Inovação no setor público: Análise comparativa entre organizações do Brasil e
Portugal
O conceito de inovação, fundamentado em Dosi (1982), inclui a busca,
descoberta, experimentação, desenvolvimento, melhoria e adoção de novos
produtos, serviços, processos e novas técnicas organizacionais. A inovação é
percebida nas características finais de produtos e serviços como o resultado da
mobilização da capacidade técnica, das competências do fornecedor e das
próprias competências do cliente na prestação de serviço.
Inovar a administração de organizações públicas pode significar melhores
serviços prestados aos cidadãos e melhor desempenho dessas organizações. É
nesse contexto que se insere a pesquisa que deu origem ao artigo, com o
objetivo de identificar e analisar práticas de gestão de organizações públicas
brasileiras e portuguesas, considerando a sua orientação no sentido da
inovação.
A pesquisa realizada pode ser considerada inédita, no sentido de buscar medir
fatores de orientação para inovação em organizações brasileiras e portuguesas
com desempenho destacado, que usam modelo de avaliação de desempenho da gestão
considerando a complexidade do ambiente público.
Para tanto, foram identificadas as melhores práticas de gestão da inovação nas
organizações que compõem a amostra deste estudo. O constructo Orientação para
Inovação refere-se a abertura da organização a novas ideias e a propensão à
mudança por meio de novas tecnologias, recursos, habilidades e sistemas
administrativos (Zhou et al., 2005).
A inovação, segundo os pressupostos schumpeterianos, pressupõe algo novo que
acrescente valor para os stakeholders organizacionais e que, eventualmente,
possa ser replicado em outros contextos (mercados, setores, áreas, processos ou
partes interessadas). Este valor gerado pela inovação, às vezes, é observado
com lentes distintas nos setores público e privado. Enquanto o primeiro foca o
interesse coletivo, o segundo prioriza o lucro. Para Pollitt (1993), existem
fatores de diferenciação entre os setores público e privado, que são
incontornáveis e condicionam, se não desvirtuam, a aplicação de conceitos e
técnicas oriundas do setor privado no setor público. Estes fatores são:
responsabilidade perante os representantes eleitos; objetivos e prioridades
múltiplos e conflitantes; ausência ou raridade de organizações em competição;
relação oferta/rendimento; processos orientados ao cliente/cidadão;
administração do pessoal; enquadramento legal.
No setor público, o tipo de inovação mais comum é a inovação organizacional,
percebida como a implementação de uma prática de gestão, processo, estrutura ou
técnica que é nova para o estado da arte e contribui para o alcance de
objetivos e metas organizacionais (Birkinshawet al., 2008). Na mesma linha,
Hamel (2007) registra que inovação organizacional significa qualquer
intervenção que altera substancialmente a forma pela qual o trabalho da gestão
(princípios e práticas) é executado ou que modifica significativamente formas
organizacionais costumeiras (estrutura e função), de modo a melhorar o
desempenho da organização.
O conceito de inovação passa a ter um nível de complexidade diferenciado,
quando aplicado ao contexto de organizações públicas, objeto deste estudo,
devido às peculiaridades envolvidas na gestão de serviços públicos.
Considerando os diversos enfoques do conceito de inovação e por ser um
constructo complexo e estudado por múltiplas perspetivas, em diferentes níveis
de análise e por várias áreas de conhecimento, adota-se nesse artigo o seguinte
conceito de inovação para o setor público: geração e implementação de novas
ideias ou padrões de comportamento inerentes aos componentes do serviço
prestado, que agrega valor econômico e social à organização e a seus distintos
stakeholders.
No caso do setor público, as iniciativas de inovação na gestão inserem-se em um
movimento mais amplo de mudança na administração pública, denominado Nova
Administração Pública (NAP). Trata-se da adoção, na gestão de organizações
públicas, de modelos e métodos de gestão baseados no planejamento,
acompanhamento e controle, com foco em objetivos e metas, utilizados em
empresas privadas, com as necessárias adaptações ao setor público.
A NAP, com seu pressuposto de eficiência técnica, passa a ser vista como um
modelo a ser emulado em processos de modernização da Administração Pública de
distintos países, cujo risco de adoção de modismos, ignorando a cultura, a
trajetória administrativa e o conhecimento acumulado, não foi levado em
consideração por algumas administrações (Abramson e Kamensky, 2002). Nem sempre
se alcançou o objetivo de redução de custo e muito menos, a resultante
dialética entre a administração do setor privado com suas técnicas de
maximização de recursos e a administração do setor público, com a priorização
do interesse público (Bourgault, 2004).
Posto este cenário, diversas questões se colocam sobre a orientação para
inovação no setor público. A mesma reflexão crítica que se faz à NAP, quanto à
expectativa, às vezes ingênua, de alinhar o interesse público às premissas da
gestão do ambiente privado competitivo, também se aplica a cultura de inovação
e ao senso em que esta é submetida no contexto público, à luz das abordagens
originárias das teorias econômicas.
Metodologia
Os dados desta pesquisa foram coletados por meio de documentos e entrevistas. A
população compreende 75 organizações públicas, assim distribuídas: 32
organizações públicas brasileiras finalistas da avaliação do Modelo de
Excelência em Gestão Púbica (Gespública); 29 organizações públicas portuguesas
com desempenho excelente, segundo a avaliação do Sistema Integrado de Gestão e
Avaliação do Desempenho (SIADAP), e 14 organizações públicas portuguesas
vencedoras do Prêmio Inovação no setor público do Sistema de Avaliação
Deloitte. Foram consultados instrumentos explicativos desses sistemas de
avaliação e os resultados das avaliações realizadas no ciclo 2008.
Na revisão de literatura, observou-se um conjunto de pesquisas que investigaram
condicionantes de inovação em organizações (Chen et al., 2009; Gebauer et al.,
2008), além da contribuição de Jong e Vermeulen (2003), que indica a
necessidade de múltiplas competências em equipes, áreas e organizações para
geração de valor às partes interessadas. Consolidando-se os resultados, foram
encontrados 15 fatores condicionantes da inovação: envolvimento dos
trabalhadores da linha de frente; partilha de informação; equipes
multifuncionais; ferramentas; tecnologias de informação; organização interna;
formação e educação; presença de excelência de serviço; autonomia dos
empregados; pesquisa de mercado; teste de mercado; foco estratégico; contatos
externos; disponibilidade de recursos e suporte gerencial. Esses fatores
serviram de base para a construção do roteiro de entrevistas utilizado na
pesquisa.
Foram entrevistados, no período entre junho e outubro de 2011, 21 gestores de
organizações participantes da pesquisa, que tivessem domínio do funcionamento
das organizações em que trabalham e do funcionamento dos respetivos modelos de
avaliação utilizados. Em 10 organizações, cujos gestores mostraram
disponibilidade, foram realizadas, também, entrevistas com o uso da técnica de
grupo focal. Os dados coletados nas entrevistas individuais e grupais foram
gravados, tiveram duração média de uma hora e trinta minutos e serviram de base
para as análises subsequentes. Também foram entrevistados sete especialistas em
processos de inovação no setor público, sendo cinco brasileiros e dois
portugueses, a fim de identificar boas práticas de gestão de inovação.
Para análise dos dados foram transcritos os conteúdos das entrevistas
individuais e dos grupos focais, e tratados com a técnica de análise de
conteúdo, conforme proposto por Bardin (2002), técnicas de construção de
sentidos dos discursos e construção de núcleos de conteúdo com o auxílio do
software Alceste, versão 10.0. Foram criadas categorias a posteriori, através
da organização dos elementos da mensagem com características comuns, garantindo
a exclusão mútua (os dados não pertencem a mais de uma categoria), a
pertinência (as categorias atendem as questões propostas nesta pesquisa) e
objetividade (descrição sumária dos elementos referentes a cada categoria).
As análises permitiram encontrar, tanto nas organizações brasileiras, como nas
portuguesas, duas dimensões explicativas do processo de gestão da inovação. A
Dimensão 1, denominada Indução à Inovação, refere-se a variáveis promotoras de
inovação, enquanto a Dimensão 2, identificada como Comportamento Reativo à
Inovação, inclui variáveis relativas a reatores de inovação.
Com base na análise documental, na revisão de literatura e nas entrevistas com
sete especialistas em gestão da inovação no setor público, identificou-se um
conjunto de 24 boas práticas de gestão da inovação. Este conjunto de boas
práticas teve sua frequência medida na amostra de organizações pesquisadas,
quando identificada de forma sistematizada, continuada e integrada ao respetivo
modelo de gestão.
Análise dos dados das organizações brasileiras
Em relação aos dados das entrevistas realizadas em organizações brasileiras, a
Dimensão Indução à Inovação inclui práticas de gestão que promovem o processo
inovador, como: benchmarking, treinamento, foco em competências, Pesquisa &
Desenvolvimento (P&D) realizado de forma sistemática, pipeline de projetos
multidisciplinares, gestão de ideias, roadmapping, gestão do conhecimento, área
dedicada às atividades de pesquisa e inovação, sistema de liderança orientado
ao novo, serviços integrados e desmaterializados.
As práticas de benchmarking resultam de interações entre organizações,
oportunidade em que experiências exitosas identificadas em uma ou mais
organizações são transferidas a outras. Entrevistados apontaram, nessa linha,
parcerias mantidas com universidades e outras empresas congêneres, com vistas
ao desenvolvimento de inovações, desenho de novos serviços e adoção de novos
padrões de trabalho.
Como exemplo de P&D, apresentam-se práticas de desenvolvimento de projetos
de pesquisa e inovação, com o objetivo de obter soluções tecnológicas, projetos
esses desenvolvidos, geralmente, em parceria com pesquisadores de
universidades, como foi identificado na organização Eletronorte.
No âmbito da gestão do conhecimento, foi identificada prática de transferência
de tecnologia entre parceiros externos como mecanismo de geração de
competências, incluindo a prática de formação de equipes multidisciplinares de
melhorias processos e/ou serviços. Paralelamente, a prática de gestão de ideias
fez-se presente com o objetivo de alimentar repositório de inovações. Como
exemplo de roadmapping, apresenta-se o relato de um entrevistado da organização
Correios: «(...) fazemos reuniões de coordenação para avaliar os efeitos das
estratégias e táticas (...) é uma análise crítica do desempenho, dos efeitos
das decisões, dos resultados».
Já a Dimensão denominada Comportamento Reativo à Inovação apresenta as
características organizacionais de resistência à inovação. Nesta, foram
encontradas práticas culturais de resistência ao novo, liderança passiva e
ausência de práticas de fomento à inovação. Desdobrando-se esse fator,
percebeu-se que as dificuldades encontradas no processo de inovação referem-se
a: resistência à mudança de paradigmas; descontinuidade das equipes e de
projetos exitosos, devido a alternância de poder na gestão pública; ausência de
planejamento para transferência de conhecimento, prejudicando a formação de
novas equipes; falta de política corporativa que estimule o processo inovador e
o desenvolvimento de lideranças com perfil inovador, corroborando a tendência à
acomodação e manutenção das rotinas, comum no serviço público.
Houve registro de falta de disseminação de boas práticas de inovação, conforme
relato de entrevistado de organização da área de água e energia: «... somente
nas áreas certificadas há mecanismo para gerenciamento de novas ideias, equipe
dedicada às atividades de busca de novos conhecimentos e processo de
ambientação de novos colaboradores».
Foi observada a ausência de experimentação de novos serviços em organizações
onde não foi identificado processo sistematizado de melhoria nos processos,
produtos e serviços, conforme relato a seguir, de um entrevistado dos Correios:
«... as melhorias ocorrem por carreira solo, ou seja, eu com minha equipe
fazemos melhorias, mas não ocorre na empresa como um todo».
Quanto à lacuna de benchmarking, esta tem impacto direto na atuação em rede na
organização pública, conforme depoimentos a seguir: «... ausência de interação
com outras organizações do setor para a prática de benchmarking, benchlearning
e construção de redes» (Subprefeitura de São Miguel); «... empresa fechada, com
uma visão de autossuficiência... resistência a conhecimento e técnicas externas
por parte dos gerentes» (Correios); «Não há iniciativa sistematizada de
interação com outras organizações do setor» (Subprefeitura de São Miguel).
Análise dos dados de organizações portuguesas
Também para os dados das organizações portuguesas a Dimensão Indução à
Inovação, apresenta as características organizacionais promotoras de inovação,
como: atuação em rede, reconhecimento de competências, benchmarking, projeto
institucional voltado à difusão da inovação (missão, visão, objetivos,
valores), treinamento e desenvolvimento de competências, gestão do
conhecimento, sistema de liderança atuante e cultura orientada ao novo.
Adicionalmente, identificaram-se práticas de atuação em redes de conhecimento
nacionais e internacionais, conforme relatos a seguir: «... integração com a
rede europeia de laboratórios de metrologia. Para nós, benchmarking é rotina.
Participamos no desenvolvimento de um conjunto normativo de gestão de inovação
a partir de Klein e Rosemberg. Relação com parceiros (face-a-face), plataforma
colaborativa, workflows internos, processos desmaterializados, e extranet com
fornecedores e clientes» (Instituto Português da Qualidade); «... rede
colaborativa junto a clientes e fornecedores» (Instituto Português da
Qualidade).
Como exemplos de desenvolvimento e reconhecimento de competências, foram
observadas práticas de estágios em outras administrações públicas, interação e
relacionamento com empresas dos mais diversos ramos, premiações internas
visando o reconhecimento de resultados alcançados, busca permanente da
comparação com referenciais externos de desempenho e análise crítica de
desempenho, conforme apontado por um dos entrevistados da organização Serviço
de Estrangeiros e Fronteiras.
Quanto à gestão de conhecimento, observou-se a cultura de partilha do
conhecimento, o aprendizado coletivo a partir da tolerância ao erro e a
disseminação do conhecimento entre os demais níveis da organização, conforme
relatos a seguir: «... há aprendizado coletivo a partir de experiências de
insucesso» (Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves);
«Quando um empregado participa de formação, regressa e preenche uma ficha
apresentando uma proposta de aplicação deste conhecimento, em reuniões de
caráter semiperiódico... pelo menos de 15 em 15 dias» (Gabinete de Prevenção e
Investigação de Acidentes com Aeronaves); «Há jornadas de modernização
administrativa. Estas jornadas internas para endomarketing foram válidas porque
os funcionários não sabiam os outputs e outcomes das outras áreas. A jornada de
modernização interna tem duração de dois dias. Em todos os serviços, um
funcionário apresentava o novo processo para toda a organização. Era aberta a
todo público interno e externo... Os funcionários sentiram-se valorizados. O
Presidente participou diretamente de todo o evento» (Câmara de Águeda).
A performance de excelência é diretamente afetada pela qualificação dos
recursos humanos com foco nos objetivos, estrutura enxuta, proporcionando
proximidade dos dirigentes com os funcionários e derivando processo de
comunicação simples com reuniões regulares para e desdobramento e
acompanhamento das metas, como exemplo do Estádio Universitário de Lisboa.
A relevância da liderança, como mola propulsora da cultura organizacional, foi
registrada por entrevistados como estímulo de presença de projetos
multidisciplinares patrocinados pela alta direção da organização, conforme
relatos a seguir: «Não cabe mais o modelo de liderança do Quero, posso e
mando'. É momento de equilíbrio entre a autocracia que a administração pública
exige e a democracia produtiva da administração contemporânea» (Câmara de
Águeda); «É percetível que há uma dose de ousadia e coragem das lideranças
aliada à tecnologia. Estas são características fulcrais para manutenção de uma
cultura inovadora. Os fatores mais presentes são a Liderança, pelo exemplo...
Liderança com vontade e capacidade de assumir riscos... o esforço de
aprendizagem de todos e para todos, clareza dos ganhos coletivos, orientação
para resultados» (Câmara de Águeda).
Na Dimensão 2, Comportamento Reativo à Inovação, foram identificadas condutas
como: descontinuidade de projetos e ações, ausência de cultura de avaliação de
desempenho, ausência debenchmarking, compostos culturais de resistência ao novo
e falta de capacidade de implementação de ideias.
Identificou-se distanciamento entre as práticas de gestão e o monitoramento de
demandas da sociedade de forma sistematizada. Também foi ressaltado por
entrevistados que o acúmulo de trabalho inibe a visão para a nova realidade da
Administração Pública, intensificada pela descontinuidade das linhas de gestão.
Uma lacuna observada na revisão de literatura e confirmada na análise de dados,
refere-se à dificuldade de mensurar a inovação, seja no nível de resultados,
seja quanto aos esforços de inovação. Também foi apontada a ausência de
estrutura dedicada para pesquisa, desenvolvimento, busca de novos conhecimentos
e monitoramento de inovações externas.
As inovações em início de uso demonstraram que o maior desafio refere-se ao
choque de cultura organizacional dedicada à manutenção de rotinas e a
descentralização do poder da informação. Esse quadro foi intensificado em áreas
com pessoas com perfil passivo e desestimulado para gerar inovações, impactando
na falta de capacidade de implementação de ideias aprovadas. A ausência de
mapeamento de competências prejudica a operacionalização de ideias inovadoras.
Repertório de boas práticas de gestão de inovação
Foram identificadas 24 Boas Práticas de Gestão de Inovação utilizadas pelas
organizações pesquisadas, de Brasil e Portugal, com base no conteúdo das
entrevistas. Essas práticas são apresentadas na Tabela, em ordem decrescente de
proporção de organizações que as utilizam.
Discute-se a seguir as práticas de maior magnitude da Tabela, i.e., aquelas com
frequência de uso igual ou superior a 50% na amostra de organizações
pesquisadas. Desta forma, foram selecionadas as práticas: partilha de
conhecimentos entre colegas de trabalho, utilizada por 86% das organizações da
amostra; qualificação dos empregados com vistas a aprimorar processos e
serviços, por 76%; alinhamento das atividades de qualificação dos empregados às
estratégias da organização, 76%; relacionamento com organizações parceiras,
71%; identificação de métodos de trabalho de outras organizações para poder
melhorar os procedimentos internos, 71%; adoção de referenciais comparativos
externos como parâmetro de avaliação dos resultados dos serviços, 57%; melhoria
nos processos de trabalho, 52%; implementação de novos métodos de trabalho a
partir de experiências bem sucedidas em outras organizações, com 52%; e,
monitoramento das ações de outras organizações, com outros 52%.
Como mostram os dados da Tabela, a prática de gestão partilha de conhecimentos
entre colegas de trabalho, é utilizada por 86% das organizações pesquisadas,
mostrando que a interação entre pares internos é a prática mais comum de apoio
à inovação, segundo a perceção dos entrevistados. Trata-se de prática de gestão
alinhada com um ambiente organizacional em que prevalece a cooperação entre
colegas de trabalho e geralmente apontada pela literatura como indutora de
inovações, corroborando Coutinho e Bontempo (2007) que apontam o estoque de
conhecimento coletivo, acumulado ao longo do tempo, como antecedente para o
processo de inovação.
Na sequência, aparecem as práticas qualificação dos empregados com vistas a
aprimorar processos e serviços e alinhamento das atividades de qualificação dos
empregados às estratégias da organização, utilizadas por 76% das organizações
pesquisadas. Essas práticas referem-se a processos de treinamento e
capacitação, assim como ratificado por Gebauer et al. (2008).
Chama a atenção que a prática de qualificação de fornecedores para melhoria do
processo de desenvolvimento de produtos e serviços não foi observada em nenhuma
organização da amostra, o que demonstra um hiato entre a literatura revisada e
a prática no setor público.
Dentre as organizações com frequência acima de 60% de adoção de práticas de
gestão da inovação, três são brasileiras e duas são portuguesas. As
organizações brasileiras são: Exército, com 75% das práticas apresentadas;
Eletronorte, com 67% e Empresa Metropolitana de Águas e Energia, com 63%.
Quanto às organizações portuguesas, destacam-se a Agência de Modernização
Administrativa, com 71% das práticas de gestão e a Câmara de Águeda, com 67%.
Os índices mais baixos pertencem aos Gabinetes de Planeamento, Estratégia,
Avaliação e Relações Internacionais do Ministério das Finanças e do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal, ambos com 8%.
Discussões, conclusões e recomendações
De acordo com as entrevistas, o desempenho e a orientação da inovação podem ser
explicados quando está presente, na organização, uma liderança com visão e com
capacidade de mobilização de pessoas. Quando vinculadas às estratégias, as
práticas de gestão que orientam a inovação tendem a fortalecer e gerar
elementos culturais de inovação. As organizações que conseguiram implementar
modelos de gestão de projetos para incubar inovações apresentaram diferenciais
de desempenho e se constituíram benchmarks naturais em seus modelos de
avaliação.
De uma maneira geral, observou-se, nas entrevistas, pouca sensibilização em
relação à inovação e, menos ainda, em relação à aprendizagem organizacional, de
forma estruturada e sistematizada. Também foi verificado que poucas
organizações se preocuparam com o papel das chefias intermediárias. Tais
chefias funcionam como o pulmão da organização, uma vez que interferências
políticas pela alta direção podem ser isoladas nas chefias intermediárias.
Verificou-se a partir das entrevistas, a necessidade, para dar maior dinamismo
na Administração Pública, de criar novas lideranças a partir de programas de
formação de lideranças dentro do contexto de inovação. Foi observado no
conteúdo das entrevistas que a liderança pode mobilizar e flexibilizar a
organização, independente das normas e leis. Isso pode mudar a utilização do
conhecimento de empregados.
Na amostra estudada há organizações que têm inovações incrementais
disseminadas, substancialmente a maioria, e outras radicais para o setor
público, que são raras. A questão da transversalidade e da disseminação é
fundamental para a inovação. Mesmo que a inovação não seja inédita para o setor
como um todo, os valores gerados para cada organização poderiam ser
reconhecidos.
O benchmarking, de forma geral, não foi observado como prática sistematizada,
generalizada e estimulada, mas quando implementado por organizações públicas de
excelência que servem de referência para o setor público pode ser alavancado
nesse setor. Sem a presença de um agente de articulação de benchmarking, a
troca é mais difícil. O governo poderia assumir o papel de agente de
articulação de benchmarking para que a troca de competências e experiências
fosse menos complexa. A própria participação em prêmios de reconhecimento
organizacional gera a cultura de comparação externa dos desempenhos alcançados.
Pelos dados analisados, três organizações foram percebidas como benchmarks, nos
respetivos modelos de avaliação da gestão, onde demonstraram, explicitamente,
nexo causal entre resultados e práticas de gestão sistematizadas conduzidas por
suas escolhas estratégicas. Também pôde-se verificar como marcas de
organizações as que tendem a promover trocas com o ambiente, a tolerância ao
erro durante o processo de inovação, o interesse por novas ideias e as práticas
de aprendizagem colaborativa. Tais ações, ainda escassas no setor público, já
têm sementes disseminadas em organizações que estão provocando mudanças de
paradigmas nos setores a que pertencem, por meio de uma nova forma de
administrar e ofertar serviços aos usuários.
A inovação em organizações públicas só passará a gerar mais-valia para os
diversos stakeholders (usuários, empregados, governo, sociedade, fornecedores)
quando o modelo de gestão considerar práticas de orientação para inovação no
conjunto de seu sistema organizacional. Do contrário, obter-se-á inovação pela
inovação, dissociada do interesse público. Esse tema torna-se especialmente
complexo na Administração Pública, por refletir a influência de seus líderes no
incentivo à adoção de inovação como meio para melhorar a efetividade
organizacional e promover melhorias, i.e., serviços públicos mais eficientes e
efetivos para os cidadãos.