Uma abordagem relacional ao valor da marca
Segundo a American Marketing Association (AMA), uma marca é «um nome, termo,
desenho, símbolo ou qualquer outro elemento característico que identifica e
distingue o produto ou serviço de uma empresa dos de outras empresas». É
interessante comparar esta definição com a que é proposta, em Portugal, pelo
Instituto Nacional da Propriedade Industrial: « a marca pode ser constituída
por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica,
nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números,
sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados
a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas».
Embora o segundo seja mais detalhado, é fácil verificar que, na sua essência,
os dois conceitos são muito semelhantes. Pode-se, por isso, afirmar que a noção
proposta pela AMA é, de algum modo, restrita na medida em que segue de muito
perto o conceito jurídico de marca.
A verdade é que do ponto de vista do marketing, a noção de marca é mais
abrangente, visto não se limitar a um conjunto de sinais que servem para
distinguir produtos e serviços (Elliott e Percy, 2007). Mais do que isso, é
também um elemento de posicionamento e, indo ainda mais longe, é algo que é
construído pelo mercado. Notoriedade, imagem e lealdade, sendo conceitos
fundamentais na gestão das marcas, estão de algum modo ausentes na definição da
AMA.
É essa a razão que leva Keller (2003, p. 3) a afirmar que é importante fazer-se
a distinção «entre a definição da AMA de marca com m pequeno' daquilo que é
prática nos negócios de marca com m grande'». A importância do mercado, ou
melhor, dos clientes, na construção de uma marca leva mesmo Keller a defender
que, «apesar de caber às empresas promoverem a criação da marca através de
programas de marketing e outras actividades, em última instância a marca é
qualquer coisa que reside na mente dos consumidores. Uma marca, sendo uma
entidade perceptiva enraizada na própria realidade, é mais do que isso pois
reflecte as percepções bem como as idiossincrasias dos consumidores» (op. cit.,
p. 13, itálico do autor).
Seguindo esta linha de pensamento, considera-se que uma marca é mais do que um
conjunto de sinais de identidade (nome, logótipo, assinatura, jingle, etc.). Na
realidade, interligando-se com a estratégia de posicionamento, a marca é, em
última instância, construída pelos próprios clientes. Ou melhor, a sua
construção é um processo que envolve os clientes, sem os quais não faz sentido
falar em notoriedade, imagem e lealdade, conceitos essenciais na gestão das
marcas de um ponto de vista de marketing.
Esta perspectiva remete directamente para a questão do valor da marca. Com
efeito, a importância crescente das marcas nas organizações resulta do facto de
não se limitarem a servir para distinguir os produtos e os serviços entre si.
Mais do que isso, são algo que tem e gera valor. O conceito de valor da marca
começa a ser desenvolvido na década de 1980, dando origem a duas correntes
distintas: uma, de natureza mais financeira, que se centra no valor para a
empresa que detém a marca; a outra, mais focalizada nos clientes, que procura
analisar o impacto nas suas atitudes e comportamentos.
Este artigo focaliza-se na segunda perspectiva ' para uma visão genérica da
abordagem financeira, ver Elliott e Percy (2007) e Srinivasan et al. (2005).
Para além desta secção introdutória, estrutura-se em quatro secções principais.
Na primeira, abordam-se as principais fontes de valor da marca. A segunda
centra-se de modo específico no relacionamento entre as marcas e os clientes, a
que se segue o desenvolvimento de um modelo integrado sobre o valor da marca
numa perspectiva relacional. O artigo termina com uma conclusão onde se procura
evidenciar o carácter inovador do modelo proposto.
Fontes de valor da marca
Aaker (1996, pp. 7-8) define valor de uma marca «como o conjunto de activos (e
passivos) ligados ao nome e símbolo da marca que adicionam (ou subtraem) valor
a um produto ou serviço de uma empresa e/ou aos clientes dessa empresa». Na sua
obra seminal de 1991, Managing Brand Equity: Capitalizing on the Value of a
Brand Name, o autor defende que as principais fontes de valor são a
notoriedade, a lealdade à marca, a qualidade percebida e as associações à
marca, para além de um conjunto de outros elementos, tais como os direitos
proprietários sobre a marca.
Keller (1993) introduz, por seu lado, o conceito de «valor da marca baseado no
consumidor» (consumer-based brand equity), definindo-o como «o efeito
diferencial do conhecimento da marca na resposta do consumidor ao marketing de
uma marca» (op. cit., p. 2). O autor esclarece que o conhecimento da marca pode
ser caracterizado em termos de duas componentes que, na verdade, são por ele
consideradas as suas duas grandes fontes de valor: notoriedade e imagem. A
primeira decorre do nível de presença da marca no espírito do consumidor e
reflecte-se na capacidade deste em recordar-se e identificar a marca. A imagem,
por seu turno, é definida como o conjunto de percepções e associações que os
consumidores fazem a determinada marca.
Sendo David Aaker e Kevin Keller dois dos mais prestigiados académicos nesta
área - e daí uma referência específica às suas obras -, a questão do valor da
marca tem merecido a atenção de muitos outros autores (Jones, 2005; Lebar et
al., 2005; Martesen e Grønholdt, 2004; Srinavasan et al., 2005; Villarejo-Ramos
e Sánchez-Franco, 2005). De Chernatony et al. (2004), após uma revisão da
literatura sobre esse tema, sintetizam alguns dos principais modelos sobre
valor da marca na perspectiva do cliente (ver Quadro I).
Quadro I
Fontes de valor da marca
Como os autores salientam, apesar da variedade de perspectivas, há três fontes
de valor que são frequentemente citadas e que merecem uma atenção especial:
notoriedade, imagem e lealdade. De seguida, aborda-se cada uma daquelas fontes,
evidenciando-se, mais adiante, por que razão a noção de «lealdade» deverá
evoluir para um conceito mais abrangente de «envolvimento».
● Notoriedade
A notoriedade de uma marca depende do nível de presença no espírito do cliente,
resultando, em larga medida, do sentimento de familiaridade que ela
proporciona. Como Schacter (1996) salienta, no processo de compra é muito mais
provável que um cliente venha a escolher uma marca com uma maior presença no
seu espírito do que aquela de que mal se lembra. Contudo, acrescenta Keller
(2003), para além da familiaridade, a importância da notoriedade também decorre
do comprometimento e da substância da marca. Por outras palavras, e utilizando
uma terminologia que começa a ser utilizada por vários autores (cf. Elliott e
Percy, 2007; Keller, 2003), a notoriedade de uma marca decorre da sua
«saliência» (salience).
Esta questão remete para a distinção entre notoriedade assistida e notoriedade
espontânea. A primeira ' geralmente designada em inglês por recognition, embora
Kapferer (2004) utilize a expressão aided awareness ' reflecte a familiaridade
da marca, i.e., a capacidade do cliente reconhecer uma marca de entre um
conjunto que à partida lhe é apresentado. A notoriedade espontânea (recall ou
unaided awareness) decorre, tal como o nome indica, da capacidade de um cliente
se lembrar espontaneamente de uma marca quando uma determinada categoria de
produtos é mencionada.
A distinção entre estas duas formas de notoriedade e respectiva relevância, não
sendo apenas conceptual, está ligada ao próprio comportamento do consumidor.
Segundo Elliott e Percy (2007, p. 237), a notoriedade assistida é relativamente
mais importante «quando a decisão é tomada no ponto de venda, onde a
necessidade do produto é estimulada pelo facto do consumidor ver a marca»; por
seu turno, a notoriedade espontânea tende a assumir maior importância «quando o
nome da marca tem que ser recordado sempre que a necessidade do produto
ocorre».
Segundo Keller (2003), as vantagens de uma forte notoriedade situam-se a três
níveis. Em primeiro lugar, porque é um requisito para a criação de uma certa
imagem e eventual lealdade ' que são, recorde-se, as outras grandes fontes de
valor de uma marca. Por outras palavras, sem notoriedade não há imagem e,
consequentemente, não há lealdade. Depois, porque o simples facto de uma marca
ser conhecida aumenta a probabilidade de vir a ser considerada no leque de
opções quando o cliente deseja comprar uma determinada categoria de produtos.
E, finalmente, porque aumenta a possibilidade de vir a ser efectivamente
escolhida, em especial nos casos de comportamento de compra de baixo
envolvimento com a marca.
A questão que se coloca é, pois, como aumentar a notoriedade de uma marca. De
acordo com Aaker (1996, p. 16), «em primeiro lugar, dados os recursos
necessários para se criar um elevado nível de notoriedade, uma presença
significativa no mercado é geralmente um enorme activo». Tal nível de presença
pode decorrer de dois aspectos: quota de mercado e o tempo de vida da marca.
Contudo, não basta estar presente no mercado. Mais do que isso, é necessário
desenvolver associações fortes com a categoria de produto, seja através dos
elementos de identidade da marca, seja de formas de comunicação apelativas
(Keller, 2003).
Na realidade, não se trata necessariamente de comunicar de forma massiva, em
particular através de estratégias comunicacionais above the line. Como afirma
Kapferer (2004, p. 160), «a notoriedade não resulta simplesmente de uma forte
publicidade. Resulta de fazer com que as pessoas se sintam atraídas e
interessadas». Mais do que os recursos ' designadamente financeiros ' afectos à
comunicação de marketing, a criatividade da comunicação tem, como Till e Baack
(2005) demonstraram, um impacto muito importante, não só no nível de
notoriedade de uma marca, mas também na sua própria imagem.
● Imagem
A segunda grande fonte de valor de uma marca é a sua imagem, ou seja, o
conjunto de «percepções acerca da marca resultantes das associações que o
consumidor a ela faz» (Keller, 1993, p. 3). Para isso contribui de forma
directa toda a estratégia de marketing da empresa (nomeadamente, o modo como
ela gere as principais variáveis do marketing mix), bem como aspectos não
directamente controláveis, tais como o passa-palavra, a informação que é dada
sobre a marca através dos órgãos de comunicação social, o país de origem, etc.
Para se criar uma imagem positiva, é necessário que essas associações sejam
fortes, favoráveis e únicas (Keller, 2003). A força das associações decorre, em
larga escala, da forma como os programas de marketing da empresa afectam a
experiência que os consumidores têm com a marca. A força da marca depende,
pois, quer da quantidade de informação sobre a marca a que o cliente está
exposto, assim como da sua qualidade. Ainda segundo aquele autor, há dois
factores que, em particular, facilitam a força das associações à marca: a
relevância pessoal que essa informação tem para o consumidor e a consistência
com que ela é apresentada ao longo do tempo.
O segundo e terceiro aspectos prendem-se com o carácter favorável e único das
associações. Trata-se de factores que decorrem directamente do próprio conceito
de posicionamento da marca. O que se espera é que os clientes tenham uma
percepção da marca como algo de distinto.
O termo «distinto» deve ser considerado a três níveis. Em primeiro lugar,
recomenda-se que a marca tenha efectivamente alguma coisa de diferente a
oferecer aos clientes, seja por exemplo ao nível do produto (vg.,
funcionalidade, design e durabilidade), do serviço (vg., atendimento, prazo de
entrega, garantias e assistência) ou da distribuição (vg., localização e
ambiente dos pontos de venda). Só que não basta ser distinta. Mais do que isso,
é preciso que o cliente a perceba como tal. É, aliás, neste sentido que
Grönroos (2007, p. 331) afirma que «a marca como conceito é sempre a sua
imagem». A questão da percepção, introduzida de forma óbvia pelo conceito de
«valor da marca baseado no consumidor» (Keller, 1993), coloca desafios
importantes às empresas na medida em que forem (ou não) capazes de criar, na
mente dos consumidores, essa imagem.
Mas, indo ainda mais longe, não chega que a marca seja distinta e percebida
como distinta. É necessário que seja valorizada como tal. Por exemplo, não
basta que os consumidores associem uma determinada marca a durabilidade ' é
também essencial que eles valorizem esse atributo. Esta questão remete para a
forte interligação entre o valor da marca e o valor do cliente, tal como Rust
et al. (2000) demonstram.
O desafio que se coloca às empresas é como criar e desenvolver uma imagem de
marca forte e positiva. Será que isso depende exclusivamente dos sinais de
identidade da marca (nome, logótipo, assinatura, jingle, etc.)? Do exposto,
resulta que a resposta é, obviamente, não. Desde logo, porque a imagem da marca
não depende apenas dos seus sinais de identidade, mas de todo o posicionamento.
Neste aspecto, Grönroos (2007), com base no trabalho de Schultz e Barnes
(1999), propõe uma abordagem interactiva da imagem da marca.
A imagem da marca «é algo que se desenvolve e muda de forma contínua sempre que
o cliente relaciona o fluxo de mensagens ligadas à marca, originadas, por
exemplo, pelos empregados e elementos físicos associados ao serviço, pela
comunicação de marketing, pelo passa-palavra e grupos de discussão na Internet.
Assim, emerge e desenvolve-se uma relação entre o cliente e a marca. Este
relacionamento com a marca dá aos produtos, serviços ( ) um significado na
mente dos clientes» (Grönroos, 2007, p. 331, itálico do autor).
A Figura 1 consubstancia esta abordagem interactiva. Como se pode observar, a
imagem resulta de todo o conjunto de contactos que o cliente possui com a marca
aos seus mais variados níveis: sinais de identidade, produto, preço, serviço,
comunicação, distribuição, pessoas, etc. O termo «interacção» realça um aspecto
importante já mencionado: dado que uma marca não se constrói de modo unilateral
pela empresa, precisa de clientes para se desenvolver, e é interagindo com eles
que se forma a sua imagem.
Figura 1
A imagem da marca como processo de interacção
● Envolvimento
Para muitos autores, a lealdade à marca é uma das suas grandes fontes de valor
(cf. Aaker, 1991; Dick e Basu, 1994; Reichheld, 1996). Contudo, como afirma
Fournier (1998), reduzir a relação marca-cliente a uma questão de lealdade ou
falta dela é como dizer que as relações interpessoais se limitam a duas formas:
casamento ou ausência completa de qualquer vínculo.
Por esta razão, adopta-se uma terminologia distinta, tentando abarcar não
apenas diferentes níveis de lealdade, mas também diferentes conteúdos em termos
da relação que o cliente estabelece com a marca. O termo usado para expressar
tal conceito é «envolvimento», que de alguma forma se assemelha à noção de
resonance de Keller (2003) ou de anexo de Chandon (2003).
Keller (2003) sugere quatro categorias de envolvimento marca-cliente:
· lealdade comportamental ( behavioral loyalty );
· atitude de ligação ( attitudinal attachment );
· sentimento de comunidade ( sense of community );
· envolvimento activo ( active engagement ).
A lealdade comportamental ocorre quando, de forma repetida, um cliente compra
um produto ou serviço de uma mesma marca. Está-se perante o nível mais baixo de
envolvimento na medida em que, do ponto de vista comportamental, a lealdade
pode ocorrer, exclusivamente, em virtude da falta de alternativas viáveis.
Um envolvimento mais forte acontece com a atitude de ligação. Mais do que
repetir a compra de determinada marca, o cliente tem uma atitude positiva em
relação a ela. Isto não significa que sempre que compra certa categoria de
produtos vá optar pela mesma marca. Traduz tão-somente que, no seu leque de
alternativas, a marca em questão irá surgir como uma das principais opções.
A marca pode, todavia, representar algo mais lato, fazendo com que o cliente
sinta que pertence a uma comunidade. O conceito de marketing tribal (Cova e
Cova, 2002) desenvolve este tipo de ligação, reflectindo a tendência actual
para a emergência de «tribos» de consumidores com estilos de vida e
comportamentos de compra específicos e diferenciados.
Finalmente, a forma de maior proximidade é o envolvimento activo. Neste caso, o
cliente está disposto a investir na marca o seu tempo, dinheiro e outros
recursos, para além daqueles que estão directamente relacionados com a compra
em si.
Em suma, e como salienta Keller (2003), o envolvimento de um cliente com uma
marca pode ser caracterizado em duas dimensões: intensidade e actividade.
«Intensidade refere-se à força do envolvimento e sentido de comunidade. Por
outras palavras, com que profundidade é sentida a lealdade pelo cliente?
Actividade refere-se à frequência da compra, bem como à participação noutras
actividades não directamente relacionadas com a compra e o consumo» (op. cit.,
p. 94, itálicos do autor).
Relacionamento marca-cliente
A questão do envolvimento tratada na subsecção anterior remete para a
problemática em torno da relação marca-cliente. Na realidade, aquela subsecção
abordou já aspectos neste domínio, só que de um modo restrito, na medida em se
focalizou na força do relacionamento. O objectivo desta secção é explorar, em
maior profundidade, essa temática.
O relacionamento marca-cliente tem merecido a atenção de diversos autores. Já
David Aaker no seu livro de 1996, Building Strong Brands, afirmava que «o
conceito de relacionamento entre uma marca e uma pessoa (à semelhança daquilo
que acontece entre duas pessoas) abre uma perspectiva diferente sobre o modo de
funcionamento ( ) da marca» (op. cit., p. 159). A verdade, contudo, é que é
ainda relativamente escassa a investigação produzida neste domínio, pese embora
a crescente atenção que tem merecido de diversos autores (Aggarwal, 2004;
Fletcher e Simpson, 2000; Lindberg-Repo e Brooks, 2004; Sweeney e Chew, 2002).
Neste contexto, o trabalho realizado por Susan Fournier assume uma importância
indiscutível (Aaker e Fournier, 1995; Aaker, Fournier e Brasel, 2004; Fournier,
1998; Fournier e Mick, 1999; Fournier e Yao, 1997). Com base em estudos sobre o
comportamento de clientes de bens de consumo, e adoptando uma metodologia de
base etnográfica, Fournier (1998) sugere quinze tipos de relacionamento marca-
cliente. Não sendo objectivo deste artigo aprofundar este ponto, fica aqui a
referência de que essa tipologia envolve relacionamentos que vão desde os
casamentos arranjados ( arranged marriages) às amizades casuais ( casual
friends/buddies ), passando por melhores amizades ( best friendships ),
amizades de infância ( childrenhood friendships) e relações secretas ( secret
affairs ), entre outros.
A ideia central de Fournier é que os clientes estabelecem relações com as
marcas não apenas porque elas propiciam benefícios funcionais ou porque, pura e
simplesmente, gostam delas. Os clientes tendem a estabelecer relacionamentos
com as marcas na medida em que as associações que a elas fazem ' ou, por outras
palavras, a sua imagem ' acrescentam valor e significado à sua vida. Alguns
desses significados podem ser, de facto, de cariz funcional, uma vez que
resultam da componente utilitária das marcas. Mas outros podem ser emocionais
em virtude dos sentimentos que proporcionam.
A autora acentua que a relação marca-cliente é, como qualquer outra,
naturalmente dinâmica. Factores ligados ao cliente, à marca e ao ambiente podem
alterá-la. Por exemplo, a evolução etária ou alterações no nível de rendimento
e estilo de vida podem fazer com que um cliente que tinha um determinado
relacionamento com uma marca o modifique. Ilustrando com base na tipologia de
Fournier (1998), um jovem pode ter com uma PlayStation da Sony uma relação tipo
«melhor amizade» na medida em que é a sua marca preferida de consolas para
jogos. Contudo, com o passar dos anos, o envolvimento com essa marca passou a
«relação secreta» uma vez que, o já agora adulto, evita revelar a terceiros que
um dos seus principais passatempos é os jogos electrónicos da PlayStation!
Um aspecto que se relaciona com este tem a ver com os estudos de Jennifer Aaker
no domínio da personalidade da marca ' há, inclusivamente, trabalho conjunto
desta autora e de Fournier (cf. Aaker e Fournier, 1995; Aaker, Fournier e
Brasel, 2004). Aaker (1997) desenvolveu uma investigação no contexto do mercado
norte-americano, tendo chegado à conclusão de que as marcas, tal como as
pessoas, possuem traços de personalidade.
Com base nesse estudo, concebeu uma tipologia composta por cinco categorias:
marcas sinceras, excitantes, competentes, sofisticadas e vigorosas. Estudos
posteriores (Aaker et al., 2001) realizados nos mercados espanhol e japonês
chegaram a conclusões ligeiramente diferentes, evidenciando que a sua tipologia
inicial não é, certamente, de fácil generalização. Contudo, como Keller e
Lehmann (2006) acentuam, é uma das linhas de investigação com mais interesse no
domínio das marcas. E em qualquer dos casos, o importante é realçar que,
podendo ser encaradas como possuidoras de traços de carácter, os clientes têm
maior probabilidade de se relacionarem com aquelas marcas com quem sentem maior
afinidade em termos de personalidade.
Uma questão essencial é como caracterizar o conteúdo do relacionamento. Havendo
múltiplas dimensões através das quais é possível compreender e caracterizar o
relacionamento marca-cliente, neste artigo adopta-se uma das mais
referenciadas: relação funcional versus a emocional. Salientada por Fournier,
tem vindo a ser adoptada por inúmeros autores (cf. De Chernatony, 2006; Elliott
e Percy; 2007; Keller, 1993; Martesen e Grønholdt, 2004; Yu e Dean, 2001).
Atente-se, por exemplo, no livro de Kevin Keller de 2003, Strategic Brand
Management: Building, Measuring, and Managing Brand Equity, onde o autor
refere, em diversas passagens, essa dicotomia. «Uma marca é, portanto, um
produto que adiciona outras dimensões que o diferenciam de alguma forma de
outros produtos concebidos para satisfazer a mesma necessidade. Essas
diferenças podem ser racionais e tangíveis ' relacionadas com o desempenho do
produto ' ou mais simbólicas, emocionais e intangíveis ' relacionadas com
aquilo que a marca representa» (op. cit., p. 4). Exemplificando, o autor
salienta que «a vantagem competitiva de algumas marcas resulta da performance
do produto. Por exemplo, marcas como a Gillette, Merck, Sony, 3M há décadas que
são líderes nas respectivas categorias de produto, devido, em parte, a uma
contínua inovação [a nível de produto]. ( ) Outras marcas criam vantagens
competitivas através de meios não directamente relacionados com o produto em
si. Por exemplo, Coca-Cola, Calvin Klein, Chanel Nº5, Marlboro tornaram-se
líderes nas respectivas categorias de produto porque foram capazes de entender
as motivações e desejos dos consumidores bem como criar uma imagem relevante e
apelativa em torno dos seus produtos» (op. cit., pp. 5 e 7).
Por seu turno, Elliott e Percy (2007) distinguem marcas funcionais de
simbólicas, de acordo com duas dimensões: o nível de envolvimento e o carácter
cognitivo-emocional (Figura 2). As marcas simbólicas, com uma natureza
fundamentalmente emocional, são caracterizadas por um maior envolvimento,
enquanto nas marcas funcionais o envolvimento tende a ser menor e a relação de
natureza mais cognitiva e racional. De Chernatony (2006, p. 8) também introduz
a dicotomia funcional versus emocional: «quando alguém escolhe uma marca ( )
está desde logo preocupado em avaliar racionalmente os valores funcionais, e
depois os valores emocionais».
Figura 2
Marcas funcionais «versus» marcas simbólicas
Contudo, deve acrescentar-se que a relação que um cliente estabelece com uma
marca tende a ter sempre a componente funcional e a emocional (Figura 3). O que
pode acontecer é que a proporção em que cada uma delas ocorre seja diferente.
Figura 3
Relação funcional e emocional com a marca
Concretizando, quando Kevin Keller refere que a 3M é uma marca com uma forte
componente funcional, isso não significa que a emocional esteja ausente. Da
mesma maneira, quando a Harley Davidson é citada como uma marca emocional, isso
também não significa que os elementos funcionais não sejam considerados. Veja-
se, a título de exemplo, os esforços que a 3M tem realizado no âmbito do Post-
it (uma das suas marcas mais conhecidas) tentando dar-lhe uma maior conotação
emocional pela variedade de cores e formatos. Da mesma maneira, afirmar que Bic
é uma marca essencialmente funcional, não significa que o seu relacionamento
com os clientes não possa incluir uma parte de natureza emocional.
Em suma, e como Keller (2003, pp. 99-100) salienta, «um aspecto importante é
que as marcas apresentam uma dualidade. Uma marca forte apela tanto à mente
como ao coração. ( ). As marcas fortes misturam o desempenho do produto e o
imaginário em torno da marca tendo em vista criar um conjunto rico, variado e
complementar de respostas dos consumidores.Ao apelar a aspectos racionais e
emocionais, uma marca forte proporciona aos clientes múltiplos pontos de acesso
a ela, reduzindo, dessa forma, a vulnerabilidade à concorrência» (itálico do
autor).
A componente funcional da relação marca-cliente decorre, em larga medida, da
satisfação do cliente, tal como é tradicionalmente analisada pela literatura.
Em geral, assume-se que essa satisfação depende da qualidade percebida e que
esta, por seu turno, é determinada por duas ordens de factores: as expectativas
que o cliente tinha em relação ao produto ou serviço que lhe vai ser oferecido
e a percepção que o cliente tem desse mesmo produto ou serviço após o consumir
ou utilizar.
Cabem aqui duas chamadas de atenção importantes. Em primeiro lugar, do ponto de
vista do marketing, a qualidade é algo que resulta de percepções. Isto
significa, desde logo, que um mesmo produto pode ser percepcionado de forma
distinta por diferentes clientes. Percepções são algo perfeitamente
individualizado e que dizem respeito àquilo que cada um se apercebe de um
produto. Por outro lado, há a questão das expectativas. Com efeito, a qualidade
percebida não depende apenas da percepção sobre aquilo que lhe está a ser
oferecido, mas decorre também da comparação que o cliente vai fazer dessa
percepção com as expectativas que tinha.
A relação entre expectativas e percepção tem sido estudada no âmbito do
marketing, em particular ao nível dos serviços. A título de exemplo, refiram-se
apenas os modelos de Grönroos (1982), de Brogowicz et al. (1990) e o de
Gummesson (1993), bem como o SERVQUAL (Parasuraman, Zeithaml e Berry, 1985;
Zeithaml e Bitner, 1996; Zeithaml, Parasuraman e Berry, 1990), todos eles
assentes na ideia de que a qualidade percebida pelo cliente decorre da
comparação entre expectativas e percepções.
Em geral, esta posição assenta na Teoria da Desconfirmação das Expectativas
desenvolvida por Oliver (1980) e posteriormente aprofundada por diversos
autores, designadamente, Churchill e Suprenant (1982), Oliver e DeSarbo (1988)
e Spreng e Olshavsky (1993). Segundo esta teoria, os consumidores comparam a
percepção que têm do produto que lhes está a ser oferecido com as expectativas
que dele tinham. As expectativas são confirmadas quando a percepção corresponde
basicamente às expectativas; a desconfirmação resulta da discrepância entre as
duas. Isto significa, como salientam Bloemer e Ruyter (1999), que podem ocorrer
dois tipos de desconfirmação: positiva, quando as expectativas são superadas, e
negativa, no caso contrário. Mais precisamente, e como esclarecem Martesen e
Grønholdt (2004), o cliente fica «encantado» no primeiro caso, «insatisfeito»
no segundo, e simplesmente «satisfeito», quando a percepção corresponde às
expectativas.
Contudo, trabalhos mais recentes no domínio da satisfação dos clientes têm
vindo a chamar a atenção para a importância da componente emocional (Gobé,
2001; O'Shaughnessy e O'Shaughnessy, 2003; Zaltman, 2003). A relevância desta
componente na relação marca-cliente manifesta-se essencialmente ao nível do
envolvimento com a marca. Trata-se de marcas que procuram criar uma relação de
empatia numa tentativa de compreensão das «inspirações, aspirações e
circunstâncias da vida dos clientes, sendo capazes de gerar sentimentos de
comunidade entre eles» (Thompson et al., 2006).
A importância da componente emocional das marcas é reconhecida tanto no meio
empresarial como académico. Do mundo empresarial têm surgido variadíssimos
livros que, assentando numa base conceptual nula ou praticamente nula,
reflectem, no entanto, os desafios actuais de quem gere marcas no dia-a-dia.
Livros com títulos mais ou menos apelativos como Romancing the Customer
(Temporal e Trott, 2001), Customize the Brand (Nilson, 2003), Brand Harmony
(Yastrow, 2003), Passion Branding (Duffy, 2003), Brand Royalty (Haig, 2004) e
Creating Passion Brands (Edwards e Day, 2005), são algumas das muitas obras que
caem neste domínio. Ao livro de Marc Gobé, Emotional Branding, de 2001, embora
também escrito por alguém que vem do mundo dos negócios, é, no entanto,
reconhecido um valor especial, sendo, inclusivamente, citado por vários autores
académicos.
No meio científico, a produção de literatura começa também a ser significativa,
em especial ao nível de artigos. Bloemer e Ruyter (1999), Chaudhuri e Holbrook
(2001), Chebat e Slusarczyk (2005), Leone et al. (2005), Pullman e Gross
(2004), Thompson et al. (2006), White (2006), Yu e Dean (2001) são apenas
algumas das muitas referências que vêm surgindo, para além dos já citados
trabalhos de Susan Fournier e do livro de O'Shaughnessy e O'Shaughnessy (2003).
Em síntese, como Grönroos (2007) salienta, gerir uma marca prosseguindo uma
abordagem relacional exige, em primeiro lugar, o reconhecimento de que a
principal tarefa passa por uma gestão adequada do processo de interacção entre
a marca e os seus clientes para que se crie uma relação favorável entre ambas
as partes. Por outro lado, as opções em termos dos sinais de identidade da
marca, bem como as acções no âmbito do marketing mix que se venham a realizar,
não são mais do que elementos de suporte que facilitam (mas não mais do que
isso) a criação de um envolvimento positivo com a marca.
Tendo por base estas duas ideias centrais, desenvolver uma estratégia de gestão
relacional da marca deve assentar essencialmente em quatro pontos:
diferenciação, reputação, emoção e internalização (para uma sistematização mais
completa, ver Berry, 1999, no qual se baseia Grönroos). Em primeiro lugar, é
preciso ser diferente. Dificilmente se encontram grandes marcas em empresas que
vendem commodities. Por outro lado, mais do que imitar é preciso inovar, não
apenas ao nível do produto mas também dos processos, designadamente no que
concerne à forma de abordar o mercado e os clientes. Desta forma, tenderão a
estabelecer um envolvimento estreito e duradouro fruto das associações
positivas que fazem à marca. Só assim é que as marcas assumem uma natureza
distinta nas percepções e mente dos clientes.
Mas não basta ser diferente. Mais do que isso, é necessário que os clientes
valorizem os factores distintivos que lhes estão a ser oferecidos. Ou seja, é
necessário desenvolver uma reputação com base na relevância da marca. Desse
modo, a gestão da marca deixa de ser unilateral, passando a envolver os
clientes na sua construção e evolução.
A relação com as marcas tem sempre uma componente funcional e emocional.
Contudo, verifica-se uma tendência crescente para que as empresas reforcem os
laços emocionais. Isto significa que há hoje um número crescente de empresas
que procuram gerir as suas marcas de forma a desenvolverem com os clientes um
relacionamento que vai para além da mera lógica transaccional. Podendo criar
sentimentos de confiança, estima e proximidade, reflectem os valores dos
clientes, o que transcende a questão meramente económica e a satisfação
funcional.
Por último, as associações à marca, em particular na área dos serviços,
resultam, em larga medida, do processo de interacção entre os clientes e os
colaboradores da empresa. Dessa forma, estes são um elemento central na criação
da imagem da marca ' bem como na sua destruição. Empresas com marcas fortes são
aquelas que reconhecem que o valor da marca começa a ser construído de dentro
para fora, no sentido de que se os clientes internos ' ou seja, os
colaboradores ' não comprarem o conceito da marca, dificilmente os clientes
externos o farão.
Modelo integrado
Este artigo aborda o valor da marca numa perspectiva relacional. Após uma
reflexão sobre o próprio conceito de valor da marca, há que integrar aquelas
que, em geral, são consideradas as suas grandes determinantes: notoriedade,
imagem e envolvimento. A concepção do modelo baseia-se em três níveis de
abordagem do mercado e dos clientes que reflectem um grau crescente de
relacionamento com os clientes (Figura 4): Acção ⇒ Interacção ⇒ Relação.
Figura 4
Relação funcional e emocional com a marca
Neste contexto, o modelo integra cada um daqueles três aspectos como a seguir
se sintetiza.
● Acção
A notoriedade de uma marca reflecte o nível de conhecimento que os clientes
dela possuem. Podendo ser encarada como um pré-requisito do valor da marca ' no
limite, uma marca desconhecida não tem qualquer valor do ponto de vista de
marketing, i.e., do «valor da marca baseado no consumidor» ' a sua construção
passa fundamentalmente por tudo aquilo que se possa fazer para a tornar
presente no espírito do cliente: presença nos pontos de venda, publicidade,
passa-palavra, referências nos órgãos de comunicação social, etc. Em suma, há
que agir, directa e indirectamente, sobre o mercado.
● Interacção
A imagem de uma marca é o conjunto de associações que os clientes a ela fazem.
Numa perspectiva alargada ' ou seja, não limitada aos sinais de identidade ' a
imagem depende das diversas formas de contacto que cada cliente tem com a marca
nas suas múltiplas facetas: produto, serviço, preço, comunicação, distribuição,
etc. Em síntese, a imagem de uma marca resulta da interacção que cada cliente
estabelece com ela.
● Relação
É o último nível. Fruto de um certo grau de notoriedade e de uma dada imagem, o
cliente pode ter diferentes tipos de envolvimento ' i.e., de relação ' com a
marca. Primeiro, a sua força pode assumir diversos graus, que vão desde a
lealdade comportamental até ao envolvimento activo, passando pela atitude de
ligação e sentimento de comunidade. Depois, pode traduzir-se em formas
distintas que, de acordo com a tipologia usada, podem assumir-se como
casamentos arranjados, amizades casuais, casamentos de conveniência, parcerias
comprometidas, etc. Finalmente, a relação pode ter diferentes conteúdos ' ou
melhor, vários níveis de conteúdo ' em termos da natureza funcional e
emocional. Força, forma e conteúdo consubstanciam aquilo que aqui se designa
neste relatório por relação marca-cliente.
Em síntese, o modelo não assume a posição clássica segundo a qual cabe às
empresas (e só a elas) construírem as suas próprias marcas. Mas também não
adopta uma postura oposta e fundamentalista de que tudo se resume à resposta do
cliente à marca. O relacionamento marca-cliente, sendo o ponto de chegada,
resulta de distintas abordagens que para ele contribuem: agir e interagir para,
em última instância, relacionar.
Conclusão
O modelo apresentado procura conjugar, de forma integrada, diferentes níveis de
análise no âmbito do valor da marca. Neste contexto, há três autores que
marcaram decisivamente a sua concepção: Kevin Keller, Christian Grönroos e
Susan Fournier.
Kevin Keller é considerado uma das principais referências no domínio da marca.
O seu livro Strategic Brand Management, com uma primeira edição em 1998 e
posteriormente reeditado em 2003, assim como a multiplicidade de artigos que
escreveu, foram de extrema utilidade para uma visão integrada da gestão da
marca capaz de suportar o cariz relacional que se procurou introduzir.
Christian Grönroos é um dos autores mais respeitados na área do marketing
relacional. Sem pretender menosprezar o seu papel, a verdade é que foi
essencialmente o capítulo 12, «Managing brand relationships and image», do
livro Service Management and Marketing ' Customer Management in Service
Competition(edição de 2007) que se tornou marcante na concepção de uma
abordagem interactiva da imagem da marca.
Finalmente, Susan Fournier deu origem a uma corrente de investigação que,
conjugada com o trabalho de outros autores, teve o mérito de fomentar e agregar
um conjunto de estudos no domínio específico da relação entre os clientes e as
marcas. Estas, mais do que elos de uma relação, são encaradas como parceiros,
na justa medida em que é com elas que os clientes se envolvem em maior ou menor
grau.
Juntar três linhas de investigação num só modelo comporta os seus riscos.
Creio, no entanto, que eles se encontram minimizados face à articulação
conceptual entre os autores. Keller e Fournier citam-se mutuamente e, pelo que
se escreveu em secções anteriores, não parece que daí resultem graves questões
de compatibilidade teórica. Quanto a Grönroos, a situação é diferente, tanto
mais que vem de uma área distinta. Todavia, a sua introdução no modelo, longe
de causar problemas de dissonância teórica, acrescenta valor conceptual,
podendo, inclusivamente, ser encarado como o missing link entre uma abordagem
mais unilateral de construção de marcas fortes a partir da notoriedade e a
abordagem mais relacional da Susan Fournier e seus colegas.