Gestão de auto-estradas: análise de eficiência das auto-estradas federais
brasileiras com portagens
O programa de privatização de empresas públicas, nos diversos níveis da
administração governamental, visa reduzir o défice público, criar novas
oportunidades de investimento, incentivar a competição e fortalecer o mercado
accionário.
No que tange especificamente ao sector rodoviário, as privatizações tiveram
como motivações principais: a necessidade de investir na infra-estrutura do
transporte; a incapacidade financeira, a curto-prazo, de investimento público;
a geração de novos empregos; e o desenvolvimento de novas tecnologias. Além
disso, eram esperados o aumento da segurança nas estradas e a redução dos
custos totais de transportes, ao adaptar a capacidade das auto-estradas em
função da demanda de tráfego. Atingidos esses objectivos, obter-se-iam, entre
outros, os seguintes benefícios: economia de combustível, redução do tempo de
percurso de viagens, conservação do veículo e segurança do motorista.
A privatização não significa isenção de responsabilidades por parte do poder
público. Este deve verificar se as concessionárias cumprem o estabelecido no
edital de licitação e prestam ao usuário serviços com qualidade mínima
aceitável. Dessa forma, é necessário acompanhar e avaliar a evolução desses
serviços.
Segundo Rocha (2002), as metodologias de aferição da qualidade das concessões
rodoviárias brasileiras podem ser avaliadas através de ranking de pólos,
vistorias e pesquisas de opinião. Já Zeithaml et al. (1990) afirmam que a
qualidade de serviços pode ser analisada através de aspectos tangíveis
(relativos à infra-estrutura da rede rodoviária), confiabilidade, receptividade
(relacionamento entre os funcionários da concessionária e os usuários),
garantia (manutenção da auto-estrada, fluidez de tráfego, segurança e
equipamento da polícia rodoviária) e empatia (relativa aos programas oferecidos
pela concessionária em benefício dos usuários).
Ao invés de avaliar cada concessionária de forma isolada, este trabalho
apresenta um estudo comparativo de cinco auto-estradas federais privatizadas,
com o uso da metodologia denominada Análise Envoltória de Dados (Data
Envelopment Analysis ' DEA). Foram considerados aspectos relativos à
arrecadação das praças de portagem, ao tráfego da auto-estrada, ao número de
acidentes, aos investimentos realizados, e à extensão total da auto-estrada.
Outros casos do uso de DEA no sector de transportes podem ser vistos, por
exemplo, em Soares de Mello et al. (2003), Fernandes e Pacheco (2002), Angulo
Meza et al. (2002), Novaes (2001), Adler e Golany (2001) e Gomes et al. (2001).
Auto-estradas avaliadas
Em 2002, existiam no Brasil cerca de 10 mil Km de auto-estradas privatizadas
(Rocha, 2002). Neste artigo, foram avaliadas cinco auto-estradas federais
brasileiras. Os dados utilizados referem-se à situação das auto-estradas Ponte
Rio-Niterói, Rodovia Rio-Teresópolis, Rodovia Rio-Juiz de Fora, Rodovia
Presidente Dutra e Rodovia Osório-Porto Alegre, correspondentes aos anos de
1999 e 2000, obtidos na homepage do antigo DNER, em Abril de 2002. Descrevem-
se, a seguir, algumas características dessas auto-estradas.
•PONTE ' Concessionária da Ponte Rio-Niterói S/A
Inaugurada na década de 1970, a Ponte Rio-Niterói é operada pela Concessionária
da Ponte Rio-Niterói S/A ' Ponte S/A desde Junho de 1995. Foi a primeira grande
estrutura rodoviária a ser concedida ao sector privado (www.ponte.com.br). A
Figura 1 mostra o trecho administrado pela PONTE S/A.
Figura 1
Trecho administrado pela concessionária PONTE S/A
Com um tráfego médio diário de 120 mil veículos, esse valor aumenta
substancialmente nas vésperas de grandes feriados e fins-de-semana, uma vez que
a ponte é a principal via de ligação entre a cidade do Rio de Janeiro e a
Região dos Lagos, onde estão localizados alguns dos principais balneários do
Estado do Rio de Janeiro.
•CRT ' Concessionária da Rodovia Rio-Teresópolis
Apesar de conhecida como Rio-Teresópolis, a auto-estrada corta importantes
municípios da Baixada Fluminense (Estado do RJ), como Duque de Caxias e Magé.
Ao subir a Serra dos Órgãos, passa por Guapimirim e Teresópolis, até alcançar
os municípios de São José do Vale do Rio Preto e Sapucaia, na fronteira com
Além-Paraíba em Minas Gerais (www.crt.com.br). Em Março de 1996, a CRT assumiu
a administração da auto-estrada Rio-Teresópolis (Figura 2). São 142,5 Km de
auto-estrada, com volume médio diário de tráfego de 20 mil veículos.
Figura 2
Trecho administrado pela concessionária CRT
•CONCER ' Concessionária da Rodovia Juiz de Fora-Rio
A concessão feita pelo Governo Federal foi firmada em Março de 1996, onde o
trecho de 179,7 Km que liga Juiz de Fora ao Rio de Janeiro passou a ser
administrado pela CONCER, formada por um conjunto de quatro empresas
accionistas (www.concer.com.br). Em sua extensão passam diariamente cerca de
120 mil veículos (Figura 3).
Figura 3
Trecho administrado pela concessionária CONCER
•NOVADUTRA ' Concessionária da Rodovia Presidente Dutra S/A
Em Janeiro de 1951, foi inaugurada uma nova ligação entre Rio de Janeiro e São
Paulo, que recebeu o nome de Rodovia Presidente Dutra. Com sérios problemas de
caixa, o Governo Federal foi obrigado a reduzir gradativamente os recursos
destinados à manutenção e modernização do parque rodoviário existente.
Em 1995, o Governo criou o Procrofe ' Programa de Concessões de Rodovias
Federais ' e incluiu a Dutra no primeiro pacote de trechos a serem dados em
concessão (www.novadutra.com.br).
Como liga as duas maiores cidades do país, esta rodovia é de grande importância
económica. Além disso, ainda atravessa o Vale do Paraíba onde estão instaladas
várias indústrias. A Figura 4 apresenta o trecho administrado pela
concessionária NOVADUTRA.
Figura 4
Trecho administrado pela NOVADUTRA
•CONCEPA ' Concessionária da Rodovia Osório-Porto Alegre S/A
Esta foi a primeira concessão rodoviária federal do Rio Grande do Sul, em Julho
de 1997. Tem 112,3 Km de extensão, ligando Osório e Eldorado do Sul (Figura 5).
A auto-estrada já chegou a registrar um pico de tráfego de cerca de 50 mil
veículos por dia (www.concepa.com.br).
Figura 5
Trecho administrado pela concessionária CONCEPA
Modelagem do problema
•Análise Envoltória de Dados
A Análise Envoltória de Dados (Data Envelopment Analysis ' DEA) é uma
metodologia que usa programação linear para avaliação de eficiências
comparativas de Unidades de Tomada de Decisão (Decision Making Unit ' DMU). A
eficiência relativa de uma DMU é definida como a razão entre a soma ponderada
de produtos (outputs) e a soma ponderada dos recursos necessários para gerá-los
(inputs). Os pesos usados nas ponderações são obtidos de um programa de
programação fraccionária que atribui, a cada DMU, os pesos que maximizam a sua
eficiência. Seu uso é de particular interesse quando se deseja determinar a
eficiência de unidades produtivas onde não seja relevante ou não se deseja
considerar somente o aspecto financeiro (Gomes et al., 2001).
Há dois modelos DEA clássicos: o modelo CRS ou CCR (Charnes et al., 1978), que
considera retornos de escala constantes, e o modelo VRS ou BCC (Banker et al.,
1984), que considera retornos variáveis de escala e não assume
proporcionalidade entre inputs e outputs.
Como não há nenhuma evidência de ganhos de escala, todos os dados foram
divididos pela extensão de cada auto-estrada, o que aconselha o uso do modelo
DEA CRS. Em (1) apresenta-se sua formulação geral.
Nesse modelo, conhecido como modelo dos multiplicadores, para a DMU o em
análise: a eficiência é dada por ; representa o input ida DMUk;representa o
output jda DMUk; e representam os pesos dados aos inputs i e aos outputs j,
respectivamente. Se é igual a 1, a DMU o em análise é considerada eficiente. As
variáveis de decisão deste problema de programação linear (PPL) são e .
•Construção de modelos em DEA
Na construção do modelo DEA, deve-se atentar quais variáveis serão consideradas
inputs e quais serão consideradas outputs. Muitas vezes, uma variável
representa algo que é produzido, mas cuja quantidade deve ser minimizada (e.g.
acidentes, poluição). Nesses casos, essa variável será, na realidade, tratada
como um input. De forma geral, as variáveis que se desejam maximizar são
consideradas outputs, e, caso contrário,inputs.
É fortemente aconselhável que exista uma relação de causa-efeito entre inputs e
outputs. A inexistência desse tipo de relação pode tornar conveniente o uso de
vários modelos DEA parciais em que essa relação exista. Dessa forma, evita-se o
uso de um modelo com grande número de variáveis, sem relação de causalidade.
Um modelo com grande número de variáveis pode acarretar outro problema, qual
seja, uma avaliação extremamente benevolente, com várias DMUs 100% eficientes.
Existe uma recomendação empírica de que o número de DMUs seja pelo menos o
dobro ou o triplo do número de variáveis. Estudos mais recentes (Gonzalez
Araya, 2002) indicam que essa relação deve ser ainda maior (4 a 5 vezes), em
especial, quando além do índice de eficiência deseja-se analisar os benchmarks
das unidades em avaliação.
•Definição dos modelos
As unidades de avaliação (DMUs) são as auto-estradas supracitadas. A fim de
avaliar-se a evolução temporal da eficiência dessas auto-estradas, a mesma
auto-estrada com os dados de 1999 e 2000 é considerada como duas DMUs
diferentes (Soares de Mello et al., 2003). Essa é uma hipótese razoável já que
as técnicas de gestão não apresentaram mudanças substanciais. Caso o objectivo
fosse verificar as mudanças de tecnologia, e como cada DMU se comporta em
relação a elas, seria necessário usar o índice de Malmquist (Färe e Grosskopf,
1992).
Diferentemente das abordagens tradicionais que utilizam dados qualitativos,
oriundos de questionários de pesquisa de opinião, as variáveis aqui usadas são
quantitativas, provindas de fontes oficiais.
Para garantir a relação de causalidade referida anteriormente, foram
construídos dois modelos de análise de eficiência. O primeiro (modelo parcial
I) busca medir se, no caso de o número de acidentes ser grande em relação ao
tráfego, a concessionária está investindo em medidas para a sua redução. Deve-
se ressaltar que as características do modelo DEA também tornam eficiente uma
concessionária que invista pouco por ter baixo índice de acidentes. As
variáveis desse modelo são acidentes/Km (input), investimento/Km (output) e
tráfego/Km (output).
A concessionária é eficiente se tiver uma alta relação entre investimento e
acidentes. Entretanto, também é eficiente se tiver alta relação entre
investimentos e receita, o que significa que uma concessionária que tenha
vários acidentes pode ser considerada eficiente se estiver usando um grande
percentual de suas receitas para melhorar as condições da auto-estrada.
Alternativamente, o segundo modelo (modelo parcial II) retracta o uso que é
dado à receita da concessionária. Tal como no modelo anterior, a concessionária
é eficiente se tiver uma alta relação entre investimento e acidentes.
Entretanto, também é eficiente se tiver alta relação entre investimentos e
receita, o que significa que uma concessionária que tenha vários acidentes pode
ser considerada eficiente se estiver usando um grande percentual de suas
receitas para melhorar as condições da auto-estrada. Nesse modelo, os inputs
são acidentes/Km e receita-dia/Km, e o output é investimento/Km.
Os modelos parciais reflectem a eficiência do ponto de vista de quem deseja
melhores serviços, seja o usuário ou a agência reguladora. Não reflectem,
portanto, a eficiência empresarial. Os dados utilizados nesses modelos
encontram-se na Tabela 1.
Tabela 1
Dados utilizados nos modelos DEA parciais
Para obter-se um índice único de eficiência a partir dos índices parciais dos
dois modelos, serão consideradas duas abordagens. Uma delas, considerada
benevolente, constrói um novo modelo DEA, no qual o input é unitário para todas
as DMUs e os outputs são os índices de eficiência (Soares de Mello et al.,
2000; Gomes et al., 2002). Essa formulação é denominada benevolente, porque
para que uma DMU seja eficiente, basta que o seja em um dos dois modelos
parciais. A segunda abordagem, agressiva, considera como índice de eficiência o
produto dos dois índices parciais (Soares de Mello et al., 2002). Assim, uma
DMU só é eficiente se o for em ambos os modelos parciais.
Resultados e análises
•Modelos parciais
A Figura 6 resume os resultados da aplicação do modelo DEA CRS para o caso do
modelo parcial I. Verifica-se que, de forma geral, as concessionárias
melhoraram ou mantiveram suas eficiências de 1999 para 2000. A excepção é a
queda, extremamente pequena, da CONCER.
Figura 6
Resultados do modelo parcial I
No modelo parcial II (Figura 7) nota-se a mesma tendência de aumento ou
manutenção dos índices de eficiência.
Figura 7
Resultados do modelo parcial II
Comparando-se os dois modelos, observa-se que há uma grande semelhança nos
resultados obtidos. Destaca-se a concessionária CONCER que apresenta
consistentemente índices mais elevados. Chama atenção a concessionária Ponte
que tem 100% de eficiência no modelo parcial I, e eficiências relativamente
baixas no modelo parcial II. Pela análise dos inputs e outputs de cada modelo,
esse fato significa que a Ponte Rio-Niterói é uma auto-estrada comparativamente
segura onde é cobrada uma taxa na portagem extremamente elevada para sua
extensão.
•Modelos globais
As Figuras 8 e 9 apresentam os resultados dos modelos globais ' benevolente e
agressivo, respectivamente. Nota-se uma grande consistência entre os resultados
dos dois modelos globais, embora, como é evidente, as eficiências no modelo
benevolente sejam mais elevadas que no modelo agressivo.
Figura 8
Resultados do modelo global benevolente
Figura 9
Resultados do modelo global agressivo
Deve-se destacar, mais uma vez, os bons índices da CONCER em ambos os modelos e
a discrepância dos resultados para a concessionária Ponte, cujos motivos já
foram abordados.
A Tabela 2 traz a posição relativa de cada concessionária em cada modelo. Nessa
Tabela, o valor 1 refere-se à melhor posição, ou seja, maior eficiência.
Tabela 2
Posição relativa de cada DMU em cada modelo DEA
Conclusões
A avaliação de eficiência, segundo a abordagem DEA, complementa as abordagens
tradicionais de avaliação que fazem uso de questionários. Essa abordagem
introduziu uma vertente comparativa e quantitativa aos estudos que eram
eminentemente qualitativos e, assim, subjectivos.
Os índices de eficiência globais permitem avaliar a actuação das
concessionárias. É importante salientar que os resultados dos modelos parciais
também trazem informações relevantes referentes à qualidade dos serviços
prestados, explicitadas ao longo do texto. Em quaisquer dos índices de
eficiência ' global ou parcial ' devem-se analisar os resultados junto com a
estrutura do modelo que o gerou, de forma a evitar interpretações erróneas.
Finalmente, verifica-se uma tendência de melhoria das eficiências das
concessionárias ao longo do tempo. Dados actualizados seriam necessários para
ratificar ou rejeitar essa tendência.