A relação entre preço, proveniência e qualidade intrínseca em vinhos do Novo e
do Velho Mundo
O estudo desenvolve-se em duas etapas. Primeiro, numa lógica exploratória,
analisa-se uma bateria de indicadores para revelar as relações aí implícitas.
Revê-se alguma literatura, compaginando-a com os resultados entretanto obtidos.
O resultado é um modelo que explica os preços e que relaciona variáveis
importantes para caracterizar a oferta vitivinícola. Usam-se dados de duas
regiões portuguesas: Dão e Alentejo.
Na segunda parte do estudo, o modelo obtido anteriormente é testado num novo
contexto. Esta nova amostra é composta por vinhos com proveniências mais
diversificadas, estendendo-se a seis regiões. Os resultados têm que ver com a
pretendida explicação para o preço e também com a investigação sobre qual o
papel das regiões e da qualidade intrínseca dos vinhos na explicação das
diferenças de preços. A qualidade intrínseca é medida pela apreciação de juízes
em provas cegas, ou seja, refere-se às características físicas e sensíveis '
unicamente ao olfacto, gosto e tacto ' do vinho, antes do papel da publicidade,
da cultura, etc.
Finalmente, os modelos e os resultados dos testes estatísticos são usados, por
um lado, para definir novas linhas de pesquisa. Por outro lado, colocam-se à
consideração da indústria vitivinícola algumas das conclusões que podem servir
para afinar a oferta de marketing destas empresas.
Evolução dos mercados
Na perspectiva da procura, o Velho Mundo lidera o consumo mundial de vinho.Com
efeito, na Europa são feitas 69% das vendas mundiais. A América do Norte
consome 11% do vinho produzido, um pouco mais que na Argentina. Contudo, quanto
ao ritmo de crescimento, verifica-se que a América e, sobretudo, a Ásia vêm
crescendo, enquanto a Europa está há muito estagnada (Bernetti, Casini e
Marinello, 2006).
Estes valores globais não reflectem todas as tendências importantes na procura:
em alguns países a propensão para consumir produtos nacionais é muito forte; a
procura e a oferta de vinhos do Novo Mundo têm aumentado; a procura por mais
qualidade nos vinhos é notória; etc. Para além destes exemplos, estão
actualmente identificados e quantificados em abundante literatura vários
factores que determinarão a procura de vinho nos próximos anos (Nomisma, 2003).
Animado por este quadro complexo, o presente artigo vai relacionar três
dimensões determinantes na competitividade do vinho: qualidade, preço e
proveniência.
Novos atributos
A concorrência que se vem intensificando nos últimos 20 anos no sector vinícola
alterou as características do modelo de negócio dos vinhos no Velho Mundo e,
designadamente, em Portugal. Para os vinhos de mesa as melhores oportunidades
estão na exportação, na alteração de preferências e hábitos de consumo dos
clientes, na exploração de canais subvalorizados, na gestão da qualidade, etc.
(Andersen, 2004; Bernetti et al., 2006).
Tem havido dificuldade por parte dos académicos em abordar o tema da qualidade
dos vinhos, por ser um conceito muito difícil de definir desde há longa data
(Charters e Pettigrew, 2003). Para uns, a apreciação de um vinho é um processo
de análise estética, susceptível de algum grau de objectividade. No outro
extremo, não é válido qualificar um vinho, por exemplo com escalas numéricas,
já que aquele processo é indissociável de factores subjectivos como: o que se
come; a circunstância da prova; o dinheiro que se está disposto a pagar pelo
vinho, etc.
Deste debate resultam, contudo, dois recursos úteis para o presente artigo. Em
primeiro lugar, ao longo dos anos, estabeleceram-se sistemas de medida que, por
serem largamente aceites, podem ser usados para comparar e hierarquizar vinhos
' conscientes, contudo, das limitações do próprio sistema de medida. Em segundo
lugar, o consumo de vinho é uma experiência que transcende claramente o líquido
em causa e cuja agradabilidade depende, entre outros, de factores culturais e
de aspectos ligados à oferta de marketing que se construiu em torno do produto
que está a ser provado.
O problema é que o consumidor actual associa qualidade a um preço mais elevado
e a marcas com melhor imagem. Tradicionalmente, nos círculos mais
profissionais, a qualidade tem sido associada ao terroir (as características
específicas do lugar aonde o vinho é produzido). Contudo, quando o consumidor
conhece o preço ele tende a associar mais qualidade aos vinhos mais caros (id.,
ib.). O teste empírico que se oferece a seguir vai explorar esta relação entre
preço e qualidade intrínseca, em provas cegas.
Estudo exploratório
* Justificação do estudo
O vinho desempenha um papel fundamental em Portugal, desde tempos remotos, não
sendo ultrapassado por nenhum outro produto da agricultura. O vinho faz parte
da cultura portuguesa, sendo do conhecimento geral que, enquanto país
mediterrânico, Portugal apresenta uma tradição vinícola bastante enraizada,
sendo o 11.º maior produtor de vinho do mundo. Actualmente, a vitivinicultura
portuguesa, após ter realizado importantes investimentos no campo tecnológico,
disponibiliza inúmeros vinhos capazes de satisfazer os mais diversos gostos.
Numa altura em que a indústria global de vinho se torna cada vez mais
competitiva e o mercado tradicional do vinho se torna mais saturado, é
necessário perceber quais as preferências e características a que os
consumidores dão mais relevância (Barber, Almanza, e Donovan, 2006).
É reconhecida a ideia de que o local de origem onde o produto é produzido
afecta as escolhas dos consumidores. Na realidade, sabendo-se que o terroir
proporciona não só uma marca, como também veicula características únicas, as
empresas utilizam este atributo para posicionar a sua oferta. Este factor é
especialmente importante nos vinhos Europeus, onde a cultura e a história se
adivinham factores distintivos das marcas, por oposição aos produtos do Novo
Mundo, onde há um caminho de afirmação a ser percorrido e onde predomina uma
política de atribuição de nomes de acordo com as castas.
Para além destes aspectos, há outros aspectos que determinam as opções (Orth,
Wolf e Dodd, 2005), que podem ser agrupados em: qualidade, preço, social,
emocional e valores ambientais. No entanto, a importância concreta de cada um
destes factores é desconhecida. Esta análise é tão mais complexa quanto aqueles
factores admitem algum grau de sobreposição.
Embora referindo-se ao vinho do Porto, Brito (2006) refere que a dinâmica do
sector não é apenas determinada por factores de natureza económica e
tecnológica. De facto, na indústria vitivinícola, em geral, os interesses dos
clientes podem assumir um carácter económico ou social, como em muitos actos de
consumo. Por isso, embora possa parecer redutor reduzir a análise da qualidade
de um vinho aos seus aspectos intrínsecos, na realidade é urgente uma
explicitação do «quanto» vale esta componente antes de se entrar em conta com
outros aspectos do marketing-mix da fileira vitivinícola. Estes aspectos
precisam de dados obtidos em provas cegas, ao contrário de testes como os de
Fountain, Fish e Charters (2008), onde os aspectos intrínsecos aparecem
absolutamente homogeneizados com outros: simbólicos, qualidade de serviço,
preço, etc.
No entanto, quer a literatura quer os produtores precisam de conhecer o poder
relativo daquelas variáveis, para melhor trabalhar o seu posicionamento. E,
paradoxalmente, o exercício de posicionar uma marca de vinho obriga os gestores
(Orth et al., 2005) a avaliar a posição competitiva da sua região, a avaliar
quais os vinhos e as origens que «competem» entre si, considerando
singularidade e superioridade. Ou seja, o conhecimento do impacto concreto das
variáveis ao seu dispor é crítico para melhor competir.
O objectivo deste estudo é, então, explorar as relações entre três dimensões
relevantes da oferta de marketing dos vinhos: preço, região de proveniência e
qualidade intrínseca. Sendo este estudo dividido em duas etapas, na primeira
desenvolveu-se um estudo exploratório, no mercado português, descrito nesta
secção.
* Metodologia
Os dados são publicados num conhecido Guia de Vinhos, editado pela Deco
Proteste (2004). Para além dos preços de venda, neste Guia existe informação
para quantificar diversas dimensões que têm sido relevadas como interessantes
para o fenómeno do marketing dos vinhos.
Numa primeira fase, exploraram-se as relações entre variáveis, permitindo aos
dados evidenciar as relações subjacentes, com o apoio de uma técnica
estatística apropriada para estabelecer associações entre variáveis, mesmo as
relativamente mais complexas. Para analisar o papel de discriminação que a
região de proveniência podia ter na explicação dos preços, colheram-se dados
para duas regiões específicas: Alentejo e Dão. Depois, uma variável dummy
discriminou a qual das regiões o vinho pertenceria.
A Tabela 1 resume as variáveis explicadas e explicativas.
Tabela 1
Variáveis do modelo português
* Partial Least Squares (PLS)
A análise de dados apoiar-se-á numa técnica designada de PLS (Wold, 1975; apud
Chin, 1998). O PLS é uma possibilidade ' ou é mesmo preferível relativamente a
outras técnicas ' em Ciências Sociais (Chin, 1998; Gefen et al., 2000; Haenlein
e Kaplan, 2004). Esta opção justifica-se pelo carácter exploratório do estudo,
porque é preciso mais flexibilidade do que oferecem as técnicas estatísticas
ditas «de 1.ª geração». O que aqui está em causa é desdobrar aquela relação
entre as variáveis e evidenciar o papel de cada uma delas numa rede nomológica
de relações.
Em segundo lugar, e sabendo-se que o(s) problema(s) em análise remetem para a
relevação de estruturas generativas entre eventos observados, propôs-se um
modelo que utiliza indicadores do tipo single-indicator, comportando-se como um
sistema de regressões múltiplas, mas estimado pelo algoritmo PLS.
Em terceiro lugar, reforçado pelo carácter exploratório do estudo, o algoritmo
PLS é minimalista nas exigências que faz aos dados para convergir ' e.g., não
exige normalidade multivariada.
Em quarto lugar, de acordo com uma perspectiva filosófica actual, crítica e
realista, não está em causa quantificar, prevendo, «quanto» é que as variáveis
acrescentam ao preço, mas antes perceber quais as variáveis em relação às quais
os objectos são contingentes.
* Amostra
A amostra da primeira etapa deste estudo é composta por vinhos tintos de mesa
de duas regiões portuguesas: 39 vinhos do Dão e 60 vinhos do Alentejo. Focou-se
apenas o caso de vinhos tintos de mesa para controlar os aspectos relativos ao
tipo de vinho (Gonçalves, 2006). A Tabela 2 descreve as estatísticas
descritivas das variáveis usadas.
Tabela 2
Variáveis do modelo português
A escolha daquelas duas regiões explica-se pela sua representatividade no
panorama nacional e, logo, pelo interesse na respectiva comparação.
A Região Demarcada do Dão é sui generis dado o seu relevo de natureza
acidentado e dada a sua posição geográfica circundada por um conjunto de serras
que a protegem de influências exteriores, criando condições climáticas únicas.
Estes ambientes são aproveitados para a produção vitivinícola e, com o decorrer
dos anos, o Dão foi trabalhando em torno da melhoria da qualidade do vinho,
construindo um património vitícola extremamente rico.
Em contrapartida, situada no Sul do País, a Região do Alentejo disponibiliza um
vasto leque de vinhos. O seu carácter peculiar advém-lhe de ser uma planície
com esporádicas elevações de relevo que provocam microclimas, influenciando a
tipicidade dos vinhos.
Por fim, o aumento exponencial do conjunto dos vinhos nacionais, nos últimos
dois anos, das exportações dentro e fora da União Europeia, vem confirmar a
crescente afirmação dos vinhos portugueses que conseguem acompanhar de forma
bastante concorrencial o desenvolvimento dos mercados internacionais. Ou seja,
parte da afirmação da economia portuguesa no contexto do Séc. XXI dependerá do
negócio vitivinícola.
Resultados
A análise de equações estruturais, apoiada por PLS, tem dois momentos de
análise: a análise do modelo de medida (a análise dos indicadores e da sua
relação com os construtos que compõem) e a análise do modelo estrutural (Wold,
1975, apud Chin, 1998). Os resultados intermédios relativos ao modelo de medida
estão disponíveis junto dos autores do estudo, bem como os dados originais.
A Figura 1 ilustra o outputda estimação PLS, o qual relaciona as variáveis
através de um modelo de relações estruturais. Os valores a bold abaixo da
designação de cada variável são os R2 de cada uma das variáveis dependentes. Os
valores associados às setas são os coeficientes estimados (os «beta»
estandardizados) para as relações entre aquelas. Os níveis de significância
medidos seguem o protocolo de **' para p-value inferior a 5% e *' para
superiores a este, mas inferiores a 10%.
Figura 1
Modelo estimado para a amostra portuguesa
Pode concluir-se que o preço dos vinhos depende da região a que pertencem e que
no Alentejo os preços médios são mais baixos. Mas este não é o factor mais
forte. Com efeito, a longevidade é a variável mais forte. Ou seja, um vinho que
assegure uma longevidade superior pode ter um preço significativamente superior
à média, com base nos resultados desta amostra.
Curiosamente, a qualidade medida pelas opiniões dos peritos e dos amadores não
se relaciona positiva e significativamente com o preço. O mais interessante de
assinalar neste domínio é que os profissionais, nesta prova cega, conseguem
aperceber-se de vinhos de qualidade intrínseca superior, entre os vinhos
relativamente mais baratos. Portanto, sendo certo que o mercado pode esperar
encontrar alguma relação positiva entre qualidade e preço, terá bastantes
opções que não seguem esta lógica linear e outros em que se verifica o inverso.
Por fim, assinale-se que os vinhos com teor alcoólico mais elevado são os que
recebem opiniões mais favoráveis ' apesar de se tratar de uma amostra de vinhos
tintos de mesa de regiões específicas, que exclui vinhos verdes ou generosos,
por exemplo.
Validação do modelo
* Questões e contexto
Os resultados anteriores levantaram novas questões. Desde logo, será que
aquelas proposições são generalizáveis? Em particular, acerca da relação entre
a qualidade (aferida pela opinião de peritos) e o preço ' será que o mercado
não premeia os vinhos de maior qualidade intrínseca permitindo aos gestores das
marcas preços mais generosos?
Para investigar mais aprofundadamente estas questões, replicou-se o modelo
anterior numa base de dados diferente e muito mais alargada. Aumentou-se a base
da amostra e diversificaram-se as regiões, mantendo o princípio de se tratar
vinho tinto de mesa, mas agora num contexto internacional.
Então, escolheram-se regiões do Velho Mundo e do Novo Mundo que são
significativas para Portugal e para a América Latina. De facto, no ranking de
principais produtores mundiais de vinho destacam-se países vitivinicultores do
Velho Mundo e do Novo Mundo tais como Portugal, Espanha, Chile e Argentina.
Estas origens apresentam vantagens competitivas a nível internacional e a sua
evolução permite responder às necessidades cada vez mais exigentes dos mercados
internacionais. De facto, Portugal e Espanha são países com uma forte tradição
no sector e cuja elevada qualidade genérica é uma realidade.
Na América Latina, os vinhos chilenos e argentinos têm vindo a captar uma
importante quota de mercado e o seu sucesso deriva da consistente relação
preço/qualidade que oferecem. São vinhos provenientes de países do Novo Mundo
que vão de encontro às expectativas dos consumidores, como se explicou atrás.
* Modelo e variáveis
Nesta parte do estudo está em causa verificar se as principais relações
significativas identificadas atrás são validadas numa amostra diferente. Neste
momento, aquelas relações são resultado de um processo indutivo ' são
revelações dos dados. A seguir questiona-se se essas proposições podem merecer
algum grau de generalização e constituir pontos de partida para outras
investigações.
Assim, para além da diferença das regiões analisadas, o modelo a ser testado '
numa lógica confirmatória ' é o mesmo que se derivou no ponto anterior. A
metodologia PLS também se mantém. As diferenças têm que ver com dois aspectos:
para esta amostra internacional, não há informação suficiente acerca do grau
alcoólico; e o facto de apenas se dispor dos resultados de apreciação de um
júri profissional, e não de amadores, para avaliar a qualidade intrínseca
(prova cega) dos vinhos da amostra.
A Tabela 3 expõe as variáveis que agora serão tratadas e as respectivas fontes.
Tabela 3
Variáveis do modelo internacional
* Amostra
Os dados referem-se a 1927 observações de vinhos publicadas pela Wine
Enthusiast Magazine ' uma publicação periódica de cariz profissional e de
divulgação que é uma referência na indústria. Naturalmente, mantiveram-se as
opções por vinhos de mesa e tintos, de forma a excluir factores de ruído
adicionais (Gonçalves, 2006).
Os vinhos europeus são conhecidos como «vinhos do Velho Mundo», por oposição
aos novos produtores ' norte-americanos, australianos, sul-africanos ou sul-
americanos. Estes novos players são competidores muito fortes para os europeus
e têm verificado índices de produtividade e de qualidade muito favoráveis '
para além de beneficiarem do lançamento da procura nos seus próprios mercados
domésticos.
Qualquer um destes blocos regionais subdivide-se em regiões mais homogéneas.
Para a segunda parte deste estudo seleccionaram-se regiões especialmente
representativas dos vinhos dessas regiões. Assim, referem-se os casos de três
regiões da Península Ibérica: Rioja (Espanha), Ribera del Duero (Espanha) e
Douro (Portugal). Para a América do Sul, escolhem-se três regiões: Mendoza
(Argentina), Maipo Valley (Chile) e Colchagua (Chile). Infelizmente, o Brasil
não tem um nível de oferta comparável e que possa estar, com justiça, nesta
selecção de regiões com base no critério apontado. Mas poderá beneficiar das
conclusões deste estudo, no planeamento da sua oferta, tal como outras regiões
portuguesas. A seguir, cada uma das regiões é sumariamente descrita.
A região do Douro é tradicionalmente reconhecida com o sucesso dos vinhos do
Porto, mas a oferta da região tem vindo a diversificar-se com a produção de
vinhos de mesa, com base em castas tradicionais ou com a incorporação de novas
variedades.
Relativamente a Espanha, os vinhos de Rioja são muito reputados: esta é a
região mais conhecida deste país e aquela que projectou os vinhos espanhóis no
mercado mundial. A hegemonia dos vinhos tintos de Rioja é, actualmente,
disputada com a região de Ribera del Duero que tem vindo a conquistar elevada
notoriedade, nas últimas décadas, com a crescente qualidade dos seus tintos.
Os vinhos chilenos estão entre os mais conhecidos, dado o seu elevado nível de
qualidade e, supostamente, preço mais acessível. A região vinícola mais famosa
do Chile, Maipo Valley, é dominada por vinhos tintos, especialmente Cabernet
Sauvignon e Merlot. Colchagua Valley é igualmente uma região de referência no
Chile e os vinhos tintos que produz são já reconhecidos internacionalmente pela
sua elevada qualidade.
Na Argentina, a zona vinícola com mais importância é Mendoza. Com uma oferta
bastante similar à do Chile, apresenta potencial para a produção de bons vinhos
tintos ricos, macios, concentrados e a preços económicos (Bernetti et al.,
2006).
A estatística descritiva dos vinhos analisados é a da Tabela 4.
Tabela 4
Estatísticas descritivas da amostra internacional
As regiões seleccionadas variam entre as 293 observações de Rioja e as 105
observações de Douro. Apesar de ser uma amostra grande, note-se que os ratings
se mantêm em patamares elevados, sendo o mínimo de 87 pontos em 100. Ou seja, o
estudo vai ser conduzido a nível internacional, mas entre vinhos de qualidade
superior. Isto deve-se apenas ao critério editorial da Wine Enthusiast Magazine
de onde os dados foram retirados. Possivelmente será interessante replicar o
estudo numa amostra menos nobre para aumentar a segurança na generalização dos
resultados.
* Metodologia
O modelo estimado de novo relaciona a qualidade intrínseca dos vinhos com as
regiões de proveniência e com os seus preços. O facto de serem mais regiões
torna o modelo visualmente mais complexo, mas a flexibilidade do PLS permite
que se obtenham estimativas robustas dos coeficientes.
Figura 2
Modelo estimado para a amostra internacional
A estimação PLS revela que algumas relações estabelecidas no contexto anterior
se mantêm válidas. A relação mais forte é entre o preço de venda e a qualidade
intrínseca. No caso anterior, a pontuação do painel de profissionais estava
negativamente relacionada com o preço. Agora há uma relação forte e positiva.
Pode haver várias explicações para esta diferença: a selecção da amostra, o
facto de em mercados internacionais a competição ter levado a esta melhor
ordenação dos preços, etc.
A idade do vinho não afecta o preço, de acordo com os resultados. Em termos de
consequência para as empresas, não parece que a oferta de lotes antigos por si
só, e nesta categoria de vinho, possibilite apresentar preços mais altos.
Em relação à diversidade de regiões de proveniência há resultados muito
interessantes. As regiões de Rioja e de Ribera del Duero, ambas espanholas, têm
vinhos em média mais caros do que qualquer outra. Quanto à percepção de
qualidade nas provas cegas, os vinhos de Rioja têm scores relativamente mais
elevados. De facto, esta é a única região cuja dummy se relaciona com o
ratingdos peritos, com um coeficiente estimado positivo e significativo. Mais
ainda, a região espanhola da Rioja é a única que consegue impor ao mercado,
pelo menos no ambiente do modelo em teste, uma oferta simultaneamente de
qualidade superior e um preço relativamente mais elevado.
As regiões chilenas (Maipo e Colchagua) não têm qualquer relação significativa
do ponto de vista estatístico. A região argentina de Mendoza consegue oferecer
vinhos mais económicos, ceteris paribus. Ou seja, pode afirmar-se, com base no
teste estatístico da dummy dedicada a esta região, que, por um lado, a
qualidade não é inferior às dos concorrentes em apreço e que, por outro, é
possível encontrar aqui opções mais económicas.
Quanto à região portuguesa do Douro, verifica-se que não se distingue dos seus
concorrentes nas duas variáveis seleccionadas: preço e qualidade intrínseca.
Note-se que as proporções de variância explicadas de preço dos vinhos testados
são relativamente baixas (R2 de 0,23 para o preço). Isto significa que a
capacidade deste modelo para explicar as diferenças na variável preço, embora
válidas, ainda pode ser substancialmente melhorada. De facto, a sua principal
explicação é a qualidade intrínseca dos vinhos (tem um coeficiente
estandardizado, significativo e positivo, de 0,443 e é o mais elevado), mas
neste momento deve levantar-se a hipótese de que outros componentes da
qualidade dos vinhos também possam vir a ter aqui uma explicação importante.
Assim, para futuro, e na medida em que os dados o possibilitem, explorar-se-ão
as dimensões ligadas à marca, à promoção ou às estratégias de distribuição.
Em suma, foi possível identificar um conjunto de fenómenos explicativos para as
diferenças de preço encontradas em diversas marcas de vinho, através de uma
análise exploratória feita em dois ambientes distintos.
Conclusões
Este estudo explora dimensões pertinentes quer para a investigação quer para as
empresas vitivinícolas. Também contribui para melhorar a leitura da realidade
dos Vinhos do Novo Mundo. Isto é, procura-se ir além dos preconceitos e colocar
em teste realidades validadas por peritos, para perceber com mais exactidão as
características do posicionamento dos vinhos destas regiões, em face de vinhos
da Península Ibérica.
Quanto ao «modelo» usado, tal como se mostrou, deriva da exploração primeira de
dados relativos ao mercado Português. Independentemente do sentido das
associações estatísticas validadas, este estudo contribuiu para fixar algumas
dimensões como indispensáveis neste tipo de análise. Assim, é claro que a
qualidade intrínseca (aferida por provas cegas) deve ser sistematicamente
incluída em estudos futuros. O preço é igualmente uma variável nuclear nestas
análises ' registou-se que há uma proporção muito significativa das variações
do preço através das marcas que não se explica pelas variáveis agora testadas,
abrindo possibilidades para novas pesquisas.
O contributo mais forte deste estudo é, possivelmente, a afirmação de que as
regiões de origem dos vinhos explicam algumas diferenças ' de preço e de
qualidade ' e, por isso, não podem deixar de constituir variáveis de controlo.
Mas há outras variáveis - grau de álcool, capacidade de envelhecimento em
garrafa, etc. ' que merecem ser testadas, ao menos nas versões iniciais dos
modelos, pois apesar de não terem um conhecido racional teórico, aparecem com
significado estatístico. Note-se que o presente trabalho usou bases de dados
universalmente disponíveis, aumentando a transparência e a utilidade do estudo.
Para as regiões visadas, este estudo trouxe dados relevantes. De facto, ficou
claro que no segmento superior e no contexto internacional o mercado é capaz de
alinhar o nível dos preços com os níveis de qualidade intrínseca. No mercado
nacional isso não acontecia. Por isso, dependendo do mercado onde as empresas
vão competir ' nacional ou internacional, gama média ou gama premium, etc. ' a
capacidade de afinar o pricing poderá ser especialmente crítica. Apesar dos
investimentos em tecnologia e da modernização dos processos, um dos passos
seguintes para a generalidade dos produtos portugueses é dominar estas
variáveis mais soft de competição.
Este estudo também afirma o excelente potencial dos vinhos do Novo Mundo, aqui
representado pelas principais regiões produtoras da América Latina. Como se
explicou inicialmente, os recursos do Velho Mundo são de ordem diversa ' embora
no caso português avulte o problema da falta de dimensão dos agentes económicos
' e, por isso, talvez seja possível competir por nichos no segmento premium.
Mas é preciso construir essa oferta, indo muito além do elemento da «qualidade
intrínseca».
De facto, a qualidade do vinho transcende claramente o que tem de perceptível
numa prova cega. Embora essa qualidade e o rating nestas provas sejam
fundamentais ' absolutamente básico em mercados mais maduros ', há elementos a
que a empresa tem de recorrer para construir a sua oferta: a terra, o clima, a
História, a cultura, as experiências turísticas, a sua reputação, a
publicidade, as opções de distribuição, os líderes de opinião, etc.
Este processo também vale para os operadores do Novo Mundo, tanto mais que o
fenómeno da integração de empresas vitivinicultoras vai levar, provavelmente, a
portefólios diversificados de vinhos em várias regiões do mundo, quer como
estratégia de crescimento, quer como factor de gestão de riscos.