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EuPTHUAp1645-44642009000300004

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variedadeEu
ano2009
fonteScielo

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A perspectiva do género nas políticas de remuneração como requisito de governo justo das sociedades

A igualdade entre mulheres e homens é um princípio da Constituição da República Portuguesa, sendo definida como uma tarefa prioritária pelo Governo Português [III Plano Nacional para a Igualdade - Cidadania e Género (2007-2010)]. O QREN ' Quadro de Referência Estratégico Nacional identifica a promoção da igualdade do género como um dos motores fundamentais para o desenvolvimento do país.

Investir na igualdade de género é fundamental para melhorar as condições económicas, sociais e políticas. E, segundo as Nações Unidas, apresenta um efeito multiplicador na produtividade, eficiência e crescimento económico sustentável.

Apesar dos consideráveis progressos nas últimas décadas, persistem diferenças significativas nas condições no mercado do trabalho entre homens e mulheres, que constituem obstáculo ao objectivo da autonomia económica numa perspectiva de igualdade. Dados estatísticos recentes (Livro Branco das Relações Laborais, 2007) revelam a persistência de uma fraca representação feminina no processo de tomada de decisão, de maior instabilidade de emprego e de diferenciação salarial.

Em Setembro de 2008, o Eurofound - European Foundation for the Improvement of Living and Working publicou um estudo sobre as disparidades salariais entre homens e mulheres. Nos últimos 20 anos, o resultado inesperado do agravamento do diferencial salarial demonstra até que ponto a posição das mulheres no mercado de trabalho e no emprego é muito diferente da dos seus colegas do sexo masculino. Homens e mulheres com formação e emprego rigorosamente equivalentes não recebem salário igual.

Muitas empresas assumem-se como socialmente responsáveis, sem no entanto praticarem políticas e práticas de promoção da igualdade, diversidade e cidadania. As mulheres portuguesas têm uma das mais elevadas taxas de actividade no seio da União Europeia [55,8% para as mulheres com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos, em 2009 (Estatísticas do Emprego, 2009)] mas, em contraste directo, continua a existir uma forte segregação do mercado de trabalho com repercussões sobre a diferenciação salarial, que se estima em cerca de 20%.

Portugal tem forçosamente de apostar na diversidade para alcançar os padrões de uma sociedade mais justa e inclusiva. Quaisquer que sejam os factores de discriminação ' sexo, etnia, religião, idade, deficiência, orientação sexual, entre outras ' terão de ser eliminados.

O presente artigo suporta-se na defesa deste diagnóstico como altamente condicionador do desenvolvimento económico, pela sua influência no aumento dos valores de produtividade pelo aumento motivacional, bem como pela melhor adaptação ao rácio da pirâmide demográfica, onde claramente se tem observado um decréscimo da população e um maior peso do género feminino Este diagnóstico serve de base à elaboração deste artigo.

Mercado de trabalho e desigualdade de género Embora muito referidas pelas entidades governamentais, as disparidades de género continuam a ser importantes, em especial no que se refere às modalidades de trabalho (sobretudo o recurso ao tempo parcial, aos contratos a termo certo ou a empregos de menor qualidade e pior remunerados). A segregação horizontal e vertical do mercado do trabalho, não persiste como aumenta em certos sectores de actividade e grupos profissionais e as desigualdades salariais não têm vindo a diminuir.

Como refere a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, a discriminação das mulheres continua a marcar variados domínios da vida laboral, política e social. Em quase todos os sectores de actividade as mulheres auferem salários inferiores aos homens (Ministério do Trabalho e da Segurança Social, 2007). Isto não significa que sejam menos qualificadas ou que não desempenhem as mesmas funções profissionais. Independentemente do esforço dos diversos Governos e da Sociedade Civil, ainda não foi completamente derrubada a construção social baseada nas diferenças de género, causadora de segregação e discriminação e de papéis sociais desiguais.

Alguns dados estatísticos do Instituto Nacional de Estatística e do Ministério do Trabalho relativos à realidade portuguesa ilustram esta situação.

De acordo com o Gráfico 1, verifica-se que as mulheres apenas representam cerca de um terço do segmento do mercado de trabalho de quadros superiores. Quanto aos níveis mais baixos de escolaridade, os homens têm a maior fatia, mas, nos níveis com avaliação e escolaridade médias, são os homens que representam valores na ordem de um terço do mercado.

Em síntese, o investimento em capital humano feito pelas mulheres não se tem mostrado suficientemente reconhecido pelo mercado dada a sua fraca representatividade nos lugares de topo.

Gráfico 1 Emprego por profissão e por género Fonte: Estatísticas do Emprego, 4.º Trimestre 2007 ' INE

Mas será que as mulheres representam a população empregada com menor escolaridade? Com efeito, os dados das Estatísticas de Emprego ' 4.º Trimestre de 2007 publicados pelo INE, mostram que as mulheres representam a maioria da população empregada com maior escolaridade. Os valores estão expressos no Gráfico 2.

Gráfico 2 Emprego por níveis de escolaridade e por género Fonte: Estatísticas do Emprego, 4.º Trimestre de 2007 - INE

Se, entretanto, tentarmos compreender qual o efeito que a formação e a educação têm tido na inserção das mulheres no mercado de trabalho, verifica-se que o nível de desempregados por sexo e nível de educação mostra uma realidade contrastante com o que se passa no mercado de trabalho. Apesar de serem minoritários na população com formação superior, os homens ocupam cerca de 55% dos quadros superiores.

Relativamente à população desempregada, as mulheres apresentam um perfil preocupante que se tem agravado nos últimos quatro anos. As mulheres têm obtido níveis de educação em áreas de conhecimento para os quais não existe procura no mercado de trabalho. Existe uma elevada franja de população feminina com educação universitária que não encontra trabalho e estes valores têm aumentado nos últimos anos. Veja-se o perfil de desemprego ao longo dos últimos quatro anos por género e nível de educação.

Gráfico 3 Desemprego por género Fonte: Estatísticas do Emprego, 4.º Trimestre de 2007 - INE

Um dos efeitos mais visíveis da discriminação passa pela desigualdade salarial entre sexos. Segundo os dados constantes no Livro Branco das Relações Laborais (2007) publicado pelo Ministério do Trabalho, os homens auferem em média um salário superior ao das mulheres em cerca de 30%. O Gráfico 4 mostra que o montante de remuneração dos homens é superior em todas as idades, qualquer que seja o nível de educação. O valor 1 significaria que a remuneração era igual para homens e mulheres. Valores acima de 1 indicam o diferencial de remuneração em percentagem.

Gráfico 4 Rácio salarial homem/mulher Fonte: Livro Branco das Relações Laborais ' Ministério do Trabalho

Diferencial de remunerações por género em Portugal Os dados nacionais são inequívocos na existência do diferencial salarial entre sexos. Mas será que a realidade do mercado de trabalho global se reflecte, em termos médios, ao que se verifica no universo das empresas? · Caracterização e estatísticas De forma a compreender esta situação, Duarte et al. (2009) realizaram um estudo utilizando informação de empresas do sector privado não financeiro ' a opção foi pelo sector não financeiro com mais de cem colaboradores abrangendo a maioria dos sectores de actividade. Todos os trabalhadores tinham contratos de trabalho sem termo e a tempo completo.

A amostra de 3953 trabalhadores pertencentes a 75 empresas divididos por gestores de topo, gestores de nível intermédio, quadros técnicos e por outros trabalhadores indiferenciados, não confirmou os resultados nacionais registados pelo INE. A amostra compreende 2757 (79,7%) homens e 1196 (30,3%) mulheres. Com esta série de dados sobre a empresa e respectivos trabalhadores, analisaram-se os factores explicativos das diferenças na remuneração dos homens e das mulheres em contexto empresarial.

As empresas, com pelo menos cem trabalhadores, apresentam uma dinâmica própria que interessa analisar separadamente.

Quando se consideram dados de todo o tecido económico, a tendência para se negligenciar importantes nichos do mercado de trabalho que prosseguem diferentes atitudes e políticas de remuneração. As análises reflectem o todo nacional, descurando diferentes práticas, o que, de certa forma, enviesa as análises e conclusões, não permitindo capturar novas abordagens sobre o tema e suas implicações como modelos a seguir por outras organizações. Ou seja, perde- se o efeito de contágio e de utilização de novas metodologias, por falta de conhecimento destas realidades que se desenvolvem em segmentos particulares do mercado de trabalho. A generalização que daí advém acaba por não reflectir realidades próximas de um verdadeiro mercado interno de trabalho onde a quase totalidade dos colaboradores desenvolve a sua actividade em regime de tempo integral.

De salientar, também, que quando se considera a Administração Pública nos dados estatísticos nacionais, está-se a incorrer num enviesamento positivo em relação às mulheres. É reconhecido, pelos autores do Livro Branco das Relações Laborais ' Ministério do Trabalho (2007), que as desigualdades salariais de género são mais marcadas fora da Administração Pública. Centeno e Pereira (2005) verificaram mesmo que a remuneração média das mulheres na Administração Pública é superior à dos homens.

Os resultados globais deste estudo mostram que a remuneração média das mulheres é 2,2% inferior à dos homens. Nos valores médios totais, a remuneração anual dos gestores de topo é 1,80 vezes superior à dos gestores de nível intermédio.

Estes recebem 2,51 vezes mais do que os técnicos, os quais beneficiam também de remunerações 1,49 vezes mais altas que os colaboradores indiferenciados.

Uma das questões analisadas neste estudo de Duarte et al. (2008), foi a de saber se a proporção de mulheres nas empresas em análise tinha influência no número de mulheres em lugares de topo e no nível médio de remunerações praticados. Concluiu-se que as mulheres estão relativamente pouco representadas nos lugares de topo. Somente 7,7% de gestores de topo são mulheres. Contudo, as mulheres representam 41% e 56% de todos os gestores intermédios e técnicos, respectivamente. Curiosamente, as mulheres em funções de topo recebem, em média, mais 3,5% do que os seus colegas masculinos, ao passo que as mulheres em posições intermédias têm, aproximadamente, menos 12% de remuneração.

Por outro lado, as mulheres do grupo de técnicos apresentam o maior diferencial negativo, de 28%. Ao passo que as mulheres nas funções hierarquicamente mais baixas ganham mais 4% que os seus colegas masculinos. Para os gestores intermédios, o diferencial de remuneração entre homens e mulheres é pequeno para os indivíduos com educação superior onde as mulheres são a maioria. Os trabalhadores com mais idade apresentam um perfil semelhante. Ou seja, têm um diferencial pequeno. Surpreendentemente, as mulheres com menor senioridade (antiguidade na actual empresa) ganham 36% mais do que os seus colegas masculinos, sendo este grupo o mais bem pago também. No grupo de técnicos, onde as mulheres apresentam o maior diferencial negativo (menos 28%), verifica-se que as que têm educação superior, as mais novas e com menos experiência, são as que apresentam um menor diferencial.

No que diz respeito ao peso das mulheres no universo em que se inserem, a proporção relativa de mulheres nas áreas funcionais não afecta a política de remunerações. O Quadro I mostra que não se confirma que uma proporção mais elevada de mulheres nas empresas contribua para uma diminuição geral do nível de remunerações. Também nas empresas com maior representação de mulheres não se encontrou um «tecto de vidro» mais ténue (ver Gráfico 5).

Quadro I Variáveis demográficas e padrões de remuneração Fonte: C. Duarte, J. Esperança, J. Curto e M. Santos, 2008.Proceedings da Conferência da Academy of Management Annual Meeting, Anaheim, Califórnia, EUA.

Gráfico 5 Proporção de mulheres versus salários praticados por diversas variáveis Fonte: C. Duarte, J. Esperança, J. Curto e M. Santos, 2008.Proceedings da Conferência da Academy of Management Annual Meeting, Anaheim, Califórnia, EUA.

Mesmo nestes sectores com maior representação de mulheres ' casos da educação, saúde e do comércio em geral ', a maioria dos lugares de topo (e melhor remunerados) são ocupados por homens.

· Caracterização das determinantes do diferencial das remunerações A maioria da investigação nesta área é baseada na realidade americana (Bowlin e Renner, 2008; Blau e Kahn, 2007) onde os apoios à família e actividades de tempos livres são quase inexistentes. Contudo, no espaço europeu, incluindo Portugal, estão difundidas políticas governamentais de apoio à família. Esta diferença pode reflectir-se na política salarial praticada em cada região.

Após controlo das características do trabalhador, vários estudos confirmam que os salários estão correlacionados com características das empresas, incluindo a dimensão, os lucros, o sector de actividade e a produtividade. Seja qual for a origem da discriminação salarial das mulheres, a análise do diferencial salarial entre géneros com base na teoria do capital humano (Becker, 1957) e centrando-se na produtividade relacionada com atributos pessoais não explicam, em pleno, a diferenciação existente. Isto ocorre, em parte, devido a restrições em matéria de dados relativos ao desempenho das empresas.

Relativamente às determinantes explicativas das políticas salariais prosseguidas pelas empresas, Duarte et al. (2008) encontraram os resultados expostos nas Figuras 1 e 2.

Figura 1 Determinantes do diferencial de remunerações entre géneros. Hipóteses e resultados Fonte: Elaboração própria

Figura 2 Determinantes do diferencial de remunerações entre géneros Fonte: C. Duarte, J. Esperança, J. Curto e M. Santos, 2008.Proceedings da Conferência da Academy of Management Annual Meeting, Anaheim, Califórnia, EUA.

Conclusões Em termos globais, os resultados indicam que, embora o diferencial de remuneração entre homens e mulheres não seja significativo, a existência de segregação entre géneros no local de trabalho é uma realidade.

As políticas de conciliação entre a vida familiar, pessoal e a vida profissional, bem como a promoção da maternidade e da paternidade, poderão contribuir para que se ultrapassem esses desequilíbrios (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, 2007). É também importante concretizar estratégias que permitam a eliminação de estereótipos e o aparecimento de uma cultura assente no respeito e na igualdade.

Ultrapassando as dificuldades das redes de conhecimento e de influência, tão características dos mercados internos de trabalho, as mulheres poderão rapidamente transformar esta fraqueza de integração e consolidação no mercado de trabalho como uma das variáveis para ultrapassar o fenómeno de segregação.

Relativamente a esta situação, refira-se que, com o crescente envolvimento dos homens em actividades «paternais» (leia-se domésticas e de acompanhamento dos filhos), ficará mais acessível às mulheres o acesso a actividades de lobbying.

Chegados a este ponto, fica-nos uma intrigante questão sobre os resultados obtidos por Duarte et al. (2008). Sendo as empresas representativas da realidade nacional, como demonstra Duarte (2006), o que justifica resultados tão afastados das médias nacionais? Será que as empresas com mais de cem trabalhadores utilizam diferentes critérios na definição das suas políticas de igualdade entre géneros? É um tema que desperta curiosidade e merece uma análise e investigação mais aprofundadas.

Embora a discussão sobre desigualdade de género quanto a remunerações esteja na agenda das empresas portuguesas, os dados apresentados neste trabalho revelam que as estratégias de inclusão eventualmente adoptadas ainda estão longe de promover impactos substanciais sobre as desigualdades observadas no mercado de trabalho.

Da análise da revisão de literatura e comparação internacional, acredita-se que os resultados deste projecto forneçam pistas aos decisores portugueses, a nível local, regional e nacional, que fundamentem a revisão e melhoria das políticas de igualdade como desafios e metas a atingir nos próximos anos. Pretende-se que esta investigação estimule os responsáveis das empresas sobre a problemática da segregação/discriminação entre géneros e seja ponto de reflexão sobre acções que podem e devem realizar-se para promover a igualdade e a diversidade na sua estrutura organizativa.

Os autores agradecem o apoio financeiro da Fundação para Ciência e Tecnologia ' referência do Projecto: PTDC/GES/72859/2006.


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