A «estratégia-como-prática»: A tipologia dos nove domínios
A investigação na área da estratégia empresarial tem tido, ao longo dos
últimosanos, vários focos de grande dinâmica, entre os quais se podem enumerar
ainvestigação centrada nos conteúdos (sobretudo nos domínios da
responsabilidadesocial e da sustentabilidade), a investigação centrada na
transferência doconhecimento entre multinacionais e as suas subsidiárias, a
investigaçãocentrada na definição da empresa (com grande ênfase para a escola
baseada nosrecursos) e a investigação centrada na prática da estratégia,
denominada porWittington (2002) e Wilson e Jarzabkowski (2004) como «fazer
estratégia».
Dados os desafios competitivos impostos às empresas pela envolvente económica
atual,estes focos de grande dinâmica empresarial poderão ser denominados como
osfatores chave de sobrevivência e competitividade empresarial das empresas
nosdias de hoje. Dentro destes quatro campos de investigação existe, no
entanto,algum défice no que diz respeito à literatura emergente da «estratégia-
como-prática»e à focalização, estabelecimento e institucionalização das
práticas eatividades estratégicas utilizadas pelas empresas no desenvolvimento
do seu trabalho interno de fazer estratégia, e das implicações deste tipo
deatividades em termos de resultados organizacionais.
O objetivo deste artigo pretende portanto compreender «onde e como é feito
otrabalho de estratégia», por quem é feito, com que competências e
ferramentas,onde estas foram adquiridas, e de que forma o resultado deste
trabalho écomunicado e consumido (Whittington, 1996). Na verdade, a chave do
sucessoorganizacional pode estar contida nestes detalhes de nível micro, os
quais têmparticular vantagem por serem invisíveis a terceiros, o que coloca o
foco sobreas práticas e em como estas práticas na verdade são inseridas e
constituem oprocesso estratégico, ou, mais precisamente, o que Wittington
(2002) e Wilson eJarzabkowski (2004) denominam de ato de «estrategizar».
A «estratégia-como-prática»
A perspetiva da «estratégia-como-prática» desenvolveu-se a partir de um
descontentamento generalizado acerca da pesquisaestratégica, tendo sido levada
a cabo por vários autores que têm vindo aestudar este campo de investigação
refocalizando a pesquisa nas ações einterações dos práticos da estratégia.
Durante muitos anos a estratégia foi analisada sobretudo com base nas ações e
nasdinâmicas internas das empresas tentando relacionar esta visão em termos
dedesempenho organizacional (Johnson et al.,2007), focalizando a ação apenas em
determinados grupos de topo (gestores detopo) como que dando a perceber que
apenas estes podem agir de formaestratégica, o que Johnson et al.(2003)
explicam como resultado do domínio da microeconomia que a isso
conduziu,deixando de lado as emoções, motivações e ações que levam e conduzem
àestratégia propriamente dita (Jarzabkowski e Spee, 2009).
O desenvolvimento da «estratégia-como-prática» vem de certa forma responder
aestas preocupações, trazendo para o centro do estudo as ações e interações
nocampo da pesquisa estratégica e, para o campo de investigação, a
complexidadesocial e a ambiguidade causal da visão básica de análise dos
recursos(Jarzabkowski, 2005), explicando simultaneamente a prática que
constitui oprocesso estratégico (Johnson et al.,2003).
Segundo Jarzabkowski et al. (2007), o termo «estratégia-como-prática»pode ser
assim definido como uma situação que compreende ações, interações enegociações
de múltiplos atores na construção e um conjunto de situaçõespráticas que se
traduzem posteriormente numa determinada atividade, sendo porisso os seus
parâmetros traduzidos no estudo dos práticos (practioners) ' pessoas que fazem
o trabalho de estratégia ', daspráticas (practices) ' ferramentassociais,
simbólicas e materiais com que a estratégia é feita ' e das práxis ' o fluxo de
atividade em que aestratégia ficará implícita (Jarzabkowski, 2005; Jarzabkowski
et al., 2007; Whittington, 2006).
A ideia da prática na teoria estratégica emana assim da construção sociológica
da prática. Aqui, a prática é definidabasicamente como a matriz da atividade
humana. Isso reflete amplamente opensamento sociológico de Giddens que tenta
examinar a atividade independentementedas estruturas sociais.
Juntos, os practioners,as practices e as práxis são assim os elementos que
constituemo tópico da pesquisa da «estratégia-como-prática», constituindo o que
sedenomina de «fazer estratégia» (Jarzabkowski e Spee, 2009), ou
maiscorretamente ato de «estrategizar» (Jarzabkowski et al., 2007),
preocupando-se com quem a faz, o que fazem, como o fazem, o que usam e quais as
implicaçõesdestes elementos na conceptualização da estratégia (Jarzabkowski e
Spee, 2009),cujaimportância é determinante no que respeita à direção e possível
desempenhoorganizacional .
A ideia da prática na teoria estratégica emana assim da construção sociológica
da prática(Kaiser e Kampe, 2005). Aqui, a prática é definida basicamente como a
matriz daatividade humana. Isso reflete amplamente o pensamento sociológico de
Giddens(1984) que tenta examinar a atividade independentemente das estruturas
sociais.Seguindo esta ideia, Schatzki (2001, p, 2) define a prática como «a
matriz daatividade humana centralmente organizada em torno de entendimentos
comunspráticos», destacando a incorporação e dependência da atividade sobre
ascompetências e entendimentos partilhados, apontando assim para a unificação
damente e da atividade na prática.
Na mesma linha de raciocínio, Thevenot (2001, p. 56) fala de prática como
«atividadescorpóreas e moldadas pelos hábitos sem reflexão», sublinhando a
natureza daação de rotina. O foco aqui centra-se no inconsciente, na atividade
diária, nasrotinas, nos hábitos e nas tradições. Em termos empresariais,
prática éportanto a condensação do corpo e da mente em atividade nas rotinas do
processoorganizacional (Swidler, 2001; Thevenot, 2001).
Mas para olhar a «estratégia-como-prática» tem de se refletir o conceito de
«discurso»,tal como Knights e Morgan (1991) o entendem. Um discurso «é um
conjunto deideias e práticas que condicionam a nossa maneira de nos
relacionarmos e agirmossobre fenómenos particulares» (Knights e Morgan, 1991,
p. 253). Um discursoparticular cria esses fenómenos de pensar e agir dentro de
um determinadocontexto. Além disso, cria efeitos de verdade, criando premissas
do mundo, comproblemas específicos que o discurso pode resolver (Hendry, 2000).
Deforma a contextualizar a estratégia como um «discurso», esta
teoriadesenvolveu-se historicamente quando os práticos tinham a crença
compartilhadasobre a manipulação dos mercados que influenciavam o sucesso
empresarial deplaneamento interno e tomada de decisão (Bracker, 1980; Knights e
Morgan,1991). Desta forma, a ação de um gestor, reflete as suas suposições
sobrefenómenos específicos e mostra intenções de como enfrentá-los (Hendry,
2000).
Neste caso, a prática produz efeitos de verdade num certo «discurso» e melhora
aestruturação dos fenómenos sociais. Ao contrário, o «discurso» é
incorporadonas práticas sociais. Então, se a estratégia pode ser considerada
como «discurso»,a estratégia é também um conceito de práticas sociais (Ezzamel
e Wilmott, 2004;Knights e Morgan, 1991). Isto leva à definição da estratégia de
um ponto devista prático, abrangendo «um conjunto de ações e interações que
contribuempara ativar e transformar a direção da empresa numa base diária»
(Denis et al., 2003, p. 34) e ao foco do gestorcomo estratega, considerando-os
como «os atores de gestão que realizam otrabalho da estratégia, tanto através
da sua interação social com os outroscomo ao nível dos recursos e práticas
específicas que são apresentadas dentrode um contexto» (Jarzablowski, 2003, p.
24).
De forma a conceptualizarestruturalmente o conceito de estratégia e de prática,
e tendo por base os trêselementos conceptuais da «estratégia-como-prática»
(practioners, practices e práxis), Whittington (2006)propõe uma estrutura que
permite isolar cada um destes elementos, para que cadaum constitua uma escolha
analítica no estudo da «estratégia-como-prática»(Jarzabkowski, 2005).
O coração do modelo conceptual da «estratégia-como-prática»é o que Whittington
(2006) denomina de ato de «estrategizar», sendo cobertopela arquitetura
representada na Figura 1, sendo cada um destes elementosprimordial para
investigar o campo da «estratégia-como-prática».
Figura 1
Estrutura conceptual de análise da «estratégia-como-prática»
Neste sentido, as práticas estratégicas são os comportamentos rotineiros que
seexprimem e analisam a partir de diferentes formas como a atividade corporal
emental das pessoas, com a sua forma de pensar e usar, com os
seusconhecimentos, com a sua compreensão e com o seu estado emocional
emotivacional (Jarzabkowski et al.,2007), ou seja, as práticas estratégicas
referem-se aos hábitos, artefactos oumodelos socialmente definidos como normas,
métodos, regras e rotinas. No fundo,são o que dá sentido e a informação da ação
(por exemplo, uma conversa dehotel, entrevistas de coleta de dados, contactos
influentes ' persuasão,cooperações acidentais, conversas de conteúdo, entre
outras) ou, por outraspalavras, são os recursos utilizados no decorrer das
atividades.
No entanto, é importante destrinçar prática estratégica de «estratégia-como-
prática»,pois se a primeira emana de um conjunto de comportamentos rotineiros,
a segundarefere-se às situações, interações e às próprias interpretações que
causam aatividade estratégica. Ou seja, se as práticas estratégicas são os
elementosestruturantes da prática durante o processo de uma estratégia que, por
sua vez,cria práticas estratégicas pela sua atividade (Giddens, 1984;
Jarzabkowski,2003; Jarzabkowski, 2004; Whittington, 2001; Whittington, 2002), a
«estratégia-como-prática»remete para a aplicação e interpretação dessas mesmas
práticas.
Neste contexto, é ainda importante referir que prática não é processo. Um
processoremete para «o como e o porquê» da envolvência das coisas ao longo do
tempo, oque na sua relação com a componente estratégica remete para a
preocupaçãoquanto à forma como as estratégias organizacionais são formuladas e
implementadas(Van de Ven, 1992). Prática, por sua vez, e tal como sugerido por
Jarzabkowskie Wilson (2002), é uma extensão de processo, ou, como sugere
Hutzschenreuter eKleindienst (2006), constitui uma das seis perspetivas
principais de construçãode processo estratégico.
A partir desta dicotomia, e tal como sugerido por Whittington (2007), se
práticaé conceptualizada como um dos três elementos que compõem a estrutura do
estudodo campo de pesquisa da «estratégia-como-prática», processo é
continuidade, oque leva a concluir de forma lógica que «estratégia-como-
prática» não éconteúdo, não é mudança e provavelmente não é substância ' é,
isso sim, umprocesso.
Noutro contexto, os practioners são os indivíduos que definem e implementam
estratégias(Jarzabkowski e Spee, 2009) nas/e com as organizações, trazendo-lhes
novas eespeciais ferramentas de gestão, novos interesses, ambições e recursos
para oseu trabalho estratégico. São vistos por isso como atores da
organização,independentemente de serem gestores ou não e de serem internos ou
externos aessas mesmas organizações (Whittington, 2007; Lundgreen e Blom,
2009).
Segundo Whittington (2007) e Lundgreen e Blom (2009),foi desta definição que
resultou então o primeiro tema de interesse da «estratégia-como-prática»,a
«profissão estratégica», cujo enfoque se situa no campo institucional,estando
implícita por isso a área de pesquisa da «estratégia-como-prática».
Por fim, as práxis estratégicas são asvárias atividades envolvidas na
formulação e implementação da estratégia dasempresas (Whittington, 2006),
podendo ser descrita como a corrente da atividadeem que a estratégia é
realizada (Jarzabkowski et al., 2007), tais como decisões, reuniões, workshops,
mudanças de processos estratégicos, mudanças de padrões deações, entre outras,
ou seja, são as atividades que constituem o trabalhoestratégico.
A complexidade e ambiguidade destes conceitos, assim como a sua dualidade
emtermos de ação e estrutura, podem ser visualizadas na Figura 2.
Figura 2
«Estratégia-como-prática» ' A interação de práticas eprática
Nesta perspetiva, a ênfase em termos das practicesé colocada sobre quando a
prática acontece (no espaço e no tempo), sobre comopensar durante a
contribuição dessas situações para a orientação estratégica daempresa, bem como
sobre a forma de agir em termos organizacionais(Jarzabkowski, 2003;
Jarzabkowski, 2004; Whittington, 2001; Whittington, 2002),remetendo a
perspetiva da «estratégia-como-prática» para a aplicação e interpretaçãodessas
mesmas práticas.
Para que se compreenda melhor o paradoxo entre prática e «estratégia-como-
prática»,torna-se necessário que exista também uma diferenciação entre
perspetivas macroe micro. Os fenómenos macro estão relacionados com conceitos,
ferramentas eestruturação dos elementos que refletem a sociedade, ou seja, o
ambiente denegócios (rentabilidade) (Whittington, 2001; Whittington et al.,
2004).
Osmicrofenómenos, por outro lado, são as interações sociais. Realizam-se de
formainterpessoal e podem ser vistos como a vida de um processo estratégico do
pontode vista do gestor (Jarzabkowski, 2003; Whittington, 2001; Whittington et
al., 2004; Wilson e Jarzabkowski,2004). A «estratégia-como-prática» resulta
simultaneamente da observação do «que»é feito e de «como» é feito, tendo assim
como prioridade a descoberta desituações que resultam em atividade estratégica,
as denominadas «microatividades que decompõem a estratégia em estratégia na
prática» (Johnson et al., 2003, p. 3).
A estrutura analíticado processo estratégico
Para melhor compreender como interagem as práticas estratégicas, é necessária
umaestrutura analítica que permita pesquisar a prática de um processo
estratégico,e este olhar sobre a microestratégia é realizado através da visão
básica deatividade (VBA) e do decifrar das respetivas atividades estratégicas
(Kaiser eKampe, 2005). Esta abordagem concentra-se nos processos que dão forma
detalhadaàs atividades diárias da vida organizacional e resultam em resultados
e consequênciasestratégicas. O objetivo não está, desta forma, ligado à
explicação daestratégia como resultado final, mas sim ao conjunto de atividades
casuais numasequência de boas práticas (Johnson etal., 2003; Wilson e
Jarzabkowski, 2004).
O principal benefício de uma VBA está fundamentalmente ligado aos fenómenos
microcom influências macro, de forma a poder superar a divisão de conteúdos
eperspetivas no processo de estratégia, concentrando-se na prática. Além
disso,a VBA procura também figurar a realidade de forma descritiva, através
daconcentração nas ações de gestão que formam a estratégia, tais como
acomunicação, o controlo, a formulação, o ambiente, a gestão de recursos
humanose a organização como um todo (Johnson etal., 2003; Aaltonen, 2003).
A estrutura analítica da VBA é delineada por Jarzabkowski (2003) e consiste
numa estruturade três vértices distintos constituídos pela gestão de topo, pela
atividadeestratégica e pelas estruturas organizacionais e sociais, todas elas
mediadaspor práticas estratégicas (Figura 3).
Figura 3
O sistema de actividade na qual a«estratégia-como-prática» ocorre
No modelo, a atividade estratégica é a expressão da interação dos
profissionaiscom a estrutura. As práticas estratégicas são o elo de mediação e
formam aestrutura de interação, cumprindo o seu papel na infraestrutura da
estratégia,de forma a definir as estratégias e ações na formação da estratégia
(Jarzabkowski, 2003). As práticas são, deste modo, uma garantia de
estabilidadeno seu papel estruturante. A estrutura contribuiu para definir o
contexto depesquisa relativamente à influência que existe sobre a estratégia a
partir deuma perspetiva prática. Por último, os atores são os práticos. São
aqueles querealizam o trabalho sendo, simultaneamente, o meio das práticas
estratégicas.
A perspetiva holística de uma VBA e do conceito de prática são ilustradas
naestrutura apresentada anteriormente, conhecida pelos autores Wittington
(2002)e Wilson e Jarzabkowski (2004) como um processo de «estrategização»,
cujaatividade aparece associada na interação de pensar e agir.
Normalmente, a associação do estudo deestratégia, tal como muitos conhecem,
está ligada a infraestruturas, tais comoferramentas, tecnologias e discursos,
onde as ações são analisadas de formamacro dissociando o que está implícito
entre diferentes contextos de análise,ou seja as microações (Jarzabkowski
etal., 2007). A «estratégia-como-prática» como abordagem de pesquisa vem,desta
forma, criar e enfatizar as ligações existentes entre perspetivas macro emicro,
não apenas focalizando o estudo naquilo que a organização tem, masnaquilo que
os seus membros fazem, o que Johnson et al. (2003) denominam de «fazer
estratégia», reforçando apesquisa nas ações e interações dos práticos
estratégicos (Jarzabkowski et al., 2007), preocupando-se com apesquisa
organizacional e simultaneamente com a humanização da gestão(Pettigrew et al.,
2002).
O que se tem vindo a assistir no campode pesquisa da «estratégia-como-prática»,
implicou, desta forma, que este tenhadefinido uma nova direção no pensamento
estratégico, fundamentalmente para osgestores, no modo como agem e interagem e
na forma como «fazem estratégia», mastambém para professores, pesquisadores e
para os próprios práticos daestratégia, como os consultores.
O quese tem vindo a assistir no campo de pesquisa da «estratégia-como-
prática»,implicou, desta forma, que este tenha definido uma nova direção no
pensamentoestratégico, fundamentalmente para os gestores, no modo como agem e
interagem ena forma como «fazem estratégia», mas também para professores,
pesquisadores epara os próprios práticos da estratégia (strategypractioners),
como os consultores, implicando tudo isto uma análise que vaimuito além da
manipulação de grandes bases de dados estatísticas e/ou de merasleituras
conceptuais de abordagens já conceptualizadas (Whittington, 1996).
A tipologia dos novedomínios de Jarzabkowski e Spee (2009)
Muito embora a área de pesquisa da «estratégia-como-prática» possa ser definida
comoaquilo que as pessoas fazem, ao analisar a literatura verificamos que
oconceito é muito mais abrangente do que esta simples especificação sumária.
Tomando como exemplo o conceito de práticos estratégicos definido por
Jarzabkowski eWhittington (2008) ' que abrange os atores diretamente envolvidos
na tarefa defazer estratégia (predominantemente levada a cabo por gestores e
consultores)bem como todos aqueles que indiretamente participam nesse mesmo
processo (taiscomo os media, especialistas emgestão, escolas de negócio e todos
os envolvidos no processo de desenvolvimentode políticas que legitimem as
practicese práxis) ', este enquadramentoremete-nos para uma dimensão
abrangente, não apenas focalizada num ator de formaindividual mas num conjunto
de grupos de práticos, o que constitui duasdimensões principais de
identificação de práticos estratégicos (Jarzabkowski eSpee, 2009).
Ou seja, a partir desta unidade de análise, os práticos estratégicos podem
assimassumir o papel de um ator que age de forma individual (um CEO como
atorindividual que interage com outros atores) ou de forma agregada (engenheiro
na atribuição de atividades específicas a um gestor sénior), podendo
simultaneamente ser interno (estrutura organizacional interna) ou externo à
empresa (consultores, especialistas, câmaras da indústria e do comércio,
atoresinstitucionais) dada a localização do prático estratégico face às
fronteirasorganizacionais (Jarzabkowski e Spee, 2009).
A mesma diversidade dimensional aqui refletida no que concerne à
conceptualização dospráticos estratégicos é encontrada também ao nível das
práxis. Tendo em consideração as definições de práxis de Jarzabkowski et al.
(2007), Reckwitz (2002) e Sztompka´s (1991), este domínio pode ser descritocomo
a corrente de atividade em que a estratégia é realizada (Jarzabkowski et al.,
2007), interligando ações microde indivíduos e grupos em instituições amplas em
que estas ações estãolocalizadas (Reckwitz, 2002), operacionalizando-se no que
as pessoas estão afazer e no que está a acontecer na sociedade ' ou seja, em
níveis macro das práxis (Sztompka´s, 1991).
A dimensão de práxis é, desta forma,diluída em ações micro que remetem as
práxisestratégicas para níveis individuais ou grupais em termos de experiência
de umepisódio específico (decisões, reuniões, workshops),em ações meso que
exploram as práxisestratégicas a um nível organizacional e suborganizacional
(mudança deprogramas, mudança de processo estratégico, mudança de padrões de
açõesestratégicas, segundo Balogun e Johnson, 2005) e, ações macro, ligadas a
umnível mais institucional e associadas mais frequentemente a ações
padronizadasde uma indústria específica (Lounsbury e Crumley, 2007).
Jarzabkowskie Spee (2009), relacionando os três diferentes tipos de práticos
mencionados(indivíduos internos, práticos agregados e práticos agregados
externos) e ostrês diferentes níveis de práxis(micro, meso e macro),
desenvolveram a tipologia dos nove domínios da pesquisada «estratégia-como-
prática», sendo que cada um dos domínios representa umpossível campo de
pesquisa nesta área.
Tabela 1
Tipologia da «estratégia-como-prática» por tipo de practioner e nível de práxis
O domínio A inclui estudos onde os práticos podem ser avaliados em
termosindividuais a um nível micro das práxis,o que é considerado por
Jarzabkowski e Spee (2009) como um dos mais pertinentesdomínios nesta área, de
forma a descobrir efetivamente o que os «estrategistas»fazem. Aqui a pesquisa
pode incidir sobre a compreensão da associação entre asexperiências individuais
dos práticos e as práxispessoais estratégicas que lhes estão associadas,
procurando obter a suaperceção de contribuição para a formulação de estratégia
ou estudando a relaçãoentre o discurso de um gestor sénior e as práxisde uma
decisão estratégica específica.
O domínio B explora o compromisso individual dos atores em termos das práxis
organizacionais e suborganizacionais,olhando por exemplo para o que os
indivíduos fazem na construção de como sefabrica a estratégia. Este método pode
ser utilizado no sentido de estabeleceruma associação entre o que os práticos e
as organizações fazem, particularmenteem grandes e complexas empresas onde os
relacionamentos diretos entre atores eorganização são difíceis de substanciar,
percebendo por exemplo as implicaçõese interações de determinados membros de um
projeto na implementação de uma novadireção estratégica.
O domínio C examina a relação entre o indivíduo e as macro práxis, olhando para
o ladoinstitucional da análise, para o mercado e para as práxis da indústria na
perspetiva das ações individuais einterações. Como sugerido por Jarzabkowski e
Spee (2009), uma pesquisapotencial neste domínio poderia incidir sobre como
fazem os atores dentro de umescritório regulador em termos da interpretação e
resposta relativamente aos inputs que recebem dos vários players de uma
determinada indústriapara alterar as regulamentações existentes no mercado,
analisando os atores deforma individual em termos de respostas, discursos e
capacidade deprocessamento de informação como forma de perceber a sua interação
com omercado.
O domínio D examina as relações entre os práticos como atores agregados
naorganização e as micro práxis daestratégia. Assim, com base no conjunto de
atores agregados da pesquisa deSillince e Mueller (2007), uma potencial área de
pesquisa neste domínio talcomo sugerido por Jarzabkowski e Spee (2009), poderá
estar ligada à tentativade compreender as interações entre gestores de topo e
intermédios dentro de um workshop estratégico sobre a forma comointeragem na
construção das práxis aíenvolvidas, ou seja, em termos da conduta e conclusões
que daí resultarão, oque nos permitirá trazer para a literatura da «estratégia-
como-prática» umnível de análise ligado às interações entre diferentes níveis
de atoresagregados permitindo simultaneamente perceber as suas implicações.
O domínio E é idêntico ao anterior, ainda que, neste caso, os estudosremetam
mais para o estudo de padrões de mudança, quer em termos de programas,processos
ou ações. Deste domínio resulta a importância que se deve dar àsligações entre
as diferentes classes de atores, tais como gestores intermédiose de topo, e ao
que fazem as organizações nas diferentes divisões que ascompõem. Jarzabkowski e
Spee (2009) propõem assim que a chave em termos deinvestigação neste domínio
possa estar ligada ao estudo das práxis das diferentes unidades denegócio na
implementação de uma mudança organizacional ligada a um determinadoprograma e à
forma como esta mudança pode influenciar as perceções dosdiferentes atores
agregados no que ao sucesso desta mudança diz respeito.
O domínio F examina a relação entre atores agregados dentro da organizaçãoe as
macro práxis envolvidas nestecontexto ao nível das instituições do setor ou da
indústria. Neste domíniorealça-se o estudo de Melin e Noordqvist (2007) quando
comparam a interaçãoentre gestores de uma empresa de retalho transacional
(atores agregado) eatores extra organizacionais na construção e reconstrução de
um sistema degovernação corporativo. Este último estudo intitulam Jarzabkowski
e Spee (2009)como uma área potencial de pesquisa neste domínio que poderá
trazer para aliteratura da «estratégia-como-prática» algo que possibilite
perceber como osdiretores executivos de empresas podem influenciar as análises
de uma indústriapara que se possa construir um conjunto de avultados
investimentos nessa mesmaindústria, o que permitirá analisar um grupo
específico de atores agregados aum nível macro.
O domínio G está, por sua vez, relacionado com o estudo de como os
atoresextraorganizacionais constroem práxisde nível micro. Neste enquadramento,
ainda que tenha existido um númeroconsiderável de debates sobre como o
conhecimento estratégico é construídopelos vários atores (Mazza e Alvarez,
2000), um dos trabalhos que se destacam emtermos da análise ligada ao campo da
«estratégia-como-prática» é o de Sturdy et al. (2006), ilustrando o papel
dosconsultores durante um processo de estrategização, examinado as suas
interaçõescom os atores organizacionais no decorrer de jantares de negócios.
No entanto, ainda que este trabalho tenha implícita uma estrutura teórica
eevidências empíricas válidas, este domínio continua a ser limitado em termos
depesquisa, pelo que, workshopsestratégicos e/ou reuniões, decisões
estratégicas, micro práxis, atores externos como os consultores e
interpretações eaceitações por parte dos participantes nesses mesmos workshops
e/ou reuniões, indicam um conjunto considerável deoportunidades para pesquisa
futura neste domínio.
O domínio H foca a relação entre atores agregados extraorganizacionais e
aspráxis estratégicas a um nívelorganizacional e suborganizacional. Neste
capítulo, pode-se salientar, noâmbito da consultoria de gestão, os trabalhos de
Laine e Vaara (2007) e Sminia(2005), ambos focados na influência dos
consultores externos em termos doplaneamento e implementação de estratégias nas
organizações, ainda que não reflitamde todo a necessidade e o focus quese deve
refletir sobre os consultores externos ou outros atores
agregadosextraorganizacionais e sobre a sua influência sobre as práxis
estratégicas de uma organização em específico, de forma aexaminar o jogo
relacional entre o que os atores externos fazem e as açõesestratégicas dessa
mesma organização.
O domínio I está, por fim, relacionado com a associação entre os
atoresextraorganizacionais e as macro-práxis,ou seja, as ações que estão à
partida institucionalizadas em termos de padrãonum dado setor ou indústria. O
interesse neste domínio tem de facto estado acrescer pelo que o focus se
devecentrar em termos da compreensão dos diferentes tipos de estratégia em
particular,nos recursos estratégicos como práticas institucionalizadas, assim
como naforma como essas práticas emergem, são envolvidas e modificadas através
da interaçãoentre múltiplos atores. Objetivo que se pode conseguir através do
estudo dainstitucionalização de tipos particulares de discursos estratégicos
dosconsultores versus discursosacadémicos (Seidl, 2007).
De todas as análises descritas por Jarzabkowski e Spee (2009), fica a
clarafalta de atenção nos atores extraorganizacionais, nomeadamente nos
domínios G eH, pelo que esta área de análise terá de ser mais trabalhada em
termos depesquisa a fim de que se possa contribuir com mais estudos empíricos e
teóricosque alimentem este campo da estratégia, nomeadamente da «estratégia-
como-prática».
Mas, tal como sugerido por Jarzabkowski e Spee (2009), o campo de oportunidades
parainvestigadores académicos não se fica por aqui, pois estes podem
tambémdegenerar no estudo das práticas estratégicas no que às emoções,
motivações eàs próprias identidades dizem respeito, ou no estudo das práticas
materiaisligadas a estratégias de âmbito tecnológico ou ainda no estudo das
práxis e dos practioners, tais como a tipologia dos nove domínios sugere.
Considerações finais
O presente artigo procurou ilustrar dois meios de divulgar o movimento da
«estratégia-como-prática».Se por um lado o direcionou num regresso ao nível
micro de análise, por outroprocurou apresentar, num contexto académico, um
desenvolvimento de um temarelativamente novo na vertente de investigação da
área de gestão,fundamentalmente ligado à tipologia dos nove domínios de
Jarzabkowski e Spee(2009) e às consequentes áreas de análise que poderão estar
abrangidas por estaabordagem de estudo em futuras pesquisas.
No quediz respeito ao direcionamento para a prática ilustrado neste artigo,
tratou-seportanto de um regresso ao nível micro de análise. Ainda que não seja
um temanovo nas ciências sociais (Brown e Duguid, 2001), é muito recente no
seio dainvestigação estratégica e encontra-se ainda por explorar em Portugal.
O argumento é que, dado este novo contexto, a obtenção de uma vantagem
competitiva podedepender não só do meio envolvente ou dos recursos e
capacidades da empresa,mas também, e crucialmente, das tarefas rotineiras do
trabalho de formulação eimplementação da estratégia ao nível micro.
O argumento é que, dado este novo contexto, a obtenção de uma
vantagemcompetitiva pode depender não só do meio envolvente ou dos recursos
ecapacidades da empresa, mas também, e crucialmente, das tarefas rotineiras
dotrabalho de formulação e implementação da estratégia ao nível micro.
Neste aspeto, procurámos que este artigo seja contribuição para a vertente
deinvestigação académica, através de um novo âmbito de estudo da estratégia,
mastambém para os profissionais na área empresarial, muitos dos quais começam
aficar desapontados com o que as escolas de gestão lhes têm para oferecer.
Estacontribuição toma especial relevância num momento em que as organizações
seencontram num meio envolvente cada vez mais turbulento, e em que os recursos
nabase da sua competitividade são cada vez mais transacionáveis.
Embora estas tarefas possam variar de organização para organização, é
fundamental,tanto para o meio académico como para o meio profissional, que se
venham aconhecer os «detalhes consequentes» do trabalho estratégico, e que
osprofissionais da área aprendam a adaptar e a fazer uso deles nos seus
contextosparticulares.
Por outro lado, é apresentada a tipologia dos novedomínios de Jarzabkowski e
Spee(2009), que nos remete para uma dimensão abrangente, não apenas focalizada
numator de forma individual, mas num conjunto de grupos de practioners, o que
constitui duas dimensões principais deidentificação de práticos estratégicos,
representando cada um dos camposidentificados possíveis áreas de estudo e de
pesquisa, nomeadamente nosdomínios G e H, relacionados com a forma em como os
atores extraorganizacionaisconstroem práxis de nível micro, e narelação entre
atores agregados extraorganizacionais e práxis estratégicas a um nível
organizacional e suborganizacional.
Lungreen e Blom (2009) já providenciaram umainterpretação não-ortodoxa da
dinâmica dos relacionamentos existentes entreconsultores e clientes
(suplantando a imagem tradicional dos consultoresestratégicos como poderosos
conselheiros em termos das necessidades dosclientes). Os dois autores avançaram
com uma visão de diferentes variações dedinâmicas e complexos relacionamentos
entre consultores e clientes, bem comodos diferentes papéis que são
constituídos e reproduzidos em termos deestatuto, políticas e poder pelos
consultores (Werr e Styhre, 2002).
No entanto, um facto que se constata é que as práticasdos consultores de gestão
continuam a não ser suficientemente apresentadas em estudosempíricos que
comprovem mudanças consideráveis neste aspeto (Jarzabkowski eSpee, 2009),
nomeadamente de forma a perceber aquilo que efetivamente estão a fazer, quer ao
nível dos artefactosmateriais que têm em mão, do seu posicionamento físico nos
diferentes episódiosestratégicos, das gargalhadas, das frustrações, da raiva,
da excitação, daantecipação, do aborrecimento e das próprias manobras e
políticas que trazem nopacote de práticas estratégicas (Jarzabkowski e Spee,
2009).
Ou seja, a única forma de desvendar estes elementos baseados nas atividades
epreencher a lacuna entre a teoria e a prática nesta matéria, será por
exemploentrar no setor de consultoria de gestão e no estudo do processo
detransferência de saberes e práticas organizacionais que são aplicadas
pelosconsultores nas suas empresas cliente. Isso contribuirá para apresentar
umconjunto de novos conhecimentos de valor acrescentado para o campo da
«estratégia-como-prática».