que determina a sua atratividade relativa.
Um ponto de vista dualista recusa, ao mesmo tempo, o reducionismo monetário e o
reducionismo ecológico, na medida em que parte da premissa da inexistência de
uma medida comum de todos os valores ou de uma unidade de conta universal. A
valoração dos bens e serviços ambientais é, nestas circunstâncias,
fundamentalmente uma questão que releva das esferas da ética e da política.
Analisemos com um pouco mais de pormenor cada uma destas duas grandes linhas de
orientação.
O PROLONGAMENTO DAS OBSESSÕES MONISTAS
Valoração económica - o cálculo monetário
Antes de mais, importa deixar claro que, em economia, o conceito de «efeito
externo» (ao mercado) ou de «externalidade»não designa diretamente uma
alteração do mundo biofísico provocada pela ação do homem, mas sim as
consequências que essa alteração possa ter no bem-estar das pessoas. Na esteira
de Pigou (1920), ele refere-se ao impacto do comportamento de um agente
económico (produtor ou consumidor) no nível de utilidade ou bem-estar de outro
agente, sem que esse facto tenha uma expressão direta nos preços de mercado. Um
ponto de vista que é evidenciado, por exemplo, por Pillet (1993, p. 15), entre
muitos outros autores, ao observar que uma externalidade é «uma
interdependência entre funções de utilidade dos consumidores e funções de custo
dos produtores entre elas diretamente ou de uma maneira cruzada, mas sem ser
objeto de uma qualquer troca em qualquer mercado».
A diferença entre o sentido físico do termo e o seu sentido económico é, na
realidade, demasiado importante para que a possamos deixarem silêncio.
Apoluição (externalidade negativa), por exemplo, não tem, de facto, o mesmo
significado em ecologia e em economia: para que haja poluição, na ótica da
ciência económica, é necessário que uma modificação do estado do ambiente afete
negativamente o nível de utilidade de um consumidor ou diminua o lucro de um
empresário. E essa perda toma a natureza de um efeito externo, a partir do
momento em que não é compensada por nenhum mecanismo de mercado. Jouvenel
(1970) sustenta, precisamente nesta linha de pensamento que, em economia, não
são as poluições propriamente ditas que contam, mas sim os danos mediatizados
pelas funções objetivo dos agentes económicos. Por outras palavras, o que neste
caso importa é a expressão monetária dos custos da degradação ambiental, tal
como eles são percecionados pelos indivíduos e na exata medida em que o são.
Um ponto de vista como este abre caminho a um método de cálculo monetário do
valor dos bens e serviços ambientais, bem como dos danos que eles possam
eventualmente sofrer. Num primeiro momento, entende-se que as externalidades
económicas possuem uma única dimensão relevante, de cariz subjetivo, que liga
dois polos opostos: um polo positivo de vantagens ou satisfações e um polo
negativo de custos ou desutilidades. Nestas condições, elas podem ser objeto de
uma análise clássica de custo-benefício, na base de uma métrica ou denominador
comum, o que implica a plena comensurabilidade dos bens e serviços ecológicos,
isto é, o facto da perda de um bem poder ser sempre avaliada contra o ganho de
um outro qualquer bem. Adota-se, assim, uma conceção monista do valor, baseada
na sua aptidão para satisfazer as necessidades individuais ou, mais
simplesmente, no seu «valor de uso»2.
À semelhança do que acontece com os restantes bens, o valor dos bens e serviços
do ambiente mede-se, de facto, pela sua utilidade, pela satisfação que o seu
uso proporciona. Em termos práticos, na ausências de mercados dos quais se
possam derivar direta ou indiretamente valores de uso, isto faz-se
quantificando o «consentimento marginal para pagar ou para aceitar», consoante
estejamos a considerar respetivamente a sua aquisição ou a sua renúncia3. A
expressão monetária desse consentimento, denominada «excedente do consumidor»
(a diferença entre o preço do bem ou do serviço do ambiente, neste segundo caso
nulo, e aquilo que estaríamos dispostos a pagar para o adquirir ou a receber
para a ele renunciar), obtém-se pelo recurso a técnicas específicas de cálculo,
a principal das quais recebeu a designação de «avaliação contingente» e que tem
a pretensão de ser aplicável à generalidade das situações em análise.
No quadro daquelas técnicas, o valor social ou coletivo dos bens e serviços
ecológicos resulta da mera agregação das valorações individuais, sendo que, na
ausência de mercados onde os agentes económicos possam expressar as suas
preferências, estas últimas são medidas através da administração de inquéritos.
Obtém-se, nestas condições, o «preço-sombra» do bem ou do serviço ambiental, um
elemento de informação que é indispensável à correção das falhas e deficiências
do mercado na valoração das externalidades económicas e que abre a porta à
correspondente internalização, seja pela via pigouviana da intervenção estatal
(impostos e subsídios), seja pela via coasiana4 da negociação direta entre os
agentes económicos implicados. O propósito último desta metodologia de cálculo
é evidente: fornecer informação que permita agir sobre os preços do mercado, de
modo a restaurar a eficiência económica, corrigindo-se as distorções na
afetação dos recursos da Natureza.
Valoração ecológica ' a contabilidade energética
Um caminho alternativo à valoração económica dos bens e serviços ambientais foi
aberto pela análise eco energética, que toma partido das características
contabilísticas da energia, no sentido de que ela pode ser medida, tem
propriedades aditivas e é convertível em unidades equivalentes do mesmo tipo.
Neste caso, o método de cálculo consiste em estabelecer balanços energéticos
detalhados, capazes de reinterpretarem os resultados da análise tradicional dos
processos económicos numa unidade energética universal, por exemplo, em
quilocalorias5, mas também em joules, em watts ou em qualquer outra medida
equivalente.
Neste domínio, ficaram clássicos os trabalhos desenvolvidos pela equipa
dirigida por Pimentel (1980) sobre os desempenhos económico e energético
comparados da cultura de milho, nos Estados Unidos. O resultado mais
significativo da investigação realizada foi que os acréscimos da produtividade
agrícola (da terra e do trabalho) tinham sido obtidos naquele país à custa de
um verdadeiro «subsídio energético», ou trabalho gratuito do ambiente, na forma
da utilização crescente de combustíveis fósseis disponíveis a um custo
irrisório: os hidrocarbonetos não só vieram substituir a água da chuva e o solo
arável, como também estiveram implicados na sistemática substituição da mão-de-
obra por maquinaria. Reduzir, por exemplo, a área cultivada para metade,
mantendo o nível da produção de milho, exigiu que fosse triplicado o uso de
energia fóssil. Do mesmo modo, a menor precipitação foi compensada com a
irrigação a partir de aquíferos subterrâneos, um processo que é energia-
intensivo. Por último, com a mecanização foi necessário utilizar somente 12
horas de força de trabalho por hectare contra as 1200 horas inicialmente gastas
quando todo o trabalho era manual.
Este estudo, como alguns outros do mesmo género, que incidiram sobre as mais
diversas atividades produtivas, pôs em evidência um facto paradoxal: o sucesso
económico dos métodos industriais de produção, quando avaliados do ponto de
vista da produtividade do trabalho humano ou do rendimento por hectare, é
sempre contrabalançado por rendimentos energéticos decrescentes, desde que não
se ignore o «trabalho do ambiente» neles contidos, valorado numa métrica
energética específica: eles só são, pois, sustentáveis e competitivos, na
medida em que puderem apoiar-se em energia barata.
A conclusão óbvia a que os peritos chegaram foi, nestes termos, que, desde que
tal não se verifique, esses processos energia-intensivos deixam de possuir
qualquer viabilidade económica. Uma conclusão que abriu a porta ao
desenvolvimento de investigações mais recentes (Ayres, 1989) sobre a eficiência
no uso, tanto da energia, como dos próprios materiais, no quadro do que se tem
vindo a designar de metabolismo industrial, cuja finalidade prática consiste em
reduzir os custos de produção relacionados com o consumo dos recursos naturais.
Uma segunda linha de trabalhos no âmbito da análise energética, sobretudo
protagonizada por Odum (1984) vai, porém, mais longe do que a mera determinação
do custo em energia dos vários processos económicos e visa calcular a «energia
incorporada» (ou emergia) num determinado bem ou serviço, definida como a
quantidade total de energia solar necessária para produzir a energia contida
nesse bem ou serviço. Procura-se, em síntese, obter uma medida objetiva do
valor dos recursos utilizados nos processos económicos, quer eles sejam de tipo
mercantil ou não, no sentido de que ela não depende de fatores subjetivos, como
é o caso das preferências dos indivíduos. E o processo de cálculo da energia
incorporada, uma vez aplicado a cada um dos elementos de um sistema permite,
por mera agregação, medir a energia total do sistema.
O desígnio teórico desta linha de investigação consiste em fundamentar um
conceito de «valor de troca» dos bens, assente na quantidade total de energia
neles incorporada. Trata-se de uma linha de investigação que entronca nos
estudos efetuados na década de 1870 pelo socialista ucraniano Podolinski
(1880), que ambicionava articular uma teoria energética do valor com a teoria
económica clássica do valor trabalho6. Mas ela introduz alguns elementos novos
na reflexão: desde logo, a tese de que a energia é o fator restritivo dos
processos produtivos; de seguida, a adoção do princípio de Lotka da «máxima
potência», nos termos do qual os sistemas, sejam eles naturais ou económicos,
procuram maximizar o uso da energia, uma tese que acaba por estabelecer uma
ligação direta entre energética e teoria da evolução.
O desempenho de um sistema (natural ou económico), a sua aptidão para perdurar
no tempo ou «sustentabilidade», pode ser, nestas circunstâncias, avaliado pela
sua capacidade para maximizar a energia nele incorporada. Pillet e Odum (1987,
p. 148) defendem, assim, a tese de que «os sistemas ganhadores são os que
desenvolvem fluxos energéticos de entrada mais importantes e que os utilizam da
maneira mais eficaz possível com o objetivo de canalizar para eles mais
energia». O valor é, por conseguinte, nesta linha de pensamento, proporcional à
energia incorporada nos bens, o que implica que os sistemas económicos, à
semelhança dos sistemas naturais, são governados pelos imperativos da
sobrevivência.
A RUTURA DUALISTA
Valoração política ' a avaliação multicritério
A economia ecológica não levanta quaisquer objeções de carácter filosófico ou
outro à valoração dos elementos constitutivos do capital natural: ela apenas
entende que tanto a análise monetária convencional, como a contabilidade
energética, não conseguem apreender a complexidade do conceito de valor dos
bens e serviços do ambiente e que precisamos, por conseguinte, de uma
metodologia diferente da sua valoração, capaz de integrar múltiplas perspetivas
e dimensões. Na sua reflexão nuclear, ela começa por proceder a uma crítica do
que designa por «obsessões monistas» dos dois métodos tradicionais de cálculo,
que se caracterizam por utilizar um só indicador mensurável, uma só dimensão
analítica, um só objetivo de comportamento, uma escala geográfica única e um
único horizonte temporal.
No que se refere à análise monetária, ela evidencia o facto do conceito de
valor envolver sempre dois atributos: um atributo físico que é a quantidade e
um atributo monetário que é o preço. O valor de um bem ou serviço é, com
efeito, o produto de uma quantidade por um preço (V = Q x P).
Ora, a teoria económica neoclássica do bem-estar aplicada às questões do uso
dos recursos primários e dos impactos ambientais das atividades humanas ignora,
na prática, o primeiro daqueles dois atributos. Já vimos que a noção de efeito
externo, tal como os economistas a definem, não designa quaisquer processos
físicos, mas sim custos e satisfações de ordem psíquica, que são convertidos
num numerário, tornando-se assim comensuráveis. Ela retém, por conseguinte, uma
única dimensão analítica (a económica) e adota um único indicador de medida do
valor (a moeda), além de não considerar as necessidades e preferências das
gerações vindouras no processo da imputação de valor aos bens e serviços do
ambiente. Os valores obtidos são, pois, arbitrários, se quisermos ser rigorosos
na apreciação, sendo que a aplicação deste tipo de análise se mostra
irrelevante, quando nos deparamos com situações de incerteza fundamental no que
respeita ao funcionamento dos sistemas ecológicos ou, como acontece com
frequência, quando não sabemos sequer que valência (positiva ou negativa)
atribuir a muitas externalidades económicas ou qual o horizonte temporal e
fronteira espacial da produção de efeitos que devem ser retidos.
Martinez-Alier (1991, p. 264) é bastante incisivo a este propósito, quando
observa que a aplicação da análise das externalidades se acha radicalmente
comprometida pelo facto de existirem «externalidades que desconhecemos, outras
que conhecemos, mas que não sabemos dar-lhes um valor monetário atualizado,
sendo até, por vezes, incapazes de saber se elas são positivas ou negativas».
Esta técnica de análise parece, de facto, não ter capacidade para valorar de
uma maneira rigorosa os efeitos que são externos ao mercado, por eles serem
grandezas essencialmente heterogéneas, difusas e diacrónicas, portanto,
desprovidas de um denominador comum, o que quer dizer que não podem ser
comparadas quantitativamente umas com as outras. Mas, além disto, a própria
perceção subjetiva do valor e o consentimento para pagar são particularmente
sensíveis à capacidade para pagar dos agentes económicos, isto é, ao modo como
estão social e temporalmente repartidos a riqueza e o rendimento. Este facto é
bem ilustrado pelo mesmo autor (Martinez-Alier, 1999, p. 26), quando observa
que «os preços nos mercados reais ou sub-rogados variam consoante a atribuição
dos direitos de propriedade e a repartição do rendimento, assim como do facto
de termos de valorar custos e benefícios sem podermos efetuar transações com
indivíduos que ainda não nasceram e que não sabemos se virão a ser mais pobres
ou mais ricos do que nós».
A economia do ambiente e dos recursos naturais é, na sua essência, omissa em
tudo o que respeita a valoração dos bens e serviços ecológicos, quando
considerados na sua vertente física, de resto numa linha de continuidade com a
revolução do pensamento económico operada pela escola marginalista, em finais
do Séc. XIX, e de seguida pela corrente neoclássica, de que ela não é outra
coisa senão uma aplicação específica. Pode, na verdade, dizer-se que aquela
revolução significou o colapso da dimensão material dos fluxos de materiais e
de energia do processo económico, cuja «fisiologia» pura e simplesmente se
apagou, para dar lugar a uma conceção subjetivista do valor. Diremos que a
economia passou a conceber-se como a ciência dos preços, cujo desígnio
fundamental consiste em determinar a afetação ótima dos recursos entre fins
alternativos.
A análise eco energética assume-se, por seu lado, como um projeto com
propriedades simétricas da análise monetária, no que se refere à valoração dos
bens e serviços do ambiente. Mas ela também assenta na ideia de
comensurabilidade de todos os valores, limitando-se, nestas condições, a
substituir o reducionismo monetário por um outro reducionismo, neste caso de
tipo ecológico. É um facto que ela parte de uma conceção radicalmente diferente
da economia, encarando-a como sistema aberto, que troca materiais e energia com
o ambiente, no quadro de um processo que converte recursos naturais de baixa
entropia em resíduos de entropia elevada, e já não como, de acordo com o
paradigma económico tradicional, um sistema isolado em que circulam valores de
troca abstratos entre produtores e consumidores. Mas, no fundo, também ela se
baseia num dogma«monista»,só que, desta vez, de tipo energético, defendendo a
tese de que apenas a energia incorporada conta para a determinação do valor dos
bens, que os fluxos de materiais são meros suportes ou veículos da energia,
considerada como o fator limitante da produção de riqueza.
Ora, em oposição a esta perspetiva, um dos pilares da argumentação dos
economistas ecológicos é que matéria e energia são argumentos não substituíveis
das funções macroeconómicas de produção, que uma e outra existem em formas
qualitativamente diferentes. Georgescu-Roegen (1983, p. 840) diz-nos que os
materiais existem em formas disponíveis, mas também em formas dissipadas ou
indisponíveis, quer dizer «irremediavelmente perdidas para o homem,
desperdiçadas, se bem que não aniquiladas»: à semelhança da energia, também a
matéria é objeto de uma dissipação contínua, de uma degradação entrópica
irrevogável7. Sustentar o ponto de vista contrário é pensar que com energia
abundante poderemos sempre reciclar qualquer material, produzir novos materiais
ou encontrar sempre materiais sucedâneos.
Aquele autor (Georgescu-Roegen, 1983) critica, nestes termos, o dogma
energético, afirmando que o aspeto material dos processos económicos também
importa e que é a escassez de materiais e não de energia que coloca um limite
físico último ao crescimento económico. Por este motivo, cai pela base o
projeto8 de valorar em termos exclusivamente energéticos os bens e serviços do
ambiente e o mesmo se pode dizer dos impactos ecológicos das atividades
humanas, como por exemplo a erosão dos solos, a poluição dos recursos hídricos
ou a concentração em doses maciças de certas substâncias nocivas na atmosfera.
Tanto os bens ecológicos, como os impactos ambientais, não podem ser, na sua
maneira de ver as coisas, reduzidos a uma dimensão exclusivamente energética.
E na mesma linha de crítica da obsessão monista da teoria energética do valor,
Martinez-Alier (1991, p. 3) vem acrescentar, por seu lado, um novo argumento: o
de que «os produtos agrícolas têm valores de uso que nem sempre estão
relacionados com o seu conteúdo energético e ainda menos com o seu custo
energético, mas com o seu teor proteico ou vitamínico ou simplesmente com o
prazer obtido em comê-los ou em bebê-los».
A economia ecológica não se limita, contudo, a questionar a ideia de
comensurabilidade, seja em termos de preços ou de calorias, mas propõe uma
teoria alternativa de valoração dos bens e serviços do ambiente e uma
metodologia original de cálculo do seu valor, que vai para além da consideração
dos meros aspetos monetários ou energéticos.
Georgescu-Roegen (1968, p. 237) terá sido precisamente o primeiro a apontar
claramente nessa direção9, ao sustentar que a questão do valor assenta em dois
polos, um objetivo e o outro subjetivo. Ele afirmava que «dois elementos
distintos estão envolvidos no problema do valor: uma qualidade intrínseca do
objeto do valor e uma avaliação subjetiva pelo utente. Mas, a crença comum de
que só a explicação monista se enquadra na ciência genuína, levou um estudioso
após outro a procurar uma única causa do valor». Na sua perspetiva, a condição
da qualidade intrínseca dos objetos é a baixa entropia (matéria e energia
disponíveis), a raiz da escassez económica, que pela aplicação de trabalho e
capital é convertida em bens. O polo subjetivo do valor consiste no desejo dos
seres humanos de alcançar um desiderato, que ele apelida, utilizando a
expressão francesa, de joie de vivre10. Viria, de resto, a insistir mais tarde
nesta mesma ideia, afirmando (Georgescu-Roegen, 1979, p. 25) que «de um ponto
de vista puramente físico está perfeitamente estabelecido que o processo
económico apenas transforma recursos naturais com valor (baixa entropia) em
resíduos (alta entropia)». Fica por resolver o enigma da razão deste processo.
«O enigma subsistirá enquanto não virmos que o verdadeiro produto do processo
económico não é um fluxo material de resíduos, mas um fluxo imaterial: a joie
de vivre. Se não reconhecermos a existência deste fluxo, não estaremos no mundo
da economia».
Uma argumentação muito semelhante é utilizada por Daly (1996) para fundamentar
o seu ponto de vista dualista sobre o valor. Ele começa por nos recordar que
não usamos somente o valor que é acrescentado à matéria e energia, mas o
próprio valor acrescentado pela Natureza antes de ser importado para o sistema
económico. Nas suas palavras (Daly, 1996, p. 66): «na perspetiva da utilidade
ou da procura, o valor acrescentado pela natureza deve ser valorado em pé de
igualdade com o valor acrescentado pelo trabalho e pelo capital».
A sua tese central (Daly, 1984, p. 25) é, nestas circunstâncias, que «o valor
tem raízes, tanto no mundo físico, como no mundo do espírito. As duas raízes
físicas são a finitude e a entropia. A finitude significa que nem todas as
necessidades podem ser satisfeitas e impõe a obrigatoriedade da escolha. A
baixa entropia é a qualidade física da matéria-energia que permite a satisfação
das necessidades, que só pode ser usado ou reorganizada, mas nunca criada pela
atividade humana. A baixa entropia e a finitude são condições necessárias, mas
não suficientes do valor ( ) As raízes mentais são os gostos subjetivos e as
perceções do valor objetivo».
O valor está, por conseguinte, contido em dois elementos: primeiro, nos
próprios recursos naturais, o que Daly (1996) designa por valor acrescentado
pela Natureza; depois, no processo económico da transformação dos recursos em
bens e serviços, quer dizer em estruturas úteis, o que em economia se designa
habitualmente por valor acrescentado pelo homem.
Em consonância com esta perspetiva dualista, a economia ecológica propõe uma
metodologia alternativa de cálculo do valor dos bens e serviços do ambiente,
que importa descrever nas suas linhas gerais.
O ponto de partida da metodologia é a perceção de que a análise e gestão de
subsistemas complexos interrelacionados, como é o caso do sistema económico-
ecológico, impõem o recurso a uma técnica de valoração multidimensional ou
multicritério dos bens e serviços do ambiente11.
Uma avaliação multicritério típica combina numa primeira fase um conjunto
finito de objetos de valoração com um conjunto de critérios de decisão de tipo
quantitativo ou qualitativo, o que implica mensurações em escalas que não são
só de intervalo, mas também ordinais, binárias ou simplesmente nominais.
A abordagem característica da avaliação multicritério não consiste em
identificar uma solução ótima, como acontece com a análise monetária
convencional ou a contabilidade eco energética, mas sim em chegar a valorações
satisfatórias, tendo em conta a natureza muitas vezes contraditória dos
critérios retidos para análise, a diversidade dos interesses e das perspetivas
muitas vezes conflituantes das partes envolvidas, bem como o tipo de infirmação
que elas possuem. É que a questão típica com que se depara este tipo de análise
deriva da circunstância do bem A poder valer mais do que o bem B, em função de
um critério X, mas valer menos em função de um outro critério Y. Neste caso, o
que é perfeitamente lógico, as relações de preferência ou de indiferença não
funcionam de todo, nenhuma solução se revela capaz de otimizar todos os
critérios ao mesmo tempo.
Esta metodologia combina, pois, na sua lógica intrínseca, a epistemologia com a
governação, ela reconhece a interdependência entre o universo do conhecimento e
o universo da ação política, atribuindo igual importância à qualidade dos
resultados obtidos, como à própria qualidade dos processos decisórios. Ela
aplica-se tipicamente em contextos que não estão dotados de clareza suficiente,
contextos em que tipicamente «os factos são incertos, os valores estão em
disputa, as questões são cruciais e as decisões urgentes»(Funtowicz e Ravetz,
1994).
A garantia de qualidade, tanto dos resultados, como dos próprios processos
decisórios, uma condição fundamental da aceitabilidade social das políticas,
implica ainda o recurso ao que Funtowicz e Ravetz (1991) chamam «comunidades
alargadas de partes», as quais, para além da expressão dos seus interesses
particulares, também trazem para o processo de decisão coletiva os seus
conhecimentos, os seus saberes específicos, as suas visões do mundo. Estes
autores (Funtowicz et al., 1997, p. 2) resumem bem a questão, quando sustentam
que «o alargamento [dos factos e das partes] não só preenche as exigências de
um processo de decisão democrático, como melhora a qualidade das decisões»e
lembram (Funtowics e O´Connor, 1999, p. 273) que «não existe nenhum algoritmo
das escolhas socioecológicas que possa suscitar um acordo universal».A
avaliação multicritério não se limita, pois, a ampliar os factos e as dimensões
relevantes no cálculo do valor dos bens e serviços ambientais: na medida em que
envolve a participação ativa de um número alargado de parceiros sociais, ela
revela-se também como um processo de aprendizagem interativo e dinâmico.
Por outras palavras, neste caso, a maneira de conduzir o processo de decisão
influencia, em larga medida, os resultados obtidos, os quais terão a natureza
de soluções estimadas como satisfatórias, num determinado momento, de soluções
provisórias, em permanente evolução, que podem mudar à luz de novos
conhecimentos e de novas experiências.
Nenhuma solução pode, assim, ser considerada como a única que é correta e
definitiva, natural, racional ou a melhor de todas, porque, como defendem
Funtowicz e Ravetz (1994a, p. 204), «o princípio-chave organizador é a
qualidade em relação com as exigências do diálogo e não a verdade abstrata. Os
critérios da qualidade, neste novo contexto, como na ciência tradicional,
pressupõem princípios éticos. Mas, neste caso, os princípios são explícitos e
participam do diálogo».
CONCLUSÃO
A avaliação multicritério no que respeita à valoração do capital natural
implica, pois, a crítica dos pressupostos racionalistas da análise económica
convencional aplicada ao ambiente, mas põe ao mesmo tempo em causa a própria
contabilidade energética, tal como ela tem sido proposta por alguns dos nomes
mais ilustres da ecologia. Ela não aceite, em síntese, as premissas, de ambos
os métodos de valoração dos bens e serviços do ambiente, porque entende serem
os processos biofísicos demasiado complexos para poderem ser apreendidos por
métricas unidimensionais.